Discurso durante a 100ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Oposição à redução da maioridade penal e sugestão de alternativas para enfrentar a criminalidade.

Autor
Ana Rita (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Ana Rita Esgario
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS, LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Oposição à redução da maioridade penal e sugestão de alternativas para enfrentar a criminalidade.
Publicação
Publicação no DSF de 21/06/2013 - Página 38721
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS, LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • DEFESA, REJEIÇÃO, PROPOSTA, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO PENAL, OBJETIVO, REDUÇÃO, MAIORIDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, ELOGIO, ATUAÇÃO, GOVERNADOR, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES), RELAÇÃO, COMBATE, VIOLENCIA, VITIMA, CRIANÇA, ADOLESCENTE.

            A SRª ANA RITA (Bloco/PT - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, a questão da redução da maioridade penal é candente na sociedade brasileira, no Congresso Nacional, na mídia e nas redes sociais neste momento, dividindo opiniões acerca da punição de crianças e de adolescentes que cometem delitos e se colocam em conflito com a lei.

            Quando o assunto ganha notoriedade, reacende com força o debate público, sobretudo quando jovens se envolvem direta ou indiretamente em delitos graves. As infrações por eles praticadas ganham sempre grande repercussão na mídia, reforçando o estigma da marginalidade, quase sempre de forma seletiva, assertiva contra adolescentes e jovens oriundos dos setores populares e mais carentes da sociedade.

            Tenho ciência do quanto é difícil abordar o tema em períodos em que a sociedade está comovida, afetada pela emoção e pelo calor dos acontecimentos, particularmente quando trágicos. No entanto, é premente a necessidade de nós, militantes e defensores dos direitos humanos, chamarmos a racionalidade ao debate, fazermos uma avaliação mais distanciada dos fatos, com a devida responsabilidade que nos cabe a respeito da real necessidade de mudanças na legislação e dos possíveis impactos que essas alterações podem trazer ao conjunto da sociedade e do País. Para tanto, é necessário desmistificar uma série de afirmações que vão sendo propagandeadas e amplificadas junto à sociedade. Aliás, um tema de tamanha delicadeza e importância como esse deve ser tratado com prudência, sem apelos emocionais e, muito menos, motivado por índices de pesquisas.

            No sentido de estabelecer o necessário contraditório a uma série de afirmações, muitas infundadas, a partir do senso comum, é que trago aqui, Srs. Senadores, estudos e dados que, de maneira clara e assertiva, nos mostram que a redução da maioridade penal não vai reduzir a violência em nosso País.

            A meu ver, esse debate vem sendo feito de maneira invertida. Em vez de buscarmos as causas do problema da violência, que estão relacionadas a práticas complexas e profundas, multiplamente determinadas, sendo transversais a fatores culturais, sociais e econômicos, debatem-se apenas as consequências. Grande parte das afirmações apresentadas, se forem levadas a cabo, condenarão justamente aqueles que já são vítimas notórias do Estado e do conjunto da sociedade, ou seja, as crianças e os adolescentes, especialmente pobres e negros.

            Dados de pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), realizada em 2012, mostram que 50% dos jovens privados de liberdade não frequentam escola antes da internação. Oito por cento são analfabetos, e 86% pararam de estudar em alguma série do ensino fundamental, sendo que 80% deles já eram usuários de drogas.

            O número de crianças e adolescentes vítimas de crimes e violências é, no Brasil, muito maior que o de jovens infratores. Parcela significativa desses adolescentes sofreu algum tipo de violência antes de cometer o primeiro ato infracional, ou seja, são provenientes de um círculo de violência que atravessa reiteradamente o seu cotidiano. Dados do Mapa da Violência de 2012 revelam que mais de 8.600 crianças e adolescente foram assassinadas em 2010, em território brasileiro. Mais de 120 mil foram vítimas de maus tratos e agressões, segundo denúncias feitas ao Disque 100 da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, no período de janeiro a novembro de 2012. Além disso, é preciso afastar os rótulos de que, por não defender a redução da maioridade penal, defensores de direitos humanos são favoráveis a qualquer tipo de impunidade.

            A verdade é que a lei brasileira vigente já responsabiliza crianças e adolescentes. O que há é uma grande confusão em torno dos conceitos de inimputabilidade penal e impunidade. O Estatuto prevê, sim, sanções aos jovens que podem ser responsabilizados com medidas socioeducativas, sendo prevista, inclusive, a privação de liberdade por até três anos.

            O objetivo do Estatuto, ao adotar a teoria da proteção integral, não objetivou manter a impunidade, e, sim, puni-los de maneira diferente dos adultos, assegurando-lhes os meios e as condições para que pudessem ser reinseridos socialmente, dando-lhes oportunidade de reingressar construtivamente à sociedade, a partir de políticas de educação, formação profissional, esporte e lazer, obrigatórias em todas as unidades de internação.

            Portanto, a medida socioeducativa é uma conquista social, fruto de um amplo debate com a sociedade, assegurada no Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de inibir a reincidência, além de ter caráter pedagógico e educativo.

            Defender que a escalada da violência no País é “culpa” do Estatuto, da “permissividade” da lei para com os infratores, é uma absurda inversão que não condiz com a realidade objetiva. Em vez de questionar o ECA, seria mais construtivo que nos debruçássemos sobre as raízes dos problemas e reconhecêssemos que a esmagadora maioria dos Estados não implementou efetivamente o Estatuto, nem garantiu políticas públicas de prevenção à violência ou mesmo de atendimento adequado àquelas crianças e jovens que atentaram contra a lei.

            Na prática, Srs. Senadores, Srª Senadora, o que se vê hoje são adolescentes sendo privados de liberdade em um sistema falho, idêntico ao dos adultos, desassistidos das políticas públicas legalmente previstas, sendo tratados como criminosos irrecuperáveis.

            Quem conhece a situação do sistema prisional brasileiro sabe em que condições se encontram os apenados, vítimas cotidianas de graves violações de direitos humanos, tornando praticamente impossível que qualquer ser humano saia de lá melhor do que entrou.

            Colocar esses jovens em um sistema prisional falido, com uma infraestrutura precária e um déficit de mais de 262 mil vagas, submetendo-os, cotidianamente, a práticas medievais de torturas físicas e psicológicas, a condições humilhantes e degradantes da dignidade humana, seria agravar ainda mais o problema. Tratar o adolescente como criminoso e aprisioná-lo, juntamente com adultos condenados, representará enorme retrocesso. Além de contribuir para o aumento do inchaço populacional das cadeias, isso aumentaria a segregação e facilitaria contato desses jovens com organizações criminosas nos presídios, comumente chamados de escolas do crime.

            Dados do sistema de atendimento da Fundação Casa, do Estado de São Paulo, apresentados em 2010, mostram que a reincidência foi de 12,8%, enquanto, no sistema prisional convencional para adultos, essa taxa é de 60%. Ou seja, é real que a grande maioria dos adolescentes tem muito mais chances de traçar outros projetos de vida, distantes da criminalidade, que um adulto. Enviá-los a verdadeiros depósitos humanos seria reduzir em muito as chances de recuperação e reinserção social, negando-lhes a possibilidade de ter sonhos e de construir um futuro diferente.

            Caso seja aprovada tal medida, ela deverá ser considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, pois o art. 228 da nossa Constituição Federal estabelece que é direito do adolescente, com idade inferior a 18 anos, responder por seus atos mediante o cumprimento de medidas socioeducativas, sendo inimputável em relação ao sistema penal convencional. Somado a isso, o art. 60, que versa sobre os direitos e as garantias individuais, está entre as cláusulas pétreas da nossa Constituição, que só podem ser modificadas por uma nova Assembleia Nacional Constituinte.

            Contudo, mais do que isso, a redução da maioridade penal no Brasil representaria ainda uma enorme mácula para sua imagem internacional, mundialmente reconhecida, por ter uma das legislações mais avançadas do mundo no que diz respeito à proteção de crianças e adolescentes, configurando grave violação à Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente, da qual o País é signatário.

            Enfrentar a questão com responsabilidade significa implementar apropriadamente o estatuto e investir em políticas de qualidade que permitam aos adolescentes condições para exercerem de forma plena a sua cidadania. Temos que admitir que a violência praticada pelos jovens - e aqui, Sr. Presidente, diga-se de passagem, apenas 3% dos homicídios cometidos no País são praticados por adolescentes até os 18 anos - é a expressão de uma sociedade violenta, que historicamente lhes cerceou direitos e os abandonou à própria sorte.

            Quero, nesta oportunidade, registrar que o Governador do meu Estado do Espírito Santo, Renato Casagrande, nesta semana, esteve reunido com entidades de direitos humanos do Espírito Santo, reafirmando o seu compromisso e o de seu governo contra a redução da maioridade penal. Além disso, o Governador ouviu atentamente os pleitos das entidades e tomou iniciativas que considero acertadas para enfrentar a questão da violência, que atinge crianças e adolescentes em nosso Estado e no nosso País: a de criar um grupo, formado por secretários de Estado e integrantes da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória e do Conselho Estadual de Direitos Humanos, para adotar medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente que ainda não foram implementadas no Estado.

            É com iniciativas como essa que iremos avançar no combate à violência, pois, antes de flexibilizar direitos, já consolidados, de questionar sua eficácia, é preciso fazer cumprir aquilo que diz a lei.

(Soa a campainha.)

            A SRª ANA RITA (Bloco/PT - ES) - Também quero, Sr. Presidente, parabenizar as entidades de direitos humanos do Espírito Santo, pois essa decisão do governo capixaba é fruto também da capacidade de mobilização, de diálogo e de compromisso de seus militantes. Tenho certeza de que essa parceria será fundamental para enfrentarmos os nossos imensos problemas, e, quem sabe, num futuro próximo, possamos nos elevar ao patamar de referência para todo o Brasil!

            É isso o que eu tinha para o momento, Sr. Presidente.

            Quero aqui agradecer a atenção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/06/2013 - Página 38721