Discurso durante a 101ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre as manifestações sociais que têm ocorrido no País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MANIFESTAÇÃO COLETIVA.:
  • Comentários sobre as manifestações sociais que têm ocorrido no País.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/2013 - Página 39063
Assunto
Outros > MANIFESTAÇÃO COLETIVA.
Indexação
  • COMENTARIO, ORADOR, FATO, POPULAÇÃO, REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, CRITICA, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, ANUNCIO, EXPECTATIVA, REFERENCIA, DISCURSO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RELAÇÃO, ASSUNTO, DEFESA, URGENCIA, REFORMA POLITICA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta Casa hoje devia estar cheia, Senador. Sei que cada um tem que ir às suas bases. Eu tenho não sei se o privilégio, ou o esforço do dia a dia, de ser Senador por aqui. Eu sou Senador todos os dias nas bases e aqui. Como gosto de dizer, eu sou, todos os dias, um pouco Senador, um pouco vereador. É uma situação diferente da dos outros, mas não custava nada suspenderem as bases locais hoje e estarmos todos aqui discutindo o assunto.

            Ontem cedo, eu falei com o Presidente Renan, sugerindo - e o Senador Jorge, como Vice-Presidente, poderia auxiliá-lo nisso - que ele deveria convocar um grupo de Senadores, obviamente aberto aos que quisessem, para discutirmos esse assunto. Já que nunca é possível preencher este plenário, por que ele não reúne, Senador Jorge, 10, 15 pessoas, Senadores para discutirmos que terremoto é esse, onde erramos que deixamos as placas tectônicas se chocarem umas com as outras entre nós e o que fazer?

            Senador Jorge, eu me entristeço profundamente por não poder ir às passeatas, porque eles não aceitam políticos. Eu só poderia ir às passeatas se pusesse uma peruca, uma barba e até, talvez, colocasse uma daquelas máscaras que eles estão usando. Senão, eu não poderia ir. É triste ser representante do povo, ter tido tantos votos e saber que, neste momento, pelo fato de ser político, você não é visto como um deles.

            Eu escrevi, não faz muito tempo, há uns três anos, um livrinho chamado Reaja!, no qual, na verdade, está tudo isso aí. Tenho certeza, Senador Jorge, de que, se eu não fosse Senador, esse livrinho hoje seria um best-seller, porque é isso que está aí. Eu digo: reaja! Reaja a isso! Reaja a isso! Reaja a isso! Reaja aos partidos! Reaja! Jovens, reajam! Mas eu sou Senador. O livro fica sob desconfiança.

            Eu fico muito triste com essa situação, mas tentei incorporar o que está por trás de tudo isso. Eu comecei a perguntar: o que essa meninada gostaria que fosse feito, unindo todos eles? Porque melhorar a educação são alguns; acabar a PEC 37 são outros; acabar a corrupção são outros. Mas o que unificaria todos?

            Talvez, Senador Jorge, eu radicalize agora, mas acho que para atender o que eles querem nós precisaríamos de uma lei com 32 letras: estão abolidos os partidos, estão abolidos todos os partidos. Isso sensibilizaria a população lá fora. Hoje, nada unifica mais todos os militantes e manifestantes do que a ojeriza, a desconfiança, a crítica aos partidos políticos.

            Talvez seja a hora de dizermos: estão abolidos todos os partidos. E vamos trabalhar para saber o que colocamos no lugar - se colocamos no lugar outros partidos ou outra coisa.

            E aqui quero fazer uma referência ao seu Estado e a Marina Silva. A ex-Senadora Marina Silva parece que está na frente de tudo isso, salvo que criou um partido, então ficou igual. Mesmo que o partido tenha o nome do que não é partido, é partido: teve de conseguir as assinaturas, vai entrar no mesmo sistema, vai receber fundo partidário, porque espero que a lei que o proíbe de receber não passe aqui.

            Nós precisávamos é dar um tempo para reorganizar os agentes políticos sob formas diferentes de partido ou sob forma de outros partidos. Não precisaram colocar esta faixa: “Abolem-se os partidos”. Ela está na cabeça de todos.

            Nossos partidos não refletem mais o que o povo precisa com seus representantes, nem do ponto de vista do conteúdo, nem do ponto de vista da forma. No conteúdo não estamos incorporando todos os problemas da contemporaneidade; estamos presos a um discurso velho, antigo. A prova - o Senador Jorge falou aqui - é que falamos ainda em aumentar o Produto Interno Bruto, e não em melhorar o bem-estar; falamos em mais carros, e não em melhor transporte. Ficou velho o nosso discurso. Falamos em cidadania, e não falamos em florestania ou em planetania, como costumo defender, que é um salto adiante, colocando-se todas as florestas do Planeta juntas e todas as populações juntas, numa visão comum de todo o Planeta. Ficamos velhos nas propostas. E ficamos velhos nas formas.

            Aliás, quero fazer justiça aqui a uma coisa: a primeira vez em que ouvi falar - faz mais de cinco anos - que ficamos velhos na forma de fazer o Congresso, porque não conseguimos entender ainda a verdadeira dimensão da Internet e de como essa Internet pode influenciar a maneira como funcionamos aqui, a primeira pessoa que ouvi falar nisso, sentado ali, foi José Sarney, com seus 80 anos de idade. E um político, inclusive - não faz mal nenhum dizer -, tradicionalíssimo. Mas ele alertou aqui, pela sensibilidade que tem, que algo tem de mudar na maneira de fazermos o diálogo com o povo; que não basta mais dialogar uma vez a cada quatro anos: é preciso dialogar a cada quatro minutos - a cada quatro minutos, que é o tempo que se leva para receber uma quantidade de mensagens.

            Eu uso muito as redes. Eu uso muito o tal do Twitter. Eu tenho satisfação de usá-lo, embora me dê um trabalho brutal, pois tenho 337, deve estar mais hoje, 338 mil seguidores no Twitter. A cada minuto, recebo dezenas de mensagens, muitas me criticando, muitas cobrando, de vez em quando algumas elogiando, é verdade. Ali eu faço um diálogo, mas ainda não aprendi como trazer esse diálogo aqui para dentro. Ainda fica um pouco uma coisa de professor, de acadêmico, e não de político, porque não sabemos como utilizar os instrumentos para trazer as ideias do povo, que chegam pelo Twitter, para as cadeiras de Senador. Mas não é através dos atuais partidos.

            Ontem, defendi, e assinamos seis Senadores, a proposta da convocação de uma Constituinte exclusiva para a reforma política no prazo de um ano, inclusive com a possibilidade do voto avulso - fico contente, mais uma assinatura -, de tal maneira que alguém possa ser eleito sem ter partido. E os que vão fazer essa reforma política também não possam ser candidatos, porque não devem fazer as leis pensando se vão ou não ser beneficiados.

            Creio que essa é uma proposta que poderia levar à revolução. Não há manifestação de um milhão de pessoas em um dia que não exija uma revolução. Aliás, Senador Jorge Viana, espero que a Presidenta entenda disso.

            Estou muito temeroso que a Presidenta saia da reunião que está fazendo hoje com os seus ministros e, segundo dizem, com o seu marqueteiro - e será um erro tremendo tratar isso como uma questão de marketing -, querendo atender o marketing e falando em ordem, falando que é preciso acabar com o vandalismo, falando que é preciso colocar na cadeia os baderneiros. Tudo isso é verdade. Mas se o discurso dela for centrado nisso, ela vai cometer um erro muito grave. Ela vai se transformar de estadista em xerife. Nós precisamos de uma estadista que, inclusive, tem que ser xerife em um pequeno momento do seu dia a dia, mas não pode ser por aí.

            É preciso entender que entre as centenas de milhares alguns eram baderneiros, mas não era esse o espírito das manifestações. O espírito era um milhão de ordeiros críticos do que acontece hoje no Brasil.

E o discurso tem que ser para esses ordeiros que foram às ruas criticar o atual modelo, em que ela é a Presidenta, em que eu sou Senador, e cada um tem a sua dimensão, mas tem sua parte de responsabilidade.

            Eu gostaria de ver hoje um discurso da Presidenta falando do momento que nós vivemos, reconhecendo os erros dela e dos governos anteriores - não só do Lula, mas de antes do Lula também -, reconhecendo a falência de como nós estamos fazendo política, reconhecendo que errou ao fazer mais acordos do que buscar consensos, que errou ao colocar nas direções dos ministérios pessoas despreparadas, apenas porque representam forças partidárias - eu nem digo forças políticas, eu digo partidárias -, que errou ao levar adiante prioridades equivocadas - como essa da Copa, custando R$25 bilhões a R$30 bilhões, quando o Brasil não tem nem segurança para garantir para os turistas -, reconhecer que errou, sim, ao não dar importância à vontade que o povo tem de moralidade na política, fazendo acordos com pessoas que têm fama de imoralidade, de corrupção, fechando os olhos para a corrupção, mesmo que tenha demitindo alguns ministros porque a mídia pediu. E nenhum deles foi demitido com antecedência à mídia, o que ou é prova de que não se quer combater a corrupção ou de que o serviço de informações que se tem do que acontece no Governo é tão pobre que era preciso os jornais publicarem para descobrir que tinha um corrupto por perto.

            Eu espero que ela reconheça, em primeiro lugar, a gravidade do momento, os erros cometidos por todos nós políticos, especialmente por ela, porque é a Chefe de Estado, e diga o que vai se fazer daqui em diante. Não precisa entrar em detalhes de que vai fazer o que eu adoraria: uma política para que o filho do trabalhador estude na mesma escola do filho do patrão, proposta com a qual - eu tenho certeza - o Senador Paim, como grande defensor dos trabalhadores, estaria de acordo. Não, não precisa entrar nesse detalhe agora. Não precisa entrar no detalhe de que vai resolver a saúde, porque, aliás, ficaria parecendo demagogia e oportunismo. Eu defendo que ela diga que vai fazer uma revolução. Um milhão de pessoas nas ruas não se contenta com nada menos do que uma revolução. Um milhão de pessoas na rua não se contenta com nada menos do que uma revolução. Mas a revolução hoje não é na economia. A economia precisa de grandes ajustes. Não é no social. O social precisa de grandes ajustes. É na política. É na estrutura como funciona a política. E dizer que vai propor ao Congresso - porque essa é uma tarefa nossa - a convocação de uma Constituinte exclusiva para elaborar a reforma política, e que nós aqui recebamos essa proposta e levemos adiante. Mas quero dizer mais: se ela não fizer isso, creio que nós devemos tomar a iniciativa aqui dentro. Creio que, a partir de segunda-feira... Aliás, segunda a gente sabe que não vai ser, porque vão chegar a partir da terça. Espero que, a partir da terça-feira, circule aqui dentro a ideia da convocação dessa Constituinte exclusiva, e que ela faça a reforma política que o povo lá fora está gritando, pedindo que a gente faça.

            É preciso ouvir o grito do povo. O grito do povo é uma política que os represente, é uma política que os orgulhe, é uma política que permita que Senadores possam ir à passeata ao lado dos jovens manifestantes que, provavelmente, votaram nesse Senador, mas não querem que ele vá lá; que votaram nesse Deputado, mas não querem que ele vá lá. É preciso que, daqui a algum tempo, esses jovens possam ir para as ruas carregando uma máscara com a cara do seu Senador, do seu Deputado, do seu Presidente, e não com a cara de um personagem cinematográfico, como é a principal máscara que se viu, que é, se não me engano, a do Coringa, do filme Batman.

            Eu gostaria que a gente fizesse essa reforma de tal maneira que cada um de nós possa se orgulhar da função que exerce e possa saber que o povo se orgulha de ter eleito cada um de nós. Esta é a proposta que espero, Senador Paim - o senhor, como um dos que ontem estavam aqui na vigília -, que a gente possa levar, amanhã, para todos os demais Senadores: daqui partir a ideia dessa Constituinte para fazer a reforma política. Só que tenho mais esperança: de que a Presidenta nem espere; que ela tome a iniciativa de mandar para nós essa proposta, e que, aqui, nós decidamos.

            Se não fizermos isso, estaremos correndo o risco de o povo continuar descontente. E o povo descontente não só volta para a rua e dá margem a tudo isso que acontece, tanto o lado bonito quanto o lado feio, tanto o lado estético como o lado perverso, mas também perturba tudo. Queiram ou não, um milhão de pessoas deixaram de ir ao trabalho para ir à passeata - o PIB deve ter diminuído um pouquinho -, e, para cada um que foi, pelo menos três deixaram de ir ao trabalho, até para evitar a crise do transporte naquele momento.

            Temos que voltar à normalidade, mas uma normalidade criativa, não uma normalidade submissa; uma normalidade atenta, não uma normalidade passiva. O povo não pode voltar para casa enquanto não houver a revolução que o povo pediu nas ruas. Insisto que, quando digo “não voltar para casa”, não quero dizer que fique na rua; como, aliás, ficaram os meninos nas cidades da Espanha, ficaram lá em Wall Street, acampados. Até acho estranho que não tenha havido, ainda, acampamentos no Brasil - se faz a manifestação e vai para casa -, mas é uma ilusão achar que estão dormindo; eles estão no computador, estão na rede, estão em permanente mobilização. A praça hoje é virtual, é on-line e é permanente. A praça não é mais em frente ao Congresso; a praça está no ar, nas comunicações que os jovens hoje utilizam. Se não entendemos que esses jovens querem uma revolução, estamos fracassando ainda mais; se não entendemos qual é essa revolução, estamos fazendo o Brasil fracassar.

            Os grandes estadistas se fazem nos momentos de crise. Não existe um estadista que não tenha surgido num momento de crise - seja uma guerra, seja uma revolução. Até ficava triste de ver que ia passar na história sem ter tido uma grande crise que me desafiasse a dar a minha contribuição para sair dela. Felizmente, aconteceu uma antes que eu morresse. Esse é um desafio que sinto parte dele, esse é um desafio que nós, de nossa geração, pode agarrar, pegar e carregar, para deixar uma marca, respondendo ao que os meninos e meninas do Brasil e muitos adultos também disseram, carregaram em cartazes, nos despertando.

            Obrigado, vocês! Muito obrigado por terem funcionado como despertador, para despertar o espírito cívico que estava ficando adormecido em muitos de nós, políticos do Brasil, e que a Presidenta entenda isso, tenha consciência e seja uma estadista e não fique refletindo, propondo como se fosse um xerife.

            É isso que espero, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/2013 - Página 39063