Discurso durante a 102ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Manifestação pela rejeição da proposta de emenda à Constituição que retira o poder de investigação criminal do Ministério Público.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MANIFESTAÇÃO COLETIVA.:
  • Manifestação pela rejeição da proposta de emenda à Constituição que retira o poder de investigação criminal do Ministério Público.
Aparteantes
Pedro Taques.
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/2013 - Página 39348
Assunto
Outros > MANIFESTAÇÃO COLETIVA.
Indexação
  • COMENTARIO, FATO, POPULAÇÃO, REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, REGISTRO, IMPORTANCIA, CONGRESSO NACIONAL, ATUAÇÃO, RESPOSTA, REIVINDICAÇÃO, DEFESA, REJEIÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REFERENCIA, EXTINÇÃO, PODER, INVESTIGAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Meu caro Senador Pedro Taques, Presidente desta sessão; Srªs Senadoras, Srs. Senadores, eu não tenho ideia da intenção, da dimensão, da intensidade dos movimentos que continuarão ocupando as ruas do nosso País. Excetuando uma minoria que se move na direção de atos absolutamente desnecessários, eu estou vendo esse movimento com enorme entusiasmo. Ver o povo nas ruas se manifestando, lutando, brigando, indo à luta pelos seus direitos, por tudo aquilo que quer manter como conquista...

            As consequências ainda não estão muito claras, mas o diagnóstico está absolutamente claro. O diagnóstico de que a paciência, o tempo do povo não é o tempo da política, não é o tempo das decisões do Congresso Nacional.

            E quero crer que também não faz sentido ficarmos aqui transferindo responsabilidade para a Presidente Dilma ou para quem quer que seja. Esta Casa tem soberania, esta Casa tem autonomia, e nós temos, sim, uma pauta que pode e deve ser desenvolvida de modo a oferecer respostas para inúmeras questões que estão colocadas nesse ambiente, nessa conjuntura que estamos vivendo.

            O povo quer ter voz ativa nas decisões políticas; exige transparência, exige respeito na gestão e nos gastos públicos; exige o fim da corrupção e o fim da impunidade.

            Podemos até ter nos surpreendido com a dimensão das manifestações, com a velocidade, talvez, com a natureza, enfim, desse movimento, avesso às lideranças formais e organizadas, moldado e multiplicado pela força e pela energia das redes sociais.

            Se é verdade que nos surpreendemos, que ficamos surpreendidos, também é verdade perguntar se tínhamos o direito de estarmos surpreendidos. Surpreendidos por que, afinal? Esse tipo de mobilização vem ganhando espaço no mundo afora. Foi assim nos Estados Unidos, foi assim na Espanha, está sendo assim na Turquia, em tantos países! Por que o Brasil seria uma ilha diferente dessa conjuntura e dessa circunstância, que revela a força das redes sociais, por sua capacidade de mobilização?

            Faltou, de nossa parte, uma visão crítica. Faltou, de nossa parte, uma autocrítica sobre o alcance da crise da democracia representativa em nosso País. Faltou uma avaliação crítica sobre a capacidade de mobilização das redes sociais e sobre o grau de insatisfação e indignação por parte da sociedade brasileira.

            O que estamos assistindo agora é decorrente da distância, da distância alarmante entre representantes e representados, agravada por desvios éticos e pela ausência de resultados efetivos no sentido de varrer da cultura brasileira o sentimento dominante do patrimonialismo.

            É decorrente do conjunto de distorções da nossa democracia representativa, da insistência em velhas práticas políticas e da indignação com a impunidade.

            A onda de protestos populares se levanta, por outro lado, contra a ineficiência do Estado brasileiro, que tem uma das cargas tributárias mais pesadas do mundo, mas é incapaz, tem sido incapaz de oferecer serviços públicos minimamente satisfatórios à população.

            Nos últimos anos, assistimos, por certo, a avanços significativos, com a ascensão social de milhões de brasileiros. Esses brasileiros agora querem mais. E não aceitam, de forma alguma, perder conquistas já alcançadas, por conta da gestão inadequada da máquina pública. E, nessa gestão inadequada, é preciso que nós, parlamentares, sejamos muito humildes, que tenhamos a capacidade de colocar as nossas barbas de molho, porque temos responsabilidade por aquilo que não estamos fazendo, pelas respostas que não estamos oferecendo, pela leniência do processo burocrático legislativo.

            Diante disso, o que fazer? Essa é a pergunta. Que medidas, afinal, o Congresso Nacional, e nós, no Senado Federal, podemos adotar no sentido de resgatar nossa relação, nossa sintonia com a sociedade brasileira?

            Precisamos, antes de tudo, ter a humildade de ouvir e de acolher as críticas da população, ter a humildade de fazer uma autocrítica sobre nossa atuação política e legislativa.

            Crise, senhoras e senhores, é sinal de oportunidade. Oportunidade para afirmar nossa legitimidade e nossa representatividade política, para trabalhar uma agenda sintonizada com a população brasileira.

            E um dos pontos mais importantes dessa agenda - outros oradores já se manifestaram e já o fiz anteriormente, mas o faço porque esta é uma pauta, esta é uma iniciativa que está diante de nós - é a necessidade de nós colocarmos em pauta, de nós votarmos a chamada PEC 37, que pretende subtrair a autonomia, a legitimidade do Ministério Público Estadual ou do Ministério Público Federal.

            Não é a primeira vez, Sr. Presidente, que me manifesto a respeito dessa matéria. Mas, diante da força das recentes manifestações, chamo a atenção para a urgência de uma decisão sobre o assunto. Não adianta retirar a PEC nº 37 de pauta. O que nós temos que fazer é votá-la. O que nós temos que fazer é derrubá-la. O que precisamos fazer é dar uma resposta à sociedade brasileira, que não aceita qualquer recuo, qualquer retrocesso, qualquer cerco à necessária manutenção da autonomia do processo investigatório por parte do Ministério Público.

            E quero aqui tomar emprestado; tomar emprestado do sempre Ministro Carlos Ayres Britto, ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, que, no fim de semana, deu uma belíssima entrevista enfrentando a questão relacionada à PEC nº 37. Disse o sempre Ministro, em tom muito claro: “A PEC nº 37 quer enforcar quem nunca roeu a corda: o Ministério Público.”

            Retirar o poder de investigação criminal do Ministério Público é seguir na contramão da democracia brasileira, conquistada com tanto esforço. Afinal, a realidade vem mostrando, há tempos, os resultados positivos do trabalho da instituição na apuração de desvios de recursos públicos, de violações de direitos humanos, de crimes ambientais, entre outros.

            Que motivo podemos ter para restringir apenas às Polícias Federal e Civil a condução das investigações criminais? Quem, na verdade, vai sair ganhando, se a PEC nº 37 for aprovada? Não é óbvio que, diante da escalada de irregularidades, da escalada de malfeitos que vêm indignando o País, a intenção deveria ser somar, e não diminuir os esforços de investigação?

            Ora, o cidadão brasileiro só tem a aplaudir, só tem a ganhar com o trabalho integrado da Polícia, do Ministério Público, da Receita Federal, do Banco do Brasil e de tantas outras instituições democráticas que, trabalhando de maneira integrada, fortalecem a democracia brasileira, que hoje se faz patinando em razão da falta de sintonia entre aqueles que deveriam representar a população brasileira, mas se acomodam diante dos interesses corporativistas de uma minoria.

            Sabemos todos que o Ministério Público é uma instituição historicamente pautada pela transparência e pela ética, pela defesa de uma sociedade livre e justa. Não há justificativa razoável para que ele se abstenha de contribuir na apuração das infrações penais.

            Aliás, vale lembrar que o Ministério Público tem como papel constitucional a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Entre suas funções institucionais estão o zelo pelo respeito dos Poderes Públicos aos direitos assegurados pela Constituição e o exercício do controle externo da atividade policial. Isso não quer dizer que não haja excessos por parte de alguns promotores e procuradores e que esses excessos não devam ser identificados, coibidos e punidos. Mas coibir esses excessos, por meio de mecanismos internos de controle, é muito diferente de vetar o poder de investigação da instituição. A maturidade democrática que o Brasil alcançou a duras penas, insisto, não admite mais retrocessos, muito menos desculpas malcosturadas.

            Em vez de abrir mão da colaboração do Ministério Público e de instrumentos preciosos de investigação de lavagem de dinheiro, como a Comissão de Valores Mobiliários e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Banco Central, temos é que aperfeiçoar os filtros já existentes contra a corrupção e o crime organizado. Os excessos eventualmente existentes na condução de investigações criminais pelo Ministério Público são cometidos por pessoas, volto a frisar. Não são próprias da natureza da instituição, cujo papel precisa ser preservado e fortalecido.

            Aprovada, a PEC nº 37 também restringiria a atuação da Controladoria da União, que tem papel fundamental no combate ao desvio de verbas públicas, assim como o trabalho dos Tribunais de Contas, dos Auditores Fiscais, da Receita Federal, das Comissões Parlamentares de Inquérito.

            Ouço, com prazer, o eminente Senador Pedro Taques.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco/PDT - MT) - Serei muito rápido, Senador Ferraço. Quero apenas cumprimentá-lo e associar-me à sua fala. Quero dizer que essa PEC tem que ser votada, e votada já. Que cada um mostre a sua cara. Quem não aguenta pressão fica em casa tomando leite! Deputado Federal, Senador que não aguenta pressão não pode ser Parlamentar. A PEC tem que ser votada. O Parlamentar que defende a PEC vai colocar o nome, e vai aparecer no painel o nome, porque a votação é aberta, ao menos a da PEC. Parabéns por sua fala! Deve ser votada. Não se pode jogar para frente, não; jogar o lixo para debaixo do tapete. 

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Diante de nós, Congresso Nacional, há liberdade para que possamos construir essa pauta. O nosso desejo é que o Deputado Henrique Eduardo Alves, Presidente da Câmara dos Deputados, possa pautar essa proposta; que a Câmara dos Deputados possa votar, e que a maioria dos Srs. Deputados possa expressar aquilo que, a meu juízo, poderá acontecer e que deverá acontecer, porque, aí, o Congresso Nacional, efetivamente, começa a oferecer respostas para muito além das palavras, para muito além dos discursos. Respostas em torno de atitudes, e me parece que atitude é aquilo que a Nação brasileira está a cobrar do Congresso Nacional.

            Srªs e Srs. Senadores, não nos podemos esquecer também de que a PEC nº 37 contraria inclusive tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, entre os quais as Convenções de Palermo e de Mérida, que determinam a ampla participação do Ministério Público nas investigações criminais.

            Somente, Senador Pedro Taques, somente em três países, há exclusividade por parte da investigação criminal, excetuando a participação do Ministério Público: no Quênia, na Uganda e na Indonésia.

            Volto à entrevista dada, dias atrás, pelo ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Carlos Ayres Britto. Segundo ele, o Ministério Público estaria "incomodando" alguns Deputados e Senadores; estaria sendo um ponto fora da curva. E, como o Ministro, pergunto às Srs. e aos Srs. Senadores: que curva? A da impunidade?

            Se existem representantes no Congresso Nacional que se sentem incomodados pelo Ministério Público, quero deixar claro que essa não é a minha condição. De forma alguma. O que defendo, assim como milhões e milhões de brasileiros, é o fortalecimento da instituição, que tem um papel histórico na afirmação de nossa democracia e na luta por uma ordem jurídica mais justa e equilibrada. Uma instituição que se tem sobressaído pela coragem, pela independência e que tem sabido, ao longo do tempo, conquistar o apoio e o respeito da sociedade brasileira.

            Ao encerrar minhas palavras, Srª Presidente, reforço minha convicção de que é preciso ouvir e respeitar a vontade soberana da sociedade brasileira. O Congresso Nacional precisa entender, acolher, recolher essas manifestações como oportunidade, e não como ameaça. Somos nós a parte, somos nós, do nosso quadrado, que podemos estar aqui, contribuindo com os nossos partidos, para que essa agenda finalmente possa fazer parte dos nossos trabalhos. Aí, sim, criando uma sintonia direta do Congresso brasileiro com a população do País.

            Portanto, Srª Presidente, são as manifestações que faço, nesta tarde, ao concluir, deixando aqui a minha convicção, a minha esperança, o meu otimismo de que o Congresso Nacional e de que o nosso Senado da República possam entender, possam sair do lugar-comum, possam virar a página e possam efetivamente romper com essa inércia, que tem marcado lamentavelmente a pauta legislativa, porque o que não falta aqui, na nossa agenda, são projetos, são iniciativas em perfeita condição de dar à nossa instituição uma condição de caminhar em absoluta sintonia com aquilo que está desejando a população brasileira.

            Muito obrigado, Srªs. e Srs. Senadores.

            Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/2013 - Página 39348