Discurso durante a 102ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a capacidade política de oferecer respostas concretas às atuais reivindicações populares; e outros assuntos.

Autor
Anibal Diniz (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Anibal Diniz
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MANIFESTAÇÃO COLETIVA. POLITICA EXTERNA.:
  • Preocupação com a capacidade política de oferecer respostas concretas às atuais reivindicações populares; e outros assuntos.
Aparteantes
Cristovam Buarque, José Pimentel, Pedro Taques.
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/2013 - Página 39355
Assunto
Outros > MANIFESTAÇÃO COLETIVA. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, EXPECTATIVA, ORADOR, RELAÇÃO, DESDOBRAMENTO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA.
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, LOCAL, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES (CRE), SENADO, PARTICIPAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), OBJETIVO, DEBATE, ASSUNTO, ALIANÇA (PE), BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, AMERICA LATINA, ENFASE, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).

            O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta Senadora Ana Amélia, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, tenho ouvido com muita atenção todos os pronunciamentos que têm sido feitos a respeito dessa mobilização que mexeu com o Brasil, que está presente em todas as capitais e em centenas de cidades brasileiras. E confesso que o meu silêncio é um silêncio reflexivo. É mais no sentido de tentar entender exatamente qual é a amplitude das reivindicações que estão sendo feitas e também que tipo de respostas que podem ser dadas. Porque, sinceramente, se a resposta fosse fácil, certamente todos gostariam de inventar a pólvora, apresentar essa resposta e ser aplaudido por esses milhões que saíram às ruas.

            Mas só que esses milhões que saíram às ruas estão dizendo assim: “Sem partido; o político que aparecer aqui vai levar vaia.” E eu estou vendo Senadores se apressarem em querer mostrar que eles estão de bem com essa juventude que está nas ruas. E eu fico em dúvida se estão mesmo, porque esse movimento tem exigido coisas que vão muito além da nossa percepção. Inclusive, eu gostaria de saber qual é o modelo de Estado que está na mente dessas pessoas que estão indo às ruas para exigir tantas mudanças e tão rapidamente.

            Eu quero imaginar que, com a indignação posta, apresentada por essas pessoas, não se está calculando um Estado com Senado instalado, nem com Câmara dos Deputados instalada, nem com Judiciário instalado e nem com Executivo instalado. Eu acho que está surgindo um movimento em busca de uma nova ordem. E eu, sinceramente, não me atrevo a prever nada que possa resultar disso, porque todos os movimentos dos quais tive notícia até aqui foram movimentos que apresentaram pautas específicas, lideranças para negociar essas pautas e autoridade para, inclusive, construir o fim do movimento quando essas pautas são atendidas ou, pelo menos, negociadas; é dado um prazo; são colocados alguns parâmetros que podem vir a contentar minimamente os participantes do movimento.

            Vejo que a ausência das entidades é porque, na realidade, as entidades não estão mais falando por essas pessoas que se manifestam. Essas pessoas que se manifestam o fazem como se fossem autossuficientes e não estão à procura de ninguém para representá-las. E, nesse sentido, eu me confesso completamente impotente; estou tentando entender, porque algumas coisas, certamente, elas vão exigir de nós. E acho que, muitas das que elas vão exigir, nós não vamos atender. Por exemplo: será que essa juventude está de acordo com que um Senador da República ganhe R$26 mil enquanto um professor não consegue ter o seu piso salarial assegurado? Quanto ganha um doutor em uma universidade federal depois de tantos anos de estudos? Será que os nossos Senadores estão dispostos a estabelecer um novo piso salarial para a representação política do Brasil, atingindo o Supremo Tribunal Federal, atingindo o Executivo e atingindo também o Legislativo? Será que nós estamos dispostos a discutir a verba de representação, de que todo mundo, ou pelo menos a maioria dos Senadores, usufrui para o sustento das suas atividades parlamentares? Porque, sinceramente, eu acho que a reivindicação que está posta na rua vai muito além da melhoria dos transportes; vai muito além do combate pontual em relação a determinadas situações e, certamente, tem a corrupção no centro desse combate. por conta do que ficou muito simplificado na cabeça das pessoas.

            E é correto isso, porque a corrupção é um mal, é um mal que tem que ser combatido com toda a veemência. E acredito que a proposta do Senador Taques de transformar a corrupção em um crime hediondo será incorporada, sim, por este Parlamento, mas com todos os cuidados que devem ser adotados para evitar que muitos possam ser destinados à pena de morte, apenas pela acusação, sem o direito de defesa próprio de um processo legal instalado, e assim por diante.

            Eu acho que há muitas coisas postas que nós não conseguimos interpretar - eu pelo menos não consigo. Fico sinceramente admirado pelo fato de Senadores, facilmente, interpretarem tudo, dando logo uma resposta, já tendo um caminho para dialogar com essa juventude. Eu, sinceramente, não consigo. Vou permanecer por mais alguns dias no meu silêncio obsequioso, na busca de uma resposta, se é que vou conseguir essa resposta.

            Mas acho que o esforço da Presidenta Dilma posto hoje, que está sendo duramente criticado aqui, é uma tentativa de levar as instituições do Estado brasileiro a refletir sobre esse problema. Mas, certamente, está ainda muito frio; naquela brincadeira do frio ou quente, acho que ainda estamos muito frios em termos de nos aproximarmos do alvo. Mas, verdadeiramente, acho que tanto o Executivo quanto o Legislativo estão frios; todos nós estamos deixando muito a desejar a essa massa que ocupou as ruas exigindo outra ordem. “Alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial”, dizia Caetano Veloso. Eu acho que, neste momento, há uma nova ordem sendo exigida e eu, sinceramente, não faço ideia de qual será o desdobramento dessa nova ordem que está sendo exigida pela multidão nas ruas.

            Parece-me que o Senador Cristovam foi o primeiro a pedir aparte.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador, quero dizer que comparto da mesma perplexidade sua. Eu não estou entendendo. Mas eu também estou querendo entender, como o senhor. Pena que muitos aí não estão nem preocupados em entender. Estão achando que isso é um fato passageiro e que, daqui a pouco, tudo se acalma direitinho, e há outros rindo do que está acontecendo. Eu não estou entendendo. Agora, eu me dedico, sim, a procurar entender o que está acontecendo e, ao querer entender isso, eu acho que tem uma coisa que a gente sabe, pode não entender. Tudo o que eles estão fazendo pode ser explicado em uma palavra: mudança; eles querem mudança. Como eu falei hoje no meu discurso, caiu a ficha de que as coisas não estão bem no Brasil.

            O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT - AC) - Mas que sejam mudanças que nos atinjam também.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - É óbvio, por isso que defendo a Constituinte exclusiva porque, se deixar para nós aqui, o salário da gente não baixa, mas, numa Constituinte exclusiva em que nenhum dos constituintes vai ser Senador ou Deputado, eles vão baixar. Por isso tem que ser uma Constituinte exclusiva. Aqui não se vota para terminar a verba indenizatória; eles podem votar para terminar ou deixar se acharem que isso é importante para o serviço público. Eu não preciso usá-la porque moro aqui, então não preciso usá-la, zero há muito tempo, mas os que moram fora vão precisar. Então, eles, provavelmente, deixariam isso, criando novos critérios. Agora, sobre a ideia de que está frio ou quente, eu acho que nós todos estamos frios, salvo o povo que está quente. O povo está quente, mas a impressão que eu tenho, Senador Paim, é que muitos ainda estão achando que o povo está frio também, ou que o povo está só morno, ou que é um fogo de palha, como se diz. Não é, mudou a realidade. Uma coisa a gente pode não entender, mas sabe: essa tal de Internet criou um sistema de comunicação em que hoje qualquer grupo de jovem consegue colocar milhares na rua, qualquer um consegue colocar milhares na rua por qualquer pretexto, inclusive ruim, quando um grupo deles quiser. Então, eu desejaria que houvesse uma maior dedicação. Por exemplo, o Senador Pedro Taques estava falando: por que o Presidente Renan não convoca o Senado para ficar uma sessão aqui discutindo isso, todo mundo, inclusive o discurso da Presidenta Dilma e tudo o mais? Por que a gente não debate se os discursos que o Taques faz e os que eu faço são corretos ou não? Eu, na quinta-feira, sugeri isto ao Presidente Renan: convidar um grupo para debater o assunto. Em um discurso meu na Presidência dele, reafirmei isso, e ele disse que estava a favor. Hoje eu acho que é pouco, Senador Paim. Na quinta-feira, eu não tinha a dimensão da crise. Hoje, não pode ser convocar um grupo; tem-se que convocar uma sessão especial para isso, com a presença de todos, uma sessão ordinária em que a presença seja fundamental. Mas, finalmente, só para dizer que eu acho que ninguém entendeu, mas eu lamento que alguns não estejam procurando entender. Quanto a tocar no nosso, eles têm que tocar, sim, mas aí por isso que não somos nós, e aí a nossa proposta - do Pedro Taques, minha e de outros - de uma Constituinte exclusiva, e que a Presidente citou hoje. Mas ela citou de uma maneira despreparada, como o próprio Senador Paim falou. Ela falou num plebiscito. Para que o plebiscito? Para saber se quer ou não quer uma reforma da Constituição? Ou é um plebiscito para saber se vai convocar ou não uma Constituinte? Ou é o plebiscito já depois do trabalho da Constituinte para saber se o povo aprova ou não a reforma que foi proposta? Não ficou claro. A impressão que eu tenho é a de que foi uma coisa superficial, que os governadores e a Presidente não entenderam o que está acontecendo. Que não se preocuparam com a dimensão das coisas que estão acontecendo. E que daqui a uma semana, talvez, tenham que fazer outra reunião. O que vai ser muito dramático. Porque, além disso, na palavra “pacto”, o povo não acredita mais. E, em pacto entre políticos, incluindo todos nós - me ponha no primeiro lugar da fila -, o povo não acredita. O povo não acredita em pacto entre nós, políticos. E é isso que saiu: pacto para isso, pacto para isso, pacto para isso, pacto para aquilo. É um equívoco. Eu acho que a Presidente deveria assumir o papel de grande estadista. Sabe uma coisa que eu acho que está atrapalhando muito a Presidente? Ser candidata à reeleição. Isso atrapalha muito. Porque ela não consegue agir como estadista, tem que agir como candidata. Aí o imediato dela, os próximos seis meses, são decisivos. Em vez de pensar nos próximos 60 anos do País. Eu estou muito preocupado por isso. Talvez seja uma das razões pelas quais essa Constituinte tinha que acabar com o instituto da reeleição para todos os cargos executivos, e eu vou dizer mais, uma coisa que nenhum de nós aprovaria aqui: e só uma reeleição para todos os parlamentares; e para dirigentes de clube de futebol; e para presidente de sindicato. Não poderia ter mais de dois mandatos. Por isso se precisa de uma Constituinte.

            O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT - AC) - Senador Pedro Taques?

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Senador Pedro Taques, se V. Exª me permitir interrompê-lo...

            O Sr. Pedro Taques (Bloco/PDT - MT) - Pois não.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - O Senador Pimentel disse que tem um compromisso às 19 horas e queria fazer uma rápida consideração, e V. Exª, se assim entender, poderá falar...

            O Sr. Pedro Taques (Bloco/PDT - MT) - Por gentileza.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Obrigado, Senador Pedro Taques. V. Exª, sempre muito gentil.

            O Sr. José Pimentel (Bloco/PT - CE) - Eu fico muito grato, Senador Pedro Taques, porque eu tenho sempre às segundas-feiras uma reunião de trabalho às 19 horas e pedi ao nosso Presidente Paulo Paim e ao nosso Senador Anibal Diniz, que está na tribuna, primeiro para registrar que, ainda em 2009, o Presidente Lula encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei propondo que todos os crimes de corrupção neste País sejam crimes hediondos. E propôs também que a empresa corruptora seja enquadrada em vários outros crimes, principalmente de multa, porque hoje o único alcance para um corruptor no Brasil, no caso das empresas, é o seu descredenciamento para participação em licitação. Esse projeto ficou de 2009 até maio de 2013, ou seja, indo para cinco anos, na Câmara Federal. Felizmente, quinze dias atrás, a Câmara o aprovou; veio para o Senado Federal e está na CRE, na Comissão de Relações Exteriores, aguardando a designação de relator. Eu sou um daqueles, Senador Anibal Diniz, que acham que nós deveríamos, os 81 Senadores, respeitando o clamor das ruas contra a corrupção, assinar a urgência para ele vir direto ao plenário; e aqui fazermos um grande debate e os ajustes, se porventura entendermos que são necessários. Mas não vamos deixar de assumir a nossa parte. Desde 2009, o projeto de lei que enquadra todos os corruptos do Brasil em crime hediondo está na Casa. O projeto de lei que trata do corruptor como também responsável nesse processo está na Casa, e cabe a nós fazermos a nossa parte. Acredito que, com o clamor das ruas, agora, se cria um consenso mínimo para que possamos andar mais rápido com esse projeto. Quero também registrar, Sr. Presidente e Senador Anibal, que, em 2006, o Presidente Lula teve a ousadia de propor um míni Constituinte para tratar da reforma política. Naquela época, grande parte dos meios de comunicação, que hoje estão favoráveis, infelizmente, disseram que o Presidente Lula queria dar um golpe de Estado, a exemplo da Venezuela. E aí nós tivemos que retirar da agenda o plebiscito da reforma política. E dizia o Presidente Lula que sem Constituinte específica não há reforma política, porque a reforma política significa cortar na carne daqueles que estão disputando o processo eleitoral e principalmente dos que foram eleitos; e cortar na carne não é daquele de outro partido. É dos seus concorrentes, do seu partido ou da sua coligação. Eu acredito que agora é chegado o momento. Mas é bom lembrar que aqueles que foram candidatos em 2006 a Presidente da República ficaram muito mais coniventes com parte dos meios de comunicação que se insurgiram contra a Constituinte exclusiva e que, felizmente, agora, despertaram para isso, julgando-a necessário. Quero também registrar que o Plano Nacional de Educação chegou nesta Casa em 2010 e está pronto, está tramitando aqui no Senado Federal. E, se nós queremos dar uma resposta, aportando mais recursos para a educação, criando 239 estratégias para cuidar da educação desde o primeiro dia de educação até o pós-doutorado, vamos pedir urgência para agilizar o PNE, porque ali há um conjunto de ações. E quero registrar que o PNE foi aprovado por unanimidade na Comissão de Assuntos Econômicos, tendo um grande consenso em torno disso. Algum ajuste que for preciso ser feito, que façamos aqui no plenário, mas que não fiquemos prendendo o PNE, sob pena de não haver uma sintonia estreita com as ruas. Eu tinha muitas outras coisas a ponderar, mas sei que o tempo é de V. Exª, pela aquiescência do nosso Senador Pedro Taques e pela bondade do nosso Presidente, vou deixar para amanhã fazer um debate mais aprofundado. Muito obrigado.

            O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT - AC) - Obrigado, Senador José Pimentel, nosso Líder do Governo na Casa. As informações que V. Exª traz enriquecem extraordinariamente essas minhas reflexões, principalmente porque V. Exª já traz propostas concretas, que são desafiadoras para o conjunto dos Senadores. Acredito que, a partir desse apelo feito por V. Exª, certamente todos os Senadores vão assinar o pedido de urgência para apreciação desse projeto, que há cinco anos tramita na Câmara e agora entra no Senado, propondo a transformação do crime de corrupção em crime hediondo.

            Agora ouço o Senador Pedro Taques, que também tem proposta nesse sentido.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco/PDT - MT) - Permita-me, o senhor diz que ainda está frio, perigoso estar igual ao cadáver, muito frio. Aquele que está morto está frio. Eu prefiro o quente ao frio. Muito bem. O Senador Pimentel fez referência ao projeto de lei do ex-Presidente, que foi apresentado, que transforma corrupção em crime hediondo, em 2009 - 2010, 2011, 2012, 2013, metade do ano -, cinco anos, faltou vontade política. Não interessa quem é o pai da criança; nós queremos saber da criança crescendo. Por que esse projeto não foi aprovado? Porque faltou vontade política. E a Base é a maior Base da história do Brasil. Por que não se aprovou? Esse é o primeiro ponto. Quanto à Constituinte exclusiva, em 2006, existe uma proposta de emenda do Deputado Miro Teixeira, do PDT, também de 2007, e não foi aprovada. Falta vontade política. Não interessa quem seja o pai da criança, isso não interessa. O que interessa é que nós possamos fazer surgir aqui a vontade política. Com todo o respeito, essa vontade política não existe aqui, a não ser que a porta esteja arrombada. Aí cada um vai ficar preocupado com o seu, todos vão votar de afogadilho, com pressa. Infelizmente, é assim que funciona, mas não deveria funcionar assim. Ninguém ainda entendeu, Senador Anibal, o que está ocorrendo aí fora. Ninguém pode ter a pretensão, a veleidade de entender o que está ocorrendo aí fora. Agora, algo está ocorrendo. E nós não podemos ficar aqui pensando, dando milho aos pombos. Não podemos ficar assim, nós temos obrigações constitucionais.

            O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT - AC) - Perfeitamente, Senador Taques. Concordo com V. Exª de que vontade política tem faltado para as votações mais importantes, para as decisões mais importantes nesta Casa. Quando se trata da reforma política, nós sabemos de todos os passos que foram ensaiados e não foram dados na atual legislatura neste sentido.

            No que diz respeito ao pensar, ao se reunir, ao conversar, eu diria que nenhuma reunião, nenhuma conversa alongada é prejudicial neste momento. Acho que é preciso que haja mais e mais disposição para o diálogo, para a busca do entendimento de tudo que está acontecendo e, se propostas forem surgindo no sentido de dar uma resposta ao anseio desses milhares ou milhões, porque chegaram a 2 milhões o total de pessoas que se movimentaram, que foram às ruas, se puder ter respostas concretas que possam ir ao encontro, conseguir dar uma satisfação ao anseio dessa multidão, vou me sentir muito realizado se isso, por ventura, vier a acontecer.

            O fato é que ainda, neste momento, não consigo imaginar que nada do que esteja sendo discutido aqui no Senado esteja dando resposta concreta ao anseio desta multidão.

            Senador Paim, gostaria também, ao finalizar este meu pronunciamento, de fazer uma referência à audiência pública. Tivemos uma audiência pública muito importante, na última quinta-feira, com a presença do Ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, na Comissão de Relações Exteriores. Ele veio justamente tratar de um assunto que está muito em voga neste momento, que é relacionado às alianças que o Brasil tem firmado com os países da América Latina, principalmente o Mercosul, e também a uma outra aliança, liderada pelo México, a Aliança do Pacífico, que tem sido dada como um grande avanço em comparação com o que está acontecendo com o Mercosul.

            A apresentação do Ministro Antonio Patriota foi de muito valor para todos nós, Senadores, porque pôde mostrar claramente o quanto o Brasil tem adotado uma postura correta e o quanto a sua política de relações exteriores tem sido acertada, principalmente depois do governo Lula e com a Presidenta Dilma, no atual momento.

            Então, eu gostaria de colocar algumas questões relacionadas ao que tivemos no debate com o Ministro Antonio Patriota, que, certamente, nos ajuda também a entender este momento das relações políticas internacionais do Brasil, principalmente com os países da América Latina.

            A chamada Aliança do Pacífico, o novo bloco econômico comercial que pretende agregar, numa área de livre comércio, Chile, Peru, Colômbia, México e Costa Rica, não tem a menor chance de reunir as condições para colocar em xeque o Brasil, o Mercosul ou a Unasul, que, mesmo considerados pelos conservadores brasileiros como blocos de economias estatizadas e pouco dinâmicas, que rejeitam as regras do livre comércio, continuam sendo o que há de melhor em termos de aliança regional para a América do Sul e a América Latina.

            Vejo, pela empolgação demonstrada pelos conservadores, alimentada pela grande imprensa a seu serviço, que a crise do capitalismo desregulado ainda não foi suficiente para diminuir o otimismo dos adoradores do capital, para os quais o futuro pertence à Aliança do Pacífico, ao passo que a estagnação, o isolamento e o atraso pertencem ao Mercosul e à Unasul.

            Bom, antes de mais nada, é preciso observar que qualquer bloco econômico da América do Sul ou da América Latina que não inclua o Brasil não terá maior relevância regional.

            O Brasil é a sexta economia do mundo e o Mercosul, em seu conjunto, já representa a quarta economia mundial, à frente de gigantes como Alemanha e Japão. Em contrapartida, o México, a grande economia da Aliança do Pacífico, é a décima quarta economia do mundo - dados de 2011 - e a Aliança do Pacífico como um todo representaria a nona economia do planeta. Ademais, nenhum país da Aliança chega perto do peso demográfico, geográfico e geopolítico que o Brasil tem hoje no mundo.

            Alguns argumentam que a Aliança exporta mais que o Mercosul. É verdade. Em razão das grandes exportações do México, fruto essencialmente da sua participação no bloco da América do Norte. Esse bloco, efetivamente, exporta mais. Porém, os defensores da Aliança do Pacífico não mencionam que a balança comercial do México é deficitária. Entre 2002 e 2011, segundo dados da Aladi, o México acumulou cerca de US$72 bilhões de déficit em sua balança comercial. Não é muito se levarmos em consideração o volume da corrente de comércio mexicana, mas é algo significativo. Em contraste, o Brasil acumulou, no mesmo período, um superávit de US$303 bilhões, que muito contribuiu para a superação da vulnerabilidade externa de nossa economia.

            Outro importante aspecto a ser considerado é que o Brasil e o Mercosul já têm livre comércio ou comércio bastante facilitado com todos os países da América do Sul que aderiram à Aliança do Pacífico. Em alguns casos, há muito tempo. O Chile, por exemplo, formalizou sua associação à área de livre comércio do Mercosul já em 1996, com a assinatura do Acordo de Complementação Econômica Mercosul-Chile nº 35). O Peru, por sua vez, aderiu à zona de livre comércio do Mercosul em 2003, com a assinatura do Acordo de Complementação Econômica Mercosul-Peru nº 58, de 2003. E a Colômbia, o Equador e a Venezuela tornaram-se membros associados do Mercosul em 2004, mediante a assinatura do Acordo de Complementação Econômica Mercosul-Colômbia, Equador e Venezuela nº 59, de 2004.

            Ou seja, todos esses países da Aliança do Pacífico e mais todos os demais países da América do Sul, à exceção da Guiana e do Suriname, já fazem parte, em maior ou menor grau, da zona de livre comércio do Mercosul. A única grande diferença, em relação aos membros plenos do bloco (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela), é que eles não fazem parte da união aduaneira do Mercosul e nem participam de suas instituições políticas.

            Como resultado dessa integração, as exportações do Brasil para essas nações aumentaram exponencialmente. Para a Colômbia, as exportações brasileiras aumentaram de US$638 milhões, em 2002, para US$2,83 bilhões, em 2012. Em relação ao Peru, nossas exportações subiram de apenas US$438 milhões, em 2002, para US$2,4 bilhões, em 2012. No que tange ao Chile, as exportações brasileiras aumentaram de US$1,4 bilhão, em 2002, para US$5,4 bilhões, em 2011. Diga-se, de passagem, que o Brasil tem alentados superávits com todos esses países.

            Além disso, esses países da América do Sul que participam da Aliança do Pacífico já têm, por força desses acordos citados e dos acordos firmados no âmbito da Comunidade Andina, livre comércio entre si. Portanto, a única novidade da Aliança é a proposta de livre comércio entre esses países e o México. Nesse sentido, a Aliança do Pacífico nada mais é, pelo menos por enquanto, do que um acordo de livre comércio entre o México e alguns países remanescentes da Comunidade Andina, já que Equador, Bolívia e Venezuela não pretendem aderir. Não se pense, aliás, que a Aliança do Pacífico vai conseguir acesso facilitado ao mercado norte-americano. Qualquer acordo com os EUA terá de passar pelo crivo draconiano do Congresso norte-americano, que exigirá, dos países da Aliança, bem mais do que livre comércio.

            Em relação ao México, o Brasil firmou o Acordo de Complementação Econômica nº 53, ainda em 2002. Tal acordo, embora menos ambicioso que os demais citados aqui, estabeleceu preferências tarifárias em cerca de 800 itens da pauta exportadora. Ademais, o Brasil e o México firmaram, também em 2002, o Acordo de Complementação Econômica nº 55, de 2002, destinado unicamente a estabelecer um maior intercâmbio comercial de automóveis.

            Por conseguinte, a Aliança do Pacífico não tem nenhum impacto significativo sobre a realidade econômico-comercial da América do Sul e da América Latina. E nem sobre o Brasil e o Mercosul. A não ser que os demais países da região abandonem o Mercosul, coisa altamente improvável, ela não representa ameaça real ao Brasil e ao autêntico processo de integração. Seu impacto maior é apenas político-ideológico: ela representa simbolicamente a aposta estratégica e incondicional no livre-cambismo, como solução mágica para os problemas econômicos e sociais de nossa região. Com a crise do capitalismo desregulado, essa pauta já deveria estar definitivamente enterrada, mas, como a fênix, ela ressurge teimosamente das suas próprias cinzas para enganar os incautos.

            E o Ministro Antônio Patriota foi muito preciso quando disse que a Aliança do Pacífico é muito boa de marketing, pois tem feito uma propalação das suas ações muito além daquilo que verdadeiramente está acontecendo. A Aliança do Pacífico não é uma ameaça para o Brasil, não é uma ameaça para o Mercosul, e, ainda assim, temos posições muito, digamos assim, empolgadas de alguns com seu típico complexo de vira-lata, achando que os acordos feitos pelo Brasil não são os bons e que os melhores estão sendo firmados pela Aliança do Pacífico.

            Relativamente a esse assunto, é interessante cotejar a experiência recente do México com a do Brasil.

            O México, além de aderir ao acordo inteiramente assimétrico do Nafta, já em 1992, firmou nada menos do que 32 acordos de livre comércio. Trata-se do país campeão em livre comércio, o que mais celebrou acordos desse tipo em todo o mundo.

            Se os teóricos do livre-cambismo estivessem certos, o México seria a economia mais dinâmica e inovadora do mundo. Contudo, os resultados efetivos são, para dizer o mínimo, duvidosos.

            Após um período inicial de euforia com os novos investimentos norte-americanos e com o grande aumento do seu comércio internacional, principalmente com a criação de empresas “maquiadoras” na fronteira com os Estados Unidos, os inevitáveis efeitos negativos da integração tão assimétrica com a maior economia mundial se tornaram cada vez mais evidentes.

            No campo industrial, houve grande esfacelamento da estrutura produtiva nacional. Muitas empresas mexicanas não conseguiram sobreviver à concorrência da produção industrial dos Estados Unidos. E as que conseguiram foram, em boa parte, compradas a baixos preços por grupos econômicos norte-americanos. Isso aconteceu de modo especialmente intenso na outrora pujante indústria têxtil mexicana, que passou a orbitar a cadeia produtiva dos Estados Unidos.

            Na área agrícola, houve a geração de notável insegurança alimentar. O México...

(Soa a campainha.)

            O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT - AC) - ...que era exportador de grãos, no período pré-Nafta, passou a importá-los dos Estados Unidos em sua quase totalidade. Tal processo de destruição das culturas agrícolas se deu inclusive no que tange ao milho, base da alimentação e culinária mexicanas. Hoje em dia, o milho utilizado no México é quase todo colhido nos Estados Unidos, que subsidiam fortemente a sua produção. Embora a agricultura mais moderna e irrigada tenha sobrevivido, a agricultura familiar foi muito afetada.

            Ademais, houve fragilização da proteção jurídica ao meio ambiente e precarização das relações trabalhistas, em virtude dos privilégios concedidos aos investidores norte-americanos, no capítulo sobre investimentos do Nafta.

            A consequência mais relevante foi, contudo, o aumento das desigualdades regionais e sociais no México. Houve poucos ganhadores mexicanos com a integração aos Estados Unidos da América e com os demais acordos de livre comércio, concentrados principalmente no norte do país. As demais regiões, principalmente a região sul do México, e a grande massa dos trabalhadores urbanos e rurais mexicanos não se beneficiaram na mesma medida, como se esperava. Na realidade, ocorreu significativo incremento das assimetrias regionais e sociais, impulsionado pelos efeitos econômicos desagregadores e destruidores da integração aos Estados Unidos.

            Estudo feito pelo Banco Mundial, em 2007, nas suas conclusões, mostra cabalmente que os efeitos da inserção internacional do México ao longo do Nafta foram significativamente regressivos. Ademais, a economia mexicana tornou-se mais ainda dependente da economia dos Estados Unidos, dependência que não foi revertida com a assinatura dos demais acordos de livre comércio. Com a crise que afetou profundamente a economia norte-americana, o México praticamente não cresceu em 2008, e, em 2009, seu PIB caiu quase 7%.

            Nos primeiros dez anos deste século, o PIB per capita do México cresceu apenas 12%, bem abaixo do que cresceu o do Brasil, que cresceu 28%. Na realidade, o México só superou, nesse cômputo, a frágil Guatemala, o país que menos cresceu em toda a América Latina, com base nesse parâmetro específico. O recente crescimento do México, obtido graças, essencialmente, ao afluxo de capitais especulativos, não muda esse quadro estrutural.

            Então, Senador Paim, para concluir este pronunciamento, só tenho a afirmar que a exposição do Ministro Antonio Patriota durante a audiência pública que tivemos na última quinta-feira, na nossa Comissão de Relações Exteriores, foi uma exposição muito esclarecedora no sentido de mostrar que a aliança que o Brasil tem com o Mercosul, com os países que integram o Mercosul, é uma aliança que vem dando certo, porque as exportações do Brasil só aumentaram, e isso tem contribuído significativamente para que o Brasil continue estável. Apesar de toda a crise, apesar de todas as dificuldades enfrentadas, é um país que tem, nas suas relações exteriores, tirado um proveito importante para o Brasil e para todos os brasileiros.

            Nesse sentido, Senador Paim, concluo as minhas palavras pedindo a gentileza de V. Exª publicar na íntegra este pronunciamento, uma vez que ele traz um estudo importante sobre essa relação do Brasil com os países da América do Sul e dá a certeza para os brasileiros de que a nossa relação com o Mercosul é uma relação muito proveitosa e que a gente não deve ficar invejando a Aliança do Pacífico, porque ela não vai nos trazer nenhum proveito que já não seja dado com muito maior sucesso na nossa aliança com o Mercosul.

            Muito obrigado.

            Reitero a V. Exª que, por gentileza, publique na íntegra este pronunciamento.

 

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR ANIBAL DINIZ

            O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT - AC. Sem apanhamento taquigráfico.) - A chamada Aliança do Pacífico, o novo bloco econômico comercial que pretende agregar, numa área de livre comércio, Chile, Peru, Colômbia, México e Costa Rica não tem a menor chance de reunir as condições para colocar em cheque o Brasil, o Mercosul ou a Unasul que, mesmo considerados pelos conservadores brasileiros como blocos de economia estatizadas e pouco dinâmicas, que rejeitam as regras do livre comércio, continuam sendo o que há de melhor em termos de aliança regional para a América do Sul e América Latina.

            Vejo, pela empolgação demonstrada pelos conservadores, alimentada pela grande imprensa a seu serviço, que a crise do capitalismo desregulado ainda não foi o suficiente para diminuir o otimismo dos adoradores do capital, para os quais o futuro pertence à Aliança do Pacífico, ao passo que a estagnação, o isolamento e o atraso pertencem ao Mercosul e à Unasul.

            Bom, antes de mais nada é preciso observar que qualquer bloco econômico da América do Sul ou da América Latina que não inclua o Brasil não terá maior relevância regional. O Brasil é a sexta economia mundial e o Mercosul, em seu conjunto, já representa a quarta economia mundial, à frente de gigantes como Alemanha e Japão. Em contrapartida, o México, a grande economia da Aliança do Pacífico, é a décima quarta economia do mundo (dados de 2011) e a Aliança do Pacífico como um todo representaria a nona economia do planeta. Ademais, nenhum país da Aliança chega perto do peso demográfico, geográfico e geopolítico que o Brasil tem hoje no mundo.

            Alguns argumentam que a Aliança exporta mais que o Mercosul. É verdade. Em razão das grandes exportações do México, fruto essencialmente da sua participação no NAFTA, esse bloco efetivamente exporta mais. Porém, os defensores da Aliança do Pacífico não mencionam que a balança comercial do México é deficitária. Entre 2002 e 2011, segundo dados da ALADI, o México acumulou cerca de US$ 72 bilhões de déficit em sua balança comercial. Não é muito, se levarmos em consideração o volume da corrente de comércio mexicana, mas é algo significativo. Em contraste, o Brasil acumulou, no mesmo período, um superávit de US$ 303 bilhões, que muito contribuiu para a superação da vulnerabilidade externa de nossa economia.

            Outro importante aspecto a ser considerado é que o Brasil e o Mercosul já têm livre comércio ou comércio bastante facilitado com todos os países da América do Sul que aderiram à Aliança do Pacífico. Em alguns casos, há muito tempo. O Chile, por exemplo, formalizou sua associação à área de livre comércio do Mercosul já em 1996, com a assinatura do Acordo de Complementação Econômica Mercosul-Chile (ACE Nº35). O Peru, por sua vez, aderiu à zona de livre comércio do Mercosul em 2003, com a assinatura do Acordo de Complementação Econômica Mercosul-Peru (ACE Nº 58/03). E a Colômbia, junto com Equador e Venezuela, tornou-se membro associado do Mercosul em 2004, mediante a assinatura do Acordo de Complementação Econômica Mercosul-Colômbia, Equador e Venezuela (ACE Nº 59/04).

            Ou seja, todos esses países da Aliança, e mais todos os demais países da América do Sul (à exceção de Guina e Suriname), já fazem parte, em maior ou menor grau, da zona de livre comércio do Mercosul. A única grande diferença, em relação aos membros plenos do bloco (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela), é que eles não fazem parte da união aduaneira do Mercosul e nem participam de suas instituições políticas.

            Como resultado dessa integração, as exportações do Brasil para essas nações aumentaram exponencialmente. Para a Colômbia, as exportações brasileiras aumentaram de US$ 638 milhões, em 2002, para US$ 2,83 bilhões, em 2012. Em relação ao Peru, nossas exportações subiram de apenas US$ 438 milhões para US$ 2,4 bilhões, no mesmo período. No que tange ao Chile, as exportações brasileiras aumentaram de US$ 1,4 bilhão, em 2002, para US$ 5,4 bilhões, em 2011. Diga-se de passagem, o Brasil tem alentados superávits com todos esses países.

            Além disso, esses países da América do Sul que participam da Aliança do Pacífico já têm, por forças desses acordos citados e dos acordos firmados no âmbito da Comunidade Andina, livre comércio entre si. Portanto, a única novidade da Aliança é a proposta de livre comércio entre esses países e o México. Nesse sentido, a Aliança do Pacífico nada mais é, pelo menos por enquanto, do que um acordo de livre comércio entre o México e alguns países remanescentes da Comunidade Andina, já que Equador, Bolívia e Venezuela não pretendem aderir. Não se pense, aliás, que a Aliança do Pacífico vai conseguir acesso facilitado ao mercado norte-americano. Qualquer acordo com os EUA terá de passar pelo crivo draconiano do Congresso norte-americano, que exigirá, dos países da Aliança, bem mais do que livre comércio.

            Much ado about nothing, diria o dramaturgo de Stratford-upon-Avon.

            Em relação ao México, o Brasil firmou o Acordo de Complementação Econômica nº 53, ainda em 2002. Tal acordo, embora menos ambicioso que os demais citados aqui, estabeleceu preferências tarifárias em cerca de 800 itens da pauta exportadora. Ademais, o Brasil e o México firmaram, também em 2002, o Acordo de Complementação Econômica nº 55/02, destinado unicamente a estabelecer um maior intercâmbio comercial de automóveis.

            Por conseguinte, a Aliança do Pacífico não tem nenhum impacto significativo sobre a realidade econômico-comercial da América do Sul e América Latina. E nem sobre o Brasil e o Mercosul. A não ser que os demais países da região abandonem o Mercosul, coisa altamente improvável, ela não representa ameaça real ao Brasil e ao autêntico processo de integração. Seu impacto maior é apenas político-ideológico: ela representa simbolicamente a aposta estratégica e incondicional no livre-cambismo, como solução mágica para os problemas econômicos e sociais de nossa região. Com a crise do capitalismo desregulado, essa pauta já deveria estar definitivamente enterrada, mas, como a fênix, ela ressurge teimosamente das suas próprias cinzas para enganar os incautos.

            Relativamente a esse assunto, é interessante cotejar a experiência recente do México com a do Brasil.

            O México, além de aderir ao acordo inteiramente assimétrico do NAFTA, já em 1992, firmou nada menos que 32 acordos de livre comércio. Trata-se do país campeão em livre comércio, o que mais celebrou acordos desse tipo em todo o mundo.

            Se os teóricos do livre-cambismo estivessem certos, o México seria a economia mais dinâmica e inovadora do mundo. Contudo, os resultados efetivos são, para dizer o mínimo, duvidosos.

            Após um período inicial de euforia com os novos investimentos norte-americanos e com o grande aumento do seu comércio internacional, principalmente com a criação de empresas “maquiladoras” na fronteira com os EUA, os inevitáveis efeitos negativos da integração tão assimétrica com a maior economia mundial se tornaram cada vez mais evidentes.

            No campo industrial, houve grande esfacelamento da estrutura produtiva nacional. Muitas empresas mexicanas não conseguiram sobreviver à concorrência da produção industrial dos EUA. E as que conseguiram foram, em boa parte, compradas a baixos preços por grupos econômicos norte-americanos. Isso aconteceu de modo especialmente intenso na outrora pujante indústria têxtil mexicana, que passou a orbitar a cadeia produtiva dos EUA.

            Na área agrícola, houve a geração de notável insegurança alimentar. O México, que era exportador de grãos, no período pré-Nafta, passou a importá-los dos EUA em sua quase de totalidade. Tal processo de destruição das culturas agrícolas se deu inclusive no que tange ao milho, base da alimentação e culinária mexicanas. Hoje em dia, o milho utilizado no México é quase todo colhido nos EUA, que subsidia fortemente a sua produção. Embora a agricultura mais moderna e irrigada tenha sobrevivido, a agricultura familiar foi muito afetada.

            Ademais, houve fragilização da proteção jurídica ao meio ambiente e “precarização” das relações trabalhistas, em virtude dos privilégios concedidos aos investidores norte-americanos, no capítulo sobre investimentos do Nafta.

            A consequência mais relevante foi, contudo, o aumento das desigualdades regionais e sociais no México. Houve poucos “ganhadores” mexicanos com a integração aos EUA e com os demais acordos de livre comércio, concentrados principalmente no Norte do país. As demais regiões, principalmente a região Sul do México, e a grande massa dos trabalhadores urbanos e rurais mexicanos não se beneficiaram na mesma medida, como se esperava. Na realidade, ocorreu significativo incremento das assimetrias regionais e sociais, impulsionado pelos efeitos econômicos desagregadores e destruidores da integração aos EUA.

            Estudo feito pelo Banco Mundial, em 2007, intitulado Lessons from NAFTA for Latin America and the Caribbean Countries: A Summary of Research Findings (lições do NAFTA para os países da América Latina e do Caribe: resumo das conclusões da pesquisa), mostrou cabalmente que os efeitos da inserção internacional do México, ao longo do Nafta, foram significativamente regressivos.

            Ademais, a economia mexicana tornou-se ainda mais dependente da economia dos EUA, dependência que não foi revertida com assinatura dos demais acordos de livre comércio. Com a crise, que afetou profundamente a economia norte-americana, o México praticamente não cresceu, em 2008, e, em 2009, seu PIB caiu quase 7%. Nos primeiros 10 anos deste século, o PIB per capita (PPP) do México cresceu apenas 12%, bem abaixo do que cresceu o do Brasil (28%). Na realidade, o México só superou, nesse cômputo, a frágil Guatemala, o país que menos cresceu em toda a América Latina, com base nesse parâmetro específico. O recente crescimento do México, obtido graças, essencialmente, ao afluxo de capitais especulativos, não muda esse quadro estrutural.

            Quanto aos imensos investimentos que o México esperava receber, em razão de suas concessões incondicionais ao livre-comércio, eles se dirigiram em volume incomensuravelmente maior para a China, uma economia bastante “estatizada”, porém extremamente dinâmica.

            No que se refere à inovação tecnológica, o México, como reconhece a própria Academia Mexicana de Ciências (AMC), é um dos países mais atrasados do mundo. Para se ter uma ideia, as universidades chinesas conseguiram, em 2011, o reconhecimento de cerca de 35 mil patentes. As universidades mexicanas requereram apenas 70 e, desse total, somente 35 foram reconhecidas. Para quem pensava que a abertura da economia levaria automaticamente ao desenvolvimento tecnológico, o México é um gritante contraexemplo. As empresas Maquiladoras, ou maquiadoras, não geram inovação. São empresas cujos produtos exportados dependem diretamente de insumos dos Estados Unidos, sem qualquer agregação de valor. Por isso, México exporta muito mas sua balança comercial continua deficitária, porque importa muito insumos americanos para a fabricação de seus produtos.

            No Brasil, em contraste, a estratégia de inserção econômica no cenário mundial produziu resultados altamente progressivos. De fato, o Brasil adotou uma estratégia de inserção inversa à do México e a de outros países da região. A partir do governo Lula, o nosso país rejeitou claramente a proposta da ALCA ampla norte-americana, que continha cláusulas idênticas às do Nafta, e apostou na integração regional, via Mercosul e Unasul, na grande diversificação de suas parcerias estratégicas, especialmente com os demais BRICs, e na articulação geopolítica Sul-Sul, sem descuidar, porém, de suas boas relações com os países mais desenvolvidos.

            O grande aumento das nossas exportações e os alentados superávits comerciais que tal estratégia proporcionou foram decisivos para reduzir substancialmente a nossa vulnerabilidade externa, zerar a dívida externa brasileira e criar um quadro econômico propício à redução das taxas de juros e à retomada do crescimento. Além disso, tal estratégia aumentou significativamente nosso protagonismo internacional e nossa autonomia político-diplomática. O resultado mais eloquente dessa inserção internacional, associada ao modelo de desenvolvimento brasileiro, tange ao fato de que, no Brasil, a maioria da população foi beneficiada.

            Assim, ao contrário do México e de outros países da região, o Brasil é hoje ator mundial de primeira linha, que consegue articular exitosamente os interesses regionais e os anseios dos países em desenvolvimento em todos os foros internacionais relevantes. O nosso país fez a escolha estratégica acertada e soube aproveitar pragmaticamente as mudanças na ordem geoeconômica mundial, que deslocaram o centro dinâmico da economia internacional para os países emergentes. Já os países que apostaram na integração assimétrica aos EUA e às demais grandes economias internacionais não colheram, em geral, os frutos apregoados pelo ideário paleoliberal e se tornaram mais vulneráveis à crise mundial, que vem afetando mais intensamente as economias da Tríade (EUA, União Europeia e Japão).

            A tendência, diga-se de passagem, é que os países emergentes continuem a apresentar maior dinamismo, o que recomenda o prosseguimento dessa estratégia exitosa, que nos transformou num autêntico global player, com uma corrente de comércio bastante diversificada.

            A Aliança do Pacífico, o novo modismo do livre-cambismo regional, não passa, por conseguinte, de uma miragem daqueles que torcem e às vezes até jogam contra os interesses do Brasil no cenário internacional.

            Trata-se de uma mistura de ideologia com fatos mal-assimilados. Um factoide que tende a não prosperar, não se concretizar, por absoluta falta de condições objetivas para isso.

            Era o que tinha para este pronunciamento, Senhor presidente, muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/2013 - Página 39355