Discurso durante a 99ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta para existência de crise na democracia brasileira causada pela falta de sintonia entre as classes políticas e as aspirações populares.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Alerta para existência de crise na democracia brasileira causada pela falta de sintonia entre as classes políticas e as aspirações populares.
Publicação
Publicação no DSF de 20/06/2013 - Página 38327
Assunto
Outros > MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • REGISTRO, OCORRENCIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, MOTIVO, CRISE, DEMOCRACIA, BRASIL, ENFASE, CONFLITO, PODERES CONSTITUCIONAIS, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, POPULAÇÃO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, quero retomar o assunto trazido aqui pelo Senador Pedro Taques - que está, neste momento, rodeado dos estudantes do Mato Grosso que nos visitam - e que permitiu um debate de quase uma hora com outros Senadores. É sobre o que vem acontecendo ultimamente nas cidades brasileiras.

            O Brasil, de repente, caiu com uma grande surpresa das manifestações de rua. Quero dizer, sinceramente, que a minha surpresa é que as pessoas fiquem surpreendidas. Ninguém podia saber que isso aconteceria nesse fim de semana, mas era óbvio que todos os ingredientes estão dados para que isso acontecesse e para que continue a acontecer, mesmo depois que haja uma parada por algumas semanas ou meses, ou anos, e voltar tudo de novo, porque o povo vai à rua para derrubar os regimes militares, ou para alertar os democratas de que a democracia está doente. E a nossa democracia está doente. Está doente pela corrupção, pelo distanciamento entre nós políticos e o povo, e o Poder Executivo ainda mais distante do povo e distante do Congresso. Está doente pelos partidos de mentirinha - como tem sido dito. A democracia está doente; mas, sobretudo, está doente porque deixou de oferecer expectativas para os jovens, divididos em dois tipos: os órfãos de propostas utópicas e os órfãos dos serviços públicos do imediato.

            Vivemos em uma sociedade de orfandade, por falta de propostas, de sonhos, ou por falta dos serviços básicos essenciais nesse momento. O que está na rua é um debate entre o público e o privado. Quando as pessoas vão às ruas, por causa da passagem de ônibus, na verdade é uma reação a décadas e décadas de prioridade ao transporte privado, que já se esgotou como alternativa, pelo trânsito que nós temos, pelo custo que representa. Esgotou-se. Não investimos no transporte público de qualidade, como faz qualquer metrópole que queira funcionar bem.

            A orfandade é entre a participação e o isolamento. Políticos em contato, em convivência, ouvindo, falando a linguagem do povo ou isolados, como a gente vê o Governo Federal feito de uma maneira cega e surda.

            A Presidenta da República - eu já disse mais de uma vez aqui - precisa de um oculista e um oftalmologista para ver mais longe, em vez de o imediato, e para escutar o que a opinião pública está dizendo. Nós temos um divórcio, porque nós não estamos sintonizados com a alma do povo. E quando políticos, eleitos democraticamente, não estão sintonizados diretamente com a alma do povo, a democracia fica doente.

            Nós estamos entre a honestidade e a corrupção. As pessoas estão nas ruas por um desses lados. Nós estamos entre a transparência ou o voto secreto. Nós estamos entre a busca de aumentar o consumo ou ampliar o bem-estar social. Essa é uma orfandade que nós vivemos. Nós estamos na orfandade entre estádios para fazer uma Copa, o que eu, há meses e meses e meses, digo aqui, que é um equívoco o Brasil ter assumido a responsabilidade de fazer essa Copa ...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) -... e, ao mesmo tempo, investimentos no setor público. Há uma orfandade entre o longo prazo e o curto prazo. Isso é que levou o povo ás ruas. E se nós não entendemos isso, eu temo que daqui a algum tempo surjam faixas pedindo a renúncia de todos os políticos no Brasil. Eu temo, porque, aí sim, é querer curar a democracia dando-lhe um choque tão radical que ela própria pode não sobreviver.

            Ou nos adiantamos a entender a dimensão profunda da crise que nós estamos vivendo e da qual a rua é uma surpresa, porque foi ontem, mas não é uma surpresa para mim que isso tenha acontecido. Ou olhamos, não com surpresa, mas com a percepção de algo que estava sendo gerido, gestado ao longo de anos, no Brasil, por políticas equivocadas. Ou nós estamos caminhando para o que ...

(Interrupção do som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - ...Ou nós estaremos caminhando para aquilo que vem depois das doenças não curadas, que é a morte. Eu não digo a morte da vinda da ditadura; eu digo a morte de uma democracia que não tem sintonia com a opinião pública, com a alma do povo, com a exigência de futuro. Uma democracia doente, como a nossa.

            Felizmente, a juventude brasileira despertou, sejam a daqueles que são conscientes e são órfãos de uma utopia, seja a daqueles que nem são conscientes, mas são órfãos dos serviços públicos que não lhes são oferecidos, porque são pobres.

            Oxalá eles nos despertem! Oxalá despertem, sobretudo, o Poder Executivo! Oxalá despertem os partidos, especialmente o partido majoritário, que está no poder, para que deixe de ser cego e olhe o futuro, deixe de ser surdo e ouça todos, inclusive aqueles...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - ... que o criticam, aqueles que têm posições diferentes!

            Por favor, Governo, nós todos, juntos, ouçamos a voz do povo e entendamos, sem surpresa, que a única surpresa seria ter demorado tanto o grito do povo na rua diante da nossa omissão, da nossa falta de sintonia, da nossa falta de compromisso com a alma do povo brasileiro, que, hoje, está na garganta dos jovens nas ruas.

            Sr. Presidente, eu gostaria muito de que o Sr. Presidente falasse que o Senado precisa cumprir o seu papel. Há um momento oportuno para o Senado, de alguma maneira - o Sr. Presidente deveria pensar como -, participar disso, não ficar omisso, não ignorar, termos olhos e ouvidos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/06/2013 - Página 38327