Discurso durante a 99ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre as manifestações populares que têm ocorrido nas cidades brasileiras, destacando a necessidade de apresentação, pelo parlamento, de respostas às demandas sociais.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Considerações sobre as manifestações populares que têm ocorrido nas cidades brasileiras, destacando a necessidade de apresentação, pelo parlamento, de respostas às demandas sociais.
Publicação
Publicação no DSF de 20/06/2013 - Página 38438
Assunto
Outros > MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • COMENTARIO, FATO, POPULAÇÃO, REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, REIVINDICAÇÃO, MELHORIA, SERVIÇO PUBLICO, COMBATE, CORRUPÇÃO, DEFESA, NECESSIDADE, SENADOR, AMPLIAÇÃO, DEBATE, PROPOSTA, RESPOSTA, PROTESTO.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado.

            Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, o Brasil ganhou de 2 a 0, mas eu não senti - eu estava acompanhando pelas redes sociais - grandes emoções nessa vitória. Eu concluo que o futebol deixou de ser o ópio do povo e eu tenho a sensação de que ele se transformou num instrumento de reflexão, de conscientização e de tomada de posição coletiva. É essa sensação que me dá.

            As ruas das cidades brasileiras estão tomadas por uma avalanche de pessoas que exigem mais da democracia. É verdade, sim, que a democracia brasileira só fez bem ao País. Algumas conquistas, alguns avanços, e a sensação que eu tenho é que o povo provou, gostou e quer mais.

            E cabe a nós essa tarefa de oferecer mais à sociedade brasileira. Eu tenho refletido sobre os últimos acontecimentos. As manifestações apresentam uma pauta muito grande, que vai da educação até o posicionamento ético das instituições brasileiras. É verdade que, nos últimos anos, nós demos um salto importante para chegarmos ao que chegamos.

            Inicialmente, controlamos a inflação e passamos a ter memória do dinheiro, e isso é muito importante. É tão importante que, no último ano, vimos o crescimento da inflação, e as pessoas se deram conta rapidamente de que os preços estavam subindo, e isso também faz parte da insatisfação. É verdade que os salários subiram; o salário mínimo, que V. Exª defendeu a vida toda, Senador Paulo Paim, recuperou a parte do seu poder de compra. Mas, no último ano, houve, sim, um crescimento da inflação. As conquistas da democracia, eu diria, bateram no teto, e cabe a nós, mesmo que essa pauta ampla que faz parte dos protestos e das manifestações não esteja nas mãos das lideranças, e nós temos dificuldade de identificar. De uma coisa nós sabemos: os partidos políticos não fazem parte dessas manifestações; as centrais sindicais, tampouco; as corporações patronais, idem.

            Ora, a sociedade brasileira é uma sociedade conduzida por essas organizações sociais. Se elas não estão envolvidas na manifestação, quem é que está? É o povo brasileiro. É aquele que passa 3h, 4h, de uma jornada de 24h, dentro de um ônibus, para se deslocar da sua casa ao local de trabalho.

            Se algumas coisas avançaram, eu posso citar no meu Estado, porque eu venho de um Estado periférico, um Estado periférico de um País periférico, e, no meu Estado, muitas conquistas aconteceram. E se percebe a extensão do braço da União, o braço generoso da União chegando lá através do Bolsa Família, através da eletrificação, do Luz para Todos, através do programa de habitação. No entanto, a minha cidade de Macapá piorou muito: em trânsito, em mobilidade urbana, em transporte coletivo - nós não temos política de transporte coletivo. E, aqui, eu entro numa questão que me parece muito importante: nós temos um grave problema de mobilidade urbana, eu não sei se talvez seja o mesmo ou um pouco melhor lá em Porto Alegre, mas, em São Paulo, é uma tragédia - é uma tragédia tão grande que há rodízio. Imagine: o cidadão passa uma vida sonhando em comprar o carro; compra o carro e, aí, não pode usá-lo.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Só para contribuir: em Porto Alegre não é diferente.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - É a mesma coisa.

            Então, nisso, as nossas cidades pioraram, e o povo brasileiro mora nas cidades hoje, o País se tornou muito mais urbano. Então, essa é uma questão para a qual precisamos dar respostas, dar respostas urgentes.

            Há a questão da segurança, que é outra tragédia - da segurança ou da insegurança coletiva que nós vivemos em nossas cidades. E um país continental como o Brasil não tem uma política nacional de segurança para os seus cidadãos, segurança capaz de unificar os Estados brasileiros para garantir que vivamos em paz e com liberdade para andar nas ruas de nossas cidades.

            E há outra questão, que é um comportamento que me parece ser congênito nas instituições públicas do Brasil: a questão ética. A desconfiança da sociedade brasileira se generalizou e se aprofundou nos últimos tempos. Já foi citada aqui por um Senador a pesquisa do Datafolha em relação ao Executivo, em relação à queda de credibilidade nas instituições - deram até uma palavra interessante para medir o conceito que tem a sociedade em relação ao Legislativo, ao Executivo e ao Judiciário.

            O Legislativo e o Executivo são frutos da política, e a política é um instrumento de constituição do poder, e a política tem uma participação direta do cidadão. A política não é exclusividade dos políticos, é o cidadão que nos escolhe. Esta sociedade é resultado das nossas escolhas na democracia.

            Agora, é preciso fazer uma pausa para dizer que nós não temos tradição democrática em nosso País. Nós estamos vivendo o mais longo período, o mais longo - digamos -verão democrático da história brasileira. É esse que se iniciou em 1985, numa conciliação capaz de colocar de novo o País no caminho da democracia. Então, nós não temos essa tradição, não temos partidos políticos também com essa tradição democrática.

            A conclusão a que chego é que a responsabilidade cabe a nós. Não está na hora de buscarmos culpados fora deste plenário. Não, estão aqui dentro. Nós somos responsáveis, sim, pela condução deste País; a responsabilidade pertence às instituições brasileiras que não conseguiram continuar ofertando aquilo que a sociedade almeja e espera.

            Mas agora a exigência e a urgência, digamos, em dar respostas aumentou. O povo está na rua e vai vir aqui, para a nossa porta. E nós vamos ter de apresentar... Nós temos de debater, como Senadores, que resposta nós vamos dar. Não existe uma pauta definida. Ela é ampla, mas eu tenho uma identificação muito grande: Eu quero uma qualidade de educação melhor; eu quero uma saúde ampliada, de mais qualidade; eu quero mobilidade urbana; eu quero viver em uma cidade em que eu possa andar com liberdade. Eu tenho uma identidade com essas reivindicações. Agora, é claro que nós temos de dar respostas, e essas respostas vão ser exigidas dos tomadores de decisões. E foi para isso que a sociedade nos mandou para cá.

            É verdade que eles não se sentem representados. E é claro que não se sentem representados pelos partidos políticos e por nós, que aqui estamos, e tampouco se sentem representados pelas suas representações sindicais, porque eles não aceitam nem a participação das suas corporações sindicais. Então, é hora para atentarmos para isso.

            Mas nessa queda vertiginosa, que foi citada aqui, de avaliação das instituições públicas brasileiras, a que mais surpreende é a avaliação do Judiciário. É verdade que foi avaliada a Justiça de São Paulo, mas eu acho que eu não pecaria em generalizar. O povo brasileiro não acredita na Justiça, até porque a Justiça tem o braço curto; ela é caolha, não consegue enxergar a sociedade como um todo; ela pune preferencialmente os pobres e protege os ricos.

            Esse é o conceito que o povo brasileiro tem do nosso Judiciário. Ele precisa dar respostas, nós precisamos responder a esses questionamentos.

            Essa mobilização já não é mais só da juventude. Aliás, essa é uma juventude que nasceu e cresceu na democracia, não tem as marcas - que nós trazemos no corpo - da ditadura. Cresceram na democracia e isso tem um valor muito importante. Meus filhos também cresceram na democracia e têm um conceito diferente de sociedade daquele que nós tínhamos. Lutávamos pelo simples direito de chegar aqui e nos manifestar, dizer o que pensávamos. Era essa a nossa luta por liberdade política. Agora, é um pouco diferente. Essa sociedade, esses jovens que estão indo à rua, querem um futuro melhor. Muito bem, foi-lhes ofertada a possibilidade de fazer um ensino superior, o ProUni abriu as portas para que milhões de jovens ingressassem na universidade. Saíram de lá com um canudo e querem um bom emprego. Só que esse bom emprego não existe, esse bom emprego lhes escapa das mãos. Isso cria, então, um sentimento de profunda insatisfação.

            Creio que um dos aspectos que aparecem em todas as manifestações no País é a questão da corrupção. Confesso que sempre considerei a importância das redes sociais. Desde que entrei nas redes sociais - no Twitter inicialmente, desde os primeiros dias, depois no Facebook -, participo ativamente dos debates e sei que a sociedade, em rede, se tornou mais bem informada porque tem acesso à fonte da informação, não precisa de intermediários. O Presidente Paim já vai tuitar aí, já vai entrar em contato com os seus seguidores. É muito rápido. Essa nossa conversa, se fosse na hora do jogo do Brasil, talvez não tivéssemos... Nem sei se o tamanho da audiência foi colocado aqui por um parlamentar porque o futebol, como disse, deixou de ser o ópio do povo. As pessoas estão muito mais preocupadas com a sua realidade. Então, é uma questão ética. 

            Então, eu volto à questão ética. E, desde que eu entrei aqui, eu tenho essa preocupação. Aliás, desde que eu entrei na vida pública, eu tenho a preocupação de aproximar o cidadão do Poder Público. E, para isso, eu trabalhei muito a questão da transparência dos gastos públicos.

            E a minha expectativa e a minha esperança eram de que, uma vez estabelecida em lei a obrigatoriedade, se colocasse na rede mundial de computadores - porque eu acho que as redes sociais podem se transformar no ágora da democracia, no grande encontro da democracia - detalhadamente as suas despesas na Internet e que a sociedade em rede se apoderasse desse instrumento. O que não aconteceu até agora.

            Da mesma forma como as redes sociais influenciaram a ida do povo às ruas, eu tenho muita esperança de que as redes sociais, em algum momento, se apoderem do instrumento da transparência e passem a controlar os gastos públicos. Eu tenho certeza de que, se nós tivéssemos tido a capacidade de controlar os gastos na construção das arenas, os preços teriam sido menores. Enfim… E, para finalizar…

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Senador, me permite, já que V. Exª vai terminar.

            Eu estou acompanhando o seu pronunciamento e eu tenho uma análise semelhante à de V. Exª. Eu não consigo, ainda, assimilar que o povo brasileiro deixou de gostar de futebol. Para mim, o povo brasileiro gosta de futebol. E por que eu fiz o aparte agora a V. Exª? Porque o povo brasileiro não aceitou - e não aceita - o gasto exagerado, até de superfaturamento dos estádios. Fiquei quase toda a tarde presidindo, iniciei às 14 horas, o Senador Renan veio e fez a Ordem do Dia, em seguida eu voltei para cá, mas dizem que o mesmo povo que está na rua, corretamente - e eu concordo com V. Exª -, cantando inclusive o Hino Nacional, cantou o Hino Nacional de forma muito bonita lá em Fortaleza. No final, foi uma única voz, dizendo: “Sou brasileiro, sim, com muito orgulho.”

            O que isso mostra? Que o povo brasileiro sabe protestar, sabe reivindicar, está combatendo a corrupção e a impunidade, tem uma pauta, que V. Exª descreveu muito bem, mas, ao mesmo tempo, ele sabe que o futebol é uma marca deste País. E nós não vamos deixar que nos tirem essa marca por toda a nossa história. E continuaremos avançando. E eu concordo com V. Exª, futebol não pode ser o ópio, mas, por outro lado, ele é um espaço de lazer que o nosso povo merece. E por que eu fiz um aparte agora? Porque V. Exª disse muito bem que o povo brasileiro está protestando de acordo com o gasto exagerado, até superfaturamento de muitos desses estádios. Nisso, de fato, V. Exª tem toda razão.

            Desculpe-me, mas eu precisava fazer um comentário.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Não, não, claro. Foi um prazer. Imagina. Não é todo mundo que tem direito a um aparte do Presidente. É uma satisfação grande.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Parabéns a V. Exª.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Eu finalizo, dizendo que ao Brasil não me parece que fosse tão urgente sediar esses dois grandes eventos, até porque, de alguns anos para cá, o Brasil passou a ter relevância no cenário internacional, e grande relevância. Poderia até se preparar um pouco melhor para sediar esses jogos, ofertando alguns serviços básicos, universalizando esses serviços básicos, como universalizou a educação, mas falta qualidade, como ampliou a saúde, mas falta qualidade.

            Enfim, eu gostaria de discutir mais quais são as alternativas que nós vamos oferecer a essas pessoas que exigem um posicionamento, porque, na verdade, não estão nos cobrando, porque não nos procuraram para conversar. Nós é que temos que nos adiantar, e eu acho que pode ser talvez a reforma política, repensar o nosso Judiciário, repensar as nossas instituições.

            Eu acho que a gente deveria conversar com o Presidente, com a Mesa, e transformar o plenário num debate amplo, sem a intermediação das Lideranças, em que todos pudessem falar aqui no plenário o que está sentindo, encaminhando propostas, e alguém escrevendo essas propostas, porque aqui há homens experientes. Há homens de muita experiência, que lidaram e lidam com a coisa pública, depois de muitos anos. Acho que até o formato do debate, para podermos atender à exigência da sociedade, a exigência que vem das ruas, eu acho que temos que pensar também no formato aqui no nosso Senado, a forma de debater.

            Era isso, Sr. Presidente. Muitíssimo obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/06/2013 - Página 38438