Discurso durante a 105ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à postura da Presidência da República frente às manifestações populares.

Autor
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Críticas à postura da Presidência da República frente às manifestações populares.
Publicação
Publicação no DSF de 28/06/2013 - Página 40335
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, FALTA, PROPOSTA, PROJETO, GOVERNO FEDERAL, REPUDIO, PROPOSIÇÃO, REALIZAÇÃO, PLEBISCITO, FATO, DESVIO, ATENÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, FALENCIA, GOVERNO.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, creio que nunca nenhuma expressão foi repetida com mais frequência na história deste País do que “a voz das ruas”, que tenho ouvido no Senado nos últimos dias.

            A qualquer pretexto é a voz das ruas. A voz das ruas pede isso, a voz das ruas pede aquilo, todos se abalizam a intérprete da voz das ruas, dotados de visão de psicologia coletiva, psicologia social para tentar interpretar e dizer, em nome das ruas, aquilo que elas quereriam dizer. Daí, inclusive, a volúpia legislativa que parece tomar conta da Câmara e do Senado. Vamos aprovar, aprovar, aprovar, rapidamente, tudo o que for possível, porque a voz das ruas reclama.

            Sr. Senador Jorge Viana, não quero interpretar a voz das ruas. Quero apenas constatar aquilo que ouvi e que vi em manifestações cujo tamanho e volume realmente, como diz o Senador Raupp, tem apenas precedente na luta pelas Diretas Já.

            Os motivos os mais diversos, inclusive uma motivação, Senador Jorge Viana, que é tão legítima quanto às outras, que é a motivação de participar da manifestação, o prazer quase que lúdico de sair do seu casulo e participar de uma atividade coletiva, de uma atividade voltada para a vida pública.

            Os temas, na medida em que há temas identificáveis, são muito claros: é inconformidade com a corrupção, é exigência de transparência, é a indignação com o desperdício de dinheiro público na Copa do Mundo, é a precariedade dos serviços públicos, do serviço de educação, do atendimento à saúde, é a vida infernal em que se transformou a convivência nas grandes cidades, em razão, entre outras coisas, da insegurança e da precariedade dos transportes coletivos.

            Trata-se de uma reclamação justa para que todos nós, legisladores e governantes, assumamos a nossa responsabilidade. A responsabilidade de trazer solução para esses problemas apontados. E não é preciso fazer uma pesquisa de opinião pública para saber que são estes problemas que a população brasileira mais sente: a inflação que volta, os serviços públicos precários, a corrupção, a falta de transparência, o crescimento econômico pífio, os empregos de má qualidade. É isso. Os manifestantes -- alguns ordeiros, outros não -- pedem exatamente isso.

            A Presidência da República parece que ouviu outra linguagem. Ela entendeu que aquilo que os manifestantes pediam era um plebiscito sobre reforma política e que é disso que a Nação necessita hoje. É claro que ela entendeu aquilo que era objeto das manifestações, apenas ela quis, ao lançar o tema do plebiscito, desviar a atenção da opinião pública, do povo, do mundo político para o fracasso do seu Governo e resolver a maior parte dessas questões. Apenas isso. Ela reuniu governadores e prefeitos de capitais e, ao final dessa reunião, fez uma espécie de homilia em favor de pactos: Pacto da Mobilidade, Pacto da Transparência, Pacto da Educação, Pacto da Saúde.

            Mas tudo isso era para inglês ver… No fundo, o que ela queria mesmo era introduzir o tema tão caro ao petismo da convocação de uma Constituinte exclusiva para fazer a reforma política, tema repisado em sucessivas reuniões e congressos do Partido dos Trabalhadores. E a Presidente da República foi nessa direção. Propôs, ainda que numa linguagem arrevesada, exatamente isto: um plebiscito para instaurar um processo constituinte específico.

            Diante da gritaria que isso suscitou, da repulsa que isso suscitou por parte de todos aqueles que farejaram nessa proposta um cheiro de bolivarismo, diante da reprovação do seu próprio Vice-Presidente da República, o constitucionalista Michel Temer -- que viu nessa proposta uma ameaça de ruptura da ordem constitucional --, a Presidente, em 24 horas, recuou, não sem antes fazer com o que seu Ministro da Justiça fosse tentar interpretar aquilo que ela havia dito. Ficou mais complicada ainda a interpretação do que a fala da Presidente, mas depois sobrenadou a proposta do plebiscito.

            Pergunto: se a Presidente da República quer tratar efetivamente, com seriedade, o tema da reforma política -- e pergunto ao Senado, como há pouco perguntei a V. Exª --, será que ela, que é uma mulher vivida, com experiência, uma mulher culta, antiga militante política, até hoje, em dois anos e meio de governo, não teve sequer uma ideia que pudesse socializar conosco, com a Nação, a respeito de providências que deveriam ser tomadas para melhorar o sistema político brasileiro? Será que ela simplesmente tem um elenco de perguntas, que não tem nenhuma resposta que já tenha formulado em foro íntimo e que deva, pela sua condição de Líder da Nação, expor à opinião pública? O que a Senhora Dilma Rousseff prega, apregoa, preconiza, para melhorar o nosso sistema eleitoral, partidário, de modo a torná-lo mais representativo, de modo a torná-lo mais propício à governabilidade?

            Ela anunciou aqui, quando tomou posse, dois anos e meio atrás, que um dos propósitos que acalentava e que queria concretizar, durante o seu quadriênio, seria a reforma política. Todos nós aplaudimos. Só que ela falou isso e se esqueceu, nunca mais tocou no assunto. Volta a falar em reforma política quando? Acuada por manifestações nas ruas, diante dos problemas crescentes da economia, de uma economia estagnada, às voltas com uma inflação que sobe, diante da queda de popularidade nas pesquisas, diante da insatisfação generalizada da opinião pública, ela agora descobre as virtudes da reforma política. E, em vez de dizer que reforma propõe, propõe o quê? Um plebiscito.

            Esse truque eu já vivi, eu já vi, e quem conhece a História sabe: a ideia de se fazer um plebiscito como um reforço de legitimidade de um governante cuja legitimidade está cambaleando.

            Não tenho dúvida nenhuma de que, se esse plebiscito for convocado, teremos a presença da Presidente e do ex-Presidente pregando as virtudes do financiamento público da eleição para acabar com a corrupção, como se a corrupção resultasse da necessidade de financiamento público. Político que rouba, que faz negócio com o mandato rouba para pôr dinheiro no bolso! Não é para financiar campanha. Os senhores acham que a Rosemary Noronha fazia o que fazia, durante oito anos como secretária do gabinete da Presidência em São Paulo, para financiar campanha? E o mensalão? Foi para financiar campanha? Não. Foi para comprar mandatos. Para comprar Deputados na Câmara dos Deputados. Por causa do sistema eleitoral? Não.

            O Presidente Lula, e, vez de fazer uma aliança em boa e devida forma, programática, com o PMDB, que ombreava com o PT em termos de maioria parlamentar, de número de Deputados; em vez de seguir, inclusive, a orientação que, naquela época, era preconizada pelo Ministro José Dirceu, resolveu fazer uma aliança no varejo, comprando Deputados. E o Ministro Dirceu foi um operador do sistema. Foi por causa do sistema eleitoral? Não. Foi por causa de uma concepção torta do que seja aliança política.

            O sistema político de hoje cria algum tipo de embaraço à Presidente da República para poder implementar as suas propostas, se é que propostas tem? Nenhum! Ela tem a seu favor 420 Deputados; tem uma maioria oceânica no Senado; dispõe de medidas provisórias, da faculdade de propor urgência aos projetos de lei; dispõe do fato de ser Presidente da República e poder requisitar, como vem fazendo a toda hora, como requisita, cadeias de rádio e televisão para mobilizar a opinião pública. De modo que o sistema político atual não impõe nenhum embaraço à governabilidade. O que falta a este Governo é projeto, é proposta, e, na sua falta, saem com essa conversa fiada de plebiscito.

            Ora, Srs. Senadores, imaginemos que se faça um plebiscito para discutir sistema eleitoral. Eu já tive a oportunidade de dizer agora, num aparte ao Senador Cristovam Buarque: imaginem os senhores como é que o eleitor iria se pronunciar diante da disjuntiva voto majoritário uninominal com turno único, ou sistema proporcional de lista aberta? Quem é capaz de entender uma coisa dessa?

            Eu, até hoje, tenho dificuldade em explicar aos meus eleitores como funciona, no sistema do voto proporcional atual, para eleição de Deputados, o mecanismo do coeficiente eleitoral para converter o número de votos recebidos por um partido em número de cadeiras. Eu diria, Sr. Presidente, que muito deputado, muito prefeito, muito vereador, muito político calejado não sabe direito. Explicar o que são as sobras, ainda, de um sistema de distribuição de cadeiras por esse método é mais difícil ainda. Como é que nós vamos submeter questões dessa complexidade a um plebiscito, que comporta “sim” ou “não”?

            Seria mais fácil, por exemplo, fazer um plebiscito: “O senhor concorda ou não com a existência de 39 ministérios no Governo?” “O que é que o senhor prefere: trem-bala ou transporte de massa para a população brasileira?” Essa é uma disjuntiva fácil. Agora, discernir entre as complexidades de uma legislação que, por si só, é complexa e que deve ser absolutamente concatenada, uma medida com outra, para que dela não surja um monstrengo, por exemplo, sistema de financiamento público de campanha com sistema proporcional de lista aberta, que levaria à distribuição de recursos de dinheiro público de campanha para três, quatro, cinco mil candidatos para Deputado Federal no Brasil inteiro.

            Essas coisas têm que ser compatibilizadas, e não é possível fazê-lo…

(Soa a campainha.)

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - … numa consulta plebiscitária, que comporta apenas “sim” ou “não”.

            Mas, no fundo, o que a Presidente quer não é fazer nenhuma consulta plebiscitária para aperfeiçoar o processo político; o que ela quer é desviar o foco, a atenção dos brasileiros dos reais problemas que o País vive e que o seu Governo fracassou em tentar resolvê-los. Esse é o grande objetivo.

            Reforma política, claro, me dedico a ela há muitos anos, como V. Exª, como Parlamentar, também, meu caro amigo Senador Jorge Viana. Fui membro de comissões de reforma política desde o meu primeiro mandato de Deputado Federal.

            Creio que algumas medidas simples poderiam ser tomadas para aperfeiçoar o nosso sistema político, como, por exemplo, acabar com as coligações e eleições proporcionais, para evitar exatamente que a pessoa, em São Paulo, vote no Tiririca, em sinal de protesto, e acabe elegendo o Genoino, ou, então, termos um sistema mais rigoroso de aumentarmos a cláusula de barreira para a existência parlamentar, como condição de existência parlamentar de partidos. Essas providências dependem de maioria simples. O primeiro projeto já foi relatado -- ao qual me referi -- pelo Senador Raupp, e o segundo pelo Senador Jarbas Vasconcelos. Por que não pinçar alguns projetos, como esse, simples, cuja aprovação traria enorme desafogo, enorme aperfeiçoamento para o nosso sistema político? Não, a Presidente não está interessada nisso. Ela está interessada em fazer campanha eleitoral antecipada, a pretexto de plebiscito sobre reforma política, e com isso tapar o sol com a peneira, esconder, varrer para baixo do tapete as mazelas do seu Governo, que suscitaram, em grande parte, as manifestações que sacudiram o País.

            Portanto, Sr. Presidente, venho à tribuna hoje, depois de ter assistido ao desencadeamento de uma operação de guerra no Palácio do Planalto, mobilizando dois Ministros, mobilizando o Vice-Presidente da República, a Presidente numa atividade frenética, consultando juízes do Tribunal Superior Eleitoral, numa atividade que teria mais utilidade para o povo brasileiro se ela se dedicasse, por exemplo, a resolver problemas mais banais, como acabar com a burocracia infernal, que impede o surgimento de empresas, que dificulta o surgimento de empresas no Brasil. Mas não, numa atividade frenética para a organização do plebiscito, esquecendo a Presidente da República que a organização de plebiscito e referendo são competências do Congresso Nacional, competências exclusivas do Congresso Nacional. E o que me espanta é que o Presidente do Senado e o Presidente da Câmara assistam a essa operação, a essa enorme mobilização. A Presidente, inclusive generosamente, se dispõe a oferecer a pauta do referendo para o Congresso exercer uma atividade que é própria dele, Congresso.

            Que a Presidente cuidasse melhor dos assuntos que são próprios da Presidência da República e que o Congresso encontrasse os caminhos para fazer a reforma política possível neste momento, que encontrasse maioria suficiente de votos para aprová-la, segundo os critérios da democracia representativa. E, se porventura, fizéssemos uma reforma de maior monta, não há dúvida nenhuma, Sr. Presidente, que seria o caso de promover-se uma consulta popular, mas, aí, sob a forma de um referendo, que seria o mecanismo de consulta previsto na Constituição mais adequado para questões complexas dessa natureza.

            O resto é conversa fiada, e, em conversa fiada, a oposição não vai embarcar.

            Muito obrigado.

(Soa a campainha.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/06/2013 - Página 40335