Discussão durante a 98ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Referente ao PLS n. 240/2013-Complementar.

Autor
Cássio Cunha Lima (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PB)
Nome completo: Cássio Rodrigues da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
Outros:
  • Referente ao PLS n. 240/2013-Complementar.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2013 - Página 38085

            O SR. CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco/PSDB - PB. Para discutir. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na oportunidade primeira, quando estávamos discutindo e votando esta matéria, os que tiverem boa memória e ouvidos generosos haverão de recordar que fiz uma fala profundamente indignada desta mesma parte do plenário.

            Procurei chamar a atenção dos meus pares para algo que é inconcebível nesta altura - imaginar que Estados como a Paraíba, como o Rio Grande do Norte do Senador José Agripino e tantos outros Estados do Nordeste possam perder um centavo que seja de suas receitas do Fundo de Participação dos Estados.

            Formou-se àquela altura uma aliança, difícil de ser entendida, dos quatro Estados menores da Região Norte com os Estados mais ricos do Brasil. Por apenas três votos, nós deixamos de ter aquele verdadeiro atentado contra os interesses da Federação aprovado pelo Senado da República.

            O que me preocupa, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que, aprovada a proposta que possa retirar dos Estados mais pobres da Federação, nós só estaremos, a partir do Plenário do Senado Federal, dando mais alimento e argumento para tudo o que está acontecendo nas ruas do Brasil hoje.

            Neste instante, há mais uma manifestação com dezenas de milhares de pessoas, em São Paulo. Aqui, no portal do UOL, apontando a Datafolha com um levantamento de 50 mil pessoas, hoje, nas ruas de São Paulo. E é preciso que este Senado, o Congresso, pare para refletir. Não é hora de vaiar, não é hora de aplaudir. O momento exige uma reflexão muito severa, muito serena, porque não podemos ficar indiferentes a uma manifestação que é legítima, porque nasce do povo e nasce sem a bandeira de qualquer partido político. Nem mesmo a bandeira dos chamados movimentos sociais, que passou a ser quase uma franquia do PT, participam desses movimentos; nem mesmo entidades históricas como a UNE participam desse movimento. E há um povo em marcha, que chegou, ontem, às portas do Senado Federal.

            E eu quero compreender até quando os nossos ouvidos vão ficar insensíveis, surdos ao que se fala nas ruas. E não se fala através dos políticos nem tampouco dos partidos. É uma juventude ávida por mudança. Jovens de ontem - porque não são apenas os jovens de hoje -, com suas rugas nos rostos, com seus cabelos brancos, indo também às ruas, querendo simplesmente formatar um novo Brasil. Como se fosse naquele tempo em que se pegava disquete de computador e se formatava; deletava-se tudo que tinha e se formatava o disquete.

            É o sentimento que começa a crescer no seio da sociedade brasileira. Não é comum verificar manifestações que se multiplicam em Estados e em cidades e em dias seguidos.

            Eu participei, com muito orgulho, da luta para a construção da nossa democracia, correndo da polícia, na Cinelândia, no Rio de Janeiro, no movimento pela anistia. Participei ativamente do movimento pelas Diretas. Mas nós tínhamos eventos que eram programados e tinham calendário, que não se sucediam um atrás do outro, como acontece hoje, quando estamos vendo um episódio novo, absolutamente novo, na história do Brasil. Na verdade, estamos diante da história na sua forma mais bruta porque, ao contrário dos episódios outros que mobilizaram o País, com um pouco de tirocínio nós sabíamos aonde íamos chegar.

            Nós sabíamos que a campanha da anistia chegaria à anistia ampla, geral e irrestrita. Nós sabíamos, sim, que a campanha das Diretas resultaria na eleição direta para presidente. Só que, o que começa hoje, no Brasil, nós não sabemos exatamente para onde vai. E vamos ter a responsabilidade, sim. Seremos responsabilizados, sim, porque até bem pouco tempo atrás, quando as multidões se concentravam aqui, na frente deste Congresso Nacional, era para entregar as suas bandeiras. Esses dois belos prédios, os mais altos da nossa Capital, construídos pela genialidade de Niemeyer, sempre foram, na verdade, os mastros que sustentavam essas bandeiras, que soerguiam, ou que erguiam essas bandeiras.

            Ontem, o que se viu não foi isso. Não vieram às nossas portas entregar as suas bandeiras. Muito pelo contrário, vieram para trazer uma insatisfação que se dissemina e que não pode ser “monetarizada” em R$0,20. Venhamos e convenhamos, este nosso povo brasileiro não está nas ruas, em São Paulo e em outros Estados, apenas por R$0,20. É uma insatisfação pela falência de um modelo.

            E quantas vezes, daquela tribuna, eu disse: o leiaute do Brasil está errado. Não é possível que nós sejamos uma elite governante de forma multipartidária, constituída de incompetentes. Será que só há incompetente? Será que só há incapaz para não responder aos desafios do dia a dia, da mobilidade urbana e do transporte público, da segurança, da educação, da saúde? Porque é um sistema que não funciona no Brasil inteiro. E não adianta apontar para o governo do PSDB, ou para o governo do PT, ou para o governo do PMDB, porque estão todos no mesmo caldeirão. Nós estamos todos no mesmo caldeirão, e o fogo está sendo aceso, e ninguém percebe isso. Parece uma reação autista.

            Eu estou fazendo novamente, com a permissão e a tolerância do Presidente, algo mais indignado, porque me parece que nós temos aqui um coletivo de autistas; faz de conta que o que está acontecendo lá fora não é conosco. E estão todos no mesmo caldeirão. E o rastilho de pólvora está espalhado. E vai chegar quem toque fogo com um fósforo.

            E o episódio que estamos vivendo aqui hoje, novamente, é simplesmente o distanciamento completo dessa realidade. Como é que este Senado Federal pode admitir? Tenho respeito, tenho carinho, tenho compreensão do papel importantíssimo de São Paulo, com sua economia, honrado, trabalhador, mas não entra neste juízo meu, que é muito limitado, que a Paraíba perca recursos do Fundo de Participação em favor de São Paulo. Isso não é possível, não é aceitável. Não é este o Brasil que vamos construir. Este País vai explodir. Como se não bastassem os argumentos que já estão lá fora sendo usados, hoje, se essa matéria for aprovada, vamos dar mais um: vamos para a rua protestar, porque os Srs. Senadores retiraram recursos do Ceará, de São Paulo, da Paraíba, para entregar a São Paulo ou a Minas Gerais.

            Venhamos e convenhamos, senhores, não é possível que isso seja aprovado, mais uma vez, nesta tarde. Tenho certeza de que encontraremos soluções outras para cumprir os prazos determinados pelo Supremo. Não é possível!

            Desculpem-me o tom indignado mais uma vez, mas eu não quero ser Senador da República para calar numa hora tão grave. Não fui eleito para representar aqui o meu Estado e silenciar num momento tão difícil. Mantida a proposta, talvez eu siga a posição, que não foi ainda anunciada publicamente pelo Senador José Agripino, de sequer votar essa matéria para tentar não dar quórum. Porque não é possível, definitivamente, não é aceitável que o Pernambuco de Jarbas Vasconcelos possa perder recursos do Fundo de Participação. Ele, que foi governador. E estamos aqui diante de três ex-governadores de Estados vizinhos - Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco - que não podem conceber, não podem aceitar que recursos do Fundo de Participação, que representam praticamente 50% das nossas receitas, sejam retirados para aumentar a arrecadação de São Paulo, que não precisa disso.

            São Paulo não precisa tirar da Paraíba, tirar do Rio Grande do Norte, tirar de Pernambuco, para garantir o seu crescimento econômico, a sua sustentabilidade. São Paulo tem várias outras ferramentas, vários outros instrumentos. É bom que São Paulo cresça, é bom que São Paulo se desenvolva, que responda também às suas injustiças, mas jamais em cima dos recursos dos Estados pobres da Região Norte.

            Como se não bastasse - para concluir, Sr. Presidente, agradecendo a tolerância de V. Exª e do Plenário -, temos em curso também a discussão sobre o ICMS, que não pode ser escondida neste debate. Então, vejam a equação que estão montando para o Brasil. O Nordeste perde, de um lado, do Fundo de Participação; perde, com o que se intitulou de guerra fiscal, o único instrumento de desenvolvimento regional, e aí quem ganha com a unificação do ICMS também são as economias mais fortes. E é novamente São Paulo quem mais ganha.

            Não há uma política de desenvolvimento no caráter ambiental, meu caro Senador Randolfe. O Semiárido e a Caatinga já têm áreas com passivos ambientais irreversíveis, porque são áreas de desertificação. A Paraíba, Pernambuco, Bahia já têm áreas que se transformaram em deserto. Portanto, temos também que receber essa atenção ambiental.

            Sr. Presidente, conclamo mais uma vez os meus pares para que possamos, neste instante, dar um freio de arrumação nesse assunto e não aprovar aquilo que é insustentável nas ruas. Não há como sustentar uma proposta, nas ruas, de um País que está cada vez mais atento e que chegou ao fim de sua tolerância. Tudo isso que está acontecendo, mais do que qualquer outra coisa, é um basta em relação a isso tudo. As pessoas estão cansadas de ver um País que conseguiu a sua democracia - muito bem, ponto para os que construíram a democracia -, conseguiu a sua estabilidade econômica, pressupostos básicos para que o País avançasse. E o País não avança, o País não sai do lugar, porque o modelo está errado, o leiaute do País está errado. E nós não vamos fazer com que esse leiaute, que já está distorcido, se distorça ainda mais. Apelo ao bom senso, ao tirocínio, ao patriotismo de todos que estão aqui neste plenário, não permitindo que essa proposta seja aprovada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2013 - Página 38085