Discussão durante a 98ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Referente ao Substitutivo da Câmara ao PLS n. 268/2002.

Autor
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
Outros:
  • Referente ao Substitutivo da Câmara ao PLS n. 268/2002.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2013 - Página 38143

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP. Para discutir. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, queria, em primeiro lugar, Sr. Presidente, cumprimentar os Senadores que se dedicaram à elaboração deste projeto que vamos votar agora.

            Destaco o trabalho da minha querida colega, a Senadora Lúcia Vânia, que se dedicou com minúcia beneditina, com enorme paciência e capacidade de ouvir e elaborar o que ouviu.

            Quero cumprimentar o Senador Cássio Cunha Lima, que foi Relator da matéria na Comissão de Educação e que compreendeu o alcance e o significado do projeto do qual digo, desde logo, que divirjo.

            Quero também cumprimentar o meu querido amigo, médico, líder político, velho lutador pela democracia, o Senador Waldemir Moka, que também foi um dos baluartes da tramitação desse projeto, assim como o Senador Valadares e outros companheiros.

            Mas, Sr. Presidente, não quero, por espírito de contradição, nem figurar aqui nesta sessão como um desmancha prazeres... Eu queria dizer ao Senado, com toda a lealdade, que me posiciono contrariamente ao projeto. Não ao texto. O texto é bem feito. O texto é bem trabalhado. O texto foi bem meditado. Eu sou contra a ideia, sou contra qualquer matéria deste tipo.

            Sou contra a ideia de se fixar em lei divisão de trabalho que pela sua própria natureza é dinâmica. E cada vez mais dinâmica entre os profissionais que interferem nos cuidados médicos e na atenção à saúde. A lei tem a vocação de perenidade. Quando se elabora uma Le, a premissa, é para que ela dure. E sabemos, Sr. Presidente, do aumento vertiginoso do grau de complexidade da medicina instrumental, da evolução da tecnologia médica, da biomedicina, da evolução da ciência médica e da terapêutica que frequentemente mudam regras estabelecidas.

            Sei que há no Brasil - isso foi hoje mencionado por um dos nossos colegas - uma fúria regulamentadora de profissões. Até mesmo a profissão de historiador foi regulamentada pelo Senado. Evaldo Cabral de Mello, por exemplo, um grande historiador brasileiro, poderia ser processado pelo exercício ilegal da profissão de historiador.

            Sei que há uma briga pelo mercado de trabalho entre diferentes profissões que deveriam trabalhar conjuntamente. Briga que se reflete no Congresso, na busca de delimitação minuciosa de quem faz o quê. Mas essa divisão, no meu entender, não comporta uma legislação.

            A legislação sobre a profissão médica no Brasil é bem antiga. O primeiro curso de Medicina, todos nós sabemos, foi criado na Bahia, em 1808, por Dom João VI. E, vinte anos depois, em 1828, temos uma primeira lei que garante a exclusividade do exercício da Medicina àqueles licenciados pela faculdade respectiva.

            Não obstante a lei, Sr. Presidente, até o final do século XIX, os cirurgiões eram barbeiros. Até hoje, aliás, as parteiras por este imenso Brasil realizam partos. E não é apenas a tradição, nós temos programas bem-sucedidos, patrocinados pelo Ministério da Saúde, que dão à parteira com formação de obstetra uma larga autonomia na realização dos partos, ficando o médico numa retaguarda para agir no caso de intercorrências.

            Estive, ainda nesta sexta-feira, Sr. Presidente, fazendo uma visita ao Instituto do Câncer em São Paulo, uma realização extraordinária do Governo de São Paulo ainda na gestão do Governador Serra, que é dirigido pelo grande oncologista Paulo Hoff, que é genro do nosso colega Ruben Figueiró. Tive oportunidade de percorrer o Instituto do Câncer e me dirigi ao setor mais sofisticado e mais exigente do ponto de vista da capacidade intelectual dos profissionais que nele atuam: o setor do diagnóstico por imagens. E ali vi trabalhando juntos médicos, físicos, engenheiros, numa equipe, com a característica da multidisciplinaridade, que é uma tendência que não pode ser amoldada, congelada, enrijecida nas fronteiras entre os diferentes participantes das equipes por uma lei.

            Sei que a profissão médica passa por uma crise, e não é de hoje.

            Acompanhei, nos anos 80, pesquisa feita na Faculdade de Saúde Pública em São Paulo pela grande socióloga Cecília Donângelo, que realizou ampla pesquisa sobre a profissão médica. E o que constatou, já nos anos 80, é que aquele sonho da profissão liberal já não se realizava mais, diante do assalariamento avassalador da profissão médica, médicos compartilhando o mesmo consultório, quatro, cinco, seis médicos, em rodízio, compartilhando a mesma instalação, submetidos, muitos deles, a exploração dura, rigorosa por parte dos planos de saúde na medicina de grupo.

            Sei que há insatisfação com a qualidade dos cursos, com a dificuldade de se obter residências médicas de bom nível, com a questão salarial. Tudo isso nós sabemos. De tal forma que hoje vemos muitos médicos se agarrando à regulamentação da profissão como se ela fosse uma boia de salvação. No meu entender, não é. Penso que uma regulamentação minuciosa como essa chega a exageros que poderão suscitar até certa curiosidade ao se referir, por exemplo, à privacidade no acesso aos orifícios naturais do corpo. São minúcias que chegam a esse ponto. Desconhece o fato de que, neste mundo global em que vivemos, recebemos influência de outras tradições terapêuticas, de outras tradições científicas, como a tradição da medicina chinesa.

(Soa a campainha.)

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Por isso, Sr. Presidente, não me aventuraria a legislar, a dizer “sim” a um projeto que, no meu entender, corre o risco de ficar obsoleto daqui a muito pouco tempo.

            Sr. Presidente, sei que esta é uma posição extremamente minoritária, mas eu gostaria de, por lealdade àqueles que nos assistem e aos que vieram assistir a esta sessão e, sobretudo, aos meus colegas, pedir licença para divergir.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2013 - Página 38143