Discurso durante a 112ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do centenário de nascimento do político e guerrilheiro Carlos Marighella.

Autor
Inácio Arruda (PCdoB - Partido Comunista do Brasil/CE)
Nome completo: Inácio Francisco de Assis Nunes Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do centenário de nascimento do político e guerrilheiro Carlos Marighella.
Publicação
Publicação no DSF de 09/07/2013 - Página 43591
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, SENADOR, DEPUTADO FEDERAL, PRESENÇA, SESSÃO ESPECIAL, COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, NASCIMENTO, POLITICO, ESTADO DA BAHIA (BA), COMENTARIO, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, HISTORIA, AUTORIDADE.

            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nossos amigos que estão dirigindo a Mesa: João Capiberibe, que preside; Senadora Lídice da Mata; nossa colega, Deputada Janete Capiberibe; nosso Governador do Estado do Amapá, Camilo Capiberibe; Carlos Augusto Marighella, filho de Marighella; Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, que nos honra com sua presença, Paulo Abrão Pires Júnior; nossa companheira também já de muitas jornadas aqui, no Congresso Nacional, e de uma vida dedicada à luta em defesa daqueles que sempre lutaram pela liberdade e pela democracia e de muitos que tombaram e de muitos que continuam desaparecidos até hoje no nosso País, Iara Xavier. Cumprimento também todos os que estão tendo oportunidade de acompanhar esta belíssima sessão em homenagem ao centenário do Marighella.

            Marighella foi um destacado defensor da democracia, lutador dos direitos do povo, especialmente na Constituição de 1946, sendo cotidianamente afrontado pelos Parlamentares mais reacionários, cuja limitada compreensão de democracia a reduzia a um sistema para garantir os privilégios conservadores e manter o povo afastado da política.

            Os antipartidários, os independentes da universidade, que muitas vezes, formam aqueles grupos “eu sou independente”, “eu não tenho partido” ou “eu sou apartidário”, que era a forma de deixar o povo afastado dos centros de disputa do poder -- longe, fora. Queriam os partidos só para eles, e o poder só para eles. Era um lutador, portanto, com esse sentido de ampliar a democracia, o exercício de direitos fundamentais, como os de organização partidária e sindical, que foi sua luta e defesa; a livre manifestação do pensamento, batalha travada na Constituição de 1946! E é atual até hoje porque, neste terreno, ainda não temos democracia no Brasil.

            Está viva aqui a luta de Marighella, lá da Constituinte até hoje, porque a democracia, nos termos de livre expressão do pensamento no Brasil, é conduzida por menos de meia dúzia de famílias no Brasil, que diz o que é a verdade, o que é a moral e como deve se conduzir a sociedade brasileira. E muitos, no Parlamento brasileiro, defendem a manutenção desse tipo de privilégio, que ele se mantenha. É quase uma cláusula pétrea. Pensar em alterar esse sistema é quase cláusula pétrea do conservadorismo brasileiro.

            Marighella defendeu que tinha que ampliar esses espaços para garantir não só a organização partidária, sindical, mas a livre manifestação do pensamento. Marighella, como os demais Parlamentares da Bancada comunista, foi um leão na defesa desses direitos. Marighella lutou na legalidade e na clandestinidade pela ampliação da democracia abarcando todo o povo; pelo fim do arbítrio, das prerrogativas de classe dos setores dominantes, pela igualdade entre todos os cidadãos. Dentro de seu partido -- o Partido Comunista do Brasil e, depois de 1961, o Partido Comunista Brasileiro -- foi sempre um campeão na luta por mudanças radicais, revolucionárias e patrióticas.

            Depois do golpe militar de 1964, combateu com denodo a ferocidade sanguinária da direita. Escolheu o caminho que lhe pareceu mais adequado, aderindo à luta armada e dirigindo uma das organizações mais destacadas na luta contra a ditadura, a Ação Libertadora Nacional. Pagou essa ousadia com sua vida.

            A democracia brasileira traz em seu DNA a marca daqueles que, como Marighella, lutaram e deram a vida para derrotar a ditadura e o arbítrio. Eles estão vivos na memória do povo e dos lutadores pela democracia, pelos direitos humanos, pela afirmação nacional.

            A luta pela consolidação e aprofundamento da democracia no Brasil continua, é a mesma luta dos que, como Marighella, combateram as ditaduras do Estado Novo e de 1964, os privilégios da elite e a submissão ao imperialismo norte-americano.

            É muito importante destacar essa questão porque virou também… Era maldito falar Marighella e virou maldito falar imperialismo -- imperialismo norte-americano --, virou coisa atrasada. Mas veja a espionagem, talvez de cada um de nós que estamos sentados a essa mesa dirigindo os trabalhos no dia de hoje, de cada um dos senhores que aqui estão que podem agora estar abertamente sendo espionados, tendo a sua vida particular, privada sendo futricada. Por isso que Marighella não teve dúvida, sabia em que terreno pisava e qual era o alvo da sua batalha, da sua luta em defesa da democracia, de manter um estado nacional. O seu amor pelo Brasil estava ligado também a ter que enfrentar o imperialismo norte-americano.

            A luta, portanto, desse homem que ali, no prédio da Faculdade de Medicina, que o então estudante de Engenharia Civil da Escola Politécnica da Bahia e outros 513 universitários se renderam às tropas de Juracy Magalhães, o interventor despachado para o Estado pelo Presidente Getúlio Vargas.

Exatas oito décadas atrás, Marighella era um dos acadêmicos do ensino superior que reivindicavam a elaboração de uma Constituinte democrática no País. Aqui, em Salvador, eles se uniram aos garotos do legendário Ginásio da Bahia, que se mobilizavam pelo adiamento das provas. Ocuparam a Faculdade de Medicina, gritaram slogans contra o autoritarismo, proclamaram “Às armas, baianos!”, e empunharam velhos fuzis de Canudos. 

Um homem foi morto na refrega com militares e policiais. O bacharel Nelson Carneiro, um dos líderes da ocupação e futuro Senador da lei do divórcio, foi detido e tomou uma tunda dos tiras. Encarcerado por dois dias, Marighella compôs na penitenciária um poema atacando Juracy, que não o perdoou. Os originais do inquérito, em papel almaço intacto, foram uma das minhas fontes para reconstituir o episódio.

            Afirma o escritor e autor do livro sobre Marighella, Mário Magalhães.

Muito tempo mais tarde, no finalzinho dos anos 1960, Marighella e sua organização armada, a Ação Libertadora Nacional (ALN), viriam a receber apoio de celebridades como o pintor Joan Miró, o filósofo Jean-Paul Sartre e os cineastas Jean-Luc Godard e Luchino Visconti.

No Brasil, colaboraram com a ALN artistas como Augusto Boal, Norma Bengell e Glauber Rocha -- como Marighella, ex-aluno do Ginásio da Bahia, colégio depois chamado de Central. Os escritos de Marighella viajaram mundo afora.

Por mais que tenha se tornado uma personalidade internacional, Marighella jamais diluiu sua identidade -- “Sou um mulato baiano”, definiu-se à poeta Ana Montenegro.

No Ginásio da Bahia, ele se beneficiou da reforma implantada pelo educador Anísio Teixeira. Teve aulas com a primeira mulher a lecionar na instituição, Heddy Peltier Cajueiro. Sua prova de física respondida em versos jamais foi esquecida, testemunhou um aluno bem mais novo, o futuro Governador Antonio Carlos Magalhães.

            Candidato vitorioso a Deputado em 1945, Marighella apoiou na campanha a construção de um estádio de futebol -- um estádio bom, bonito, arrojado, para o povo poder assistir às partidas de futebol, antes da Copa do Mundo de 1950, e que foi reformado agora. Pois é isso. Foi reivindicação do Marighella a construção do Estádio da Fonte Nova. Por coincidência, nascera ele ali pertinho, como revela sua certidão.

            Pelejou de novo contra Juracy Magalhães, agora seu colega na Constituinte de 1946. Subiu no palanque do candidato a governador Otávio Mangabeira, em 1947, mas não tardou a romper com ele.

            Teve como motorista João Falcão, depois um dos mais bem-sucedidos empresários da Bahia. Era amigo de Jorge Amado e Zélia Gattai. Tinha como admiradores Caetano Veloso e Gilberto Gil -- e já peço, Sr. Presidente, para que conste nos Anais a música que Caetano fez em homenagem ao centenário do Marighella.

            O trio elétrico passa pela família Marighella. Osmar Macedo, um dos seus criadores, foi aprendiz na oficina mecânica do italiano Augusto, pai de Marighella, na Baixa dos Sapateiros. A mãe, Maria Rita -- já dito aqui pela nossa colega e eu quero frisar novamente --, descendente de escravo africano, nasceu em 1888, no mês de maio, no mês da Abolição.

            A prisão em 1932 e a perseguição desencadeada pelo poema escrito na cadeia o impediram de se formar engenheiro. Em 1934, ingressou no Partido Comunista. Suas batalhas ecoaram longe, mas Marighella teve uma história entrelaçada como poucas à da Bahia e seu povo.

            "Marighella é um personagem absolutamente atual”, diz o jornalista Mário Magalhães.

O Marighella, goste-se ou não dele, não é um personagem que morreu no passado, é um personagem absolutamente atual. O Brasil está começando a conhecer Marighella, mas enquanto a história dele não for contada nos livros escolares, nos manuais de história, ele vai continuar sendo um maldito. Eu não advogo que os livros de história, nas escolas, propagandeiem o Marighella; nem defendo que sejam libelos contrários a ele, mas não contar a história do Marighella seria desonestidade intelectual. E é o que se faz hoje, desonestidade intelectual.

            Diz o autor sobre as motivações que o levaram a escrever a obra de 717 páginas, que tenta reverter esse quadro, jornalista Mário Magalhães, autor de Marighella -- o Guerreiro que Incendiou o Mundo.

            Nada melhor e mais verdadeiro do que um filho para falar de seu próprio pai. Carlos Augusto Marighella relembra, em entrevista à Carta Maior, a convivência com seu pai.

A despeito de viver uma vida extremamente atribulada, meu pai era uma pessoa muito alegre, muito bem humorada. Era um pai muito amigo, muito brincalhão, um pai que gostava de correr e nadar comigo na praia e também de corrigir as provas da escola.

            Diz ele sobre os tempos do colégio, semi-internato, de onde foi expulso por se chamar Marighella).

            Também houve esse caso de expulsão, não é?

            Apesar de vítima da direção escolar, Carlinhos guarda boas lembranças da solidariedade dos colegas e da formação que recebeu de seu pai sem a obrigação da militância política:

Nós morávamos em um apartamento pequeninho, mas coberto de livros. Ele queria que eu lesse Jorge Amado e também comprava Júlio Verne e tudo o mais, uma leitura selecionada. Lembro-me que ele me deu um livro de Caryl Chessman, um homem condenado à morte nos Estados Unidos [E hoje existe um movimento mundial com essa causa do Marighella], que, na cadeia, começou a escrever livros e fazer uma reflexão sobre a vida e o judiciário americano, pois meu pai me deu esses livros porque ele participava de uma campanha, pois queria incentivar as pessoas a abolir a pena de morte no mundo e queria me conquistar para isso.

            Diz ele, que, depois, se filiou ao Partido Comunista por vontade própria.

            Conta Carlinhos:

Meu pai foi preso em 64 e eu tinha 15 anos de idade. Ele ficou cerca de 50 dias na cadeia. Quando saiu, eu fui visitá-lo -- afirma sobre outra ocasião em que viu o pai após a visita. [Carlinhos tinha uma missão]: Recordo-me que ele pediu para eu contratar Sobral Pinto para impetrar um mandado de segurança ou um habeas corpus. E Sobral Pinto, ao patrocinar essa causa, ele que era um apoiador do Golpe Militar por razões da Igreja Católica, percebe que era o momento de denunciar as atrocidades e o risco que o Golpe significava para as instituições brasileiras. Isso se deve ao contato que ele teve com meu pai e as razões que meu pai deve ter apresentado a ele.

            Dali em diante, Carlinhos nunca mais estaria com seu pai:

Falei com ele por telefone e carta. De 64 a 69, meu pai se tornou uma pessoa totalmente clandestina e lançou proposta de luta armada. A partir daí, as perseguições chegaram a um limite intolerável até que ele foi assassinado. Em novembro de 69, minuciosamente narrado no livro nos capítulos Tocaia e Post-morte: anatomia de uma farsa, Carlinhos já morava em Salvador, onde reside até hoje como advogado. Na época, "o que a família sabia era o que se publicava nos jornais, geralmente 'Marighella morreu', 'Polícia quase encontra Marighella'. Enfim, como aquilo quase nunca se confirmava, foi criando na gente a expectativa de que afinal meu pai ia conseguir sair incólume. Até que uma noite recebi um jornalista em casa me pedindo que fosse a um jornal identificar fotos que davam notícia da morte de meu pai. Fui quase que com enfado, porque para mim era uma repetição mentirosa daquelas notícias".

No entanto, lá, deparou-se com a dor. "Tinha um telex que recebia notícias do mundo todo, E aí, quando a máquina começou a vomitar aquela notícia, ia compondo, como se fosse um fax, fotos e textos. Eu aterrorizado vi que aquela imagem que ia se formando lentamente era efetivamente o rosto de meu pai. Foi um choque tremendo, mas ali mesmo eu jurei para mim que era preciso resgatar, provar para todo mundo que meu pai não era aquele facínora, que ele não era digno de morrer daquele jeito", afirmou ele, sereno, observando o grande número de leitores que fazia fila para comprar o livro e conhecer um pouco mais de Marighela durante o lançamento da obra de Mário Magalhães no Rio de janeiro.

Entre os leitores, antigos companheiros, como Carlos Eugênio Paz. O ex-comandante Clemente da ALN preza a coerência que Marighela sempre demonstrou, seja em conversas com um estudante aspirante a revolucionário, seja em sua visão de compromisso com o país. "Era um homem que vivia aquilo que pregava, Um homem com aquela estatura me ouvia, um garoto de 15 para 16 anos. Propunha para a gente uma organização horizontal, onde não tinha chefes. Onde ele, com toda a estatura de líder, abdicava do poder de decidir, nos deixava a iniciativa", diz Paz sobre a convivência com "Mariga", ou "Preto", após o primeiro encontro em 1966, em uma caminhada por um Aterro do Flamengo ainda em construção.

Carlos Eugênio da Paz, o Ex-comandante Clemente da ALN em depoimento afirmou "Muita gente pergunta se não foi um erro o Marighella ficar no Brasil, ao invés de sair para se preservar. Eu respondo sempre assim: não sei se foi erro ou acerto. Agora, se o Marighella sai do Brasil, ele não seria o Marighella. Porque exatamente a maior qualidade dele era essa. Além de ser um estrategista, um teórico, um homem com idéias na cabeça, ele vivia o que ele pregava; e mais, ia na frente. Ele não pedia a ninguém para fazer um sacrifício que ele também não estivesse fazendo. “Marighella nunca me pediu um risco que ele também não estivesse correndo".

Tem algumas coisas da atuação humana, pessoal, social e política de meu pai que eu acho que continuam muito importantes. A gente precisa difundir valores, valores que sirvam como referência para que a gente tenha orgulho de ser brasileiro e tenha vontade de construir esse Brasil. Não é uma questão de ideologia, mas valores humanos. Meu pai era patriota, era uma pessoa despojada, que amava o povo brasileiro. Era um homem que trabalhava, que tinha coragem de enfrentar a luta por suas ideias. É um homem que é efetivamente um exemplo. Marighella é uma pessoa com esta marca, uma marca de um homem excepcional, de um homem que será sempre útil em qualquer país, em qualquer geração [disse Carlos Augusto Marighella].

            Nesta trajetória, menos conhecidos são os períodos em que foi parlamentar legalmente eleito em sua atividade na Assembleia Nacional Constituinte de 1946. Deputado militante e atuante, destacou-se nos trabalhos legislativos pela quantidade e pertinência de suas intervenções, procurando influenciar na elaboração da Carta Magna, então em gestação. Dos seus inúmeros pronunciamentos, destacamos os que faziam referência à defesa da democracia e contra os remanescentes do fascismo, à precariedade das condições de vida dos trabalhadores, à oposição ao imperialismo norte-americano e ao laicismo da legislação.

            Marighella foi um destacado defensor da democracia e dos direitos do povo na Constituinte de 46, sendo, cotidianamente, já falei, confrontado e afrontado por aqueles que aqui, nesta Casa, no Congresso Nacional, defendiam direitos minoritários, daqueles que sempre mandaram e desmandaram em nosso País.

            Meu caro Senador Capiberibe, quero assim me congratular com V. Exª por essa iniciativa de prestar essa grande homenagem a um grande brasileiro que por muito tempo -- e ainda -- alguns jornais do nosso País e algumas revistas o tratam como se ele fosse um marginal.

            E esta audiência de hoje, esta nossa solenidade cumpre esse dever que o seu filho, Carlos, e que Mário Magalhães, unidos, e agora, digo, com V. Exª e com todos que aqui participam, buscam resgatar, a história desse povo brasileiro, Marighella é um desses filhos que se somam a tantos que lutaram e deram a vida para estruturar o nosso País, e, nas horas mais duras da nacionalidade, da constituição do Brasil, foram os seus filhos mais simples, mais humildes que levantaram a voz e muitos, com armas em punho, permitiram que existisse o Brasil.

            Ou não foi assim no 2 de julho? Ou não foi assim em Pernambuco? Ou não foi assim com a Inconfidência, a chamada Inconfidência ou a Confidência para os brasileiros? Ou não foi assim na luta travada pela República, pelo movimento em defesa da industrialização do Brasil, dos tenentes, da caminhada de Prestes e de tantos outros homens que lutaram e deram as suas vidas para que nós pudéssemos também gritar hoje, aqui neste Congresso Nacional, para que voltasse a ter uma bancada de comunistas, de socialistas, de homens do povo, de democratas, para que pudesse ter um operário governando o País?

            E um operário que é odiado pelas elites brasileiras porque não pode dar certo um governo de operário. Para as elites é um péssimo exemplo, e não valem as suas virtudes. O que vale, para uma parte pequena que comanda inclusive os veículos de comunicação de massa do País, não são as virtudes, não são os êxitos, são os defeitos que são exaltados do operário. Não vale colocar uma ex-guerrilheira para comandar o País, para comandar e sustentar o governo, porque muitos talvez gostassem que a gente elegesse o Lula e depois o derrubássemos, nós mesmos, não lhe dando sustentação, ou que elegêssemos a Dilma e que, depois, a derrubássemos, não permitíssemos que ela governasse, não criássemos as condições para governar.

            Eu tenho a convicção de que, se aqui estivesse, Marighella também diria -- não quero usar a expressão porque vai ser mal-entendida por alguns -- daquele homem desfilando na parada, no Chile, diante do governo de Allende, com um cartazinho fazendo referência aos defeitos do governo de Allende, mas afirmando ao final: tem esses defeitos, mas esse é o meu governo. Os outros, que propagandeiam a sua queda, são os que sempre defenderam também a ditadura, o arbítrio, o conservadorismo e que o nosso País não se pusesse de pé, que ficasse subordinado sempre ao interesse alienígena. Essa é a impressão que tenho.

            Por isso, estou aqui rendendo as nossas homenagens, a homenagem do meu Partido, o Partido Comunista do Brasil, que também foi o partido de Carlos Marighella.

            Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)

 

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR INÁCIO ARRUDA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

            Matéria referida:

- Música de Caetano Veloso em homenagem ao centenário de Carlos Marighella.

            Um Comunista

            Caetano Veloso

            Um mulato baiano,

            Muito alto e mulato

            Filho de um italiano

            E de uma preta uça

            Foi aprendendo a ler

            Olhando mundo à volta

            E prestando atenção

            No que não estava a vista

            Assim nasce um comunista

            Um mulato baiano

            que morreu em São Paulo

            baleado por homens do poder militar

            nas feições que ganhou em solo americano

            A dita guerra fria

            Roma, França e Bahia

            Os comunistas guardavam sonhos

            Os comunistas! Os comunistas!

            O mulato baiano, mini e manual

            do guerrilheiro urbano que foi preso por Vargas

            depois por Magalhães

            por fim, pelos milicos

            sempre foi perseguido nas minúcias das pistas

            Como são os comunistas?

            Não que os seus inimigos

            estivessem lutando

            contra as nações terror

            que o comunismo urdia

            Mas por vãos interesses

            de poder e dinheiro

            quase sempre por menos

            quase nunca por mais

            Os comunistas guardavam sonhos

            Os comunistas! Os comunistas!

            O baiano morreu

            eu estava no exílio

            e mandei um recado:

            “que eu que tinha morrido”

            e que ele estava vivo,

            Mas ninguém entendia

            Vida sem utopia

            não entendo que exista

            Assim fala um comunista

            Porém, a raça humana

            segue trágica, sempre

            Indecodificável

            tédio, horror, maravilha

            Ó, mulato baiano

            samba o referencia

            muito embora não creia

            em violência e guerrilha

            Tédio, horror e maravilha

            Calçadões encardidos

            multidões apodrecem

            Há um abismo entre homens

            E homens, o horror

            Quem e como fará

            Com que a terra se acenda?

            E desate seus nós

            discutindo-se Clara

            Iemanjá, Maria, Iara

            Iansã, Catijaçara

            O mulato baiano já não obedecia

            as ordens de interesse que vinham de Moscou

            Era luta romântica

            Ela luz e era treva

            Feita de maravilha, de tédio e de horror

            Os comunistas guardavam sonhos

            Os comunistas! Os comunistas!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/07/2013 - Página 43591