Discurso durante a 112ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do centenário de nascimento do político e guerrilheiro Carlos Marighella.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do centenário de nascimento do político e guerrilheiro Carlos Marighella.
Publicação
Publicação no DSF de 09/07/2013 - Página 43595
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, SENADOR, GOVERNADOR, PRESENÇA, SESSÃO ESPECIAL, COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, NASCIMENTO, POLITICO, ESTADO DA BAHIA (BA), COMENTARIO, HISTORIA, VIDA, AUTORIDADE.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco/PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador João Capiberibe, cumprimento-o e quero cumprimentar familiares, filhos de Carlos Marighella; cumprimento também o meu caríssimo Governador Camilo Capiberibe, Governador do meu Estado, o Amapá; cumprimento os demais autores desta sessão solene, da qual V. Exª, Sr. Presidente, também me deu a honra de ser signatário, assim como os demais colegas Senadores. Tive a honra, a partir da autoria primeira de V. Exª, Senador Capiberibe, a honra de ser signatário com dois companheiros de Carlos Marighella: V. Exª e o Senador Aloysio Nunes, que também é um dos signatários.

            Nesta sessão, além de V. Exª, companheiro de Carlos Marighella, temos a presença de sua companheira, companheira também de exílio, companheira de vida, a Deputada Janete Capiberibe, também companheira de organização política de Carlos Marighella, a quem saúdo.

            Também saúdo todos os presentes nesta sessão, representantes de missões diplomáticas que acolheram Carlos Marighella, em especial, da missão diplomática do povo cubano, país que acolheu Marighella e que tem um carinho todo especial pelo povo brasileiro

            De Marighella, muito do que aqui foi falado revela a identidade de um brasileiro que sintetiza a diversidade do povo brasileiro; um brasileiro com a firmeza da diversidade do sangue europeu-latino-italiano, com a firmeza da diversidade do sangue negro, com a firmeza dessa mistura que Darcy Ribeiro disse que, por excelência, faz a miscigenação da mais bela obra que tem no Brasil, que é a obra do povo brasileiro. Essa mistura de um mulato baiano, Lídice, humilde, forjou, por excelência, um revolucionário desde os primeiros dias da sua formação. Um revolucionário que assim o foi desde o início de sua atuação política, já forjando suas críticas ao governo do Interventor Juracy Magalhães; um revolucionário que fez revolução juntando o que de mais belo existe em um revolucionário; um revolucionário é aquele que é movido pelos mais belos sentimentos de amor. Não é assim, Rafael, que nos ensina Che: ”O revolucionário é aquele que é movido pelos mais belos sentimentos do amor”? Um revolucionário, por essência, é também um poeta, e não é à toa que Marighella é, por excelência, também um poeta e constrói uma vida de escritor e de poesia em tudo o que faz.

            A Teoria Marxista define que “um revolucionário é aquele que junta a prática revolucionária com a teoria revolucionária”. Melhor quando este, ao escrever a revolução, também faz a revolução nos versos de sua poesia: “É preciso não ter medo, é preciso ter a coragem de dizer; há aqueles que têm vocação para escravos, mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão”.

            É um dos trechos das várias poesias de Marighella que define o quanto a sensibilidade de Carlos Marighella estava presente nas ações do revolucionário.

            A atuação de vida e o decorrer da vida de Marighella são marcados por alguém que tem presente, no decorrer de sua estória, a coerência e a poesia convivendo com a prisão e com a tortura.

            Ao contrário de vários que sofreram com as ditaduras, Marighella, entre suas várias agruras, não padeceu do exílio. Ele sempre optou, na resistência, no Brasil, por todos os enfrentamentos às diversas ditaduras que aqui existiram; ele padeceu da ditadura e da tortura contra a polícia de Filinto Müller; ele enfrentou as torturas e enfrentou a reação à intervenção da ditadura de Juraci Magalhães no Governo da Bahia; ele voltou aos cárceres, em 1939, torturado de forma brutal no DOPS de São Paulo, durante a ditadura do Estado Novo; ele relatou todas as torturas brutais que sofreu durante a ditadura do Estado Novo e, logo em seguida, foi recolhido ao presídio de Fernando de Noronha, na Ilha Grande, e novamente torturado.

            Anistiado em abril de 1945, persistiu na luta revolucionária pela redemocratização e pela reorganização do Partido Comunista na legalidade. No breve período que conviveu sem torturas, sem repressão, foi eleito Deputado Federal e, durante o breve período no Congresso Nacional, na sua atuação como Deputado constituinte, proferiu aqui mais de duzentos aguerridos pronunciamentos, defendendo o povo pobre, defendendo o direito dos trabalhadores, defendendo o direito dos operários.

            Teve o mandato cassado e, assim mesmo, não arredou um passo sequer das suas convicções e da continuação da luta pela organização do povo. Mesmo na clandestinidade, continuou na luta pela organização dos operários.

            Nos anos 50, exerceu novamente a militância em São Paulo, nas lutas pelo monopólio estatal do petróleo e nas denúncias contra o imperialismo.

            Atualidade. Quem diz que as bandeiras de Marighella são atrasadas, quem diz que as bandeiras contra o imperialismo levantadas por Marighella são coisas do passado, são démodé, são coisas dos anos 50, dos anos 60, basta abrir os jornais do dia de hoje.

            Este aqui é o jornal O Globo de ontem: “Estados Unidos espionaram milhões de e-mails e ligações de brasileiros.” Isso aqui foi dos anos 50? Isso aqui ocorreu na primeira década do século XXI.

            Basta ver a manchete do O Globo de hoje: “Brasília abrigou base dos Estados Unidos de espionagem por satélite.”

            Não vamos longe. Basta ver a manchete do O Estado de S. Paulo de hoje: “Planalto reage à espionagem de brasileiros pelos Estados Unidos.”

            É Marighella que é démodé? É Marighella que é atrasado? É Marighella que, nos anos 50, denunciava o imperialismo norte-americano e a intervenção norte-americana dos Estados Unidos.

            São as manchetes dos jornais da primeira década do século XXI que mostram até que ponto chegou a intervenção de uma nação sobre a maior nação da América Latina, até que ponto chegou a atuação de uma nação estrangeira sobre o solo brasileiro, ao ponto de uma nação estrangeira ter uma base internacional fincada na Capital da República do nosso País, espionando os interesses de nosso País.

            Pois bem, isso era denunciado por Carlos Marighella, da tribuna deste Parlamento, em 1947. Carlos Marighella é mais atual que qualquer um de nós Parlamentares no dia de hoje. Os discursos de Carlos Marighella na Assembleia Constituinte Brasileira de 1946 são mais atuais do que os discursos nossos, hoje, no Parlamento brasileiro, em 2013, 2012 ou 2014.

            É Marighella que fala de justiça social. Nós estamos em 2013 e ainda precisamos realizar reforma agrária, e ainda padecemos de um País que ainda tem 14 milhões de analfabetos, 9% de sua população padecendo de analfabetismo.

            É Marighella que ainda é atual.

            É de Marighella que fala Cecil Borer, chefe do DOPS paulista, em 1964, quando é emanada a primeira ordem de sua prisão durante a ditadura militar. Sim, estou falando de 10 de maio de 1964. Eu não estou falando de 1968, quando a ditadura recrudesceu. Estou falando de quando alguns ainda diziam que ditadura era revolução; quando alguns ainda diziam que a ditadura era redentora; quando alguns diziam que a ditadura tinha vindo para redemocratizar e afastar do Brasil o fantasma comunista. Pois bem, a ditadura já sabia quem eram os seus inimigos. E não à toa que, em 10 de maio, nos primeiros momentos da ditadura, que o DOPS manda prender Marighella em um cinema da Tijuca e já com a advertência de Cecil Borer: “Cuidado, Marighella é valente”.

            A ditadura sabia contra quem estava lutando. Não à toa que, em 1968, o jornal O Estado de S. Paulo exclama uma de suas manchetes sobre Marighella. Diz o governo: Marighella inimigo número um do regime. E, de fato, isto Marighella levou para o túmulo e para sua biografia: inimigo número um do regime, inimigo número um da ditadura, amigo número um do Brasil, amigo número um do povo brasileiro, amigo número um da luta dos trabalhadores pela liberdade.

            Estava certo o agente do DOPS, estava certo o comando do DOPS, estava certa a ditadura: Marighella era um valente. Estava certa a ditadura: Marighella era um corajoso. Era um corajoso que não fugia ao combate contra aquele regime. Estava certo o Marighella também quando exclamava nos seus versos o que ele queria dizer do seu cotidiano:

É preciso não ter medo,

é preciso ter coragem de dizer.

Há os que têm vocação para escravo,

mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão.

            Coerência, coerência é a palavra que junta o fazer no dizer. Poucos conseguem fazer a reunião dos dois, o fazer e o dizer. Marighella juntava na sua poesia o fazer concreto. Marighella, na poesia, exclamava valentia; no fazer exclamava e apresentava coragem nos seus gestos concretos.

            Foi por isso, foi somente por isso que, para derrotá-lo, era necessária uma manobra, uma das ações mais planejadas da ditadura, a ação organizada da Alameda Casa Branca, em São Paulo, para derrotar, para aniquilar, para destruir Marighella era necessário um ação organizada, planejada, calculada, meticulosamente planejada; era preciso um aparato de todo o regime meticulosamente planejado, pois somente assim, seria possível aniquilar, melhor dizendo, aquele quadro, pois o regime estava certo: um quadro como aquele estava programa para derrotar o regime, instaurar neste País outra forma de regime, democrático, popular, socialista, outra forma de regime diferente daquele.

            Marighella foi, sem dúvida (…) Lídice, nós temos um agradecimento a fazer ao povo baiano, por ter forjado esse belo mulato e ter dado à minha geração -- Capi, você que conviveu com ele -- à nossa geração, que vive de bons exemplos, a minha geração tem de agradecer o exemplo de um brasileiro como esse, que nos inspira, que nos mostra o caminho de como caminhar.

            Nesta última sexta-feira, Lídice, aliás, nesta última semana, nós tivemos uma semana de belas emoções, e conclui a semana assistindo a um show de um belo baiano chamado Caetano. Nesse show desse belo baiano, eu ouvi, ao vivo, uma música que ele fez em homenagem a Marighella.

            Eu não sabia da história da música de Caetano a Marighella, pois Caetano, apesar do período do exílio, nunca havia se reivindicado como, de fato, de esquerda.

            Após Caetano declamar, cantar, com a poesia que ele tem, a música, me veio a curiosidade de perguntar a história da música. Caetano me contou que a música foi inspirada pela história de que, antes de ele ir para o exílio e se ele não tivesse ido para o exílio, ele deveria ser recrutado pela ALN, para contribuir com a organização de Marighella. Isso não foi possível porque ele teve de ser exilado antes e ir para Londres.

            Na música, ele conta que, de Londres, recebeu a triste notícia do assassinato de Marighella.

            Quero terminar. Inácio não declamou a poesia de Caetano. Permita-me então fazê-lo:

Um mulato baiano,

Muito alto e mulato,

Filho de um italiano

E de uma preta hauçá

Foi aprendendo a ler

Olhando o mundo à volta

E prestando atenção

No que não estava à vista.

Assim nasce um comunista.

Um mulato baiano

Que morreu em São Paulo

Baleado por homens do poder militar

Nas feições que ganhou em solo americano

A dita guerra fria

Roma, França e Bahia

Os comunistas guardavam sonhos

Os comunistas! Os comunistas!

O mulato baiano, mini e manual

Do guerrilheiro urbano que foi preso por Vargas

Depois por Magalhães

Por fim, pelos milicos

Sempre foi perseguido nas minúcias das pistas

Como são os comunistas?

Não que os seus inimigos

Estivessem lutando

Contra as nações terror

Que o comunismo urdia

Mas por vãos interesses

De poder e dinheiro

Quase sempre por menos

Quase nunca por mais

Os comunistas guardavam sonhos

Os comunistas! Os comunistas!

O baiano morreu

Eu estava no exílio

E mandei um recado:

"eu que tinha morrido"

E que ele estava vivo,

Mas ninguém entendia

Vida sem utopia

Não entendo que exista

Assim fala um comunista

Porém, a raça humana

Segue trágica, sempre

Indecodificável

Tédio, horror, maravilha

Ó, mulato baiano

Samba o reverencia

Muito embora não creia

Em violência e guerrilha

Tédio, horror e maravilha

Calçadões encardidos

Multidões apodrecem.

Os comunistas guardavam sonhos

Os comunistas! Os comunistas!

            Como diz Caetano, quando se ouve a notícia da morte de Marighella, não foi ele que morreu, éramos todos nós que tínhamos morrido; mas, como vive a utopia, nós continuamos nascidos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/07/2013 - Página 43595