Discurso durante a 112ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do centenário de nascimento do político e guerrilheiro Carlos Marighella.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do centenário de nascimento do político e guerrilheiro Carlos Marighella.
Publicação
Publicação no DSF de 09/07/2013 - Página 43598
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, SENADOR, DEPUTADO FEDERAL, PRESENÇA, SESSÃO ESPECIAL, COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, NASCIMENTO, POLITICO, ESTADO DA BAHIA (BA), COMENTARIO, HISTORIA, VIDA, AUTORIDADE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente João Capiberibe, Srª Presidenta desta Mesa, Senadora Lídice da Mata, ambos que nos deram a chance de estarmos aqui prestando a homenagem a esse grande brasileiro; Exma Srª. Deputada Federal Janete Capiberibe, que muito orgulha essa Mesa, onde a senhora está; Exmo Camilo Capiberibe, Governador do Amapá; Exmo Sr. Carlos Augusto Marighella, filho do homenageado; Sr. Paulo Abrão Pires Jr., Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça; e Srª Iara Xavier, Coordenadora do Comitê pela Verdade, Memória e Justiça do Distrito Federal.

            O Senador Randolfe concluiu sua fala lendo um poema de Caetano e, na última parte, ele dizia que, quando Marighella morreu, todos nós morremos também, mas como Marighella vive, nós estamos aqui para continuar o sonho dele. Esta é a obrigação de cada um da gente: continuar o sonho de um que foi um dos maiores entre os poucos heróis da história brasileira.

            Por alguma razão, nós não somos um povo, uma população, uma Nação com um número grande de heróis. Por isso, os que nós temos são realmente fortes e importantes. Entre esses heróis está Carlos Marighella. Um herói porque nunca transigiu com os seus compromissos, com as suas utopias; nunca transigiu com quaisquer que fossem das tentativas e das tentações que lhe fizessem. Ele nunca transigiu com os seus propósitos nem com o estilo de vida compatível com o ser comunista. Mas, mais ainda um herói porque enfrentou essa luta até o final da sua vida. Um dos poucos dirigentes que, na luta, no combate, vai até às últimas consequências da própria morte.

            Por isso, nós estamos aqui reunidos para lembrar esse grande nome, pela sua coragem, sua valentia, sua autenticidade, sua dedicação ao País no máximo do que é possível, inclusive com austeridade de vida, que, como li um desses dias, quando ficou sem o cinturão por alguma razão, amarrava a calça com um pequeno cordão, que doava 92% dos salários e funções remuneradas para o partido quando teve, e que quando percebeu que, através da atividade legal, este País não ia fazer as mudanças necessárias, optou pela clandestinidade e pela luta armada.

            Hoje, analisando depois, muitos de nós achamos fácil dizer que aquela foi uma opção errada, que a opção correta era outra. É fácil você dizer que uma coisa era errada depois que ela passa. Não vamos discutir isso, mas o fato é que ele levou às últimas consequências a luta por seus sonhos.

            Eu vim aqui pensando no que Marighella faria, Capiberibe, se fosse vivo. Ele estaria na luta. Alguém tem dúvida de que ele estaria na luta? Qual seria a luta dele? Qual seria a luta de Marighella neste momento da história, um momento histórico que já não fabrica Marighellas, porque a realidade social histórica é diferente?

            Nisso a gente faz até uma análise marxista: o que você é não depende do que você é em si; depende do que as circunstâncias fabricam. E hoje não há uma fábrica de Marighellas. A democracia, inclusive, acabou com a possibilidade de nós optarmos por uma luta armada. A redução da clareza no sonho do socialismo definido como estava naquela época a gente já não tem. A definição ficou ambígua, frágil, às vezes intimidada por alguns fracassos ou erros que levaram à superação não no sentido de para melhor, mas no sentido diferente.

            Eu creio que se Marighella aqui estivesse algo estaria claro para ele, de que nós precisamos pôr ética na modernidade brasileira. Muitos defendem hoje a ética na política. É pouco! Neste País, se ninguém roubasse, ainda assim, nós não estaríamos sendo éticos ao gastarmos dinheiro em prioridade que serve aos poucos ricos em vez de servir aos muitos pobres.

            Há uma corrupção no comportamento que todos hoje denunciam, mas há uma corrupção nas prioridades que muitos não percebem.

            Marighella, hoje, lutaria por uma modernidade ética, que colocasse o transporte público na frente do automóvel privado, como prioridade. Ele não aceitaria que se construíssem viadutos antes de se fazerem boas paradas de ônibus. Ele lutaria para que, neste País, nós tivéssemos água, esgoto, antes de termos estádios de futebol padrão FIFA.

            Ele lutaria, certamente, por uma modernidade ética, onde a saúde pública prevalecesse sobre os shows que muitas vezes são feitos em nome da inauguração de um hospital que não vai por si resolver um problema muito mais sério que a saúde pública.

            Marighella lutaria pela modernidade nas prioridades do uso dos recursos públicos. Ele não apenas lutaria para que nós parássemos de ter políticos que roubassem, mas ele lutaria para que tivéssemos políticas comprometidas com os interesses populares e da Nação brasileira.

            Ele certamente estaria na luta, firme, por uma educação de qualidade igual para todos. Porque, muitas vezes, se fala em educação de qualidade, mas se esquece que ela não sendo igual para todos não é uma educação comprometida com a modernidade ética.

            Eu tenho convicção, posso estar enganado, se alguns me mostrarem, de que hoje o slogan de Marighella seria o filho do trabalhador na mesma escola do filho do patrão. A igualdade mais plena e absoluta na igualdade da escola, da qualidade escolar. Eu creio, não seria impossível imaginar que esse seria o slogan hoje do socialismo contemporâneo.

            Marighella estaria na luta entre nós para evitar a destruição do meio ambiente no Brasil. Certamente. Ele certamente faria a comparação entre quebrar vidraças e destruir florestas inteiras. Onde o vandalismo de quebrar uma vidraça é mais grave do que o vandalismo de destruir a Floresta Amazônica? Eu creio que ele traria uma dimensão nova e manteria sua luta em dedicação absolutamente exclusiva. Talvez corresse menos riscos, provavelmente correria, mas não teria menor dedicação.

            E é possível que ele não fizesse mais guerrilha, no sentido daquele tempo, mas ele hoje estaria ao lado desses meninos e meninas do Brasil que estão fazendo uma guerrilha cibernética para mudar o Brasil. Ele estaria ao lado dessa guerrilha cibernética, que ainda não tem uma bandeira clara, que não tem uma ideologia formulada, mas que tem aquilo que vem antes da ideologia, o sentimento de que está errado aliado ao sentimento de para onde nós queremos caminhar. Isso esses meninos que estão nas ruas sabem ou pelo menos sentem, que é um passo anterior de saber com detalhes.

            Marighella hoje estaria ao lado de todos esses que estão nas ruas pedindo, explicitamente, a modernidade no comportamento dos políticos; e, sem perceberem, implicitamente, desejando para o Brasil, uma modernidade ética, onde a modernidade não esteja nos instrumentos, mas nos propósitos; onde a modernidade não seja urna eletrônica, mas seja uma política moralizada; onde a modernidade não seja eleger uma pessoa e saber o eleito em poucos minutos depois da eleição -- essa é uma modernidade técnica. Ele lutaria por uma modernidade ética, em que aqueles que fossem eleitos teriam compromissos com os interesses da maioria da população, como hoje a política brasileira não vem tendo.

            Por isso, meu caro Randolfe, Marighella morreu, nós morremos com ele, mas Marighella vive e nós vivemos com ele.

            Viva Marighella! (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/07/2013 - Página 43598