Discurso durante a 113ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Leitura de texto do Professor Roberto Mangabeira Unger sobre a reforma política e reflexão acerca da necessidade de se aperfeiçoar os mecanismos de exercício da democracia no País.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Leitura de texto do Professor Roberto Mangabeira Unger sobre a reforma política e reflexão acerca da necessidade de se aperfeiçoar os mecanismos de exercício da democracia no País.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 09/07/2013 - Página 44502
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • LEITURA, TEXTO, AUTORIA, PROFESSOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), RELAÇÃO, REFORMA POLITICA, ANALISE, NECESSIDADE, APERFEIÇOAMENTO, FUNCIONAMENTO, EXERCICIO, DEMOCRACIA, PAIS.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Inácio Arruda, minha primeira preocupação vai, mais ou menos, na linha da do Senador Cristovam, na linha do pronunciamento da Senadora Ana Amélia: precipitação nas coisas. Conselho latino: modus in rebus.

            Eu sou favorável ao fim do foro privilegiado dos políticos. Não tenho nenhuma dúvida disso, mas a votação do foro privilegiado dos políticos, agora, acaba com o julgamento do mensalão tucano de Minas Gerais, porque o mensalão já está no Supremo, volta à instância inicial, o processo todo é reiniciado e, automaticamente, estamos votando não o fim do foro privilegiado, mas estamos, olimpicamente, votando a prescrição do mensalão do PSDB em Minas Gerais.

            Isso só à guisa de prefácio e de advertência, porque, na verdade, eu venho a esta tribuna para levar ao conhecimento do Senado um e-mail que recebi do Prof. Mangabeira Unger sobre a tal reforma política. Não sem antes, mais uma vez, conclamar a nossa Presidente Dilma, chamar a sua atenção para o fato de que a reação mais lógica e mais séria em relação a essa história da espionagem norte-americana seria, imediatamente, conceder asilo ao Snowden. E nós teríamos condição de saber -- nós e o mundo --, com mais seriedade e transparência, o que realmente significou a espionagem norte-americana.

            O Snowden é um herói dos Estados Unidos. Amanhã ou depois, a história vai se lembrar do Snowden, e não do Obama, que foi quem acabou sendo responsável pela espionagem na Internet no mundo inteiro.

            E quando os Estados Unidos me desanimam com a manipulação das suas eleições, com a falta de fidelidade de um presidente aos compromissos assumidos no processo eleitoral, quando a gente percebe que no tal "país da democracia" as coisas funcionam tão mal quanto aqui, surge um Snowden, um herói solitário, como um mocinho naqueles velhos filmes do faroeste, que, por iniciativa própria e com muita coragem, enfrenta o banditismo.

            Anistia já, Presidente Dilma, para o Snowden, sem conversa mole, sem tergiversação. Anistia já! É uma vergonha que alguns países latino-americanos tenham oferecido, e nós fiquemos enrolando esse assunto.

            Mas, vamos ao texto, que não é meu, é do Mangabeira, e eu peço, desde já, alguma tolerância da Mesa, se ultrapassar os sete minutos que me restam. Acredito que não será preciso.

            Diz o Mangabeira:

Qual reforma política?

Reforma política que venha ao encontro dos anseios da Nação deve aprofundar o que a Constituição de 1988 prometeu mas não entregou: a reconciliação da democracia representativa com a democracia participativa. Democracia participativa e direta não deve ser contra democracia representativa e partidária: são duas formas de organização democrática que podem e devem se reforçar reciprocamente. E representação não precisa fazer-se só por partido. É equívoco pensar que, se os cidadãos não se organizarem e se fizerem representar exclusivamente por meio de partidos, estarão condenados a ser horda amorfa e manipulável. Podem organizar-se -- e se fazer representar -- também por outros canais, como são os movimentos fora dos partidos.

Problema. A política continua na sombra corruptora do dinheiro. Dinheiro não deve poder comprar político e governante. O financiamento privado das eleições é a primeira causa, direta ou indireta, de corrupção na política brasileira. A segunda causa é a ocupação do Estado por gente nomeada pelos governantes. [É a opinião do Mangabeira Unger, que trago ao plenário do Senado Federal.]

Solução. organizar o financiamento público não só dos partidos, mas também dos candidatos avulsos e independentes. Permitir contribuições privadas apenas de pequeno valor, até o máximo de cinco salários mínimos. Insistir que no horário eleitoral da televisão, que é onde se gasta, desnecessariamente, a maior parte do dinheiro das campanhas mais importantes, só possa haver fala de candidato diante de fundo simples [liso, azul]. Para completar a obra: começar a substituir a grande maioria dos cargos comissionados, de indicação política, por carreiras de Estado.

Problema. Os partidos querem monopolizar a política e a representação. O povo brasileiro [ao que parece, pelo que vemos nas ruas] não quer. Não leva os partidos a sério, tal como existem, a não ser como ameaça permanente [aos interesses populares].

Solução. Qualquer cidadão que demonstre, por assinaturas, contar com o apoio de 1% do eleitorado em seu Município, em seu Estado ou no País (de acordo com o mandato a que pretenda concorrer) pode concorrer sem legenda partidária, inclusive à Presidência da República.

Problema. Os brasileiros querem participar diretamente da vida política, de forma organizada e institucional. E a Constituição de 1988 acenou nessa direção. Até agora, não aconteceu.

Solução. Dar eficácia à promessa constitucional da reconciliação da democracia participativa com a democracia representativa. [A proposta, agora, é do Mangabeira; eu, pessoalmente, mudaria os valores] Vinte por cento dos Deputados ou 5% dos eleitores podem submeter qualquer medida legislativa a referendo popular, antes ou depois de ser votada pelo Congresso e sancionada pelo Presidente. Da decisão popular, cabe recurso apenas para outra maioria futura, respeitados os limites constitucionais por que velam os juízes. De igual forma, 5% dos eleitores, por iniciativa popular, podem provocar plebiscito nacional para que a Nação vote, diretamente, uma lei. Se a iniciativa obtiver maioria, passará a viger como lei, independentemente do voto no Congresso e de sanção presidencial.

Problema. não basta criar, na democracia participativa, caminho complementar à democracia representativa. É preciso também aperfeiçoar a democracia representativa e trabalhar muito a regime de partidos consistentes e fortes. Em todo o mundo, a fórmula para ensejar o surgimento de tais partidos é o sistema da lista fechada nas eleições parlamentares: o eleitor vota na lista de candidatos parlamentares indicada pelo partido. De acordo como voto que cada partido recebe, o partido elege mais ou menos Parlamentares, descendo a lista na ordem que o partido estabeleceu. No Brasil, porém, cada partido tem dono. [Alguns partidos maiores são sequer partidos de verdade, mas aumentar com a lista ainda mais o poder da burocracia partidária aqui no Brasil não tem sentido. A teoria é boa, mas, colocada em confronto com a realidade, não funciona.]

Solução: pré-eleição em que votam os filiados do partido, para determinar quem entra na lista em eleições parlamentares e em que ordem. Os donos dos partidos não decidem. Deixarão de ser donos. [É a proposta do Prof. Unger.]

Voto distrital não precisa e não convém: embora [o voto distrital] aproxime o mandatário do eleitor, favorece política antiprogramática e antiestrutural com foco apenas em benefícios locais.

            Para entender as consequências do sistema do voto distrital, basta observar a prática das emendas parlamentares dos nossos congressistas. Adotar o voto distrital seria generalizar esse paradigma.

            Quatro problemas. Quatro soluções que interpretam a frustração e a vontade do Brasil.

            A proposta que trago a este Plenário é do brasileiro e Prof. Roberto Mangabeira Unger, professor da Universidade de Harvard nos Estados Unidos. Prof. de Harvard, mas brasileiro, e professor catedrático desde os 21 anos.

            Mas renovo, para finalizar a minha intervenção, o apelo à nossa Presidenta da República: conceda de uma vez o asilo para o Snowden, que será no futuro mais um herói que a sociedade americana oferece aos libertários e democráticos do mundo inteiro.

            Não consigo entender a enrolação do nosso Governo. Itamaraty e Presidenta estão nos enrolando. Falta de posição, falta de firmeza, falta de postura! Nem parece que este, Inácio Arruda, é o nosso governo, pelo qual lutamos nas ruas e brigamos tanto para que fosse majoritário nas últimas eleições.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB -- PR) - Com prazer, concedo o aparte, com a tolerância do Senador Inácio Arruda, ao Senador Eduardo Suplicy.

            O SR. PRESIDENTE (Inácio Arruda. Bloco/PCdoB - CE) - Que é o próximo orador inscrito. Mas o aparte é bem-vindo.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Roberto Requião, quero assinalar, primeiro, que estou de acordo com algumas das proposições do Professor Roberto Mangabeira Unger, inclusive, a que se refere à realização de consulta pelos partidos junto aos seus filiados para escolha da ordem na lista. É objeto de projeto de lei que apresentei, segundo o qual deve haver eleição prévia nos partidos para escolha de seus respectivos candidatos ao Executivo e ao Legislativo. Então se for para haver uma lista fechada, que sejam os filiados, senão todos os eleitores mesmo aqueles que escolherão a ordem. E quero também transmitir a V. Exª que estou de acordo na sugestão para que o Governo da Presidenta Dilma Rousseff, conceda o asilo ao Sr. Edward Snowden, uma vez que ele deu uma contribuição muito importante, inclusive para mostrar que pessoas no Brasil estavam sendo violadas em seus direitos condicionais à privacidade. Meus cumprimentos.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Presidente, eu estou formalizando uma proposta de lei em cima dos pontos com os quais eu concordo dessa sugestão do Prof. Mangabeira Unger. É mais uma oportunidade para o Senado decidir essas coisas fundamentais.

            A democracia direta existia nas Ágoras, nas praças gregas.

(Soa a campainha.)

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Mas, em determinado momento, se verificou que a população não podia decidir todas as causas. O povo não podia ir para a rua decidir cada problema que se colocava para a política. Polis (cidade), ica (sufixo que transforma substantivo em adjetivo): política da cidade. O povo não podia se reunir a cada momento para decidir todas as questões relativas à administração da cidade. Daí surge a democracia representativa. Pessoas eleitas para falarem pelo povo.

            A falência da democracia representativa ensejou no movimento sindical italiano, há alguns anos, o mandato imperativo, que é um instrumento pelo qual o candidato se apresenta para cumprir determinado mandato, assumindo compromissos muito claros, mediado pela estrutura sindical.

(Soa a campainha.)

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Se o mandatário não assume os compromissos com os quais se comprometeu, é imediatamente substituído por outro. Então, a democracia representativa deveria ter também um recall, uma chamada por parte da sua base, a meu ver, mediada mesmo pela estrutura partidária. Por exemplo: ganhamos uma eleição para defender o porto público, a liberdade de imprensa, liberdade verdadeira, com direito de resposta automático. No poder, não cumprimos o mandato dado, imediatamente, somos substituídos, porque houve uma infidelidade em relação aos compromissos assumidos. Essa é, no movimento sindical italiano, a evolução da democracia representativa, que não pode voltar para a Ágora, não pode voltar para a praça.

(Soa a campainha.)

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Mas, no caso do recall, do referendo e do plebiscito proposto pelo Prof. Mangabeira, nós poderíamos ter, a cada mês de janeiro, um plebiscito nacional, com as questões que forem colocadas pelos mecanismos estabelecidos para que o plebiscito ocorresse. Agora, uma coisa é certa, a representação no Brasil está falida.

            O povo vota em cima de determinados compromissos e, no Congresso Nacional, são os lobbies, os interesses partidários e o desejo desesperado de reeleição, com pequenos favores concedidos pelo Executivo, que desviam os Parlamentares dos compromissos assumidos durante o processo eleitoral.

            Pela tolerância, Senador Arruda, muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/07/2013 - Página 44502