Discurso durante a 113ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Importância da discussão sobre o Pacto Federativo e sua respectiva divisão de recursos como ponto de partida para as devidas respostas que devem ser dadas às recentes manifestações populares.

Autor
Cícero Lucena (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PB)
Nome completo: Cícero de Lucena Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRIBUTOS.:
  • Importância da discussão sobre o Pacto Federativo e sua respectiva divisão de recursos como ponto de partida para as devidas respostas que devem ser dadas às recentes manifestações populares.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 09/07/2013 - Página 44511
Assunto
Outros > TRIBUTOS.
Indexação
  • DEFESA, REALIZAÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA, PAIS, DIVISÃO, EQUIDADE, TRIBUTOS, ARRECADAÇÃO, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL (FPE), FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICIPIOS (FPM), OBJETIVO, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO MUNICIPAL, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, SERVIÇOS PUBLICOS, SAUDE, EDUCAÇÃO, TRANSPORTE.

            O SR. CÍCERO LUCENA (Bloco/PSDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu venho a esta tribuna tratar de um assunto por vezes esquecido e que guarda estreita relação com as vozes de descontentamento ouvidas pelas ruas em todo o Brasil.

            Srª Presidente, alguém disse, algum tempo atrás -- e eu abro aspas:

As necessidades básicas do homem estão nos Estados e nos Municípios. Neles deve estar o dinheiro para atendê-las.

A Federação é a governabilidade. A governabilidade da Nação passa pela governabilidade dos Estados e dos Municípios.

            O homem que afirmou isso, Srª Presidente, foi Ulysses Guimarães.

O desgoverno, filho da penúria de recursos, acende a ira popular, que invade os paços municipais, arranca as grades dos palácios e acabará chegando à rampa do Palácio do Planalto.

            Uma afirmação feita há bastante tempo, mas tão atual, como o que nós estamos vivendo hoje.

            Pois bem, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quem está nos assistindo e nos ouvindo. O povo clama por melhores serviços públicos, tais como saúde, educação, mobilidade urbana, segurança pública, ética na política, reforma política, o que nos remete à questão que considero o verdadeiro pacto que precisa ser discutido, até porque, quanto à reforma política, nós temos projetos já em andamento, a exemplo do que o Senador Suplicy citou, e tantos outros que esta Casa está votando, e com certeza a Câmara também o fará, para que algumas sejam adotadas no próximo ano ou nas eleições seguintes.

            Mas o que temos que discutir é o Pacto Federativo e a receptiva divisão dos recursos, porque sem eles não haverá investimento em saúde pública, em educação, em segurança, em mobilidade urbana, em ações concretas e verdadeiras de estruturantes de combate à seca, a exemplo da transposição das águas do Rio São Francisco, para que isso deixe de ser parte apenas de anúncios comerciais veiculados nos meios de comunicação e as obras se transformem em algo que venha atender aquela necessidade.

            O Pacto Federativo ou, como é chamado atualmente, o Federalismo Fiscal está definido na Constituição da República Federativa do Brasil e tem relação com os mecanismos de partilha da receita dos tributos arrecadados entre os entes da Federação, sendo exemplos desse mecanismo os Fundos de Participação dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios e os fundos constitucionais de incentivo ao desenvolvimento regional, ou seja, os Fundos Constitucionais do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste.

            Da arrecadação da União relativa ao Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados, 48% são repassados aos referidos fundos. E esses impostos são alguns dos que apresentam maior arrecadação no âmbito da União. Logo, a Constituição estabeleceu uma descentralização de receita tributária, fortalecendo os entes subnacionais e enfraquecendo a União.

            Porém, a União reage e tem aumentado ou criado tributos, cuja arrecadação não é obrigada a dividir com os entes subnacionais, como é o caso das contribuições sociais.

            Os Estados têm como fonte principal dos recursos tributários o IPVA e o ICMS, e parte deles compartilham com os Municípios. Os Municípios têm os impostos como IPTU e ISS, inclusive de difícil arrecadação. E quanto menor o Município menor é a receita desses tributos. O Imposto de Renda e o Imposto sobre Produtos Industrializados, o Distrito Federal acumula a competência dos Estados e dos Municípios. Pois bem. A divisão está injusta neste nosso País.

            Ora, Srª Presidente, o Governo Federal abocanha a maior parte dos recursos oriundos do total da arrecadação de impostos, taxas e contribuições. E, em contrapartida, os recursos repassados pelo Governo Federal a Estados e Municípios vem caindo ao longo dos anos da administração petista. É necessário que o bolo tributário seja dividido corretamente. Defendo a realização de uma reforma fiscal para que esses recursos sejam distribuídos de forma mais justa aos Estados e Municípios, evitando que a maior concentração fique nas mãos da União, como acontece hoje.

            Um prefeito não pode passar o seu mandato inteiro mendigando recursos a Governos estaduais e, principalmente, ao Governo Federal, que fica com algo aproximado de 60% dos recursos arrecadados no País. Para se ter uma ideia, no ano de 2000, a União arcava com 60% dos custos da saúde pública no País. Em 2010 -- pasmem! --, esse percentual caiu para 40%, e a diferença ficou a cargo dos Estados e Municípios, que, em razão da notória baixa capacidade financeira, têm imensas dificuldades, para dizer o mínimo, em oferecer à população o serviço de que o povo necessita e merece e agora está exigindo, ainda bem.

            Dados da Secretaria do Tesouro Nacional revelam que, em 2010, coube à União cerca de 58% da arrecadação, enquanto os Estados, com aproximadamente 24%, e os Municípios, com apenas 18% dessa distribuição. Se considerarmos apenas os investimentos federais realizados entre 2006 e 2010, por exemplo, somente 4% dos Municípios brasileiros receberam recursos para a mobilidade urbana. E, mais ainda, Srª Presidente, 94% desse montante foram investidos pelo Governo Federal, concentrados em apenas 15 cidades com mais de um milhão de habitantes. De todos os 5.227 Municípios com população inferior a 500 mil habitantes, apenas 163 receberam investimentos. Desses Municípios, metade recebeu investimentos menores do que R$160 mil em todo esse período. Ou seja, valores insignificantes em se tratando de transporte urbano.

            As consequências desse desequilíbrio na divisão de recursos estão aí, nas ruas das cidades brasileiras, que não têm capacidade financeira para fazer frente à demanda, no caso, por transporte de qualidade a um preço justo, que não têm como manter serviço de educação e de saúde para sua população.

            Srªs e Srs. Senadores, no quesito segurança, o Governo Federal precisa, pelo menos, dobrar os gastos hoje feitos…

(Soa a campainha.)

            O SR. CÍCERO LUCENA (Bloco/PSDB - PB) - … em segurança pública, que correspondem a apenas 13% do total investido em todo o Brasil. Repito: 13%! E renovo que a arrecadação da União chega praticamente a 60% do total. Pois bem; os 13% são investidos em todo o Brasil, restando aos Estados e Municípios a responsabilidade por 87% desses gastos.

            E eu apoio a proposta que tramita nesta Casa, de autoria do Senador Aécio Neves, que garante o descontingenciamento dos fundos constitucionais do setor -- o Fundo Nacional de Segurança e o Fundo Penitenciário --, de forma a garantir imediato reforço orçamentário para operação das forças de segurança nos Estados, algo essencial ao País. É mais uma das proposições que a base governista não deixa avançar nesta Casa.

            A Presidente Dilma Rousseff precisa cumprir a sua promessa de campanha: a criação de um piso nacional para os profissionais da segurança pública, a chamada PEC nº 300, que aguarda para ser votada em segundo turno. Caso os Estados não tenham condições de arcar com essa diferença, caberia à União a complementação do piso, não igualando os salários dos policiais aos níveis que seriam desejados, ao nível dos policiais de Brasília, mas, no mínimo, a um piso nacional. Por que -- há de se perguntar -- tantas categorias têm o piso nacional e exatamente no item segurança não o temos?

            Diante disso, os prefeitos são impingidos, como se diz, com o pires na mão, a fazer constantes peregrinações aos gabinetes do Governo Federal, com vista a obter os recursos necessários a custear o atendimento devido aos Municípios.

            Na próxima quarta-feira, praticamente se iniciando amanhã, terça-feira, prefeitos de todo o Brasil estarão mais uma vez em Brasília, na 16ª Marcha dos Prefeitos a esta Capital, sem nenhum resultado concreto para ajudá-los a administrar as necessidades do seu povo.

            Mais uma vez apelarão ao governo da Presidente Dilma por condições financeiras adequadas para o atendimento das necessidades e anseios de sua população. Não podemos mais, Srªs e Srs. Senadores, conviver com essa submissão dos Municípios brasileiros ao Governo Federal.

            Senador Paulo Paim, medidas econômicas adotadas muitas vezes para combater a inflação, outras para estimular o desenvolvimento -- não as estou questionando, embora muitas mereçam ser questionadas --, sempre são adotadas pelo Governo Federal com recursos que fazem e compõem a cesta do fundo de participação. Os prefeitos sentem a queda na arrecadação desses recursos.

            Em anos anteriores, Srª Presidente, propus que o Governo garantisse, no mínimo, valores iguais aos do ano anterior no fundo de participação, para que os prefeitos tivessem mínima condição de planejamento das suas ações.

            Se V. Exª me permitir, o Senador Paulo Paim me pede um aparte.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Cícero Lucena, estou aqui ouvindo o pronunciamento de V. Exª e me lembrava, aqui, agora, que esta Casa, de forma correta, no debate do Fundo de Participação dos Estados, aprovou uma emenda, que veio da Câmara -- eu queria que aprovasse as três, mas pelo menos uma foi aprovada --, que é aquela que diz que, toda vez que o governo fizer algum tipo de desoneração, terá de devolver ao Município o correspondente ao seu prejuízo. E a emenda foi aprovada por unanimidade, o que é muito bom. Porque, como V. Exª diz muito bem, diminuir tributos, impostos, é claro que é importante. E eu me lembro, inclusive, da questão da Previdência. Desonera-se a folha em 20%, passa para 1%, 2%. Agora, todos querem 1%. E. aí, a ponderação que faço -- não a V. Exª, é claro: tem que haver devolução para a Previdência, senão, no futuro, nós vamos acabar dizendo que a Previdência está falida e está deficitária. Não está falida, não é deficitária. Veja bem: nós estamos abrindo mão de 20% do total da folha, o que já significa, hoje, em torno de R$30 bilhões de renúncia nessa área. Se houver a devolução, tudo bem; a minha preocupação é com essa devolução. No caso dos Municípios, vale o mesmo princípio: terá que haver a devolução, porque, de fato, não há como os Municípios sustentarem a máquina municipal se não houver a devolução conforme aprovamos aqui no debate do Fundo de Participação dos Estados.

            O SR. CÍCERO LUCENA (Bloco/PSDB - PB) - Obrigado, Senador Paulo Paim.

            Perto de encerrar, Srª Presidente, agradecendo a sua compreensão, ressalto que se faz necessária -- necessária e também urgente -- a realização de uma verdadeira reforma no que tange ao Pacto Federativo, visando, em última instância, não às prefeituras em si, mas, sim, o atendimento das demandas sociais a cargo da municipalidade, visto que ressoam em nossos corações os verdadeiros dramas e dificuldades por que passam os administradores.

            A desproporção na divisão dos recursos junto aos Entes federativos e aos encargos constitucionais impostos aos Estados e Municípios tem inegável participação nos motivos que deságuam nas manifestações que recentemente tomaram conta das ruas de nosso País.

            Com relação à educação, alguns dados chamam a nossa atenção. Cabe aos Municípios a responsabilidade por 23,3 milhões de alunos assistidos na educação básica. E aos Estados, 19,4 milhões de alunos são de sua responsabilidade. À União, apenas 257 mil. Ou seja, a maior parte dos alunos, por que não dizer quase a sua totalidade, na educação básica, fica a cargo dos Municípios e a menor parte é também da União. Já com os recursos ocorre exatamente o contrário: os Municípios têm 18% da receita, os Estados têm 24% do Fundo de Participação e a União fica com 52%. Quando entram as contribuições sociais, a União vai para 60%.

            A mobilidade urbana, por exemplo, um dos temas mais vocalizados nas recentes manifestações, está sob o encargo dos Municípios. Com os Municípios descapitalizados, em razão da perversa divisão de recursos, é fato impossível os prefeitos solucionarem a contento as questões afeitas ao transporte público. Como conseguência, temos as rotineiras movimentações de prefeitos a Brasília em busca de recursos capazes de enfrentar a necessidade da população.

            A base de apoio ao governo no Congresso reprovou a Emenda nº 29, que destinava 10% da renda bruta da União para a saúde com o argumento de que a União não era a detentora dessa renda bruta. Diante disso, apresentei um projeto de lei, desde o ano passado, em que chegamos a um valor equivalente àquele montante, destinando, assim, 18% da renda líquida da União para assistência à saúde.

(Soa a campainha.)

            O SR. CÍCERO LUCENA (Bloco/PSDB - PB) - No Congresso Nacional, há uma série de proposta que tratam desse tema, como é o caso da PEC nº 23, de 2009, de autoria do Senador Alvaro Dias, que destina 23% do produto de arrecadação das contribuições sociais, que hoje fica só com o Governo Federal, para o Fundo de Participação dos Municípios a fim de serem aplicados na saúde.

            É chegada a hora, Srª Presidente, de esta Casa priorizar esse debate. É chegado o momento de o Congresso Nacional se debruçar sobre não só a divisão dos recursos fruto da arrecadação dos impostos, mas também sobre os encargos pertinentes a cada ente da Federação.

            A 16ª Marcha dos Prefeitos, que chega a Brasília nesta semana para, mais uma vez, chamar a nossa atenção para a grave situação vivida pelas administrações municipais, conclama-nos a todos a não mais adiarmos essa discussão.

            Encerro o meu pronunciamento, Srª Presidente, agradecendo mais uma vez a compreensão e fazendo também o meu registro sobre a alegria de estar aqui, hoje, para discutirmos matéria de interesse dos papiloscopistas, para a qual eu tive, inclusive, a honra de, na Comissão de Constituição e Justiça, pedir urgência para essa votação em plenário.

            (Palmas.)

            Apresento ainda a minha solidariedade para com aqueles que estão devendo ao Banco do Nordeste e ao Banco do Brasil recursos dos fundos constitucionais, visto que, da forma como o Banco do Nordeste estava agindo, como eu, desta tribuna, já denunciei várias vezes, com ações na Justiça, aquela instituição se tornaria no maior latifundiário desse País.

            Meu muito obrigado e que Deus proteja a todos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/07/2013 - Página 44511