Discurso durante a 113ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da categoria médica e análise do Programa Mais Médicos para o Brasil, Mais Saúde para Você, lançado pelo Governo Federal.

Autor
Paulo Davim (PV - Partido Verde/RN)
Nome completo: Paulo Roberto Davim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Defesa da categoria médica e análise do Programa Mais Médicos para o Brasil, Mais Saúde para Você, lançado pelo Governo Federal.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 09/07/2013 - Página 44563
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • DEFESA, CATEGORIA PROFISSIONAL, MEDICO, ANALISE, PROGRAMA DE GOVERNO, LANÇAMENTO, GOVERNO FEDERAL, POSSIBILIDADE, TRABALHO, CATEGORIA, INTERIOR, PAIS.

            O SR. PAULO DAVIM (Bloco/PV - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, na semana passada, os médicos do Brasil foram às ruas para externar a sua preocupação e o seu descontentamento com algumas medidas anunciadas pelo Governo. Muito se fala nessa questão de médicos do Brasil, e eu gostaria de esclarecer alguns pontos.

            É lógico, é uma verdade inconteste que há no Brasil regiões e Municípios de difícil provimento e que há, sem sombra de dúvida, carência do profissional médico, como também há carência do enfermeiro, do odontólogo, do farmacêutico, do advogado, do delegado. Mas o médico é importante dentro da estrutura de saúde. Nós entendemos isso.

            No Brasil, de acordo com o Conselho Federal de Medicina, nós temos um médico para cada 500 habitantes, ou seja, 1,95 médicos para cada mil. A Organização Mundial de Saúde determina um para mil; o Brasil tem 1,95, que dá em torno de um médico para cada 500 habitantes. E o que nós queremos, o que a categoria médica quer, o que as entidades médicas querem é uma política de interiorização do profissional médico.

            O Brasil tem 20% dos médicos do continente americano, 4,5% dos médicos do planeta, só que 70% desses médicos estão concentrados no Sul e Sudeste por falta de uma política de interiorização. O Brasil é o segundo país do mundo em número de escolas médicas, só perdemos para a Índia: o Brasil tem 200 faculdades de Medicina; a Índia tem 257.

            Ora, se o número de faculdades de Medicina resolvesse o problema de saúde, o Brasil teria uma saúde exemplar. Dizem que o Brasil tem muita faculdade de Medicina, mas forma pouco. Calma. Vamos para os números - os números não mentem. O Brasil forma cerca de 16 mil médicos ao ano; os Estados Unidos da América, que têm praticamente o dobro da população do Brasil, formam 17 mil. Então, são dados irrefutáveis.

            Dizem também que o Brasil tem um pouco mais de 1% de médico estrangeiro, que a Inglaterra tem 30% dos médicos estrangeiros e outros países, também. Vamos com calma, vamos com calma. Todos os médicos que foram para os Estados Unidos, para a Inglaterra, para a França ou para qualquer país, esses médicos não entraram de graça. Esses médicos foram submetidos a exame de revalidação e foram submetidos a exame de proficiência do idioma, porque o médico precisa compreender bem e com clareza o que o seu paciente está dizendo. Se não entender com clareza, ele vai diagnosticar errado e, diagnosticando errado, vai tratar errado. Isso é uma lógica direta.

            Portanto, os 30% de médicos estrangeiros na Inglaterra, todos eles foram submetidos a exame de revalidação e de proficiência em línguas. E tem mais: esses países da Europa, como Inglaterra, como França e outros tantos, até mesmo os Estados Unidos da América, são polos de referência em ciência médica. E todo polo de referência e pesquisa em ciência médica, em torno dele satelitam pessoas e serviços do mundo inteiro, porque querem ir para lá, buscam a pesquisa, procuram o aprimoramento e vão de livre e espontânea vontade. Eles se submetem aos exames e à proficiência de língua para chegar lá e participar daquele seleto grupo de pesquisadores. Todo médico gostaria de trabalhar em um grande centro de pesquisa. Da mesma forma, todo jogador de futebol do Brasil quer ir para o Barcelona, para o Real Madri, para o Milan, porque são clubes de referência no mundo e todos querem trabalhar, querem participar desse grupo seleto. Isso acontece não só na medicina, mas em todas as profissões da área de saúde no mundo.

            Pois bem, nós queremos médicos atuando nas áreas de difícil provimento. Queremos. Será que o médico é esse monstro que estão tentando pintar? Adianta satanizar a figura do médico? Não. O médico não é verdadeiramente isso que estão querendo pintar: que não se incomoda com a atenção básica, que não quer trabalhar, que não é sensível à dor alheia. De forma alguma. Aliás, esse é o motivo maior da nossa profissão, é o motivo maior.

            Agora, nós precisamos que os profissionais que venham trabalhar no Brasil sejam qualificados, sejam profissionais que não coloquem em risco a saúde da população e que possam ajudar na construção do sistema de saúde no Brasil, porque o profissional que vem para o Brasil ou que eventualmente venha para o Brasil nessa situação, para um contrato de três anos, ele vem para ganhar o dinheiro dele, até porque um bom profissional, na Espanha ou em Portugal, está trabalhando, está empregado; ele não está desempregado. Os que eventualmente virão para o Brasil vão trabalhar numa área de difícil acesso, numa área, muitas vezes, inóspita, em situações difíceis. Eles vêm porque estão desempregados nos seus respectivos países e porque precisam desse emprego.

            E tenho absoluta certeza de que, por mais que queiram contribuir na construção do sistema, eles não vão se compatibilizar com o prefeito, não vão se compatibilizar com o secretário de saúde, não vão reclamar da falta de insumos, não vão reclamar de que está faltando antibiótico, anti-inflamatório, soro, equipo. Eles não vão se indispor, porque, se entrarem em uma linha de conflito ou em atrito com as autoridades sanitárias dos Municípios, eles vão voltar para os países de origem e não contribuem com o sistema.

            Para construir esse sistema do jeito que queremos, nós precisamos de pessoas engajadas em saúde que queiram ajudar na construção do sistema de que o Brasil precisa.

            Muito se fala. Vi na televisão, na semana passada, um prefeito dizendo que estava oferecendo R$30 mil para que um pediatra trabalhasse em uma UTI, pois fazia anos que essa vaga estava em aberto.

            Vamos com calma. Isso é meia verdade. Um prefeito que oferece R$30 mil de salário está oferecendo um valor acima do teto do Brasil. Então, esse prefeito, para começar, teria que ser denunciado ao Ministério Público, porque não está obedecendo à Lei de Responsabilidade Fiscal, pois no Brasil existe um teto. Em segundo lugar, não se monta uma UTI com um médico só. No mínimo são dez profissionais. Se ele está oferecendo R$30 mil para um médico, significa dizer que, no mínimo, ele ofereceu R$30 mil para os outros nove, coisa que não é real. Ou senão ele quer que um médico apenas faça as vezes de dez. Ou, em última análise, isso é uma bravata.

            Muitos prefeitos que exigem a presença do médico não cumprem com as responsabilidades do pagamento desse profissional. E digo isso de cátedra. Já trabalhei no interior e duas prefeituras do meu Estado me passaram a perna. Uma prefeitura deixou de me pagar R$14 mil; a outra deixou de me pagar R$11 mil. Na verdade, isso aconteceu há muitos anos.

            Então, todo profissional médico que trabalhou no interior tem uma história dessa para contar. E eu vivenciei na pele. Os prefeitos não cumprem com a sua responsabilidade de pagamento dos profissionais médicos. E o que o médico quer é uma segurança jurídica. E a prova cabal do que eu digo é o sucesso do Provab.

            O Provab tem dois anos. No ano passado, o Provab contratou 4.300 médicos com salário de R$8 mil e uma bonificação na prova de residência. Ora, quer dizer que um médico deixou de trabalhar em uma prefeitura que ofereceu R$30 mil de salário para trabalhar no Provab por R$8 mil? Que milagre é este? É porque os R$8 mil chegam, pois quem paga é o Ministério da Saúde e o dinheiro é depositado na conta. E ainda por cima esse profissional tem a bonificação na prova de residência.

            Neste ano, a expectativa do Provab é acima de oito mil inscritos, o que atesta o sucesso do programa. Sem segurança jurídica acho muito pouco provável que venha médico do Brasil ou do exterior.

            Essa proposta que foi anunciada hoje dá garantia jurídica, porque é o Ministério da Saúde que vai pagar esses salários.

            Agora, precisa-se de concurso público, para se dar garantia para esse profissional ir para o interior. O salário tem de entrar na conta. Não pode ser só um salário de faz de conta. Não! Contratou, pague!

            Duvido que um jovem que passe num concurso do Ministério Público se negue a trabalhar no interior do Estado ou do Brasil. Ele vai para lá, porque tem um bom salário e porque tem perspectiva de carreira. Duvido que um jovem que passou num concurso da Magistratura se negue a ir para o interior do Brasil. Ele vai para o interior, porque tem um salário garantido e tem uma perspectiva de carreira.

            Então, é exatamente isso. É segurança jurídica que os profissionais da saúde - não só médicos, mas profissionais da saúde - precisam ter. O Brasil precisa evoluir do ponto de vista de saúde pública. Nós precisamos ajudar a construir esse sistema, esse modelo. E só construiremos esse modelo, só implantaremos esse modelo definitivamente na hora em que, na ponta, houver profissionais comprometidos com ele. E só haverá esses profissionais se oferecermos a segurança jurídica de que eles precisam, com concurso público, com um salário que, realmente, no final do mês, chegue à conta do profissional que está no interior do Brasil. Qual é o profissional que vai pegar sua família e seus filhos e levá-los para o interior se ele recebe o salário por um ou dois meses e, no terceiro mês, não o recebe?

            Estou dizendo isso não porque ouvi falar isso, não! É que sofri na pele isso. Eu trabalhei em dois Municípios no interior e recebi um mês, dois meses, três meses, seis meses de salário, mas, daí para frente, não recebi mais. Eu levei um calote no interior. Fui para outro lugar e levei outro calote. Então, isso que aconteceu comigo acontece com milhares de profissionais no interior do Brasil.

            Louvo o Governo por ter aberto essa possibilidade de médicos brasileiros estarem no interior do Brasil, pagando-lhes e dando-lhes a segurança jurídica de que precisam.

            Tenho a absoluta certeza de que nós, que conhecemos o sistema de saúde do Brasil, temos compromisso com esse sistema. Só poderemos aprimorar esse sistema de saúde se contarmos com pessoas comprometidas com ele. Por isso, acredito que nós temos a possibilidade de ter um bom sistema de saúde, mas feito com pessoas que o conheçam e que se comprometam com ele.

            Ouço, com muito prazer, o Senador Cristovam Buarque.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador, eu quero fazer uma pergunta clara: na cidade aonde nenhum médico brasileiro quiser ir, V. Exª acha algo negativo trazer um médico que queira vir de fora para aqui?

            O SR. PAULO DAVIM (Bloco/PV - RN) - De forma alguma!

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Ah, está bom!

            O SR. PAULO DAVIM (Bloco/PV - RN) - O movimento médico não é xenófobo, nem eu sou xenófobo, nem nenhuma entidade médica é xenófoba. Que sejam bem-vindos os médicos! Sejam bem-vindos os bons!

            Existe uma reciprocidade. Nenhum médico do Brasil trabalha em nenhum país do mundo se não for submetido a um exame de revalidação. E mais: lá fora, é feita a proficiência de idiomas, porque o médico precisa compreender com precisão a queixa do doente. Se ele não compreendê-la com precisão, ele vai diagnosticar de forma errada e vai tratar, evidentemente, de forma errada, equivocadamente.

            Então, se esses profissionais forem submetidos a um exame de revalidação, não haverá problema algum. Que sejam bem-vindos! Nós precisamos de profissionais em todos os rincões do Brasil. Sejam bem-vindos! Não existe nenhum óbice à vinda de nenhum profissional de fora do Brasil. Agora, precisamos ter a certeza de que esses profissionais foram bem formados.

            E há particularidades, Senador. A epidemiologia muda de país para país, de região para região. Veja que, no Nordeste, há algumas patologias que são diferentes, que não existem no Sul do Brasil. Há algumas patologias que são muito frequentes na Região Norte, mas que não são tão frequentes no resto do Brasil, onde muitas vezes nem existem. Então, há particularidades. Há até particularidades linguísticas, como a forma com que o paciente informa ou relata sua queixa. Isso é importante, porque a Medicina é uma profissão eminentemente prática. A teoria está na anamnese. Nós precisamos extrair o que o paciente está nos informando, para, depois, o tratamento ser feito na prática.

            Então, há esse detalhamento, e não é muito difícil se chegar a bom termo. Acho que a preocupação do movimento médico no Brasil é essa. Nós estamos aqui torcendo para construir um modelo de saúde importante, que o Brasil merece.

            Eu sou um defensor fervoroso do Sistema Único de Saúde. Sou servidor público no meu Estado há 29 anos. Trabalho em hospitais públicos. Já trabalhei na periferia, já trabalhei no interior do Estado, conheço e milito na Medicina até hoje. E, como eu, há milhares e milhares de profissionais. Essa mensagem…

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT -DF) - Mas é que…

            O SR. PAULO DAVIM (Bloco/PV - RN) - Pois não, Senador Cristovam.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT -DF) - Faço outra pergunta: as organizações médicas têm feito uma avaliação do trabalho dos médicos estrangeiros que já estão no interior do Brasil? Existe algum estudo mostrando que eles são piores ou melhores? Ou não existe isso?

            O SR. PAULO DAVIM (Bloco/PV - RN) - Temos, temos esses estudos, sim. Há alguns estudos de posse do Conselho Federal de Medicina, estudos realmente preocupantes. Evidentemente, há profissionais estrangeiros excelentes, como há profissionais brasileiros que são sofríveis.

            O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) instituiu o Exame de Ordem para o recém-formado em São Paulo. Todo médico recém-formado em São Paulo é submetido ao Exame de Ordem. Há uma preocupação com a qualidade dos profissionais formados no Brasil também.

            Um erro de um profissional médico pode ter um desdobramento catastrófico. Um profissional malformado pode transformar-se em um serial killer. E é essa a nossa preocupação, bem como a preocupação das corporações médicas, a preocupação dos conselhos.

            Então, existem trabalhos preocupantes, mostrando o desempenho de profissionais de alguns países, formados em alguns países da América do Sul que trabalham no Brasil. E também há relatos de conselhos de Medicina de outros países. Há profissionais de alguns países que também militam, trabalham nesses países.

            Assim, há um farto material, e esse material é que embasa o posicionamento das instituições médicas brasileiras.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Muito obrigado.

            O SR. PAULO DAVIM (Bloco/PV - RN) - Era isso, Srª Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/07/2013 - Página 44563