Discurso durante a 118ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Pesar pelo falecimento do cantor e compositor MC Daleste.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Pesar pelo falecimento do cantor e compositor MC Daleste.
Publicação
Publicação no DSF de 16/07/2013 - Página 47377
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, CANTOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), COMENTARIO, INFANCIA, VIDA, LEITURA, COMPOSIÇÃO, AUTORIA, ARTISTA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Senadora Ana Amélia, prezados Srs. Senadores e Senadoras, aconteceu um crime bárbaro no penúltimo final de semana, na periferia de Campinas, no Conjunto do CDHU San Martin.

            O músico MC Daleste, que nasceu em 1992, no Tatuapé, em São Paulo, cantava simplesmente perante três mil pessoas que se aglomeravam diante daquele palanque simples, e eis que, de repente, uma pessoa desferiu um tiro. Perceberam que alguém tinha atirado. Ele pronunciou algumas palavras, até para que quem tivesse atirado não o fizesse outra vez, mas eis que, enquanto ele cantava e dialogava com os jovens ali presentes, um novo tiro foi desferido, ultrapassando o seu peito. Ele foi levado para o Hospital Municipal de Paulínia por seus companheiros, após ser alvejado da barriga até as costas, e veio a falecer. Ele estava se apresentando numa quermesse do CDHU San Martin, conjunto habitacional localizado no bairro São Marcos, em Campinas, e, enquanto conversava com o público, foi atingido por esse tiro que lhe tirou a vida.

            Eu quero aqui apresentar um requerimento, nos termos do art. 218 e do art. 221 do Regimento Interno do Senado, para inserir em ata voto de pesar pelo falecimento do cantor e compositor Daniel Pedreira Senna Pellegrine, o MC Daleste, que faleceu no dia 7 de julho, durante esse show em Campinas, São Paulo, bem como apresentação de condolências a seu pai, Rolland Pellegrine; aos seus três irmãos, Alex, Carolina e Rodrigo -- Rodrigo também é cantor e compositor --; e à sua mulher, Érica. A mãe de Daniel Pedreira Senna Pellegrine faleceu há cinco anos, Deusimar Pedreira Senna.

            MC Daleste nasceu em São Paulo, no Tatuapé, em 30 de outubro de 1992, e começou a cantar, de brincadeira, ainda pequeno. Aos poucos, foi se apresentando nas comunidades da periferia. Com a ajuda de outros MCs, que à época já faziam sucesso, como o MC Kelvinho, MC Daleste passou a ser mais conhecido. Nessa ocasião, começou a fazer músicas. Seu primeiro funk foi feito no computador de uma lan house, na periferia de São Paulo, aos 16 anos.

            Seu primeiro grande sucesso, Verdadeira Namorada, foi uma composição que fez para sua namorada Érica, com que casou. Eles se conheceram na escola, quando Daleste ainda era apenas o Daniel. Atualmente, Daleste chegava a fazer nada menos do que 40 shows por mês.

            MC Daleste faz parte do estilo conhecido como funk paulista, em que as letras tratam de bens materiais como carros, motos, bebidas e roupas. Angra dos Reis, Todas as Quebradas e Mais Amor, Menos Recalque, que têm mais de 1,6 milhão de visualizações no YouTube, são algumas de suas músicas.

            Ele não foi o primeiro caso de morte violenta no funk paulista. Infelizmente, desde 2010, cinco MCs foram assassinados no Estado de São Paulo: MC Felipe Boladão, morto em abril de 2010; MC Duda do Marapé, morto em abril de 2011; MC Primo, morto em abril de 2012; MC Careca, também morto em abril de 2012, e MC Daleste, morto em 7 de julho deste ano. São crimes que continuam insolúveis até o momento. A Secretaria de Segurança Pública informou que as investigações estão avançadas e que existe uma lista de suspeitos já identificados.

            Ainda há pouco, conversei com Rolland Pellegrine, o pai de Daniel, MC Daleste. Ele está muito preocupado em saber que razões fizeram com que fosse assassinado esse jovem, que nunca causou mal a quem quer que fosse, que era um homem da paz, que era um cantor que procurava trazer alegria, sobretudo, às regiões periféricas mais humildes de São Paulo e de todas as cidades brasileiras e que vinha tendo uma repercussão extraordinária por causa do seu estilo.

            O antropólogo Hermano Vianna, irmão de Herbert Vianna, em artigo publicado no jornal O Globo, na última sexta-feira, dia 12 de julho, lembrou a falta de pesar por parte do Governo e conta que só ouviu MC Daleste recentemente, em um dos programas Esquenta!, da Rede Globo. Disse Hermano Vianna:

Renato Barreiros, que é pesquisador do Esquenta! e meu guia para as novidades do funk de São Paulo, foi quem me deu a notícia do assassinato: “Era hoje o maior ídolo da juventude de periferia de SP. Eu o conhecia bem, era um moleque bom, super alegre e que não tinha envolvimento com nada errado”. Renato foi subprefeito da Cidade Tiradentes, Zona Leste de São Paulo. Na sua gestão, começou a organizar festivais de funk na cidade, percebendo bem no início a importância que esse ritmo teria para a cultura paulistana. Foi momento de relação virtuosa entre poder público e música periférica, que não teve continuidade em governos posteriores. No Rio, o abandono/invisibilidade do funk foi o maior incentivo para a invenção do “proibidão”. Em São Paulo, onde a polícia passou a proibir bailes, há agora essa matança em série de MCs.

            Assim, conclui Hermano Vianna, que menciona ainda que as letras das músicas de Daleste eram autobiográficas ou depoimentos contundentes sobre a realidade brasileira contemporânea. Demonstravam enorme vontade de viver, vontade esta que, “por ciúmes”, segundo depoimento do pai, ou por vingança ou, na verdade, por inveja -- assim ressaltou o pai, ainda ontem, ao ser entrevistado pela Globo, no programa Fantástico --, ceifou prematuramente a vida desse homem.

            Na canção Minha História, podemos comprovar o que Hermano Vianna escreveu. Eis aqui uma das canções preferidas pelos jovens, de composição do MC Daleste, contando sua própria história:

Minha História

Quando comecei passava mó dificuldade

E lá em casa era fora de realidade

É revoltante eu sei senti o gosto do veneno

Até meus 13 anos de idade não tinha banheiro

E lá em casa as paredes eram de madeira

Lembro como se fosse agora quando abri a geladeira

Não tinha nada pra comer e a barriga vazia

Acho que posso conseguir aguentar por mais alguns dias

Mais amanha eu vou pra escola e como na merenda

Sábado e domingo é difícil mais agente aguenta

Mais a fome não é nada em relação ao principal

Nunca intendi por que nunca tive uma família normal

Minha mãe e meu pai trabalhando eu e meu irmão na escola

Minha irmã mais velha na faculdade mais a vida é foda

Tudo ao contrario meu destino aconteceu

Mais entreguei isso tudo {uuu} nas mãos de deus

E hoje estou aqui passando adiante

Cantando a minha história em cima de um batidão do funk

Muito obrigado a atenção de todos vocês

O resto desta historia venho cantar outra vez…

Mais uma coisa eu tenho a dizer

Nunca desista de verdade porque…

Eu sou vencedor na porra do bagulho

Eu sou funkeiro sim e disso me orgulho

Levo no peito as cicatrizes do preconceito

Quem não é mete o pé e quem é ganha meu respeito

E é por isso que eu estou promovendo

A guerra dos funkeiro

Que que significa isso aí?

Segura aí, DJ.

Tem muita gente preconceituosa, certo?

Que oprime nossos estilos de vida, certo?

Eu sou funkeiro

Todo mundo aqui é funkeiro, certo

Então tem muitas vidas envolvidas nesse meio, certo?

E tem muita gente que faz xacota, ta ligado!

Por que nóis é funkeiro, nóis é favelado e não tem onde morar certo, irmão!?

Mais aí minha agenda, graças a deus, ta lotada de lugares

Classe A certo, então não é só o favelado que curte funk, certo?

Pessoas de classe média, classe alta, e classe baixa curte funk

Porque funk é cultura, sim

Então, essa é a guerra dos funkeiros

Quem ta envolvido levanta a mão pro alto

É assim que é, rapaz.

            Resolvi ler a letra da música Minha História, de MC Daleste, exatamente porque percebo que, se nós desejarmos conhecer bem os sentimentos dos jovens das periferias de nossas grandes metrópoles, é necessário que ouçamos o rap, o hip-hop, o funk, letras como aquelas às quais, algumas vezes, já me referi aqui, do Mano Brown, dos Racionais MC’s e de MC Daleste, tragicamente assassinado no último dia 7.

            Ontem, o Programa Fantástico, da Rede Globo, mostrou algumas imagens do momento em que MC Daleste foi atingido, que estão orientando a Polícia nas investigações. Um amigo de MC Daleste, a quem MC Daleste tinha dado uma máquina fotográfica, tirou 13 fotografias dos momentos iniciais do show, exatamente quando MC Daleste foi atingido mortalmente, vindo a falecer no momento em que caiu. Um especialista em investigações observou que essas 13 fotografias -- inclusive, há fotos da multidão de jovens defronte ao palanque, assistindo ao MC Daleste cantar --, possivelmente, poderão levar à identificação de quem teria sido a pessoa que assassinou MC Daleste.

            O programa Fantástico mostrou ontem a tristeza do pai em perder o filho, que tantas alegrias vinha dando à sua família e ao pai, Rolland Pellegrine, e também sua emoção ao lembrar a letra da música que MC Daleste fez para ele, denominada Meu Herói, que eu gostaria também de registrar:

Meu Herói

Pai, você foi meu herói, meu bandido

Hoje é mais, muito mais que um amigo

Nem você nem ninguém ta sozinho

Você faz parte desse caminho

Que hoje eu sigo em paz

Não é normal, não é normal ver o meu pai chorar

Uma lágrima rola no canto dos olhos quando me ouvir cantar

Meu protetor, meu rei você merece ensinou o respeito, o amor, o carinho

O verdadeiro pai Daleste melhor amigo nunca vou te esquecer

Só basta me olhar no espelho por que eu sou você

Sei que nada dura para sempre. Ainda dói a saudade da minha mãe

E você sempre estará vivo em nossos corações

Poderia te dar um carro, uma moto, casa e dinheiro sem fim

Mas te dou minha voz em sua homenagem garanto que está muito mais feliz

De coração pra coração com muito orgulho acima de tudo

Ouça a voz da minha alma você é o melhor pai do mundo

Não liga pra nada e nem ninguém o que passou, passou já era

Por que quem nunca errou atire a primeira pedra

Meu pai é meu filho meu único irmão, velho camarada

Foi com você que eu aprendi a ser o homem de casa

E há muita coisa pra aprender com meu professor da escola da vida

Lágrimas caem cicatrizando as minhas feridas

Se eu sou quem eu sou é mérito seu e fim de papo

Eu reconheço um pai igual a você é raro

Humilde, guerreiro, batalhador nunca precisou fazer coisas erradas

Com a bicicleta e várias ferramentas saiu e trouxe comida pra casa

Pai é aquele que cria, o que dá respeito, carinho e amor

Para os meus filhos vou ser um pai igual ao senhor

Será que você lembra daquele menino que andava descalço

Cabelo cacheado, viagem no tempo e volte no passado

E você verá que sempre fez o seu papel

Esqueça o Daleste porque eu sempre serei o seu Daniel

            Tem muitas coisas no meu coração que nem dá pra falar

            Coloque a sua música no toque do seu celular

            Pra quando eu te ligar você lembre do amor

            Que eu, a Carol, o Rodrigo, o Alex sentimos pelo senhor

            Não é normal, não é normal ver o meu pai chorar

            Uma lágrima rola no canto dos olhos quando me ouvir cantar

            Meu protetor, meu rei, você merece, ensinou o carinho, o respeito, o amor

            O verdadeiro pai Daleste.

            O assassinato do músico MC Dasleste ainda não foi esclarecido, mas já gerou um forte impacto sobre a família e os amigos dos MCs. Uma das medidas a serem seguidas é não aceitar mais shows sem os requisitos mínimos de segurança.

            É importante que todos nós venhamos a refletir sobre esse estado de violência que, infelizmente, caracteriza a vida de nossas cidades.

            Ainda ontem, uma família ficou preocupada, porque um jovem foi brincar na casa de amigos em Pompeia, e eis que, de repente, chegou um rapaz de uns 20 anos. Estavam os meninos jogando bola na rua, e o rapaz resolveu, armado, ameaçar aqueles jovens e retirar-lhes o que tinham no bolso, o celular. Eis que o pai e a mãe para lá foram, conseguiram informar ao distrito policial que aquele telefone celular tinha rastreador e acabaram encontrando, bem mais tarde, numa favela perto do Ceasa, a pessoa que havia levado o celular, que era também um jovem, que ali estava com outros companheiros do crack.

(Soa a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Então, é importante que venhamos a pensar como acabar, prevenir, com tamanha violência e criminalidade.

            Eu gostaria de informar que, ainda ontem, estive na favela de Heliópolis para externar minha solidariedade, juntamente com as 890 pessoas que até agora fizeram o cadastramento, porque tiveram suas residências destruídas por aquele incêndio. São muitas as famílias, inclusive duas mulheres e uma criança foram mortas naquele incêndio, provocado por um curto-circuito.

(Soa a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Quero cumprimentar o Prefeito Fernando Haddad, que, logo no dia do incêndio, esteve na favela, juntamente com a sua equipe, inclusive com o Sub-Prefeito, Luiz Henrique Girardi, e com apoio da Presidenta da Unas -- União das Associações de Moradores, Antonia Cleide Alves; Solange Agda da Cruz, Diretora da Unas; Emerson de Abreu (Macarrão), também Diretor da Unas, que estão realizando um trabalho formidável de solidariedade àquelas famílias que tiveram os seus bens, os seus móveis, as suas roupas destruídas.

            Vi ali centenas de pessoas que fizeram doações, inclusive jovens do Rap e do Funk foram ali cantar em benefício e em solidariedade às famílias que perderam seus bens.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Srª Presidenta, agradeço muito a sua atenção.

            Muito obrigado.

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco/PP - RS) - Senador Suplicy, eu me surpreendi com as letras. Prestei muita atenção nas letras que V. Exª selecionou, que talvez tenham sido as mais sentimentais da história de um jovem, pobre, que fez rapidamente sucesso pelo seu talento. É talentosa a forma de ele reproduzir o seu cotidiano. A ideia que eu tinha é a de que ele falava muito sobre violência e sobre segurança. Claro, isso faz parte do cotidiano, especialmente da periferia de uma grande cidade, como é o caso de São Paulo.

            Então, parabéns por recuperar as letras bonitas, que nos fazem refletir sobre a importância da vida e, sobretudo, sobre esse laço afetuoso familiar dele com o pai e com os irmãos.

            Parabéns, Senador!

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado.

            Senadora Presidenta Ana Amélia.

            (Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - É incrível o número de acessos. São milhões as passagens de MC Daleste. Estão sendo acessadas por pessoas em todo o Brasil, inclusive no mundo.

            O triste episódio do assassinato de Mc Daleste, hoje, repercute em toda a imprensa internacional.

            Quero muito, até em nome do pai dele e dos irmãos, fazer um apelo para que a Secretaria de Segurança, a Polícia Civil e a Polícia Militar possam, efetivamente, pesquisar e investigar, para ver qual a origem, quem teria cometido tal barbaridade e, inclusive, estudar as razões que levam pessoas a cometer crimes dessa natureza.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/07/2013 - Página 47377