Discurso durante a 117ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro da entrega do relatório final da CPMI da Violência contra a Mulher no dia dez do corrente; e outro assunto.

Autor
Ana Rita (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Ana Rita Esgario
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, FEMINISMO.:
  • Registro da entrega do relatório final da CPMI da Violência contra a Mulher no dia dez do corrente; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 13/07/2013 - Página 47108
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, FEMINISMO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, RELATORIO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, ANALISE, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, MULHER, PAIS.
  • LEITURA, NOTA, REPUDIO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, REFERENCIA, DECISÃO, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ANULAÇÃO, CONDENAÇÃO, ATOR.

            A SRª ANA RITA (Bloco/PT - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente. Quero cumprimentá-lo e cumprimentar também as Senadoras e os demais Senadores aqui presentes.

            Ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, é com imensa alegria e sentimento de dever cumprido que me dirijo a esta Casa e à sociedade brasileira para relatar que, na quarta-feira passada, dia 10 de julho, entregamos o relatório final da CPMI da Violência contra a Mulher ao Presidente desta Casa, iniciando, assim, o seu processo de entrega às autoridades públicas do nosso País.

            Eu não vou aqui fazer o discurso programado em função do nosso tempo, mas quero que ele seja considerado como lido e, se possível, também a publicação dele.

            Quero dizer também que já me manifestei, por diversas vezes, a respeito da CPMI: os avanços que já obtivemos durante o período de realização da CPMI, mas também o fato de que seu diagnóstico nos traz muitas preocupações e a apresentação, pela CPMI, de diversas recomendações para todos os poderes constituídos do nosso País. O relatório final é bastante completo, com 1.145 páginas e com um diagnóstico bastante profundo, trazendo diversas recomendações para todas as autoridades brasileiras.

            Sr. Presidente, eu gostaria, então, que o relatório fosse considerado como lido e publicado.

            Também quero aproveitar este momento para fazer a leitura de uma nota. Ela já foi mencionada anteriormente, mas considero fundamental a sua leitura neste momento. É uma nota de repúdio da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito a uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher, pelas e pelos parlamentares abaixo-assinados, repudia a decisão da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro por ter anulado a condenação do ator Dado Dolabella, acusado de agredir a atriz Luana Piovani, sob alegação de que a vítima não é hipossuficiente nem vulnerável.

A decisão contraria a Lei Maria da Pena e os tratados internacionais de direitos humanos das mulheres, além de representar um absurdo retrocesso no que concerne à proteção e aos direitos humanos das mulheres vítimas de violência.

As parlamentares e os parlamentares esperam que a decisão seja reformada pelos Tribunais Superiores, por entenderem que a Lei Maria da Penha é uma legislação destinada a todas as mulheres, independentemente de condição econômica e social. A Lei aprovada pelo Parlamento brasileiro assegura direitos a todas as brasileiras e não admite interpretações restritivas como a feita pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Brasília, 5 de julho de 2013.

            Essa é a data em que a nota foi aprovada pela CPMI.

            Esta Nota está assinada por diversas Deputadas e Deputados, Senadores e Senadoras. E também solicitamos que ela seja publicada nos Anais desta Casa.

            É isso, Sr. Presidente.

            Muito obrigada.

 

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DA SRª SENADORA ANA RITA.

            A SRª ANA RITA (Bloco/PT. ES. Sem apanhamento taquigráfico.) -

            A SRª ANA RITA (Bloco/PT - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado.

            É com imensa alegria e sentimento de dever cumprido que me dirijo à esta casa e à sociedade brasileira para relatar que, na quarta-feira 10 de junho, entregamos o Relatório Final da CPMI da Violência contra a Mulher ao Presidente desta Casa, marcando o encerramento dos trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, cujo relatório final foi votado em 04 de julho próximo passado.

            A comissão foi instaurada em março de 2012 para apurar denúncias de omissão do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência, presidida pela deputada Jô Moraes do PCdoB de Minas Gerais e por mim relatada. O relatório foi aprovado no último dia 4/7.

            Esta CPMI nasceu da necessidade de se aprofundar as causas do crescimento da violência contra a mulher, particularmente sobre os números de mortes de mulheres, que são alarmantes em nosso país. Nos últimos 30 anos foram assassinadas mais de 90 mil mulheres, sendo que 43,5 mil só na última década, o que mostra um crescimento vertiginoso.

            Os feminicídios são resultado da violência praticada contra mulheres e da tolerância do estado brasileiro. Pesquisa da Fundação Perseu Abramo, em 2011, revela que uma mulher é espancada a cada 24 segundos e 34% das mulheres já sofreu algum tipo de violência por parte de um homem. Destaca-se que em 80% dos casos o agressor é o companheiro ou ex-companheiro e a violência ocorre na própria residência. Ou seja, na grande maioria dos casos o agressor é alguém com quem a mulher divide ou divida sua vida, planos e sonhos.

            De posse desses números e com a certeza de que a cidadania é um direito de todos os brasileiros e das brasileiras e sua garantia dever desta Casa, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito percorreu o Brasil para avaliar as condições das políticas públicas de enfrentamento às diversas violências e buscar alternativas para esta realidade não condizente com o Estado de Direito em que vivemos.

            Em um ano e meio de trabalho, visitamos 17 estados e o Distrito Federal. Realizamos 37 reuniões, sendo 24 audiências públicas e 7 sessões deliberativas, sem contar as reuniões administrativas e preparatórias. Apreciamos 744 requerimentos, ouvimos especialistas no tema, representantes da sociedade civil, a Ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, a Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres, além de outras autoridades do governo federal. Inquirimos titulares ou representantes das pastas estaduais responsáveis pelas questões de segurança pública, justiça e cidadania, saúde, políticas públicas para mulheres e assistência e desenvolvimento social e os titulares ou representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público e das Defensorias Públicas dos estados. Reunimos com governadores, presidentes dos Tribunais de Justiça, com o movimento de mulheres em 18 unidades da federação e com uma aldeia indígena urbana no Estado do Mato Grosso do Sul, além da família de vítimas de violência sexual no município de Queimadas, na Paraíba.

            Além disso, visitamos 60 serviços de atendimento às mulheres e analisamos mais de 30 mil páginas de documentos. O resultado, senhora Presidenta está neste Relatório de mais de mil páginas que foi entregue ao presidente desta casa e que contém 73 contundentes recomendações para diversos órgãos, nas três esferas de governo, para todo o sistema de justiça e para todos os governos estaduais.

            Importante destacar, que o relatório contém uma análise detalhada da situação da violência contra mulheres nos 27 estados da federação e do Distrito Federal e recomenda aos poderes constituídos uma série de medidas, que na opinião da CPMI, podem contribuir na elaboração de políticas públicas específicas. Constatamos que os poderes públicos investem muito pouco no enfrentamento à violência, não destinam recursos adequados, não possuem políticas para prevenir o feminicídio e não atuam de modo articulado nas ações que desenvolvem. Isso necessita ser urgentemente mudado e as recomendações da CPMI apontam exatamente nesse sentido. Sem recursos orçamentários específicos e sem articulação interinstitucional é impossível enfrentar o problema.

            Por isso, recomendou-se a ampliação do orçamento da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e das Secretarias Estaduais e Municipais de Mulheres e ainda, aonde não existam, que sejam criadas e dotadas de autonomia para tratar do tema de maneira transversal.

            Analisamos ainda, a política nacional de enfrentamento à violência contra mulheres e a rede de serviços e constatamos a insuficiência de delegacias da mulher, ineficiência de juizados especializados, de serviços de saúde não adequados, de Institutos Médico- Legais desestruturados, enfim, um déficit no atendimento às mulheres. Além disso, verificou-se a inexistência de um Sistema Nacional de Informações sobre Violência contra Mulheres. Esta ausência impede que se tenha uma ideia correta sobre o número de serviços disponíveis às mulheres. Desta forma, o relatório aponta uma divergência entre os números de serviços apresentados pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, o Tribunal de Contas da União e a CPMI. Por esta razão, consideramos fundamental e urgentíssima a criação desse Sistema Nacional de Informações sobre Violência contra a Mulher.

            Este sistema de informações é também indispensável no âmbito do sistema de justiça, pois a inexistência de informações ou a fragilidade delas impede que se obtenham números confiáveis e comparáveis. Urge que o Ministério Público crie o cadastro sobre crimes da Lei Maria da Penha e que os Tribunais de Justiça criem mais Juizados Especializados em nosso país, pois o relatório aponta que existem apenas 66 Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar e 27 Varas adaptadas. Além disso, as estatísticas de violência contra mulheres apresentadas pelos Tribunais de Justiça é muito deficitária.

            Ainda no que se refere à rede de serviços, a insuficiência de serviços e a pouca capacitação dos profissionais ocasionam a revitimização de mulheres negras, ribeirinhas, pomeranas e rurais. Insistir na capacitação permanente de servidores é uma recomendação constante deste Relatório para evitar que mulheres negras, as maiores vítimas do feminícidio e da violência, sofram com a violência institucional.

            Mas a revitimização das mulheres também ocorre por incorretas interpretações do sistema de justiça, também constatada pela CPMI. Observamos que embora a Lei Maria da Penha seja uma ferramenta valiosa, ela nem sempre tem sido aplicada de maneira adequada, abrigando interpretações discriminatórias e sexistas que às vezes levam as mulheres a pagarem com a vida. Foi o caso de Eliza Samúdio, jovem que tinha um relacionamento afetivo com o jogador de futebol Bruno e que morreu por buscar seus legítimos direitos, e também os de seu filho. Eliza procurou a justiça, quando grávida de 5 meses, denunciando que tinha sido sequestrada, agredida e teria sido obrigada a tomar um líquido abortivo, por Bruno e seu amigo, Luiz Henrique. A juíza de direito do 3º Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Jacarepaguá negou proteção à Eliza alegando que ela tinha com Bruno apenas um relacionamento “de caráter eventual e sexual”.

            Similar a esta, equivocada interpretação e contrária à Lei Maria da Penha ocorreu na semana passada. A 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro anulou a condenação de Dado Dalabella pela agressão à Luana Piovani, por considerar que ela não poderia ser amparada pela Lei Maria da Penha porque não é hipossuficiente nem vulnerável. Ora, a Lei Maria da Penha não faz qualquer menção à renda das mulheres e a dignidade deve ser respeitada e protegida sem nenhuma discriminação de classe social, étnico/racial ou de qualquer outro aspecto. A Lei Maria da Penha é para todas as mulheres, independentemente de sua condição econômica e social. Por isso, as parlamentares e os parlamentares integrantes da CPMI lançaram uma Nota de Repúdio à decisão do Tribunal de Justiça e solicitamos a revisão da decisão, que repito, é contrária e violadora do direito de todas as mulheres brasileiras a uma vida sem violência e de serem protegidas pela mais importante legislação de enfrentamento à violência que dispomos.

            Por isto, recomendamos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça que avaliem a aplicação da lei evitando interpretações como as ora mencionadas, que reafirmo, são sexistas e discriminatórias. Razão pela qual, também a CPMI recomendou ao Conselho Nacional de Justiça que promova a orientação das magistradas e dos magistrados para a correta aplicação da Lei Maria da Penha. Ao todo, para o sistema de justiça brasileiro apresentamos 44 recomendações.

            Por fim, a CPMI requer à Justiça do estado de Pernambuco que julgue imediatamente o assassinato de Cristina Gabrielsen, ocorrido em 11 de novembro de 1995, em Recife, pois até hoje o assassino não foi levado a julgamento. Não é possível que este crime fique impune.

            Ademais, a CPMI apresentou 13 Projetos de Lei para aperfeiçoar o arcabouço jurídico. Entre eles o que estabelece diretrizes e bases da educação nacional para que os conteúdos escolares enfatizem o respeito a igualdade de gênero e o enfrentamento à violência doméstica. A cultura machista e misógina é construída no seio da sociedade e é preciso zelar para que as nossas crianças e jovens sejam educados para não reproduzir esta lógica perversa.

            Também se requer a alteração da lei da Tortura para que as mulheres agredidas sejam incluídas nesta lei. Uma mulher que é agredida, que leva chutes, pontapés e sofre agressões psicológicas do seu companheiro cotidianamente é uma vítima de tortura e por isso a CPMI apresentou dito projeto de lei. 

            Apresenta-se ainda, uma alteração no Código Penal para que o Feminicídio, que é o assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres, seja uma qualificadora do crime de homicídio, quando ocorrer qualquer uma das seguintes circunstâncias: relação íntima de afeto ou parentesco, afinidade ou consanguinidade entre a vítima e o agressor (feminicídio íntimo), a prática de qualquer tipo de violência sexual contra a vítima, antes ou depois da morte e a mutilação ou desfiguração da vítima, antes ou após a morte. Nesses casos, a morte de mulheres deve ser considerada feminicídio. 

            A Lei Maria da Penha é uma conquista importante para o país, fruto de anos de lutas do movimento de mulheres e elogiada no mundo todo. De acordo com a Organização das Nações Unidas ela é a terceira lei mais importante do mundo no enfrentamento da violência contra a mulher. Por isso, a CPMI propõe algumas modificações no sentido de aperfeiçoá-la. Uma delas veda a concessão de fiança pela autoridade policial nos caos de violência doméstica e familiar contra mulher determinando que apenas o juiz possa fazê-lo. Outra alteração impede que a justiça pergunte à vítima se ela quer ou não continuar com o processo, quando ela não tenha se manifestado previamente.

            Por fim, considerando que a CPMI realizou um importante trabalho de diagnóstico da violência no país e faz recomendações aos estados e a diversas instituições públicas, entendeu-se fundamental que o Congresso acompanhe o cumprimento das recomendações. Para tanto, estamos propondo um Projeto de Resolução do Congresso Nacional para a criação de uma Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher, para a qual, o Sr. Presidente já se comprometeu a votar e instalar imediatamente.

            Diante disso senhora presidenta, afirmo que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito entrega à sociedade um importante instrumento para guiar a construção de políticas públicas de enfrentamento às violências contra mulheres. Um documento que lança novas luzes sobre a situação das mulheres no Brasil, trazendo um diagnóstico amplo e minucioso dos principais problemas observados no enfrentamento à violência contra às mulheres em cada estado brasileiro. Por fim, se todas as recomendações apresentadas no relatório forem adotadas pelos respectivos órgãos, entraremos num novo patamar de garantia de direitos para as mulheres brasileiras.

            Obrigada.

 

DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA ANA RITA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

- Nota de Repúdio à decisão do TJRJ


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/07/2013 - Página 47108