Discurso durante a 117ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre problemas que o País atualmente enfrenta.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL, LEGISLATIVO.:
  • Reflexões sobre problemas que o País atualmente enfrenta.
Aparteantes
Ana Amélia, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 13/07/2013 - Página 47134
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL, LEGISLATIVO.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, EVOLUÇÃO, POLITICA, PAIS, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, ADOÇÃO, REFORMA POLITICA, COMENTARIO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, REIVINDICAÇÃO, MELHORIA, SAUDE, EDUCAÇÃO, TRANSPORTE URBANO, POPULAÇÃO, REGISTRO, IMPORTANCIA, FERRAMENTA, INTERNET, MOBILIZAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL, MULTIPLICAÇÃO, CONHECIMENTO.

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador) - Sr. Presidente, meus eminentes colegas, Senadores e Senadoras.

            Eu peço a V. Exª, Sr. Presidente, que seja um pouco tolerante comigo. E eu escolhi justamente para falar nesta sexta-feira porque nela não temos tanta exigência de tempo. Somos poucos e podemos ter a compreensão da Mesa.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Posso assegurar a V. Exª que seremos tranquilamente tolerante, como sempre somos. Já conversei com o Senador Mozarildo e também com o Senador Simão. V. Exª fique bem à vontade.

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Porque eu não queria que terminasse este semestre sem que eu tivesse a oportunidade de fixar meu ponto de vista sobre a situação atual de nosso País. Compreendo que meu desejo não é outro senão o de ter certo alívio em relação a minha consciência de não ter ficado calado, embora eu me recorde muito bem do General Golbery, quando disse que, se nós quiséssemos guardar um segredo, colocássemos nos Anais do Congresso Nacional.

            De maneira que eu quero abordar a crise atual do País, a crise que eu posso chamar da vontade popular.

            Em 1972, ao comentar a primeira conferência mundial sobre ecologia, a Conferência de Estocolmo, lembrei aqui nesta tribuna que desenvolvimento econômico e expansão haviam deixado de ser sinônimos absolutos de progresso, e nasciam as revisões de conceitos e as reflexões e dúvidas sobre o caminho certo ou errado. Naquela ocasião o ministro Oichi, do Japão, país orgulho de crescimento, falou melancólico e saudoso de sua pátria, do Japão xintoísta, suas belezas naturais incorporadas à pessoa do próprio Deus, dos jardins milenares, das lagoas plácidas, das pedras reverenciadas, dos delicados musgos que cobrem os muros dos seus templos e, num ato de confissão, bateu no peito, comparou o Japão de hoje com suas montanhas de detritos plásticos com o Jardim do Sol Nascente do passado e exclamou contrito:

            “O povo japonês começa a perguntar-se se a frenética busca do aumento do Produto Nacional Bruto tem alguma coisa a ver com a felicidade do homem?

            Se referia a fenômeno explicado pelo grande economista John Kenneth Galbraith -- que teve oportunidade de passar pelo Brasil e com quem tive duas conversas inesquecíveis --, autor de A Sociedade Afluente, que sustentava ter a sociedade industrial se transformado pelo hedonismo e consumismo, perdendo o interesse pelos valores e se fixando na quantidade de seus bens. Podemos resumir sua tese numa expressão: temos a mais feliz das infelicidades.

            Com a sociedade de comunicação em tempo real, novas realidades surgem, sempre na continuidade do distanciamento entre um espaço mais próximo da natureza e a aridez da civilização urbana dominada pela máquina. A denúncia que desta fez o Carlitos em Tempos Modernos é hoje um retrato quase onírico diante da realidade.

            As populações moveram-se do campo para as cidades, e nelas gastam por dia, para ir e voltar ao trabalho, cerca de três horas, presos de um stress e contraindo uma esquizofrenia pela morosidade da circulação média de 18 quilômetros por hora, igual a das carroças da Idade Média, respirando o ar poluído das grandes cidades. O fenômeno vai desde os transportes coletivos abarrotados até aos individuais, sujeitos a circunstâncias comuns a todas as cidades brasileiras. Enchemos as cidades de automóveis com a melhoria no poder aquisitivo da população chegando a uma velocidade que é impossível alcançar na construção de vias expressas, trens, metrôs, veículos de transporte leve, os VLT.

            Por outro lado atingimos também uma fase em que a imensa maioria dos brasileiros ascende à classe média, e assim é presa do consumo conspícuo. E então suas preocupações se dirigem cada vez mais aos bens materiais, perdendo atrativo os valores morais e culturais. O culto do sucesso -- entenda-se sucesso financeiro -- passa também a ser um componente irresistível do cotidiano.

            Ainda um fator deste quadro é a violência com que a sociedade é atingida diariamente. O Brasil é o 1º país do mundo, em números absolutos, em homicídio. São 51.000 por ano, e nos últimos 30 anos, foram 1.09 milhões. Mais do que a soma de todos os conflitos localizados neste espaço de tempo em todo o mundo. O 2º País é a Índia, com 42.000 ao ano. Só que a Índia tem 1 bilhão e 100 milhões de habitantes e o Brasil, 200 milhões. Numa pesquisa de opinião pública feita pelo IPEA -- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 78% dos brasileiros disseram que saem de casa com muito medo de serem assassinados. Com legislação em que o homicida se defende solto, a menoridade penal de 18 anos e um infernal sistema penitenciário, criou-se uma banalização dos crimes contra a vida, que passaram a ser parte do cotidiano.

            Por outro lado o Brasil vivia um momento com bons números macro e microeconômicos. O país vivia a euforia de duas copas, a das Confederações -- da qual saímos campeões -- e a do Mundo, em 2014, a Olimpíada Mundial em 2016, a Jornada Mundial da Juventude com a curiosidade do novo Papa Francisco, sua primeira visita a um país. Os nossos números econômicos e sociais eram excelentes. As pesquisas traziam a resposta da pergunta: “O Brasil é um lugar bom para se viver?” Resposta: bom ou ótimo, 76%; regular, 18%; ruim ou péssimo, 5%.

            Este o pano de fundo de um fenômeno que de repente surgiu do nada. Ninguém podia prever que subitamente tivéssemos a surpresa de uma atônita perplexidade. Um aumento de vinte centavos da passagem dos ônibus na cidade de São Paulo provoca uma explosão popular sem chefe, sem mobilização de qualquer segmento da sociedade civil organizada e reúne milhões de pessoas. O país inteiro, em todas as grandes e pequenas cidades, vai às ruas protestando. Não se vê nenhuma reivindicação institucional, não se pede liberdade, nem direito de reunião ou de associação, nem melhores salários, nem condições de trabalho (o país está à beira do pleno emprego), nem mudança de governo. O que reivindicam? Diminuição dos 20 centavos, fim da corrupção, educação, saúde e cada manifestante prepara seu cartaz na hora, toscamente. Um deles diz tudo: “neste cartaz não cabem todas as minhas demandas”. Estas são tão diversas e fragmentadas, impossível de sintetizá-las. Uma delas é objetiva: o projeto de emenda à Constituição 37, em que se discutia a competência de investigação criminal, uma disputa de competência entre polícia e ministério público. O Congresso logo a arquivou.

            Já disse aqui que a História não se faz sem crises, ela é construída de uma longa sedimentação da vida, e o destino das nações se faz em grande parte pelo processo político. A História de um país é a soma de todas as histórias que fazem as sociedades. Elas se somam e são sempre obra do tempo.

            Testemunha e parte de muitos dos momentos decisivos de nossa História, me sinto em condições de analisar as raízes e as consequências de nossas crises.

            A crise que vivemos tem componentes novos. Depois do fim das ideologias do nosso tempo -- a mais dominante delas, o comunismo --, as novas gerações, sem causas e sem utopias, são presas fáceis do niilismo, das drogas, do alcoolismo e da sublimação dos prazeres. Mas a maior parte delas dirige suas energias e vitalidades contra as mazelas da humanidade, da condição humana, das injustiças sociais, na beleza do idealismo de todos nós que já vivemos na mocidade essa fase de querer mudar a sorte da humanidade. Isso é mais fácil em países como o nosso, onde tudo está sendo feito, quando descobrem, pelas novas tecnologias de informação, seu poder de manifestar seu desacordo com tudo. Reclamam que não participam das decisões de governo, mas têm a força de influenciar sem limites, com a capacidade de falar, discutir, inflamar, e, através da rede da internet, cada indivíduo transforma-se num ser coletivo.

            Ela atinge, por outro lado, as instituições democráticas, há muito vítimas do problema da representatividade, quando a tecnologia da informação em tempo real gera um desgaste da vontade eleitoral que tem que competir com as cobranças da mídia e o senso de urgência das soluções que não são compatíveis com o que podem fazer os poderes da República. Se espera do Executivo que faça obras em tempo recorde, quando as rotinas de licenciamento e as intervenções de órgãos reguladores as prolonga por anos; do Legislativo que, com leis, mude da noite para o dia a natureza das coisas, sem lembrar que as leis levam tempo para fazer efeito; do Judiciário, que condene e prenda, ignorando os ritos que prolongam a prestação jurídica.

            As crises, de qualquer natureza, podem ser construtivas ou podem ser destruidoras. Vi muitas crises neste País. A atual revela uma grande transformação da sociedade, hoje em novo tempo, o da comunicação. Seu primeiro agente é a opinião pública, mobilizada e ¬atenta, engajada e apaixonada, instantânea. A imprensa e especialmente a televisão, acostumadas a serem os porta-vozes das crises, agora a acompanham sob forte contestação.

            Como discernir, na pluralidade dos manifestantes, os de boa fé, os vândalos aproveitadores, os interesses políticos radicais e os subalternos? Esse um dos primeiros problemas, que atinge em cheio as organizações policiais, obrigadas a regime de tensão permanente e que, muitas vezes, no combate ao banditismo que se infiltra nas grandes massas humanas, fere o inocente. Mas mais adiante, no compreender quais as reivindicações que são majoritárias, que representam as centenas de milhares de vozes que se reúnem nas ruas do País, caímos num exercício de tentativa e erro. Uma certeza: a cobrança é por mudanças.

            Nas várias esferas do poder, reagimos com senso de urgência na tentativa de responder a essas vozes. Os parlamentares somos considerados como os primeiros repudiados -- representamos o político por excelência -- na dicotomia entre a vontade do eleitor e a solução dos problemas cotidianos, fora do alcance da ação legislativa. Este fenômeno, que se repete em escala mundial, se torna mais agudo entre nós pela peculiaridade do voto proporcional uninominal, que leva o eleitor a desconhecer quem elegeu.

            O barômetro latino-americano, que é uma aferição da opinião pública do Continente, traz números preocupantes. Eles dizem que 17% dos latino-americanos preferem um regime autoritário, contra 58% que confiam na democracia. No Brasil são respectivamente 19% e 45%.

            O Congresso Nacional, e em particular o Senado, tem reagido com uma agenda positiva, que procura identificar e responder à demanda difusa das manifestações. Precisamos, ao mesmo tempo, ficar atentos para não tomar necessariamente essas demandas como a expressão da vontade de todos os segmentos da sociedade nem deixar de decidir sobre assuntos mais complexos que escapam ao grito das ruas.

            Repito que sem Congresso forte, não há democracia forte e uma democracia frágil é um prenúncio de decomposição. Sem ela, perde-se a liberdade e surgem as fórmulas salvadoras.

            Ninguém pense que elas estão fora das nossas hipóteses de perigo. No mundo atual, há outras formas de desestabilização que não as intervenções militares tão sofridas ao longo da nossa História: a política das multidões, o terrorismo, a divisão social. Não podemos deixar de estar atentos a esses aspectos.

            Há tempos tenho falado na necessidade de se restaurar o prestígio do Legislativo, grande tarefa a cumprir, tarefa que é de todos nós.

            A Presidente Dilma Rousseff, com sua grande experiência administrativa, sendo uma verdadeira sacerdotisa do serviço público, tem conduzido o País com grande autoridade, sabendo impor uma postura de seriedade, de austeridade, de responsabilidade que distingue o seu governo. O Executivo, sob o comando da Presidente Dilma Rousseff, tem enfrentado com serenidade os graves problemas econômicos mundiais. O Brasil cresceu nos últimos anos e é o 6º PIB do mundo. Em 10 anos, o salário mínimo cresceu 330%, o crédito se expandiu de 22% para 54% do PIB e, com o aumento da nova classe média em 42 milhões de pessoas, explodiu o consumo. No setor externo, reservas cambiais de 378 bilhões de dólares e o Brasil como o quarto destino mundial de inversão de capitais, com 65 bilhões de dólares em 2012.

            Todos sabemos que a economia global ainda não se recuperou dos graves problemas que começaram em 2008. Enquanto a Europa sofre com mais de 26 milhões de desempregados, vivemos uma situação que o IPEA considera praticamente de pleno emprego. O aspecto social é particularmente importante entre nós, que precisamos superar a histórica diferença entre os mais ricos e os mais pobres. Daí a preferência da Presidente Dilma, com sua grande capacidade gerencial, para o aperfeiçoamento e aprofundamento de programas como a Bolsa-Família, o Minha Casa, Minha Vida, o Brasil Carinhoso.

            A Presidente tomou a frente da reação às manifestações populares propondo várias medidas de impacto, inclusive apelando ao Congresso Nacional para realizarmos uma reforma política com urgência, corretamente identificando no nosso sistema representativo um dos principais elementos da crise. Creio que é nossa obrigação procurar encontrar uma resposta consistente a essa proposta.

            Já disse aqui que, quando examinamos a História, verificamos que os sistemas se ¬aperfeiçoam e avançam, ou envelhecem e apodrecem. Assim aconteceu, para citar um exemplo clássico, na Revolução Francesa, com o Ancien Régime. A monarquia havia envelhecido. O Estado francês, delineado por Filipe, o Belo, criado por Henrique IV e Richelieu, tornara-se incapaz de atender aos grandes problemas do povo. O mundo, então, se convulsionou. As ideias e a História saltaram no espaço. A república, a maneira de fazer a democracia foram reviradas pelo direito e pelo avesso. Os dois primeiros Estados se torceram com Mirabeau, Lafayette, Talleyrand. Danton, Marat e Robespierre trouxeram à cena o que o Abade Sieyès chamou de Terceiro Estado, o povo como protagonista fundamental da vida pública.

            No Brasil, em 1889, um grupo de intelectuais, em grande parte militares, proclamou a República. República sem povo, dizia Aristides Lobo. O Império também havia envelhecido. Fora extraordinário o esforço de construção que permitira sairmos da colônia para um parlamentarismo real. Havíamos conseguido superar o maior desafio de nossa história: a tragédia irreparável da escravidão negra. Havíamos estabelecido a base da independência do Poder Judiciário. Havíamos criado um Estado de direito, imprensa livre, separado Igreja e Estado, dado muitos e definitivos passos.

            Naufragou, todavia, o Império, sobretudo por causa do sistema eleitoral, na ilegitimidade representativa que contaminava os partidos. A República se fez nesse vazio, apareceu e se implantou.

            De nova a República envelheceu depressa e ficou República Velha. Desde Floriano, os militares se agitaram. O Estado de Sítio tornou-se permanente. Os tenentes levantaram as bandeiras da mudança e do bem comum. A República precisava de povo. 1930 foi a conquista dessas aspirações nacionais, cansadas do “café com leite”.

            O regime de 1946 era o que chamavam uma república burguesa, na oposição, que então existia, à alternativa da democracia popular. Buscamos avançar no caminho dos direitos. Mas não construímos um sistema eleitoral que permitisse dar estabilidade ao governo. Aceitamos a violência do veto ao Partido Comunista, que era o que havia de mais novo na história política parlamentar.

            Juscelino assumiu sobre os restos da crise de novembro de 1955. Seguindo o exemplo de D. João VI, refugiou-se na construção de Brasília para poder entregar…

(Soa a campainha.)

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Estou terminando, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Fique tranquilo, Presidente.

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Seguindo o exemplo de D. João VI, ele refugiou-se na construção de Brasília para poder entregar o Governo ao sucessor e escapar da deposição anunciada. JK escreveu que sua grande realização foi ter conseguido preservar a democracia e de ter transmitido o governo ao seu sucessor, numa prova da vulnerabilidade do sistema político.

            Com a renúncia louca de Jânio Quadros, demos um grande passo para o abismo. Ela pôs em andamento a máquina que desembocou em 1964, que atropelou a tentativa de Tancredo Neves de viabilizar, pela introdução do parlamentarismo, a legalidade. A solução foi constitucional, mas careceu do suporte de um pacto que unisse o País e não somente os políticos.

            A grave crise que levou à intervenção militar de 1964 não tinha as suas raízes na Constituição de 1946, mas em nossa incapacidade de criar um sistema eleitoral e partidos nacionais.

            Os longos anos do regime militar correram sob duas inflexões: o sonho do poder e o desejo de voltar o poder democrático sem ruptura. Este se concretizou na vitória de Tancredo Neves, na volta da liberdade, restaurando as instituições e semeando uma sociedade democrática, que hoje, no sistema de capilaridade, domina todos os segmentos da vida nacional.

            O Brasil fez com grandeza o longo caminho entre a formação dos direitos individuais, dos direitos sociais até chegar aos direitos difusos. Estabeleceu um regime de progresso e maturidade democrática.

            O Brasil construído no convívio viu surgir, no conflito mas também no amplo apoio da sociedade -- e este é um ponto importante --, o sindicalismo moderno, que se levantou em pleno regime militar. A representação dos trabalhadores se estruturou a partir das lutas contra o Estado Novo, e consolidados os direitos trabalhistas de origem corporativa, corajosamente instaurou um sistema de pressão e diálogo, que resultou em enormes ganhos. Sobretudo, este sindicalismo soube tornar-se uma das mais importantes vozes da sociedade, com uma participação decisiva na abertura política e na Constituinte.

            A sociedade brasileira abriu espaços para todos. A política deixou de ser um privilégio de elites para aceitar todas as camadas da população. Fazer política é participar da gestão do Estado, e o Estado não é mais a Polis aristotélica nas mãos do sábio, mas a delegação coletiva, o Um da servidão voluntária que temos que aceitar para realizar o ideal de Jefferson, que era, ele dizia, a busca da felicidade.

            Depois, a República sem povo vem e incorpora as classes rurais, incorpora as classes urbanas, incorpora as classes liberais e chega a um ponto em que ¬incorpora os operários. Foi ainda em meu Governo que saiu um operário do chão da fábrica para disputar a Presidência da República. A eleição de Lula foi o grande marco que colocou as camadas de base do povo no poder sem uma revolução. Não menos relevante foi termos feito a mudança extraordinária, uma mudança de gênero, levando, pela primeira vez, uma mulher à Presidência da República, com Dilma Rousseff.

            Portanto, ao longo da história do Brasil, o País realmente foi um País que deu certo, foi um País que se realizou e hoje é a sexta economia do mundo. Então, a nossa grande pergunta, a nossa grande indagação: onde está a grande insatisfação que realmente domina e que assola as nossas multidões, que fazem com que as nossas ruas sejam tomadas dessa grande revolta? Essa é a grande indagação que nós todos temos de fazer.

            Agora, eu quero dizer que… Eu vou me apressar, Sr. Presidente…

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - O senhor terá o tempo necessário, Presidente, para o seu pronunciamento.

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Agora, na vivência das novas tecnologias da informação, vemos surgir com força a expressão da vontade da juventude brasileira -- pois se, certamente, não era somente esta que agia, ela estava na liderança da ação -- que utiliza as redes sociais para levar às ruas milhões de brasileiros. Aproximamo-nos, como já previ aqui, da volta à democracia direta. Nem foi por outro motivo que implantamos aqui no Senado a e-democracia, portal onde todos podem opinar sobre ideias, apresentar propostas, fiscalizar nosso trabalho.

            Mas a democracia representativa ainda é, repetimos sem cansar, não o sistema ¬perfeito, mas o melhor dos sistemas. O Parlamento, com todas suas mazelas e defeitos, é a maior de todas as instituições políticas criadas pela humanidade. Ele é o coração do povo. Aqui pode-se questionar tudo, até o próprio Parlamento. Não é por acaso que em frente a esta Casa realizam-se os protestos, as demandas, os apelos, as pressões. Por isso mesmo diz-se que é melhor o pior Parlamento do que Parlamento nenhum.

            Mas uma dúvida sempre permeou a representação da vontade do eleitor: como assegurar a verdade do seu desejo? Como fazer que o Estado seja regido por representantes legítimos, não somente legais? Esta questão está por trás da escolha de sistemas de governo, de sistemas eleitorais, de sistemas partidários. Falamos de um tempo regido pelas ideias publicadas em livro, antes ainda que aparecesse a imprensa livre. Com o surgimento da sociedade de informação temos o novo componente da instantaneidade das comunicações, com a notícia em tempo real, com a capacidade de aferir dinamicamente a manifestação da opinião de massa. A nossa legitimidade envelhece a olhos vistos. É preciso resgatá-la, buscá-la em nossos atos.

            O poder democrático é sempre fruto das eleições periódicas, ele tem as limitações da lei e não é o poder absoluto.

            A crise de hoje não nos deve levar ao desencanto, mas à esperança. O País tem capacidade de atender ao espírito das reivindicações, que é positivo, de melhorar a sociedade, torná-la mais justa, com mais e melhor educação, mais e melhor saúde. 

            O Brasil -- uso esta frase, porque foi minha, eu fui o primeiro a usá-la, e hoje eu a vejo muitas vezes repetida -- é maior do que o abismo e maior que todos os nossos problemas.

            Retomando a história de nossa evolução política, ela é o resultado de nossa incapacidade de criar um sistema eleitoral e partidário eficiente. O voto proporcional uninominal, com nossa lista aberta estadual, é uma fórmula que não tem paralelo. Não o comparemos com o voto finlandês ou com o voto português. Fizemos um sistema em que se vota em pessoas e não nos Partidos. Os candidatos disputam dentro do seu próprio Partido, saem da eleição inimigos e perdem qualquer noção de fidelidade. Esse sistema é o responsável pelo paradoxo da total ausência e ao mesmo tempo proliferação desenfreada de Partidos no Brasil, pela bagunça partidária e pela vulnerabilidade das eleições ao poder econômico e às práticas heterodoxas de angariar votos.

            Nas últimas eleições, segundo o TSE, tivemos, para Prefeitos, Vereadores, Deputados, Governadores, Senadores, Presidente, um total de 500.402 candidatos. O que não foi essa massa -- de que fizemos parte -- buscando recursos para televisão, rádio, cartazes, viagens, cabos e equipes eleitorais?! É uma dinheirama que não tem fim, nem há fiscalização que seja capaz de evitar o abuso do poder econômico e a fuga da vigilância da Justiça Eleitoral a práticas condenáveis. Junte-se a isso, depois, os eleitos lutando para manter suas bases pessoais, bases que não têm vínculos partidários, que não têm conteúdos programáticos, que não subsistem senão com o trabalho permanente, diuturno, de assistência.

            O partido político foi o caminho pelo qual a democracia pôde ¬organizar-se e ser o melhor sistema de autogoverno. Sem partidos políticos fortes, não há parlamentos fortes e, sem estes, a democracia descamba para a demagogia e para a política pessoal, com todos os descaminhos que levaram, no Brasil, à decomposição dos costumes políticos. Repito aqui o que já disse várias vezes: o atual sistema eleitoral partidário chegou ao fim -- e é com tristeza que podemos reconhecer que deteriorou-se.

            Pedi aqui que, na eleição passada, acabássemos com o voto pessoal, proporcional e uninominal. A ele devemos o atraso político do Brasil e a ausência na formalização e renovação de lideranças.

            Continuamos com o dever de cauterizar a ferida que está sangrando, e temos de cauterizá-la imediatamente. Temos de tomar medidas heroicas; a do voto partidário, sem dúvida, é uma delas. Não é uma solução definitiva, mas de transição, até que se implante o voto distrital misto.

            Há muito proponho a adoção desse sistema. Sei que não podemos fazê-lo, porque, para dividir o País em distritos, isso levaria tempo e seria impossível fazer de imediato. É algo controvertido. Somos um País que, há muitos anos, abandonou a ideia do voto distrital. Nos países que o adotam, quando as pessoas nascem, dizem: “nasci no distrito tal.” Isso está na alma das pessoas. Aqui, não. Então, na próxima eleição, heroicamente, temos de adotar uma fórmula de transição que acho deva ser o “distritão”, isto é, considerar cada estado um distrito múltiplo, igual ao número de cadeiras a ele destinados, eliminando a disputa pessoal interna nos partidos.

            É também fundamental que nesta próxima campanha seja proibido o ¬financiamento a candidatos. O povo já paga as campanhas. Seria demais sugerir que ele pagasse as campanhas em sua totalidade. Temos que buscar uma fórmula mista, em que o financiamento seja feito somente aos partidos, fortificando-os, e não às pessoas candidatas. Mais uma vez, não é uma fórmula definitiva, mas uma fórmula heroica, uma forma de transição para estas próximas eleições.

            Afonso Arinos, há 50 anos, escreveu uma análise do nosso sistema eleitoral, no seu Evolução da Crise Brasileira. Defendia a implantação do voto distrital, e afirmava: “se a representação proporcional era destinada a enfraquecer politicamente o Presidente” -- referia-se às ideias de Assis Brasil -- “a verdade é que, na prática, mais que ao Presidente ela veio enfraquecer politicamente o Congresso”. Com o sistema proporcional brasileiro, dizia Afonso, “nada se pode fazer de durável, de impessoal, de construtivo”.

            Afonso Arinos sustentava que os momentos de transformação são não aqueles em que o direito entra em crise, mas os em que surge um “direito para a crise, única maneira de se proceder à transformação de forma evolutiva.” Rejeitava liminarmente as ideias de transformar o Congresso em Constituinte ou de convocar uma nova Constituinte como “barbarismo jurídico”.

            O Congresso Nacional tem uma longa tradição de crescer nos momentos de crise e, ao longo da minha vida, sempre foi esse o meu ¬testemunho. Neste momento temos que compreender que é para ele que as atenções se voltam. De nossa capacidade de encontrar caminhos para reforçar a democracia, depende nossa reputação, depende a reputação do Parlamento brasileiro perante a História.

            Precisamos conciliar Oposição e Governo em torno de princípios. E aí recordo Tancredo, que dizia: “Concilie tudo, menos nos princípios.” Não podemos confrontar na classe política nem transferir ao povo esse enfrentamento.

            A nossa tradição é, nos momentos de crise, estabelecermos soluções para salvarmos o país, para ajudarmos o país, porque, se nós recebemos o país como recebemos até hoje, então o relato que fiz, nós não temos o direito de transmitir aos nossos sucessores um país divido, um país fragmentado que nós não encontramos. Portanto, é esse o nosso dever nesses momentos.

            Eu ouço o Senador Pedro Simon.

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - Em primeiro lugar, meus cumprimentos pelo importante e profundo pronunciamento feito por V. Exª. V. Exª, muito mais moço que eu, mas, mais ou menos igual…

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Mais moço?

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - Mais moço V. Exª, é claro que sim.

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - É. O Magalhães Pinto dizia que só é velho que tem um ano mais do que eu. V. Exª é da minha idade.

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - V. Exª está fazendo um pronunciamento que está me encantando, porque V. Exª -- e eu já pedi à Taquigrafia, quero uma cópia do seu pronunciamento, porque ele é muito profundo -- está fazendo um pronunciamento de quem é uma grande plataforma. E eu vejo que nós temos aqui, no mínimo, um colega que vai voltar daqui a dois anos novamente Senador. E acho ótimo isso. Mas V. Exª está mostrando uma capacidade e uma análise. E eu digo o seguinte: tenho falado muitas vezes, não com o brilhantismo, mas no tom de V. Exª. A gente tinha que reunir algumas pessoas. Veja que V. Exª diz tantas coisas que são óbvias, que são claras, que não dependem da ideologia, nem disso nem daquilo, mas são o que têm que ser, que não dá para entender que V. Exª faça um pronunciamento desses… Tinha que ter apartes de vários partidos e tinha que dar continuidade. Eu acho que esse… E faço justiça a V. Exª. Como Presidente do Senado, V. Exª criou, inclusive, vários grupos nesse sentido, no penal, no civil, que fizeram, diga-se de passagem, na reforma política um bom trabalho. Esse pronunciamento de V. Exª não podia ser feito numa hora mais feliz, porque, justiça seja feita, nós, que temos tantos erros, vamos reconhecer que nesses 20 dias o Senado está tendo uma atuação de primeira grandeza. Está trabalhando, está se esforçando, vai até a madrugada, temos feito entendimentos nesse sentido. Eu acho que isso podia ser feito. A Presidente, de um lado, e V. Exª, do outro, podiam se constituir num grupo que realmente analisasse e aprofundasse. Tanta coisa nós temos que nós podemos fazer… Como diz V. Exª, um povo que não tem ódio, que não tem radicalismo, que tem um coração aberto para a sociedade. V. Exª podia até, digo eu, liderar um movimento nesse sentido. V. Exª tem credibilidade, tem autoridade, o seu governo foi um governo altamente democrático, viveu momentos muito difíceis e procurou teses e se esforçou e iniciou. E teve, cá entre nós, V. Exª que assumir a Presidência da República e pegar um Brasil sem saber para onde vai e para onde não vai, e ter a coragem de sair e ainda convocar a Constituinte. A informação que eu tinha é que o Dr. Tancredo, Sarney, ia deixar a Constituinte para o final do governo dele. Constituinte, regularização e oficialização dos partidos comunistas eram teses que primeiro ele devia colocar a casa em dia para depois entrar. V. Exª, não. V. Exª de saída foi. E fez da melhor maneira: pegou um grupo de notáveis para fazer. Quer dizer, V. Exª deu um espírito. Havia um sentimento muito grande de todo o Brasil por uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva, o Congresso não aceitou, eu também tenho minhas dúvidas nesse sentido, e V. Exª ficou no meio-termo: pegou uma comissão de juristas, de políticos, de gente de alta credibilidade para fazer um projeto que veio pronto e acabado. Às vezes eu podia iniciar -- olha que seria um belo trabalho para o senhor -- uma conversa nesse sentido e fazer com que surja um movimento que leve adiante, se não, daqui a mais 15 dias, termina o pessoal na rua, nós aprovamos mais algumas emendas, “Ó, fizemos nosso papel”, e volta tudo igual como era. Eu acho que este é o momento que nós poderíamos aproveitar para dar, como V. Exª está falando, uma mexida definitiva. Meus cumprimentos. Sinceramente fico emocionado com V. Exª e acho que V. Exª está com uma bela plataforma. Até não vou mentir. Não é uma inveja satânica, mas é uma inveja cristã que eu tenho desse seu pronunciamento.

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Muito obrigado, meu caro Senador Pedro Simon. V. Exª me honra muito com o seu aparte e, quando V. Exa diz que nós devíamos ter muitos para discutir, para comentar, eu, como V. Exa, escolhi justamente a sexta-feira porque nós tínhamos que falar muito mais às cadeiras do que às pessoas. Mas nós temos o exemplo já de Santo Antônio, que, quando não tinha fiéis para pregar, pregou aos peixes. O Padre Vieira também fez a mesma coisa: ele resolveu pregar aos peixes. São Francisco também resolveu pregar aos pássaros. Então, nós aqui estamos pregando também, numa sexta-feira, procurando fixar, como eu disse. Nós, que já estamos… Eu não gosto dessa palavra “terceira idade”, acho horrível. Eu prefiro dizer: nós, que já estamos velhos, que já assistimos a tantas coisas, mas mantivemos, com a graça de Deus, a chama e o espírito de procurar não se conformar com as coisas que não sejam certas e ter um profundo idealismo dentro de todos nós. Só ele justifica a nossa vida pública e só ele justifica a nossa capacidade de, ainda na nossa idade, nos entusiasmarmos.

            E já que V. Exa falou em Tancredo, eu quero lembrar o que o Tancredo dizia, e que se aplica ao momento atual. O Tancredo dizia: “Conciliemos em tudo. A conciliação é a melhor coisa. Eu só não concilio nos princípios.” Mas nós encontramos sempre o caminho da conciliação como o melhor caminho. E ele era um grande admirador de Honório Hermeto Carneiro Leão, o Marquês de Paraná, que presidiu o Gabinete da Conciliação.

            Então, eu acho que nessas horas a união é tudo, principalmente aqui dentro do Congresso, onde, no meio desta Casa, no vazio deste espaço, há o peso da história, de tantos anos deste Senado. E o peso da história nos obriga a sentir que todas as nossas posições partidárias, todos nós passamos, mas o País continua e, para ele ter continuidade, é preciso que a gente deixe que as boas ideias sempre estejam à disposição para mudar.

            Ouço com grande satisfação a Senadora Ana Amélia.

            A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Senador e Presidente, José Sarney, usando a sua sabedoria, a sua experiência, a sua habilidade política, a sua intelectualidade, a sua academia de escritor e de político, iluminou a virada do século XX para o século XXI, mostrando um cenário de revoluções contínuas do comportamento político e humano. Nessa virada do século, a queda das ideologias e, no final do século XX, nós vimos uma guerra declarada à globalização, que era a busca da justiça, a busca de uma convivência mais solidária e mais social. As redes sociais, lá em 1999, na conferência da OMC, em Seattle, ainda não tinham a força que têm hoje. De lá para cá, esta globalização, por incrível que pareça, converteu-se num outro instrumento, que é o empoderamento do indivíduo e do cidadão, esse empoderamento referido com muita precisão por V. Exª, em seu pronunciamento, falando sobre as redes sociais. E o que as pessoas fazem na rede social? Elas externam os seus desejos, as suas frustrações e a sua vontade de ser protagonista no processo político brasileiro e também mundial. Então, eu queria cumprimentá-lo pela sua manifestação, nesta manhã, com essa visão geral das nossas responsabilidades, cada vez mais acentuadas quando a rua nos clama, para termos, nós, aqui, o protagonismo que a rua espera de nós. Então, eu queria também registrar, veja só, Presidente Sarney, que a rede social deu tanto poder que ela mudou o sistema, ela criou a Primavera Árabe no Oriente Médio, estamos vendo o que está acontecendo no Egito, dois jovens nascidos da tecnologia digital viraram o mundo de pernas para o ar. O menino que está asilado na Embaixada do Equador em Londres, Julian Assange, do WikiLeaks, que mostrou verdades inconvenientes, e o Edward Snowden, que está aguardando seguramente hoje de países latino-americanos um asilo, depois de ter mostrado a espionagem ou o que está se fazendo hoje, que talvez não esteja mais voltado à defesa das nações, mas ao interesse comercial. Então, a rede social deu poder a brasileiros e a cidadãos do mundo inteiro para serem protagonistas nas chamadas “microrrevoluções” para dizer que não suportam mais andar quatro horas de ônibus para chegar ao trabalho, e pagar tão caro. Não foram aos vinte centavos que mobilizaram os jovens, mas o desejo de serem felizes, e o poder que a tecnologia veio para dar aos cidadãos. Esse foi o lado bom. E quanto mais, nós aqui, como V. Exª alertou, estivermos atentos a essas manifestações melhor estaremos correspondendo aos anseios. Por isso também, poderíamos ter… V. Exª ressalta a necessidade do fortalecimento dos partidos políticos. Os partidos frustraram a sociedade e, por isso, a insatisfação. Então, nós temos de rever essas referências, talvez quebrar alguns paradigmas e atuar para que a sociedade olhe o Parlamento com outros olhos. Mas, como disse V. Exª, os parlamentos do mundo inteiro são vistos com essa visão crítica que não é usada para avaliar o Executivo ou o Judiciário. Nós somos mais vulneráveis e, por isso mesmo, temos de ter um cuidado maior, uma atenção maior com a visão que V. Exª acaba de nos mostrar. Queria lhe agradecer pela aula que deu sobre política e com a qual aprendi muito. Muito obrigada pelo seu pronunciamento.

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Eu que agradeço, profundamente, o aparte de V. Exª, que enriquece meu discurso.

            Tive a oportunidade de dizer que São Francisco falava aos pássaros e que eu estava falando aqui também às cadeiras vazias, mas estou encontrando dois belos pássaros que enriqueceram meu discurso: Senador Pedro Simon e V. Exª com seu brilhante, profundo e atualizado aparte.

            Eu creio que, realmente, nós entramos numa nova neste mundo: a era não só da sociedade da comunicação, como também na era da Internet. A concepção de rede que sempre sobre a qual tivemos uma mentalidade, construída ao longo de milênio, era de causa e efeito. No caso da Internet, nós não temos a causa, porque não há um centro gerador. Cada um que se agrega -- é o conceito de rede --, vai ampliando a parte da rede.

            Recentemente, li um livro O que a Internet está fazendo com a nossa mente, de um escritor americano, Nicholas G. Carr, que desenvolve uma tese sobre isso. Fala sobre como nós sofremos na humanidade a mudança de mentalidade através de fatos importantes.

            Quando descobriram, por exemplo, a escrita, eu me recordo de que há, nos Fedro, de Platão, uma parte em que o deus Thot apresenta a escrita ao rei Tamuz, do Egito, este lhe diz o seguinte: “O que será agora de nossas memórias? O que nós vamos fazer?” Todo o conhecimento humano era armazenado na memória. Ele diz: “Não vamos ter mais discussões? A Humanidade vai regredir? O homem vai deixar de pensar?” Era a impressão que a escrita, a descoberta da escrita tinha feito e produzido naquele tempo.

            Depois, com o avanço e a descoberta do livro, houve a capacidade de multiplicar conhecimentos e distribuí-los e, agora, nós estamos também com uma outra descoberta, a da Internet, cuja linguagem é outra.

            Já se pensa na morte do livro, já se diz. Não é o livro que vai acabar -- eu, pelo menos, acho que o livro jamais acabará --, mas a mente capaz de ler um livro, por quê? Porque ela, hoje, já não precisa ler um livro todo. Pega, vai ao Google e procura simplificar as coisas, encontrando logo respostas e conhecimentos mais rápidos, que também são muito superficiais. E nós vamos achar que eles não têm a qualidade de obter aquilo que nossa geração foi capaz de acumular através dos livros.

            Sobretudo, V. Exª citou um fato que, realmente, também tem mudado o mundo, que é a globalização. Ficamos um mundo só.

            O Fukuyama até dizia que, com o fim das ideologias e com essas aproximações todas, nós chegamos ao fim da História, mas estamos reconhecendo que é um exagero. A História continua e vai continuar.

            Muito obrigado a V. Exª.

            Eu desejo, então, terminar dizendo que nós não podemos confrontar, na classe política, nem transferir ao povo esse enfrentamento.

            Termino estas palavras dizendo -- o Senador Pedro Simon disse que nós já estávamos velhos -- que nós estamos novos, Senador Pedro Simon, porque somos ainda capazes de dizer que nós temos esperança, e jamais deixaremos de ter, e acreditamos no nosso País, que vai encontrar o seu leito normal e vai, cada vez mais, se afirmar, no mundo inteiro, como um grande povo, uma grande Nação, um grande País.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/07/2013 - Página 47134