Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários acerca das manifestações populares ocorridas recentemente no Brasil.

Autor
Anibal Diniz (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Anibal Diniz
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MANIFESTAÇÃO COLETIVA.:
  • Comentários acerca das manifestações populares ocorridas recentemente no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 17/07/2013 - Página 47696
Assunto
Outros > MANIFESTAÇÃO COLETIVA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, TEXTO, AUTORIA, PROFESSOR UNIVERSITARIO, UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE (UFAC), ASSUNTO, HISTORIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, AMBITO INTERNACIONAL, REGISTRO, MANIFESTAÇÃO, PAIS, EXIGENCIA, MELHORAMENTO, QUALIDADE, SERVIÇO PUBLICO, COMBATE, CORRUPÇÃO.

            O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, telespectadores da TV, ouvintes da Rádio Senado, “povo nas ruas: revolução em marcha”?

            São notas que recebi ontem do Prof. e Sociólogo Nilson Mourão. Ele foi Deputado Federal por três mandatos. Hoje é Secretário de Justiça e Direitos Humanos do Governo do Acre e Professor da Universidade Federal do Estado do Acre.

            Ele produziu essas anotações, que julguei importante fossem trazidas ao plenário do Senado Federal. Eu pediria inclusive a gentileza de que fossem publicadas na íntegra.

            “Um dos maiores intelectuais da Alemanha, Karl Marx - gostemos dele ou não -, foi enfático em uma de suas teses, também partilhada por outros filósofos materialistas do período: cada vez que ocorrem mudanças significativas na base produtiva da sociedade, suas estruturas sociais e políticas se transformam inexoravelmente.

            Deixando de lado uma visão mecanicista, que tomou conta de muitos, menos de Marx, o fato é que a história lhe dá razão. A tecnologia dos séculos XIV e XV, que levou ao conhecimento e domínio dos mares, mudou a humanidade. A invenção das máquinas a vapor e as fábricas revolucionaram o mundo. A energia elétrica e o motor a combustão criaram novas instituições. Somos herdeiros dessas mudanças.

            Os iluministas do século XVIII, tendo como base essas conquistas, conceberam a sociedade tripartida, isto é, dividida em três partes ou em três poderes: executivo, legislativo e judiciário. Esse modelo, de um modo geral, deu conta da nova situação, pelo menos no Ocidente, porque o Oriente e a África sempre buscaram modelos diferenciados. Realizou grandes mudanças, progressos, mas não pode ser eterno. Os outros modelos não foram. Esse também não será.

            O que de fato é novo hoje, que perpassa toda a sociedade? A quantidade de informações produzida a uma velocidade extraordinária, o controle pessoal, o conhecimento disponível numa pequena máquina, ao alcance de quase todos. Leve-se em consideração também o papel das mídias, sobretudo o da TV, cujo poder é imenso, bem maior do que o de qualquer um dos poderes.

            Caíram por terra os guias, os mestres, os escribas, as bibliotecas, os jornalões, os fazedores de opinião, as referências, os modelos. Tudo parece ser provisório. Do mesmo modo que surgem, desaparecem. Qualquer jovem com um computador na mão se sente dono do mundo. Aliás, tem a sensação de ter o mundo aos seus pés. Com isso, desabam valores morais, modelos de sociedade, instituições sólidas. Todos ‘se desmancham no ar’.

            Não há dúvida, a crise é generalizada. Qual família, escola, religião, Estado, não se sente ameaçado? Todos parecem vir abaixo; todos sentem seu impacto. Para mim é evidente que está em marcha uma revolução que irá produzir novas instituições. O ‘novo’ vai nascendo do ‘velho’. Não pode ser diferente. A um dado momento, ele se consolida, afirma-se. O fato é que os dois modelos de sociedade que surgiram das mudanças do século XVIII - capitalismo e socialismo - parecem estar esgotados e não respondem mais à era dos computadores. O que virá depois?

            Os que ‘ocuparam’ as praças dos Estados Unidos, os indignados da Espanha, os ‘vândalos’, na Inglaterra e na França, a Primavera Árabe, as manifestações na Turquia e no Brasil representam o mesmo sentimento. Também fazem parte do mesmo fenômeno os casos exemplares de Julian Assange, exilado na Embaixada do Equador, em Londres; o do soldado Bradley Manning, que disponibilizou os documentos ao Wikileaks; o do agente Snowden, que denunciou a rede de espionagem realizada pelos Estados Unidos dentro do seu território e no exterior, inclusive aqui no Brasil, espionagem igualmente realizada por vários países da Europa.

            Estamos, assim, dominados pelo ‘monstro’, que a todos espiona, ainda que as Constituições considerem crime tal ato e garantam a inviolabilidade das comunicações.

            Esses homens, jovens, estão sendo violentamente perseguidos pelo governo dos Estados Unidos, podendo, inclusive, ser condenados à prisão perpétua ou até a pena de morte. São os protomártires da revolução dos computadores.

            Sem bandeiras abrangentes, sem modelos de sociedade, sem líderes reconhecidos, milhares de pessoas, jovens sobretudo, saem às ruas e praças, numa demonstração clara de seu mal-estar. Foram mobilizados por suas redes sociais, que, em minutos, convocam milhões de pessoas, num processo de multiplicação sem fim. Parte dos convocados comparece, e já são milhões. Seguem roteiros, meio espontâneos, e se sentem felizes com os seus cartazes, com as suas palavras de ordem. Caminhando ou parados nas praças, sentem-se donos reais do mundo, porque, até então, eram donos virtuais. Admitem claramente que acordaram. Ainda bem. Acho que até dormiram demais. O leão acordou! É esta a sua primeira experiência: abrir os olhos. Agora, podem ver, no plano real, o que domina muito bem nas máquinas, mas a realidade é mais complexa do que normalmente enxergamos. Mudar uma sociedade e suas instituições requer algo mais do que a simples negação. É preciso proposta. A simples revolta é importante como momento filosófico, mas é impotente para gestar novos padrões.

            Na Europa do século XIX, grandes movimentos sociais saíram às ruas e foram derrotados. Em 1968, o mundo se levanta em grandes mobilizações e exige mudanças radicais, ‘paz e amor’, em Nova York e Londres, bem como sexo, drogas e rock and roll, mas seu ideário não se concretizou.

            O ‘vem pra rua’ do Brasil não falou em mudança de sistema, não reivindicou a questão ambiental e, ao contrário da Europa, não pediu emprego, não propôs modelo a ser seguido. Negou os partidos, que foram proibidos até de participar; negou a corrupção, reivindicou melhorias no transporte coletivo e nas clássicas de todos os tempos: saúde e educação. Não entraram em detalhes, mas deixaram claro que querem mais democracia e participação nos destinos do País”.

(Soa a campainha.)

            O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT - AC) - “Luto por mudanças e pela construção de uma sociedade mais humana e solidária”.

            Sr. Presidente Renan, eu gostaria de pedir mais dois minutos para concluir, por favor.

            “Luto por mudanças e pela construção de uma sociedade mais humana e solidária, mas tenho dificuldade em acreditar na solidez e na continuidade histórica de um movimento que não parte de uma crítica consistente do modelo atual e numa proposta alternativa devidamente fundamentada”.

(Interrupção do som.)

            O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT - AC) - “Do mesmo modo, movimento sem líderes sérios, capazes de bem interpretar a conjuntura com responsabilidade e eficiência, pode se tornar massa sem rumo, podendo descambar para qualquer lado: rebelião sem causa e momentânea, moralismo ingênuo, anarquismo niilista.

            Tenho a impressão de que ‘a energia que está nas ruas’ precisa de projeto de sociedade e de líderes à altura desse momento histórico. Seus participantes não podem se sentir ‘puros’ e ‘imaculados’, imaginando-se como se estivessem inventando a roda e prescindindo da experiência de outras gerações. A negação dos partidos, a acusação generalizada da corrupção, como se todos fossem a mesma coisa, farinha do mesmo saco, é um erro”.

(Soa a campainha.)

            O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT - AC) - “É necessário distinguir o joio do trigo, pois, inevitavelmente, eles estão juntos. Logo, compreenderão que se não fizerem política, voltada para o exercício do poder como serviço ao povo, outros continuarão fazendo por eles, pois, para inventar uma nova sociedade e novas instituições, não escaparemos do fato de que a gestão do bem comum foi, é, e creio que será disputada por forças sociais com interesses divergentes, às vezes antagônicos, bem como a resolução dos problemas reais de transporte, saúde, educação, corrupção não é fácil; ao contrário, extremamente complexa e requer mais do que boa vontade”.

            Um minuto mais, Sr. Presidente.

(Interrupção do som.)

            O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco/PMDB - AL) - Senador Anibal, com a palavra V. Exª.

            O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT - AC) - “Lembro que os melhores teóricos do socialismo e aqueles que estiveram à frente de revoluções sempre disseram que o problema não é destruir as instituições existentes. Isso é fácil. Mais difícil é saber o que colocar no lugar, ou melhor, o que vai nascer em seu lugar.

             Lembro que os revolucionários franceses, em 1789, quebraram a cabeça com essas perguntas e foram à guerra civil até encontrar o seu formato. Os ‘manifestantes brasileiros’, se quiserem fazer uma revolução - a revolução dos computadores -, precisam mostrar que instituições querem construir. Na generalidade, somente reivindicações pontuais perpetuam o atual sistema. É preciso dizer o que se quer, qual o modelo de sociedade que se pretende organizar”.

(Soa a campainha.)

            O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT - AC) - Dessa forma, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acabo de ler esse artigo, escrito pelo Sociólogo e Prof. da Universidade Federal do Acre Nilson Mourão, para dizer que nós, Parlamentares, e nós, integrantes do Poder Executivo, temos a responsabilidade de conduzir o Brasil a bom termo.

            As vozes das ruas merecem ser ouvidas, mas elas precisam também ser filtradas e não podem ser objeto de atropelos e de projetos de lei que possam, inclusive, colocar em risco a saúde institucional do Brasil por conta desses movimentos.

            Respeitamos os movimentos e queremos encontrar respostas plausíveis para as reivindicações que são feitas, mas não podemos fazer nada no atropelo.

            Fica, então, a contribuição para os Anais do Senado desse artigo do ex-Deputado Nilson Mourão, que peço a gentileza, Sr. Presidente, de constar na íntegra.

            Sr. Presidente, só para concluir, peço a V. Exª a gentileza de pedir a publicação na integra do artigo que acabo de ler, de autoria do ex-Deputado Federal Nilson Mourão, sociólogo e professor da Universidade Federal do Acre e também suplente do Senador Jorge Viana.

            Muito obrigado.

 

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ANIBAL DINIZ EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

- “Povo nas ruas: revolução em marcha?”, artigo do Professor Nilson Mourão.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/07/2013 - Página 47696