Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a atual situação do Mercosul e lamento pela ausência de medidas para fortalecer o bloco na sua última reunião de cúpula.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações sobre a atual situação do Mercosul e lamento pela ausência de medidas para fortalecer o bloco na sua última reunião de cúpula.
Publicação
Publicação no DSF de 17/07/2013 - Página 47751
Assunto
Outros > MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, REUNIÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), DEBATE, INTEGRAÇÃO, MEMBROS, IMPORTANCIA, GRUPO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO, ECONOMIA NACIONAL, CRITICA, ESPIONAGEM, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CONCESSÃO, ASILO POLITICO, SENADOR, BOLIVIA, EMBAIXADA, BRASIL.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Exma Presidente em exercício desta sessão, Senadora Ana Amélia; Srªs Senadoras, Srs. Senadores, acompanhei, evidentemente muito de perto, até por conta de minha responsabilidade, designado que fui para presidir a Comissão de Relações Exteriores do Senado da República, a última Reunião de Cúpula do Mercosul, tema que tem sido muito debatido na Comissão de Relações Exteriores, por razões óbvias.

            A última Reunião de Cúpula contou com a presença de S. Exª a Presidente da República, a Presidente Dilma, e dos seus homólogos da Argentina, do Uruguai e da Venezuela.

            Como sabemos, nos dias que correm, a pauta da imprensa brasileira e da imprensa internacional esteve tomada por assuntos especialmente candentes e assuntos dinâmicos. Manifestações de protestos, espionagem internacional, o avião do Presidente Evo Morales interceptado, um crescimento econômico, não apenas em nosso País, mas um crescimento econômico tímido, não apenas no bloco, o Mercosul, mas também mundo afora, problemas com o câmbio desestabilizado, expectativas e ameaças em torno do retorno da inflação, mais uma revolução no Egito - depois de ter eleito um presidente, um ano depois, uma outra revolução. É natural que os resultados da Cúpula do Mercosul tenham naturalmente sido engolidos por esses acontecimentos todos, que tomaram conta da mídia nacional e da mídia internacional.

            Como sabemos, o Mercosul vinha sendo objeto, e ainda é objeto de críticas cada vez mais crescentes quanto à sua aparente incapacidade e escassa agilidade para situar-se de maneira mais adequada, veloz e competitiva neste mundo que emerge dessa crise internacional, mundo no qual conquistaram força o processo de negociação de acordos regionais - acordos regionais e acordos bilaterais - e a deliberação de liberalização comercial, com implicações diretas sobre a geopolítica dos tempos atuais.

            Para sintetizar essas avaliações, trago a reflexão da prestigiada jornalista econômica Miriam Leitão, em seu artigo do último dia 13 de julho - abro aspas:

O Mercosul, depois do salto no comércio logo após ser formado, está estagnado há dez anos como percentual da corrente de comércio do Brasil. Já foi 16% e agora é 9% [uma redução muito forte do percentual da corrente de comércio]. O principal problema do bloco é político. Os sócios entraram num beco sem saída com a suspensão do Paraguai e a entrada da Venezuela. A crise econômica da Argentina cria um impasse a mais.

O Mercosul limita o nosso comércio com o mundo e vive em crise.

            Vai adiante a jornalista Miriam Leitão:

Não se tornou o grande acordo da América do Sul, como sonhado, mas é um equívoco achar que só traz prejuízo. As exportações brasileiras aumentaram para os vizinhos, as relações econômicas [e políticas] se intensificaram, e a região é destino importante para nossos manufaturados.

            É sempre importante trazer à lembrança a reflexão, pelo grau de precisão, do ex-chanceler que afirmava que Mercosul não é opção, é destino para nós todos. Não é destino apenas para o Brasil, mas destino para os outros países que compartilham conosco dessa empreitada. Essa reflexão é do ex-Ministro Lafer.

            “Sem isso, nossa indústria teria definhado mais”, considerando que a Argentina é hoje o principal destino dos nossos manufaturados. Sem o mercado argentino, a nossa indústria de manufaturados exportadora teria ainda mais dificuldades, porque não estamos conseguindo - esta é a verdade - competir com os principais mercados do mundo. A Argentina é destino para aproximadamente 40% dos manufaturados brasileiros. Então, muito mais que problema, a Argentina e o Mercosul são solução, mas uma solução sobre a qual precisamos refletir; por que não conseguimos encontrar caminho, destino e porto seguro para os nossos manufaturados além dos nossos parceiros e aliados da nossa união aduaneira do Mercosul? A razão não é outra que não a ausência de competitividade para a indústria brasileira.

            Para mais adiante lembrar:

O Mercosul já foi mais importante para o Brasil. Em 1991 representava 8% da nossa corrente de comércio, ou seja, tudo que o Brasil importa e exporta. Em 1996, chegou a 16%. Depois foi perdendo, [foi se esvaziando, foi se desidratando]. Caiu para 9%, em 2003.

            Aquilo que já foi 16%, em 1996; em 2013, foi 9%, ou seja, a nossa corrente de comércio, que representa a troca de importados e exportados.

            “Com a Argentina, o Brasil tem tido problemas, inclusive quebra de contratos com empresas”, além de barreiras cada vez mais excessivas em torno de um protagonismo contra o qual nós não podemos deixar de protestar por ser absolutamente irracional.

Talvez a complacência do governo seja explicada pela venda de manufaturados [brasileiros]. De 2002 a 2012, cresceu de 8% para 22% a venda de manufaturados para o Mercosul, dentro do total desse tipo de produto exportado pelo Brasil.

            Ou seja, de cada US$10 que o Brasil exporta de manufaturados, pelo menos, US$2,5, portanto, aproximadamente 25% têm como destino os nossos parceiros do Mercosul. Daí a relevância e a importância do Mercosul para a indústria brasileira.

Enquanto isso, caíram as vendas dos industrializados no percentual das nossas exportações. Os produtos básicos subiram de 28% para 46%, e os manufaturados caíram de 54% para 37%.

            Isso tem atestado um desvio de comércio, sobretudo para a importação que os nossos parceiros do Mercosul, sobretudo a Argentina, fazem da China.

Tudo posto, o Brasil está numa situação difícil. Ligado a parceiros com problemas econômicos, num bloco estagnado no comércio e em [profunda] crise política.

            Pois bem, era de se esperar que a recente reunião de Cúpula do Mercosul pudesse tratar, pudesse refletir, pudesse sinalizar caminhos e alternativas com o peso político dos nossos quatro Presidentes, da urgente necessidade de o nosso Bloco oferecer respostas para os problemas e para os desafios que os nossos países enfrentam - incluído o Paraguai, cuja suspensão, conforme anunciado, no dia 12 de julho, será formalizada com a posse do novo governo em agosto próximo. Afinal, era a primeira cúpula deste lançamento desde a Aliança do Pacífico, às vésperas do início, enfim, das negociações da Parceria Transatlântica dos Estados Unidos com a União Europeia, das primeiras rodadas da Parceria Transpacífica, também liderada pelos EUA, porém com os países da Ásia, à exceção, pelo menos por ora, da China. Ou seja, a reflexão necessária relacionada a um impacto dessas novas alianças do Mercosul sequer foi tratada, ou se foi tratada, não há revelação de ordem pública de como o Mercosul pretende se portar, de qual será a nossa estratégia para que possamos romper e superar a inércia que tem caracterizado a evolução, nos últimos anos, do Mercosul.

            Na realidade, porém, não seria exagero afirmar que a Cúpula do Mercosul foi inteiramente capturada pela agenda política dos assuntos urgentes e imediatos, que nós, seguramente, também, consideramos relevante. Não sou ingênuo a ponto de supor que os quatro líderes pudessem, no encontro que coincidia com tantas crises e desafios, simplesmente ignorá-los para aterem-se, exclusivamente, à agenda econômico-comercial, da integração intra-bloco e das negociações extrarregionais.

            Claro que os quatro Chefes de Estado tinham, a meu juízo, a obrigação de aproveitar a oportunidade para fazerem os pronunciamentos que fizeram sobre espionagem internacional promovida pelos EUA, o asilo do Sr. Edward Snowden, o desvio do avião do Presidente da Bolívia. Contudo, o exame superficial da documentação oficial que resultou da Cúpula evidencia que Montevidéu, na semana passada, foi palco de conversações de natureza muito mais política que econômico-comercial, como se a agenda incompleta da integração e de nossas alternativas de inserção nas relações econômicas internacionais em fase de profundo redesenho e necessidade de afirmação pudesse ficar em segundo ou terceiro planos, como um tema acessório, considerando, evidentemente, que os temas políticos que dominaram a Cúpula do Mercosul foram temas importantes. Mas esses temas importantes não poderiam tê-lo excluído, porque os temas podem e devem ser tratados de maneira complementar, porque não são poucos os desafios do nosso Mercosul.

            Vale, aqui, destacar que a Cúpula dos Chefes de Estado aprovou quatro decisões presidenciais oficiais. Mais uma vez, todas importantes e inevitáveis, mas, talvez, apenas uma com implicação direta sobre o principal objeto do Mercosul, que é a integração econômica e a inserção do grupo no mapa-múndi do comércio e da economia mundial; por tudo que isso pode representar - e, seguramente, representa - para a produção de oportunidades, não apenas para os brasileiros, mas também para os empreendedores dos países que compartilham conosco o desafio de tornar o Mercosul um bloco mais ágil, que possa oferecer respostas que justifiquem a existência desse bloco. Trata-se de decisão que formaliza que a suspensão aplicada, em 2012, ao Paraguai será encerrada com a posse do novo governo, democraticamente eleito, prevista para 15 de agosto próximo.

            As outras três decisões presidenciais do Mercosul foram sobre “o reconhecimento universal do Direito de Asilo Político”, em defesa da observância de obrigações legais internacionais que deverão ser aplicadas ao Sr. Edward Snowden, já que um membro do Mercosul, por exemplo, a Venezuela, teria publicamente oferecido asilo ao norte-americano.

            Deixa, portanto, de ser até irônico que o Mercosul, ao qual está aderindo a Bolívia, publique decisão tão explícita de apoio ao instituto do asilo político, poucas semanas depois que o Senador boliviano Roger Molina completou um ano de permanência na Embaixada do Brasil em La Paz, ou seja, faz aquilo que mando, mas não faz aquilo que faço. Da mesma forma que eu quero conceder asilo político, eu não concedo salvo-conduto ao Governo brasileiro para que esse Senador, perseguido pelo governo boliviano, possa deixar La Paz e possa vir ao Brasil. Porque foi uma decisão do Estado brasileiro, Senador Paim, conceder asilo político ao Senador Roger Pinto, há mais de um ano instalado na chancelaria do Brasil em La Paz em condições subumanas.

            Ele não está na Embaixada, onde mora o Sr. Embaixador. Ele está em espaço restrito, na chancelaria, onde funciona o departamento consular da chancelaria brasileira.

            Decisão sobre repúdio à espionagem dos Estados Unidos contra países da América Latina, relativa ao escândalo mundial de atividades ilegais da Agência de Inteligência Nacional dos Estados Unidos, na interceptação de comunicações telefônicas via Internet, é tema inevitável, urgente, da maior relevância, sem dúvida.

            Porém, também, pela leitura que fizemos da imprensa brasileira de hoje, pode causar até algum aparente e irreal desconforto, porque tomamos conhecimento hoje, pela imprensa, somente hoje - o Ministério da Defesa faz nota pública, divulga, publica nota pública, anunciando -, que, em 2011, ao final de 2011, o Ministro Celso Amorim, em visita oficial a La Paz, teve o seu avião violado pelo governo da Bolívia, com a suspeição de que o Ministro Celso Amorim pudesse embarcar o Senador que está asilado em nossa chancelaria na Bolívia.

            Portanto, uma contradição profunda, porque nós fomos solidários à interceptação ao avião do Presidente Evo Morales, porque não se trata de uma violação apenas à pessoa do Presidente, que foi eleito democraticamente, mas uma violação a uma nação.

            Nós fomos, hoje, surpreendidos, por essa iniciativa condenável do governo boliviano de violar o avião da Força Aérea Brasileira, que é inviolável, pelos tratados e acordos internacionais. O avião da FAB foi violado com a suspeita de que, eventualmente, o Senador Roger Molina pudesse estar presente, ou seja, a mesma suspeita de que ele foi alvo, semanas antes, por parte de países europeus. Portanto, fica evidente essa contradição que nós estamos percebendo.

            Portanto, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao meu juízo, foi uma oportunidade perdida, uma reunião que deveria e poderia ir, à luz de todos esses acontecimentos, além das argumentações políticas e das notas que foram publicadas.

            Portanto, de maneira resumida, o que me parece é que nós perdemos uma extraordinária oportunidade. O Mercosul não é importante; o Mercosul é fundamental. Mas, os nossos chefes de Estado, a meu juízo, perderam uma excepcional oportunidade para reavaliar, para refletir os caminhos e as alternativas para o fortalecimento do Mercosul.

(Soa a campainha.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Eu creio que oportunidades como essas não podem ser desperdiçadas.

            Por isso faço aqui este registro, lamentando a ausência de notas ou a ausência de reflexões que pudessem nos levar a caminhos e alternativas que pudessem fortalecer o Mercosul por tudo o que representa, não apenas para nossa economia, mas também para a economia dos países que compartilham conosco esse bloco.

            Ressalto não apenas as preocupações econômicas, comerciais, mas também as agendas de integração no campo social, no campo cultural, por tudo o que nos une, inclusive a reflexão do papel do Brasil como país líder, como a maior economia do continente à luz daquilo que estamos observando, a divisão da América do Sul em dois países: a América do Sul do Atlântico e a América do Sul do Pacífico, quando os esforços deveriam, a meu juízo, ser na direção da unificação e do fortalecimento de nossa região.

            Muito obrigado, Srª Presidente.

            Muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/07/2013 - Página 47751