Discurso durante a 108ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da adoção do parlamentarismo como sistema de governo.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Defesa da adoção do parlamentarismo como sistema de governo.
Publicação
Publicação no DSF de 03/07/2013 - Página 41709
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • DEFESA, ADOÇÃO, MODELO POLITICO, PARLAMENTARISMO.

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Inicialmente, Senadora Vanessa Grazziotin, que preside esta sessão, meus agradecimentos pela cessão do seu espaço nesta tribuna para que dela possa fazer uso.

            Exmª Srª Presidenta desta sessão, Senadora Vanessa Grazziotin, Exmªs Srªs Senadoras, Exmºs Srs. Senadores, em meu primeiro ano de mandato nesta Casa, há seis anos, apresentei proposta de emenda à Constituição que institui o sistema parlamentar de Governo. A proposta encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça do Senado da República brasileira.

            Volto a este tema, Srª Presidente, num momento em que se discute a possibilidade de realização de um plebiscito popular para efetivar uma reforma política. Como disse em meu pronunciamento quando da apresentação da PEC, em 2007, sugerir e discutir uma proposta de adoção do parlamentarismo num momento em que o País aguarda há quase duas décadas a materialização de uma reforma política tão intensamente prometida, tão seguidamente discutida e tão ansiosamente esperada, como capaz de aprimorar nossa organização política, não me parece um ato gratuito.

            Hoje, diante do estado de efervescência popular por mudanças no sistema político e da possibilidade de um plebiscito ou mesmo de um referendo, esses fatores trazem obrigatoriamente para a agenda política a discussão e o aprofundamento sobre o primeiro e mais importante requisito para uma reforma política. Ou seja, que sistema de governo nós queremos? Essa é a pedra angular de uma verdadeira reforma política. Essa é a condicionante inicial a ser levada em conta. Da sua definição é que poderemos partir para o detalhamento do novo modelo de sistema partidário e eleitoral mais adequado para atender às demandas e aos anseios da sociedade brasileira. É o caminho mais recomendado, em que partimos do geral para o específico.

            Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não entro aqui na discussão da conveniência ou não de um plebiscito ou mesmo de uma alternativa a ele, que seria o referendo. O meu propósito não é, no momento, abordar a forma, mas, sim, o conteúdo e a oportunidade. Restrinjo-me, portanto, a defender que, frente à necessidade de uma reforma política, a primazia do debate recai preliminarmente na escolha do sistema de governo. E aqui não quero colocar essa definição baseada apenas na dicotomia presidencialismo versus parlamentarismo.

            Como é sabido, existem outras formas, outras derivações. Cabe a nós estudarmos os modelos, as peculiaridades e as subdivisões de cada um desses sistemas, para, numa conjugação racional de alternativas, chegarmos àquele que mais atenderá às vozes da população.

            Lembro que, desde o ano passado, tenho trazido a esta Casa, desta mesma tribuna, a preocupação com o esfacelamento das instituições, a crise entre os Poderes, o descrédito em relação à atividade política e que muito está relacionado às reivindicações e às justas reclamações da sociedade neste momento de mobilização e protesto.

            Toda essa crise, como venho prenunciando, acabou por nos levar à crise do modelo de democracia representativa ou, em outras palavras, ao fenômeno que denominei como o paradoxo da legitimidade versus credibilidade, em que há uma inversão de valores total da sociedade diante dos poderes dos órgãos e dos agentes públicos.

            A título de exemplo, basta citar a situação dos três Poderes da União, em que o Poder de maior legitimidade, sem nenhuma dúvida, pois 100% de seus integrantes são escolhidos pela população, no caso do Legislativo, é, hoje, o de menor aceitação popular. De outro lado, o Poder Judiciário, para cuja composição não há qualquer participação da sociedade, é que detém, no momento, a maior confiança da sociedade. Entre os dois, o Executivo, em que apenas parte de seus membros, os Chefes do Executivo, são eleitos e o restante dos integrantes, nomeados pelos titulares.

            Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quem sabe, agora, não chegou o momento de uma reflexão acurada, responsável e realista para começarmos a entender o que deseja a população brasileira? Mudança. Mudança.

            Quem sabe não é a hora de tentarmos mudar completamente o paradigma de uma autêntica reforma política, sem cair na velha tentação das costumeiras e oportunistas reformas eleitorais, e meramente eleitorais, meramente maquiagem eleitoral, de ocasião?

            Afinal, Srª Presidente, já demonstrei aqui, quando da apresentação da minha proposta de emenda constitucional, que, na realidade, nunca exercemos o parlamentarismo aqui no Brasil.

            Se, de um lado, no Império, a concentração do Poder Moderador e de Chefe de Estado na figura do Imperador acabou por torná-lo, na prática, o senhor de todas as decisões, de outro, a experiência de 1961-1962 foi tão somente um remédio paliativo e temporário para a crise política gerada com a renúncia de Jânio Quadros e a assunção de João Goulart, já que nem mesmo naquele modelo dissolver a Câmara o Presidente podia. Ou seja, em ambos os casos, o que se tinha era uma contrafação ou simulação do regime parlamentar.

            O fato, Srª Presidente, é que vislumbro no parlamentarismo a melhor opção. Se olharmos o panorama do mundo contemporâneo, constataremos que o presidencialismo é, cada vez mais, uma exceção no conjunto das nações. Nas antigas e amadurecidas democracias europeias, o sistema parlamentar é quase uma unanimidade. Não é sem razão que lá se encontram as nações mais prósperas da humanidade. Trata-se também de um regime em expansão na Ásia, como comprova sua consolidação em países como o Japão e a Índia. Até mesmo na China, com suas especificidades políticas e ideológicas, prevalece importante feição típica dos sistemas parlamentaristas: a clara divisão entre a chefia de Governo e a chefia de Estado.

            Ademais, defendo o parlamentarismo por entender que é a forma mais eficiente e moderna de trazermos o relacionamento político para um âmbito que não seja o da refrega constante entre o Legislativo e o Executivo, que gera os malefícios das crises de governabilidade, e, mais ainda, a subserviência do Parlamento em relação ao Governo, como sentimos, hoje com o desgastado, inconveniente e criticado “presidencialismo de coalizão”.

            A hipertrofia de um Poder, a centralização das decisões, os excessos burocráticos sob um só comando e a consequente letargia e paralisação da gestão pública, em que o discurso prevalece sobre as ações e os meios, sufocam os resultados; tudo isso está negativamente subentendido nas mensagens das ruas.

            Por isso, Srª Presidente, o parlamentarismo mostra-se como modelo ágil, eficaz e dinâmico tanto na Administração Pública como na superação das crises políticas e institucionais. Afinal, trata-se de um sistema de governo em que o princípio de pesos e contrapesos se opera sem traumas, ao contrário do que ocorre no presidencialismo clássico, de acordo com a modalidade de executivos fortes, em que esse recurso funciona não como moderador das crises políticas e administrativas, mas, ao contrário, como seu deflagrador.

            Somam-se a isso mecanismos do parlamentarismo que, além de amenizar as crises, estreitam a relação popular, a começar pela possibilidade de dissolução da Câmara e a convocação de novas eleições em momentos de instabilidade política e institucional.

            Teríamos ainda instrumentos da minoria como o voto de desconfiança construtivo, que pode dissolver o gabinete desde que a moção seja acompanhada de uma nova composição a ser eleita por maioria absoluta, bem como o voto de confiança para reafirmação do Conselho de Ministros. Tudo isso sem falar na possibilidade de queda do gabinete pela rejeição de medida provisória, instrumento típico do parlamentarismo, mas que, por esse recurso e pelas limitações para sua edição, seria utilizado com muito mais parcimônia do que hoje verificamos no presidencialismo de coalizão ou, como dizem muitos analistas, na ditadura de uma supermaioria.

            Além do mais, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o parlamentarismo permite muito maior controle da sociedade sobre o governo, por meio da constante presença do Chefe do Executivo chamado ao Congresso Nacional para, em audiências públicas, dar explicações sobre as políticas e as ações do governo. Com isso, reforça-se o chamado accountability, ou seja, a prestação de contas do governo para com a população, que pode se dar diretamente pela sua participação nessas audiências no Parlamento ou por meio de suas entidades ou seus representantes. Trata-se, na prática, da transparência da gestão pública, que tem sido tão demandada e citada nas manifestações em curso pelo País.

            Em suma - e este é o principal fator -, com o parlamentarismo é possível estabelecer uma maior proximidade com as ruas, com a sociedade, com o eleitor e suas demandas.

            Em suma, Srª Presidente, os movimentos populares estão nos mostrando, claramente, que eles são contrários, isto sim, ao sistema político em vigor que há décadas, temos que reconhecer, vem se isolando das forças sociais e, com isso, impedindo a materialização das reais expectativas da população.

            O que querem no fundo essas mobilizações é uma reforma completa desse sistema, para tornar, efetivamente, a ação política mais eficaz e transparente. Para tanto, não tenho dúvida, somente a adoção do parlamentarismo - e não de pequenas adaptações no sistema eleitoral - poderá viabilizar a profunda e necessária reforma política. E a chance - volto a defender - está no plebiscito sugerido pela Presidente da República. Creio até que bastaria uma preliminar, mas decisiva pergunta ao eleitor: "Você é a favor da mudança para o parlamentarismo no sistema de governo?". De posse do resultado, o Congresso Nacional, dentro de suas prerrogativas constitucionais, desdobraria as regras necessárias e completaria a reforma política de acordo com a decisão e a vontade dos eleitores brasileiros.

            Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho plena convicção também de que uma reforma política, ainda que paradigmática em termos de alteração do sistema vigente, não será suficiente para atender à totalidade das demandas da sociedade, se não for, paralelamente, acompanhada de uma autêntica reforma administrativa nos três níveis dos Poderes, particularmente no âmbito do Executivo, e em todos os entes da Federação, a começar pela redução de ministérios, órgãos públicos e cargos comissionados. Assim, o que se vislumbra das ruas é uma máquina administrativa estável, onde prevaleça o mérito, uma máquina mais enxuta e capaz de oferecer uma gestão de governo ágil, eficaz, transparente e sensível na prestação dos serviços públicos, independentemente do governo que se instale.

            Por fim, Srª Presidente, no que tange às possibilidades de aprovação do parlamentarismo, a evolução dos dados dos dois últimos plebiscitos, em 1963 e 1993, leva-nos à conclusão de que, em 30 anos, aumentou o apoio à opção parlamentarista e diminuiu a preferência pelo presidencialismo, enquanto mais do que triplicou a proporção dos indecisos e indiferentes. Os dados indicam ainda que uma consistente e sistemática campanha de esclarecimentos terminaria por criar maior oportunidade de uma possível vitória, 20 anos depois, em 2013, do parlamentarismo, pelo voto popular, se confirmada essa tendência constatada.

            Era o que tinha a dizer, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/07/2013 - Página 41709