Discurso durante a 123ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre a má articulação feita entre a Presidência da República e sua base de apoio no Congresso Nacional.

Autor
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Comentários sobre a má articulação feita entre a Presidência da República e sua base de apoio no Congresso Nacional.
Publicação
Publicação no DSF de 06/08/2013 - Página 51175
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, FALTA, ARTICULAÇÃO, RELAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) -Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de registrar, inicialmente, minha querida amiga, Senadora Ana Amélia, fato para mim muito auspicioso: é que, muito frequentemente, V. Exª e eu tratamos, quase sempre na mesma sessão, de temas convergentes, muitas vezes idênticos ou semelhantes - V. Exª, evidentemente, com muito mais brilho do que eu.

            Hoje, a esse coro de duas vozes somou-se uma terceira voz, que é a do Senador Figueiró, que também tratou do tema do veto aposto pela Presidente Dilma Rousseff ao projeto de lei que extinguia o adicional de 10% sobre a multa do FGTS.

            Venho à tribuna hoje, Sr. Presidente, para tratar desse assunto momentoso referente aos vetos, que agitou a crônica política durante o recesso: uma quantidade grande de vetos presidenciais, comunicados ao Congresso Nacional, contrariando decisões que haviam sido adotadas por ampla maioria, algumas por unanimidade, pelas duas Casas do Congresso Nacional, e que receberam veto, muitas vezes veto total, da Presidente da República.

            Teremos,conforme nos lembrou a Senadora Ana Amélia, a partir do próximo dia 20, o início de uma nova etapa nos nossos costumes legislativos: apreciaremos os vetos, coisa que deveríamos fazer rotineiramente, uma vez que é atribuição do Congresso Nacional deliberar e dar a última palavra no processo legislativo, no caso de projetos de lei e projetos de lei complementar.

            Mas o fato é que, a partir de uma crise política entre o Governo e a sua maioria parlamentar, mais uma, ocorrida no início do ano a respeito do veto da Presidente da República a uma lei aprovada pelo Congresso estipulando nova regra de distribuição dos royalties do petróleo, a partir da crise gerada pelo exame desse veto, que ensejou, inclusive, a intervenção do Poder Judiciário sobre o tema da ordem cronológica da votação dessas matérias, criou-se um ambiente no qual o Presidente da Câmara e o Presidente do Senado adotaram a resolução de cumprir a Constituição: veto comunicado ao Congresso, ao Presidente do Senado deve ser apreciado no prazo de 30 dias, sob pena do trancamento da pauta das deliberações do Congresso Nacional - entendido aí como o conjunto das duas Casas. E matérias relevantíssimas - créditos, Orçamento, Lei de Diretrizes Orçamentárias, Plano Plurianual - terão sua tramitação suspensa enquanto houver vetos pendentes de deliberação, depois de esgotado esse prazo.

            É uma revolução da responsabilidade legislativa, da responsabilidade do Congresso Nacional na elaboração de leis e da responsabilidade da Presidente da República como participante do processo legislativo, pois é preciso lembrar aquilo que nós Senadores já sabemos, mas é preciso insistir na lembrança de que o Presidente da República no nosso sistema constitucional não é personagem alheio ao processo legislativo. Muito pelo contrário, ele é personagem ativíssimo, tem funções relevantíssimas, a começar pela iniciativa exclusiva, privativa dele em determinadas matérias, no amplo leque de matérias da mais alta importância para a vida do País.

            O Presidente da República dispõe do poder de conferir, por decisão sua, urgência a projetos de sua iniciativa. O Presidente da República detém a prerrogativa de editar medidas provisórias com eficácia imediata, a partir da sua publicação, sobre matérias que ele considere urgentes e relevantes. Mas, além do aspecto constitucional, da função do Presidente e da Presidente, que vai da iniciativa legislativa ao veto, o Presidente da República dispõe de instrumental político imenso em suas mãos para conduzir o processo, para influenciá-lo, para dar-lhe rumo. Faz parte das funções da liderança própria da Presidência da República liderar o País e também o Congresso Nacional, uma vez que dispõe de maioria para poder governar - uma maioria que não deve servir apenas para barrar as iniciativas da Oposição, como é o caso atual.

            A maioria atual hoje é apenas utilizada pelo Governo para barrar iniciativas da Oposição, só para isso. No que diz respeito à atividade legislativa, o Governo ignora sua maioria. Parece estranho dizer isso, dado o número muito alto de aprovação de matérias de iniciativa do Executivo. Mas o fato é que o Governo não leva em conta a sua base parlamentar, e sua maioria no próprio processo de elaboração das leis. Quer apenas que a sua maioria chancele as suas iniciativas, que acompanhe as suas decisões pacificamente e aprove, sem tugir nem mugir, aquilo que o Presidente - a Presidente, no caso - decide.

            Muitas vezes existem aqui no Congresso certos ensaios de autonomia por parte da Base parlamentar do Governo. Quantas vezes nós já não vimos emendas apresentadas a medidas provisórias, que, aliás, já tem sido regra, por integrantes da maioria, que detêm também a maioria nas Comissões Mistas, acrescentando temas àqueles que inicialmente suscitaram a edição da medida provisória. São os chamados penduricalhos, em que, mediante emendas parlamentares, se acrescentam matérias àquelas que inicialmente suscitaram a edição da medida provisória, inclusive para burlar a iniciativa legislativa, prevista na Constituição.

            Quantas e quantas vezes não vimos governistas graúdos, importantes, pessoas de grande relevo no governismo à frente dessas iniciativas, presidindo comissões mistas ou relatando projetos de lei de conversão. As medidas provisórias tramitam, os projetos convertem-se em projetos de lei, são encaminhados ao Congresso, à Presidência da República, dão ensejo a celebrações aqui no plenário, todos falam a favor, grandes avanços políticos, e a Presidente vem e veta.

            Será que não ocorre à Presidente da República em nenhum momento mandar um sinal para a sua Base parlamentar e para os seus Líderes, para prevenir, a tempo, sobre a sua desconformidade, sobre o seu inconformismo com as iniciativas que vicejam na Casa? Não há a menor preocupação da Presidente da República em deter, a tempo, uma iniciativa inconveniente, que ela considere contrária ao interesse público, para que depois não venha a frustração do veto? Não cogita a Presidente da República em mandar sequer um e-mail, um torpedo no telefone celular de seus Líderes? Não cogita a Casa Civil de acionar os seus competentes assessores, pois há competentes assessores - e muitos competentes assessores do Governo aqui -, para que alertem os Líderes e os parlamentares governistas de que aquela iniciativa vai se esboroar, vai se chocar contra o veto da Presidente da República? Não!

            A Presidente faz de conta que desconhece a vida própria do Congresso Nacional; faz de conta que aquilo que se passa aqui dentro - discussões, debates, a interpretação por meio de emendas de projetos de lei, do que sejam anseios da sociedade e do movimento vivo - faz parte da dinâmica das instituições. A Presidente não leva isso em conta. Deveria levar, não necessariamente para aprovar, mas para dizer francamente: olha, esse projeto de lei é inconstitucional, papiloscopista é matéria que só pode ser decidida pelos Estados; carreira de papiloscopista é matéria de competência legislativa dos Estados.

            Não teve a Senhora Presidente tempo para alertar os parlamentares governistas entusiastas pela aprovação do chamado Ato Médico, de que havia determinados assuntos, naquele projeto de lei, que, no entender dela, Presidente da República, eram contrários à sua concepção de funcionamento ideal do Sistema Único de Saúde - razões que ela, depois, expôs ao vetar vários dispositivos do projeto por interesse público?

            E quando aqui se celebrou a transformação de permissões municipais para táxis em concessões hereditárias? Lembram-se V. Exªs das celebrações ocorridas no plenário. Os Líderes do Governo disseram alguma coisa? Alertaram seus colegas? Alertaram o relator da medida provisória em que essa matéria foi incluída, o Líder do PMDB, Eunício Oliveira, de que essa medida seria vetada pela Presidente da República, para que ele, pelo menos, tivesse condições de, tomando consciência da objeção da Presidência da República, procurar a Casa Civil, procurar a própria Presidente e discutir com ela sobre o mérito da sua iniciativa? Não.

            E a anistia dos funcionários dos Correios que haviam sido punidos em razão de greve? O projeto tramitou, no Congresso, durante 12 anos. A lei foi de iniciativa de uma atual Ministra, Maria do Rosário. Os relatores, nas comissões técnicas a que foi submetido o projeto, antes de chegar ao plenário, tanto da Câmara quanto do Senado, eram do PT. Galeria cheia. Somente na hora da votação é que representantes do PT - que, seguramente, durante esses 12 anos, fizeram campanha eleitoral, junto aos punidos por greve nos serviços dos Correios, prometendo-lhes a anistia -, apenas alguns desses Senadores, aqui se levantaram para alertar para a inconveniência do projeto, dado o seu custo financeiro, aparentemente exorbitante. Digo “aparentemente” porque, dentro da bancada do PT, havia quem sustentasse - lembro-me do Senador Humberto Costa - que essa anistia custaria 1,5 bilhões, coisa desse nível; ao passo que outro Senador do mesmo PT, o Senador Paulo Paim, com dados do Governo Federal, da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, apontava um número cinco, seis vezes menor. Alias essa discussão ocorreu no mesmo dia que o governo aprovou anistia para ditaduras africanas corruptas, eivada de interesses injustificáveis.

            Será que em nenhum momento a Casa Civil, a Presidente da República, não se lembrou de que existe o Parlamento e que o Congresso tem vida, e é o objeto de disputa, é alvo de pressões e que essas pressões, muitas vezes, se transformam em iniciativas legislativas?

            Poderia, meus caros colegas, me estender sobre tantos temas. MP dos Portos. Foi feito acordo num determinado dispositivo para pacificar, não diria o PMDB, mas o Líder do PMDB na Câmara, a respeito da exigência de licitação para novos terminais portuários. Um acordo parlamentar! Esse dispositivo foi vetado pela Presidente da República, o acordo descumprido. E, hoje mesmo, Senador Figueiró, Senadora Ana Amélia, V. Exª, Sr. Presidente, todos se referiram ao veto, ao projeto de lei que abolia este adicional de 10% à multa do FGTS, criado para atender conjuntura de momento, já superada. A aprovação desse projeto resultou de acordo parlamentar, de que participaram os Líderes do Governo, e a Presidente vetou.

            Fala-se, Srs. Senadores, da desarticulação política do Governo, como se tudo fosse uma questão técnica de articulação política. Não é. Na verdade, é falta de governo. Na verdade, é falta de governo!

            Eu acabei de ler, em nome da Presidência, exercendo fortuita e brevemente a Presidência da Casa, comunicação de que a Medida Provisória 612, que tratava, entre outras coisas, do regime jurídico dos chamados portos seco, havia caducado, por ter ultrapassado já o prazo de vigência que a Constituição estipula para a sua validade. Vejam a gravidade do fato: a Presidente da República, diante de determinado assunto, considera que estamos diante de algo de uma relevância tal, de importância e urgência que não poderia ser tratado pelo processo legislativo normal, e encaminha para cá, para o Congresso, uma medida provisória, com vigência imediata. A Presidência da República dispõe, na Câmara dos Deputados, por baixo, de 450 Deputados a seu favor; e, no Senado, de 60 Senadores. Portanto, uma amplíssima maioria.

            O que acontece com essa medida julgada urgente e relevante a tal ponto de suscitar, por parte da Presidência, algo que deveria ser, digamos, excepcionalíssimo: a edição de uma medida provisória? A MP vem para cá e perde a eficácia. Por quê? Porque o Governo se desinteressa. O Governo adota medidas e depois se desinteressa pelos seus destinos.

            Eu tive, aqui, há pouco tempo, a oportunidade de fazer um levantamento, Sr. Presidente, das medidas provisórias que tiveram igual destino da Medida Provisória 612, que são proposições enviadas ao Congresso Nacional, das quais o Governo se desinteressa, e elas morrem. Morrem por culpa da oposição? Somos nós a obstruir essa matéria? Não! É o Governo que se desinteressa, é o Governo que não impulsiona a sua Base parlamentar, o Governo que não lidera, o Governo que não governa.

            O ex-Governador Serra escreveu, há pouco tempo, um artigo brilhantíssimo no jornal O Estado de S. Paulo, em que ele dizia: “Olha, o ideal seria termos um bom governo, mas, na falta de um bom governo, nós precisamos de um governo qualquer. Precisamos que haja governo!”

            E estou me referindo à relação da Presidente da República com o Congresso Nacional, como poderia me referir a tantos outros domínios da atividade governamental do Brasil: a energia, o transporte, as licitações das concessões de rodovias, cujas regras mudam a cada semana. A cada semana, se cogita de uma nova TIR (Taxa Interna de Retorno).

(Soa a campainha.)

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - As colisões frequentes entre as projeções róseas do Ministro da Fazenda e o realismo duro do Banco Central. Iniciativas da Presidente da República que são tomadas e que depois morrem de morte morrida, não de morte matada, como, por exemplo, o recente programa de acolhimento de pessoas viciadas em crack, a criação de leitos especiais para essas pessoas. Depois de um grande estardalhaço no seu lançamento, o resultado é praticamente nulo.

            A reforma do ICMS. Vamos acabar com a divergência das alíquotas. Vamos encaminhar para a unificação das alíquotas do ICMS para acabar com a guerra fiscal. O que aconteceu com essa iniciativa? Morreu, acabou. E assim é o governo da Presidente Dilma Rousseff.

            Srs. Senadores, quero dizer a V. Exas que vejo a situação do Brasil, hoje, com enorme preocupação, porque os problemas se acumulam sem solução na economia; os serviços públicos, pela sua ineficiência e precariedade, cada vez mais revoltam o sentimento de uma população que está mais informada e exigente; e, no mundo político, aquela entidade que deveria, pela sua função constitucional e política, pela relevância e repercussão na mídia, pela sua função pedagógica, que é a Presidência da República, tem o seu prestígio - a sua autoridade mais do que o seu prestígio - em queda livre.

            Não temos hoje um governo à altura das nossas necessidades. Não temos sequer um governo que desafie a argúcia da oposição no debate parlamentar, porque os Líderes do Governo, raramente, falam em nome do Governo nas matérias legislativas. Seria por incompetências deles? Não, são Líderes competentes, atuantes, experientes. Seria por falta de assessoria? Não, o Governo tem uma assessoria invejável em todas as áreas do Governo. Assessores que, muitas vezes, assistem constrangidos ao desenrolar dos acontecimentos porque não têm dos seus superiores hierárquicos, que ficam do outro lado da Praça dos Três Poderes, orientação para intervir e para levar aos Parlamentares governistas a posição da Presidência da República.

            Infelizmente, não temos governo. Essa é que é a realidade dos fatos. Infelizmente, as eleições ainda estão muito longe.

            Apesar de a Presidente e de seu mentor político, Lula, terem antecipado o calendário, infelizmente é muito tempo para ficarmos sem governo.

            Espero, Sr. Presidente, sinceramente, que a Presidente da República acorde e assuma as suas responsabilidades, porque o que está em jogo é o nosso País.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/08/2013 - Página 51175