Discurso durante a 126ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso dos sete anos de vigência da Lei Maria da Penha.

Autor
Vanessa Grazziotin (PCdoB - Partido Comunista do Brasil/AM)
Nome completo: Vanessa Grazziotin
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO.:
  • Registro do transcurso dos sete anos de vigência da Lei Maria da Penha.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2013 - Página 52319
Assunto
Outros > FEMINISMO.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO, PROMULGAÇÃO, LEI FEDERAL, LEI MARIA DA PENHA, COMENTARIO, HISTORIA, CRIAÇÃO, LEGISLAÇÃO.

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Governo/PCdoB - AM. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srª Senadora, companheiros e companheiras.

            Um abraço a essa meninada, os estudantes da rede pública que, nesse momento, fazem uma visita ao Senado Federal, numa aula de cidadania, e isso é muito importante. Espero que, daqui a alguns anos, alguns ou algumas de vocês estejam representando o povo brasileiro aqui no Parlamento federal.

            Sejam todos e todas muito bem-vindos.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, ontem, dia 7 deste mês de agosto, ouvimos vários pronunciamentos acerca dos sete anos da existência e da promulgação da Lei nº 11.340, a Lei Maria da Penha.

            Eu, que por uma série de razões não pude vir à tribuna no dia de ontem, venho hoje também para falar a respeito desta data muito importante para o Brasil e, sobretudo, para as mulheres brasileiras, visto que o Brasil inteiro e, particularmente, as mulheres se mobilizaram para ver aprovada efetivamente a Lei Maria da Penha, que estabeleceu uma série de mecanismos para coibir, para diminuir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

            Essa lei, Sr. Presidente, como se sabe, representa um marco muito importante no nosso arcabouço jurídico e principalmente na luta das mulheres para reverter o padrão de desigualdade entre os gêneros e a sua situação de vulnerabilidade, notadamente no âmbito doméstico.

            Infelizmente, muitos, à época, questionavam a real necessidade de uma legislação que tratasse de forma específica a violência doméstica contra as mulheres. Com o passar do tempo - são sete anos já de promulgação da lei, de vigência da lei -, temos todos a clareza, não só no Brasil, mas também no mundo inteiro, da importância desta lei específica que trata especialmente da violência doméstica.

            Os lares e as casas dos brasileiros e das pessoas no mundo inteiro geralmente são considerados os lugares mais seguros, onde as pessoas se sentem protegidas, onde as pessoas se sentem abrigadas não só pelo carinho e pelo amor de seus parentes e familiares, mas principalmente porque vivem no seu próprio ambiente. Infelizmente, grande parte da violência sofrida pelas mulheres, hoje, vem de dentro da própria casa, e aqueles que promovem esse ato criminoso, violento, em geral, são maridos, companheiros, pais ou namorados, muitas vezes pessoas de um relacionamento muito próximo e íntimo com as mulheres.

            Então, Sr. Presidente, é muito importante que possamos fazer um balanço, mesmo que breve, desses sete anos de existência da Lei Maria da Penha.

            Ontem, eu tive a alegria de fazer um aparte à Senadora Ana Rita, que fez um belíssimo pronunciamento acerca da matéria. Não apenas eu aparteei, mas também a Senadora Lídice da Mata e outras Senadoras presentes no plenário.

            O importante é que a Senadora Ana Rita não apenas fez um balanço da Lei, mas também destacou questões importantes relativas às conclusões da CPMI, uma comissão mista de Deputados e Senadores, que tratou da violência contra as mulheres, sobretudo no que diz respeito à necessidade de aprovarmos alguns projetos de lei apresentados pela CPI para atualizar ou clarear ainda mais os termos da Lei 11.340, que é a Lei Maria da Penha, e novas proposituras de outras leis que ajudem não só no combate, mas principalmente na prevenção da violência sofrida pelas mulheres.

            O nome pelo qual se tornou conhecida a Lei nº 11.340 - Maria da Penha - refere-se, Sr. Presidente, a uma farmacêutica cearense, que lutou, bravamente, por 20 anos - 20 anos - para ver preso o seu agressor, que nada mais era do que seu próprio marido.

            Casada que era com o professor universitário Marco Antônio Heredia Viveiros - e, veja, a violência não escolhe classe social, a violência não escolhe idade; atinge a todos, de forma indistinta, infelizmente -, ela sofreu uma tentativa de assassinato e ficou paraplégica, em 1983, quando levou um tiro nas costas enquanto dormia, indefesa. Dormindo, levou um tiro nas costas. Tempos depois, já usando cadeira de rodas, sofreria uma segunda tentativa de assassinato, quando seu marido tentou eletrocutá-la no chuveiro.

            O agressor, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, somente foi a júri oito anos depois dos crimes, mas seus advogados conseguiram anular o julgamento. Condenado uma segunda vez, conseguiu recorrer e, após 15 anos das agressões, a Justiça brasileira ainda não havia punido Viveiros, apesar do seu empenho e apesar do empenho da vítima, que é Maria da Penha, e das pressões internacionais. Somente no ano de 2002, o agressor seria preso e ainda assim para cumprir somente dois anos de reclusão.

            A Organização dos Estados Americanos, que acatara a denúncia de violência doméstica à época, Sr. Presidente, condenou o Brasil por omissão e negligência e reconheceu recomendando que fosse criada uma legislação específica para esse tipo de delito.

            Finalmente, no ano de 2006, a Lei Maria da Penha entraria em vigor, coroando uma série de normas legais que têm por objetivo proteger as mulheres e outros grupos vulneráveis da nossa sociedade.

            Essas mudanças ocorreram especialmente após a promulgação da Constituição de 1988, que viabilizou o surgimento de leis tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Igualdade Racial.

            É importante observar, em relação às mulheres, a existência de vários dispositivos que já consagravam os seus direitos.

            É o caso, por exemplo, das Leis nº 8.072, de 1990, e 8.930, de 1994, que acrescentaram ao rol dos crimes inafiançáveis o estupro e o atentado violento ao pudor. É o caso, também, da Lei nº 10.224, de 2001, que tipificou o crime de assédio sexual; da Lei nº 10.455, de 2002, que permitiu aos juízes, por meio de medida cautelar, determinar o afastamento do agressor dos locais de convívio com a vítima. Destacamos, ainda, a Lei nº 10.714, de 2003, que criou os serviços telefônicos para denúncias de violência contra a mulher; a Lei nº 10.788, de 2003, que tornou compulsória a notificação de casos de violência contra as mulheres; e a Lei nº 10.862, de 2004, que tipificou a violência doméstica.

            Nesse contexto, a Lei nº 11.340, de 2006, que completou ontem sete anos de vigência, ou Lei Maria da Penha, como é conhecida no Brasil inteiro e mundialmente, representa um aprimoramento desses dispositivos anteriores aos que acabei de me referir, mas voltada especialmente para a violência doméstica, aí incluídas a violência física e sexual, a violência psicológica e a violência patrimonial.

            Todas essas leis, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, objetivam dar maior segurança às mulheres, que vivem uma condição de vulnerabilidade numa sociedade que tradicionalmente marginaliza as minorias. No caso, nós mulheres não somos minorias, mas assim somos tratadas porque a sociedade, infelizmente, ainda vive sob uma cultura que considera a mulher um ser inferior aos homens, e os homens no geral consideram-se proprietários das mulheres.

            Os números, Sr. Presidente, confirmam essa condição: em 1980, 2,4 mil mulheres eram assassinadas em cada grupo de cem mil, de acordo com o Mapa da Violência; em 2010, essa taxa saltou para 4,6 mil assassinatos de mulheres no mesmo contingente, ou seja, para cada grupo de cem mil habitantes. O que configura um aumento de 230%.

            O Mapa da Violência de 2012 constatou ainda que, nos casos de homicídio, 41% das mulheres são assassinadas em casa, enquanto entre os homens esse percentual, essa taxa é de somente 14,3%. E, aqui, corrijo, retirando a expressão “somente”, para infelizmente 14,3%, mas muito abaixo dos 41% de assassinatos de mulheres dentro das suas próprias casas.

            Ainda de acordo com o mesmo Mapa da Violência referente a 2012, os agressores típicos das mulheres, durante a infância e a adolescência, são os próprios pais - no caso, pai e mãe; na juventude e idade adulta, o agressor típico passa a ser o namorado ou o ex-namorado, o cônjuge ou o ex-cônjuge.

            Outro dado significativo do Mapa, Sr. Presidente, é o fato de 51% das mulheres serem agredidas repetidamente. Ou seja, a mulher não sofre apenas uma agressão, ela sofre várias agressões.

            A Lei Maria da Penha veio para mudar esse cenário, embora ainda enfrente muitas limitações. De fato, logo após sua promulgação, os assassinatos de mulheres caíram de forma expressiva; entre os anos de 2006 e 2007, retornaram a patamares anteriores e, a partir de 2008, também houve uma queda significativa.

            Esses levantamentos, entretanto, não devem ser interpretados como ineficácia da Lei Maria da Penha, Sr. Presidente, que, aliás, é conhecida pelos brasileiros em todos os recantos do País.

            Tenho dito, e o faço com muita segurança, que uma das leis mais conhecidas no Brasil, uma das leis mais populares, é a Lei Maria da Penha. Eles demonstram, mais claramente, que para incrementar sua efetividade as instituições precisam contar com melhor infraestrutura, apoio político e principalmente recursos orçamentários. Porque a Lei Maria da Penha, Sr. Presidente, não tem o mérito apenas por ser uma lei punitiva, não. É uma lei punitiva, mas que trabalha também na prevenção da violência, procura atuar na prevenção da violência. E, quando atua na prevenção, trabalha todos os atores envolvidos na violência, a familia toda desde as vítimas até o agressor ou as pessoas que têm um convívio diário com a vítima, no caso, os filhos, as crianças, as famílias. É isso o que preconiza a Lei Maria da Penha.

(Soa a capainha.)

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Governo/PCdoB - AM) -Portanto, para que ela tenha a efetividade que determina o seu texto legal, é preciso que conte com uma eficiente infraestrutura, que conte com recursos orçamentários, que conte com pessoal preparado não apenas no Poder Judiciário, mas também no Poder Executivo de todos os níveis.

            Nesse aspecto, quero aqui cumprimentar a Presidenta Dilma Rousseff que, em 8 de março deste ano, juntamente com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, a Ministra Eleonora, lançou um programa de que em cada Estado brasileiro, em cada capital do Estado brasileiro, por convênio entre o governo estadual e o Governo Federal, será construída uma casa de abrigo, uma casa de apoio às mulheres vítimas de violência, Sr. Presidente.

            Para concluir o meu pronunciamento, quero lamentar um fato recente que ocorreu no Brasil. Não poderia deixar de falar, comemorando os sete anos da Lei Maria da Penha, do caso da Srª Luana Piovani em relação ao Sr. Dado Dolabella. É um caso extremamente emblemático, não porque trata de duas pessoas conhecidas pelo povo brasileiro, que têm como profissão artistas e por isso mesmo são conhecidas, não! Mas o caso é emblemático pelo seu conteúdo, pelo seu conteúdo. A atriz foi agredida pelo ator, quando na época os dois eram namorados, no ano de 2008. A ocorrência foi registrada por ela, agredida, na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher. E a investigação prosseguiu no 1º Juizado de Violência Doméstica Familiar contra a Mulher, onde Dolabella foi condenado; repito, foi condenado, no 1º Juizado de Violência Doméstica Familiar contra a Mulher, no Estado do Rio de Janeiro, a dois anos e nove meses de prisão, em regime aberto. Mas foi condenado. Tendo, entretanto, o condenado recorrido ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, aquela Corte entendeu - o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - que a Justiça Especializada não tinha competência para julgar a denúncia, determinando a remessa dos autos para a 27ª Vara daquela Capital. O que fez com que ele fosse absolvido, Sr. Presidente.

            Ora, acabei de falar, a Lei Maria da Penha trata da violência doméstica. O que vêm a ser relações de namorados? São relações domésticas. O caso está no STJ, Sr. Presidente, no Superior Tribunal de Justiça.

            Eu não tenho dúvida nenhuma de que o Senado Federal, por meio da Procuradoria que eu coordeno, e a Câmara dos Deputados, por meio da secretaria - porque agora a Câmara transformou as suas estruturas numa secretaria da Casa, juntou a Procuradoria com a Coordenação da Bancada Feminima e aí criou a Secretaria da Mulher na Câmara -, em conjunto, agiremos ao lado do ministério da Secretaria de Políticas para as Mulheres, ao lado de todas as entidades, para não permitir o retrocesso na Lei Maria da Penha . E não permitir que esse julgamento continue anulado, conforme fez o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

            Porque defender uma lei, Sr. Presidente, é defendê-la na íntegra. E não existe forma melhor de defender do que nos casos específicos. No passado, tivemos um grave problema...

(Soa a campainha.)

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Governo/PCdoB - AM) - Já concluo, Sr. Presidente.

            Tivemos um grave problema, agimos e conseguimos reverter. E o Supremo se manifestou no caso, dando vitória às mulheres brasileiras.

            Portanto, é claro, com muita tristeza, porque ainda é forte, é elevado o número da violência sofrida pela mulher, mas não podemos deixar de comemorar que o Brasil dispõe de uma legislação que é das melhores do mundo de combate e prevenção a essa violência que, infelizmente, vitima tantas mulheres em nosso País, Sr. Presidente.

            Muito obrigada.

            Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2013 - Página 52319