Discurso durante a 126ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relato de processos judiciais sofridos por S. Exª e preocupação com uma possível judicialização da política.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Relato de processos judiciais sofridos por S. Exª e preocupação com uma possível judicialização da política.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2013 - Página 52360
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • CRITICA, DEMORA, JULGAMENTO, PROCESSO JUDICIAL, POLITICO, NECESSIDADE, AGILIZAÇÃO, MELHORIA, VIDA PUBLICA, PAIS.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Governo/PSB - AP. Sem revisão do orador.) - Senador Cristovam, obrigado por suas palavras. A verdade é que é a história de um tempo em que nós éramos “caçados”, com “ç”. Os que se opunham eram caçados, colocados na prisão e desaparecidos. Nós temos inúmeras histórias de brasileiros que até hoje não conseguimos localizar para saber o que lhes aconteceu. Enfim, é uma história de um tempo que nós queremos ver cada vez mais distante e que nunca mais volte.

            Mas, Sr. Presidente, Senador Cristovam, na verdade, venho à tribuna a poucos minutos de pegar um voo para Aracaju, onde participo, amanhã, de um seminário promovido pela Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo, com o Presidente, Senador Valadares.

            Mas eu gostaria de me manifestar aqui da tribuna a respeito de uma importante manifestação que ocorreu aqui, esta semana, envolvendo o Senador Alfredo Nascimento.

            Na terça-feira, o Senador usou da tribuna e fez um discurso transbordando felicidade, em função de que, depois de dois anos submetido a suspeitas, finalmente, a Procuradoria Geral da República o declarou inocente. Mas ele sofreu um processo de linchamento público naquele momento em que deixou o Ministério dos Transportes. Dois anos depois, depois de investigações realizadas, chegou-se à conclusão de que o Senador Alfredo Nascimento nada tinha a ver e que era inocente.

            Também tenho outro caso emblemático, que é o caso de V. Exª, Sr. Presidente, Senador Cristovam. Nesta semana, também, o STJ reformou uma decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em que V. Exª foi condenado por ter mandado fazer dois mil CD-ROMs, numa época em que essa tecnologia ainda estava iniciando, para prestar contas do seu governo. V. Exª passou 18 anos com essa condenação. Tivemos a oportunidade de conversar sobre elas, até porque eu tenho uma cronologia de acusações e poucas condenações, mas muitas acusações, e passei também por processo de linchamento público. Finalmente V. Exª termina sendo declarado inocente pelo Superior Tribunal de Justiça, mas se passaram 18 anos. E justiça que tarda não é justiça; é injustiça. A justiça não pode deixar ninguém sob suspeita durante tantos anos.

            O problema não é ser acusado ou responder a um processo, é que esses processos não têm fim, duram praticamente uma geração. Imaginem, 1995 quando V. Exª foi acusado, e só em 2013 é que se chegou a uma conclusão. E depois, como é que se responde a essa desconstrução de imagem pública que os adversários usam e abusam com essas acusações infundadas?

            Fiz referência a V. Exª e o caso do Senador Alfredo Nascimento, e fico muito feliz que essas coisas se esclareçam porque há vários casos.

            Ainda esta semana, tive a satisfação de tomar conhecimento de que o STJ condenou a Rede Record de Televisão por uma acusação infundada, condenou a Rede por calúnia e difamação, por ter divulgado, na campanha de 2006, uma notícia absolutamente inverídica, que teve um impacto e uma influência muito grande naquelas eleições. No dia 13 de setembro, o jornal nacional da Record divulgou que eu teria invadido uma unidade hospitalar para produzir imagens em relação à situação precária da saúde. E nada disso aconteceu. Eles montaram as imagens e jogaram no ar essa informação inverídica, e, depois de sete anos, vem a decisão final condenando por calúnia e difamação. É evidente que isso é desagradável, porque os meios de comunicação, a imprensa é para ter isenção na veiculação da notícia.

            Mas eu tenho uma trajetória, e vou aqui, de forma cronológica, mostrar ao País, a esta Casa, como se utiliza esse tipo de denúncia, que se transforma, muitas vezes, em fraude eleitoral como essa de 2006.

            Um fato curioso é que, desde 1988, em todas as eleições, eu tenho que passar por processos complicados de denúncias no Poder Judiciário.

            Em 1998, eu tive o registro de candidato cassado. Em 1998, eu era candidato à reeleição e o Tribunal Regional Eleitoral do Amapá terminou cassando o meu registro por uma razão muito parecida com a história do CD-ROM de V. Exª, Senador. Essa decisão foi reformada no TSE e eu terminei sendo candidato e ganhando a reeleição. Mas imagine, num processo eleitoral, você sofrer uma condenação. Imaginem o que fazem os adversários com isso.

            Em 2002, eu me licenciei do Governo. No dia cinco de abril de 2002, eu deixei o Governo e fui concorrer ao Senado. O ex-Presidente da Assembleia Legislativa do Amapá do PMDB, de nome Fran Júnior, formalizou uma denúncia junto ao Ministério Público dizendo que eu teria descontado das contas do Estado, no apagar das luzes do meu governo, R$58 milhões. O Ministério Público não considerou a denúncia e a mandou para o arquivo.

            As eleições transcorreram, eu fui eleito Senador e, no dia 28 de outubro, o PMDB, derrotado nas urnas, ajuizou a Reclamação nº 250, de Protocolo 8.844, de 2002, no TRE do Amapá contra mim e Janete, minha companheira, que também havia sido eleito Deputada Federal mais votada naquele pleito e em todos os de que participou daí em diante.

            A acusação era de que duas mulheres afirmavam ter vendido seus votos por R$26,00, pagos em duas parcelas. Essa declaração registrada em cartório fazia parte do processo, e foi essa declaração que levou, em 2004, à cassação dos nossos mandatos no acórdão do TSE. No TRE do Amapá, nós fomos declarados inocentes. O Procurador Roberto Gurgel, nesse processo, não só se manifestou pela cassação do nosso mandato, mas pediu urgência. Esse talvez tenha sido o processo que transcorreu com maior velocidade na história do Judiciário Eleitoral brasileiro. Eu fui eleito em 2002, tomei posse aqui no dia 1º de fevereiro de 2003 e, no dia 30 de março, eu estava cassado: um ano, quatro meses e trinta dias - aliás, 27 de abril.

            Um ano e três meses depois de tomar posse, eu estava com o meu mandato de Senador cassado, assim como a Deputada Janete, por uma acusação do PMDB. Então, isso se deu numa velocidade fantástica. É só levantar que nós vamos constatar que o processo que correu com extrema velocidade - talvez seja o campeão - foi o processo que nos ceifou os mandatos.

            Mas ainda em 2004, no dia 30 de março, o PMDB formulou uma denúncia junto à Procuradoria-Geral da República: a mesma. Eles requentaram aquela denúncia de 2002, de que eu teria desviado R$58 milhões, só alteraram os valores. Em vez de R$58 milhões, o valor era de R$365 milhões. Imaginem em um Estado cujo orçamento, em 2002, foi da ordem de R$960 milhões, alguém se apropriar de R$365 milhões! Mas essa denúncia foi aceita pelo Procurador-Geral da República, na época o Sr. Cláudio Lemos Fonteles, que determinou a abertura do Inquérito Criminal nº 85/2005, em abril de 2005. A Polícia Federal investigou de abril de 2005 até outubro de 2008. Agora, imaginem, ao longo dessa investigação - quatro anos de investigação e de processo na Justiça -, quando chegou a outubro de 2008, o juiz federal mandou arquivar o processo, por absoluta inconsistência. Não havia nada. Imaginem se alguém vai se apropriar... Com R$365 milhões, neste País, ninguém é cassado; todo mundo sabe disso. Como é possível? O juiz mandou arquivar, o Ministério Público constatou, a Polícia Federal constatou que não havia nada, mas foram quatro anos de linchamento público, através dos meios de comunicação.

            Nessa sistemática de perseguição política, denuncia-se na Justiça e, é claro, a Justiça tem de cumprir o seu papel de investigar. Chegamos, finalmente, a 2010.

            Em 2010, nós concorremos em uma situação absolutamente única, até porque nós tínhamos recebido a punição de cassação dos mandatos lá em 2002, mas que não nos condenava à inelegibilidade. Mas veio a Lei da Ficha Limpa e, aí sim, nós nos tornamos inelegíveis por oito anos. Mas ocorre que são oito anos a partir do fato que gerou a inelegibilidade. Como nós havíamos sido cassado em função da eleição de 2002, então, nós já teríamos, em tese, cumprido esses oito anos. Ocorre que a Relatora do processo, a Ministra Cármen Lúcia, descobriu que a eleição de 2002 tinha ocorrido no dia 6 de outubro e a eleição de 2010, no dia 3 de outubro. Então, faltavam três dias para cumprir os oito anos de inelegibilidade.

            Concorremos nesta situação - e os adversários ajudados, inclusive, por um desembargador -: eu estava com o registro eleitoral cassado pelo TSE. Isso na véspera, na quinta-feira. A eleição ocorreria no sábado e, na quinta-feira à noite, o TSE nos cassou o registro. Cassou o meu registro. De manhã, uma emissora de rádio me ligou, e eu expliquei que não havia problema, que a cassação do registro não impedia que eu concorresse, que meu nome estaria nas urnas e que o eleitor poderia sufragar sem nenhuma preocupação.

            Ganhamos as eleições nessas circunstâncias. (Risos.) Um desembargador ia esclarecer, claro, nas emissoras de televisão dos meus opositores - o grupo do PMDB possui uma rede fantástica, com 16 emissoras de rádio, 3 de televisão -, que os eleitores não podiam votar porque o voto seria considerado nulo. O desembargador se prestou a esse papel. O desembargador, de nome Gilberto Pinheiro, foi à televisão para dizer que o voto seria nulo, que não jogassem fora os votos. Mas, ainda assim, ganhamos a eleição.

            Com a eleição ganha, no dia 16 de dezembro, não tomamos posse porque havia aquela decisão do Supremo sobre a Lei da Ficha Limpa. Eu estava aguardando para tomar posse, mas, ainda assim, naquele dia, o PMDB protocolou uma nova ação de investigação judicial eleitoral pedindo a cassação do nosso diploma em função de duas entrevistas que eu dei explicando a cassação do nosso registro na véspera da eleição.

            E pasmem: essa ação já ia ser julgada há 15 dias. Se não fosse a decisão de três juízes do Tribunal Regional Eleitoral de se julgarem impedidos de participar do julgamento me envolvendo, teria sido julgado há duas semanas.

            Olhem: em duas entrevistas de rádio, o dono de três canais de televisão e 16 emissoras rádio nos acusa, a mim e a Janete, de abuso dos meios de comunicação, por termos dado duas entrevistas. E esse processo corre lá no TRE e vai subir aqui para o TSE. E eu estou preocupado. Eu tenho muita razão para estar preocupado, porque eu fui cassado acusado de comprar dois votos, pagos em duas parcelas. É o que está no acórdão. Então, eu tenho que me preocupar com isso e tenho que trazer isso aqui à tribuna.

            Mas não parou por aí; não pensem que parou só nas denúncias no TRE.

            No dia 29 de fevereiro de 2012 - eu assumi o mandato e choveu ação -, um cidadão, radialista conhecido do sistema de rádio e de televisão do grupo do PMDB, protocolou uma notícia crime me acusando de um favorecimento de uma empresa na época em que eu era Governador. O Ministério Público investigou - esse foi até mais rápido - e, em menos de um ano, mandou para o arquivo, mas eles não pararam ainda.

            Em 2013, no início deste ano, dia 7 de janeiro de 2013, mais uma vez, um ex-Deputado do PMDB e ex-Presidente da Assembleia Legislativa, investigado em diversos inquéritos criminais e também indiciado na CPI do Narcotráfico, protocolou uma notícia crime contra o Senador Randolfe Rodrigues e contra mim, na Procuradoria-Geral da República e também na Presidência do Senado, com cópia para a Comissão de Ética. Olha: a PGR já se manifestou, mandou para o arquivo o Procurador Roberto Gurgel - e ninguém pode dizer que ele me protege, porque foi ele que deu o parecer pela cassação do meu mandato e da Deputada Janete, da minha companheira. Ele mandou esse processo para o arquivo. E eu estou aguardando a decisão do Conselho de Ética.

            Fiz esse relato porque, de fato, isso me preocupa. A judicialização da política é algo que inquieta. Não sei se esse processo de judicialização melhorou - parece-me que não; não é bem o que as ruas dizem. As ruas estão dizendo que está pior a representação política. No entanto, nós votamos leis que tornam a política cada vez mais severa.

            A própria Lei da Ficha Limpa, Senador Cristovam, para que seja efetiva, vai ser necessário que um colegiado condene alguém, e esses colegiados podem ser os Tribunais de Justiça dos Estados. Eu arriscaria fazer um levantamento. De lá para cá, eu tenho a impressão de que já não eram grandes os julgamentos de processos envolvendo crimes por corrupção. Eu tenho a impressão...

(Interrupção do som.)

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Governo/PSB - AP) - Tenho a estatística que compara a celeridade dos processos judiciais envolvendo crime de responsabilidade ou, então, processos por corrupção. No Brasil, não terminam nunca esses processos. No meu Estado, há vários. O meu Estado ficou famoso por dezenas de ações da Polícia Federal. Até hoje, não há um único caso julgado.

            Comparando com a Justiça americana, nos Estados Unidos, não passa de um ano o julgamento dos casos de corrupção; no Brasil, no mínimo dez anos, chegando às vezes a muito mais do que isso, para se julgarem casos de corrupção, mas também casos que possam inocentar os acusados.

            Então, é preciso, para melhorar a vida pública deste País, a vida política, que tenhamos um Judiciário mais célere, mais efetivo, que julgue os processos. Não pode ficar protelando, guardando. Para condenar ou para inocentar, o importante é que julgue.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2013 - Página 52360