Discurso durante a 121ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de alinhamento das decisões políticas aos reclames sociais.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, MANIFESTAÇÃO COLETIVA.:
  • Necessidade de alinhamento das decisões políticas aos reclames sociais.
Publicação
Publicação no DSF de 02/08/2013 - Página 49365
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, MANIFESTAÇÃO COLETIVA.
Indexação
  • REGISTRO, APREENSÃO, DECISÃO, POLITICA, PAIS, RESOLUÇÃO, REIVINDICAÇÃO, POPULAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, hoje não é apenas o primeiro dia da volta do recesso, como é também, Senador Figueiró, o primeiro dia do mês de agosto. E quem conhece um pouquinho de história, mesmo os que não são supersticiosos - e eu não sou -, sabe que o mês de agosto tem, na história do Brasil, apresentado momentos dramáticos.

            Coincidência, na minha maneira de ver. Basta lembrar o suicídio de Getúlio Vargas, uma das maiorias tragédias, senão a maior da história do Brasil. Basta ver a renúncia do Presidente Jânio Quadros, sem dúvida alguma, um dos pontos mais dramáticos e que levou a um regime militar que durou 21 anos e que fez tudo aquilo que a gente ainda lembra. Basta lembrar - e embora não seja exatamente um impacto sobre a política, mas sobre a emoção do povo brasileiro - a morte do ex-Presidente Juscelino Kubitschek. No meu caso de pernambucano, cabe lembrar a morte de Agamenon Magalhães, que também foi avô do Senador Armando Monteiro, que aqui está. O mês de agosto, portanto - e o senhor viveu na própria pele -, tem sido um mês de dificuldades na política brasileira.

            E eu venho aqui, Senador, manifestar a minha preocupação com o mês de agosto. Não pelo que aconteceu no passado, porque eu não sou supersticioso, mas pelo que eu vejo no futuro das próximas semanas. Comecemos analisando, neste mês de agosto, o que poderá acontecer na política.

            As manifestações dos desiludidos, com tudo aquilo que nós construímos ao longo desses especialmente últimos 20 anos, esses desiludidos nas ruas vão manifestando a desilusão que têm, o descontentamento que eles sentem, e vão criar essas cenas de perturbação, que considero até positivas como alerta, mas que dificultam o funcionamento do dia a dia do País. Eles ajudam na construção do futuro, na mudança no rumo, na reorganização da política no Brasil, como o Senador Requião há pouco aqui falou.

            Agora, imaginem quando aos desiludidos se juntarem, Senadora Ana Rita, os desesperados, os pobres, os que nem ilusão tiveram até aqui de que as coisas poderiam melhorar para eles. Imaginem a confluência destes dois grupos de jovens, os desiludidos e os desesperados, nas ruas. Isso é o mês de agosto que a gente vê.

            Mas imaginem algo mais: esses dois grupos de desiludidos e desesperados se juntando com os despreparados da polícia para enfrentá-los. E não são despreparados porque eles não aprenderam, mas porque o mundo é outro. É diferente. Não é porque a polícia de agora ficou despreparada por falta de preparo, mas sim porque a realidade mudou tanto que o preparo deles já não serve, porque, a partir de agora, os desesperados e os desiludidos vão agir nas ruas sem precisar de sindicatos, de partidos, de ONGs, de uniões de estudantes.

            A gente não está preparado para enfrentar essa realidade com uma polícia que se preparou para outro tempo passado.

            Mas, aos desiludidos, aos desesperados, aos despreparados da polícia nos juntamos nós, os despreparados na política, porque nós nos formamos numa política em que o partido é que organizava as pessoas. Nós nos formamos numa política em que os sindicatos, os partidos, para chegar às massas manifestantes, precisavam da mídia, pelo menos de um carro de som.

            Hoje, cada um tem o seu carro de som em casa. É o computador, Senador Sérgio, ligado na Internet. Então imagine o agosto que a gente vê aí, dos desiludidos com os despreparados e com os desesperados. Agora, imagine tudo isso em um momento que se vive uma guerrilha organizada através dos computadores, uma guerrilha cibernética, e que qualquer menino, hoje, consegue juntar 500, 600 mil pessoas na frente do que ele quiser para uma manifestação de que ninguém tem o controle.

            Porque, a partir de agora, qualquer jovem descontente chega em casa, liga o computador, põe nas mídias: amanhã, às cinco da tarde, eu irei fazer uma manifestação em frente de tal farmácia, porque não me vendeu o remédio pelo preço que eu podia pagar. E quem vai controlar esse pessoal? E no outro dia são outros quinhentos, seiscentos. E vão fazer manifestação, como nós estamos vendo, nas estradas que levam para os aeroportos, para os portos, inviabilizando o funcionamento. Por isso, eu vejo um agosto muito preocupante. Mas junte-se aos desiludidos, aos desesperados, aos despreparados da polícia e da política, usando a Internet todos esses, um Governo que está claramente insensível. 

            Senador Sérgio, a entrevista da Presidenta Dilma, no domingo, na Folha de S.Paulo, demonstra que ela não viu o povo, e que ela não viu até mesmo o Papa, que estava aqui. A posição é de arrogância, quando ela diz que está tudo muito bem com 39 Ministérios. Até se tivesse, ela devia dizer que iria estudar para saber se não estava errada. Ainda que ela achasse que estava certa, ela tinha que dizer que iria estudar, porque o povo na rua está reclamando. Mas não disse isso. Disse que está tudo bem e que não ia mudar o ministro da Fazenda. Eu sei que, dizer que vai mudar o ministro, o Presidente não pode dizer, mas tinha que dizer: nós estamos analisando a situação econômica, nós estamos conversando. Mas não chegar e dizer: não muda. É falta de sensibilidade, que passou, inclusive, no estilo da entrevista e na maneira como tratava a jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo.

            Então, veja, Senador, por que é que nós temos razões para estarmos preocupados com este mês de agosto, mesmo sem qualquer superstição. São os desiludidos com os desesperados, com os despreparados da polícia e da política, com a Internet nas mãos fazendo com que cada casa seja uma trincheira de uma guerrilha e com um Governo insensível.

            Agora, ponha mais um condimento nisso: nós vamos ter daqui a pouco a conclusão do julgamento do mensalão, que vai jogar mais lenha na fogueira. E nós temos tudo isso, Senador Armando Monteiro, com riscos de uma crise econômica, com indicadores que vão mostrar que nós não estamos numa posição boa. Sem falar que, pelo que a lemos nos jornais, pelo que ouvimos nas rádios, pelo que nos informam - porque na nossa posição somos informados -, o núcleo central do Governo não está se entendendo.

            Um dia, um jornal diz que um ministro pediu a demissão do outro. No outro dia, esse ministro que foi dito que seria demitido diz que não acredita que o ministro que falou tenha um comportamento desses, deixando dúvida pelo que está escrito, colocado pelo menos entre aspas.

            E, diante de nós, uma economia cujo desemprego, que não atinge, claro, as dimensões da Europa - nesse ponto temos que reconhecer que a economia tem mantido -, mas que dá sinais de esgotamento no emprego. Não é à toa que uma das maiores empresas de aviação do Brasil hoje, a TAM, segundo os jornais, está demitindo um bom número de seus trabalhadores. Isso mostra como o risco de uma política baseada no consumo pode provocar dificuldades. Os aviões estão cheios, e a empresa tem que demitir. Nós temos diante de nós a situação perigosa, arriscada de um PIB que não cresce e, ao não crescer, não aumenta a riqueza. Ao não aumentar a riqueza, aumenta a desilusão, o desespero e demonstra despreparo.

            Nós temos uma política fiscal deteriorada, com falta de credibilidade das autoridades fiscais. E todo o mundo sabe que isso é um fato. O Governo prometeu entregar o superávit primário em 2,3, abaixo do histórico 3,1. E, mesmo assim, o mercado não acredita que vai ser 2,3. Acha que vai ser menos. Essa insegurança demonstra que o Governo perdeu o controle dos gastos. Nós temos uma política monetária correndo atrás do prejuízo.

             A inflação persiste. Ela não está baixa. Não adianta dizer que, num país com a cultura inflacionária de décadas de hiperinflação, nós não temos o risco de, ao chegarmos perto do teto do teto, nós não podermos ficar tranquilos diante do risco de perder-se controle. Nós temos uma vulnerabilidade externa muito grande. A junção de dois fatos internacionais - a recuperação dos Estados Unidos e retração da China - leva à pressão de alta do dólar. E a alta do dólar, que já chegou agora a US$2,30, apesar de todos os esforços do Banco Central de usar e queimar reservas para que isso não aconteça, gerará uma pressão inflação, gerará custos crescentes nas nossas empresas, que hoje são dependentes da importação dos insumos.

            Nós temos um déficit nas transações correntes. Ou seja, as nossas exportações, diante das importações, começam a trazer o risco de escassez de dólar. Essas transações correntes provocam, no que se refere à balança comercial, o risco de, pela primeira vez em muito tempo, fechar com saldo negativo. Sempre conseguimos um balanço comercial positivo, mas corremos o risco de fechar com saldo negativo.

            A tudo isso se junta uma agenda perigosa, complicada para este agosto: a votação da LDO; o problema dos royalties para o petróleo; o Fundo de Participação dos Estados; a reforma tributária; e um ponto que vai assustar muitos, a derrubada dos vetos, por uma Base que não garante votar conforme o Governo quer. A derrubada dos vetos pode trazer desequilíbrios fiscais, pode trazer um choque grande do Governo com o Parlamento e pode trazer uma coisa vergonhosa que se está fazendo: a ideia de que a crise da relação do Governo com a Base se resolve comprando Parlamentares através de emendas. O fato de liberarem emendas de Parlamentares nessas últimas semanas e dias demonstra que não se entendeu a dimensão da crise que nós vivemos. O povo na rua quer acabar com emendas de Parlamentares; e o Governo quer resolver a crise com a sua Base comprando os Deputados, os Parlamentares, com suas emendas.

            Por isso, Senador, eu não podia deixar que esse 1º de agosto passasse sem trazer aqui a preocupação com este mês. E repito, não por superstição, porque não sou supersticioso, mas por um atento observador do que vem por aí, nem tanto do que aconteceu no passado. A morte de Agamenon, a morte de Getúlio, a morte de Juscelino, a renúncia de Jânio não repercutem no agosto de 2013. Nada a ver. Mas o que aconteceu ao longo de 2013, o que aconteceu nas ruas a partir de junho, julho deste ano, isso, sim, repercute para assustar cada um de nós, líderes deste País, diante do agosto deste ano.

            E concluo, Senador, fazendo um apelo para que se leia com cuidado o discurso do Senador Requião, que trouxe para cá o fato de que nós não estamos preocupados com os destinos da Nação como deveríamos. E o alerta dele: o alerta de que cabeças podem rolar, e de todos nós. Ninguém venha dizer aqui que está isento, que está fora, que está livre. Não existe isso hoje no Brasil. Ninguém venha dizer aqui que é melhor ou pior e por isso o povo na rua vai entender e perdoar. Não existe isso. Nós somos iguais aqui na responsabilidade, senão nas omissões. Não, nas omissões nós somos diferentes, mas na responsabilidade nós somos iguais. E diante de nós está esse grande desafio.

            E a minha pergunta não é retórica, ela é uma pergunta consciente: se nós, Senador Requião, estamos à altura do momento.

            Eu dizia, num aparte que fiz ao Senador Requião, que um livro que li nessas férias, escrito no final do século XIX, na Rússia, em relação à crise que ali acontecia, que levou a uma revolução, a discussão entre pais e filhos, jovens e velhos, um dos velhos diz: há momentos em que temos que saber que chegou a hora de comprar o próprio caixão. Não o caixão físico, biológico, o caixão político. Se nós não soubermos enfrentar essa crise compremos nossos caixões. Agora, se soubermos, aí ficaremos no céu da história, aí vamos ficar como grandes líderes que soubemos enfrentar uma crise que o País viveu, porque mudaram os instrumentos de fazer a mobilização graças à Internet e porque as pessoas descobriram as ilusões que eram vendidas para elas.

            Temos duas alternativas, temos a chance de duas alternativas: ficar no céu da história por enfrentar bem a crise ou comprar o caixão político para cada um de nós por não termos estado à altura da crise que atravessamos.

            Feliz agosto para todos nós! Mas essa felicidade vai depender de nós, da nossa competência, da nossa capacidade para tirar lições das ruas, tirar lições dos erros e definirmos um rumo novo para o Brasil. Esse é o desafio que se coloca, e agosto eu acho que é um mês decisivo para isso.

            Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/08/2013 - Página 49365