Discurso durante a Sessão Solene, no Congresso Nacional

Homenagem ao transcurso de mais de quarenta anos de dedicação à vida pública do ex-Ministro da Justiça, ex-Deputado, Sr. Fernando Lyra.

Autor
Jarbas Vasconcelos (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PE)
Nome completo: Jarbas de Andrade Vasconcelos
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao transcurso de mais de quarenta anos de dedicação à vida pública do ex-Ministro da Justiça, ex-Deputado, Sr. Fernando Lyra.
Publicação
Publicação no DCN de 07/05/2013 - Página 1144
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, EX MINISTRO DE ESTADO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), COMENTARIO, ATUAÇÃO, POLITICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA.

            O SR. JARBAS VASCONCELOS (Bloco/PMDB - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Meu caro Deputado Roberto Freire, presidente desta sessão do Congresso Nacional, meu caro Senador Cristovam Buarque, que junto com Roberto formalizou o pedido para a realização desta solenidade, eu queria homenagear a família de Fernado Lyra, na pessoa de sua esposa, Márcia; homenagear as três filhas, Renata, Patrícia e Juliana; os irmãos, Gilberto, Angelice e João, este último, atual Vice-Governador de Pernambuco; homenagear Marcelo Teixeira, seu cunhado. Essas homenagens dirigem-se, especialmente, a você, Márcia. Nós a conhecemos há muitos anos e sabemos da sua formação, da sua grandeza, da sua amizade. Reduzindo em poucas palavras, você é uma pessoa do bem. (Palmas)

            Eu queria fazer como o deputado Roberto Freire e improvisar meu discurso, contar fatos da vida de Fernando Lyra. Mas a gente chega a uma determinada idade que é preciso tomar cuidado para não ser traído pelas emoções. Por isso, na homenagem de hoje, resolvi redigir o meu discurso.

            Em outra oportunidade homenageei Fernando desta mesma tribuna, em sessão do Senado, mais precisamente em 19 de fevereiro deste ano, poucos dias depois de seu desaparecimento. Fiz questão de vir à tribuna para fazer uma sincera homenagem a essa grande figura humana que foi Fernando Lyra. Infelizmente, não pude ir ao funeral porque, quando da sua morte, eu estava fora do País. Lamentei muito, mas não deixei de homenageá-lo, mesmo sendo minha admiração notória e todos sabendo o que sempre achei de Fernado. Outros senadores assim também fizeram, a exemplo de V. Ex.ª Senador Cristovam, que vai usar a tribuna e, tenho certeza, fará um belíssimo discurso.

            Para mim, é motivo de muita honra reverenciar a memória de Fernando Lyra. Faço isto com imenso respeito, pois acredito fortemente que a gente deve valorizar personalidades exemplares, que sirvam de modelo especialmente para as novas gerações e especialmente quando essa pessoa fez da política, que anda tão em baixa, o seu quase sacerdócio.

            Quando a gente olha para a história de Fernando, percebe que dificilmente ele teria procurado outro caminho que não fosse o da vida pública. Desde muito cedo, Fernando mostrou que tinha a política no coração e na mente. E essa vocação surgiu num momento difícil da história do Brasil, quando o País amargava um regime ditatorial, que tolhia as liberdades democráticas, cassava mandatos populares, perseguia, torturava e matava.

            Devo ressaltar que, para fazer política naqueles dias, principalmente quando se estava na oposição, não bastava apenas ter a vocação; era necessário, também, muita coragem, física inclusive, e isso Fernando sempre teve de sobra. Uma força admirável que o levou também a enfrentar, com galhardia e perseverança, sérios problemas de saúde.

            Tive o privilégio de fazer dobradinha política com Fernando na minha primeira eleição, em 1970, quando disputei uma vaga de Deputado Estadual na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Também compartilhamos uma mesma referência política, uma referência de comportamento e de vida na figura do ex-Deputado Egídio Ferreira Lima.

            Poucas pessoas se lembram desse fato, mas Fernando chegou a chefiar um jornal, uma publicação de oposição, o semanário Folha do Povo. Usou dinheiro do próprio bolso, mesmo sabendo que se tratava de uma missão quase impossível, pois quem iria anunciar num jornal de oposição à ditadura? Ainda mais no Nordeste, região sempre tão dependente da boa vontade de Brasília - infelizmente, uma triste realidade que ainda persiste. A Folha do Povo terminou fechando, vítima da falta de anunciantes.

            Essa breve incursão na imprensa talvez explique a forte ligação que Fernando sempre teve com esse importante segmento da sociedade, sempre teve com os jornalistas. Após sua morte, fui procurado por alguns desses profissionais da mídia, que falavam com admiração e respeito de Fernando, deixando claro que ele sempre buscou construir amizades ao longo das décadas, indo além das formalidades existentes entre o repórter e a fonte das notícias.

            Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, familiares e amigos de Fernando Lyra, com seu vozeirão peculiar, seu estilo pausado de discursar, Fernando Lyra foi ao embate, percorreu Pernambuco e, depois, todos os Estados deste imenso País. Mas não era apenas a voz de trovão que empolgava todos aqueles que acreditavam num Brasil melhor, que acreditavam que a sociedade brasileira conseguiria deixar para trás aquele momento de trevas, de tristeza e repressão. Fernando tinha voz de barítono, mas também tinha conteúdo. Foi um dos homens mais inteligentes que conheci. Arguto como poucos, hábil, qualificado, Fernando exercia com primor a desafiadora função de articulador.

            Exerceu esse papel quando foi um dos criadores do "Grupo dos Autênticos" do velho MDB, que deu uma face de vanguarda à Oposição. É fato que o MDB foi permitido para ser o Partido do "não, senhor", para dar um verniz democrático ao regime criado após o golpe de abril de 1964. Era uma oposição consentida que começou a mudar justamente a partir da atuação dos “autênticos”.

            O “Grupo dos Autênticos” representou, do ponto de vista histórico, uma resistência dentro da resistência, que se mostrou essencial, pois levou o MDB dos gabinetes de Brasília para as ruas e fez com que a Oposição causasse, dez anos após o Golpe Militar, a primeira rachadura no modelo de democracia tocada à base de Atos Institucionais, com a vitória obtida nas urnas em 1974.

            Fernando realizou articulação política semelhante, uma década depois, em prol da candidatura de Tancredo Neves à Presidência da República. Acreditou no sucesso quando até o Governador de Minas Gerais era cético. Fernando tinha convicção de que a democracia seria resgatada no Brasil utilizando o próprio instrumento criado pelo regime autoritário. E estava certo.

            O Deputado autêntico se unia ao Governador moderado para por um fim a 20 anos de ditadura.

            Veio a vitória esmagadora no Colégio Eleitoral, ecoando nas ruas a bela campanha das Diretas Já, para, em seguida, o Brasil chorar o desenlace trágico da morte de Doutor Tancredo.

            O Doutor Tancredo, antes de ser acometido pela enfermidade que o levaria à morte, havia escolhido Fernando para ser Ministro da Justiça, papel que cumpriu com maestria nos 11 meses em que esteve à frente da Pasta. Abriu caminho para que o Brasil jogasse no lixo o “entulho autoritário”, expressão de gênio cunhada por ele mesmo, como tantas outras que legou à história política do País.

            Nessa única experiência executiva que teve, Fernando mostrou que poderia ir além de um excelente parlamentar. Soube montar uma equipe de alto nível no Ministério da Justiça, na convicção de que o trabalho a ser desenvolvido naquele período reabriria as portas do País à democracia, consolidada em 1988, com a promulgação da Constituição Federal.

            Srªs e Srs. Deputados, Srªs e Srs. Senadores, este foi o Fernando Lyra na sua dimensão política, de luta pela democracia, pela justiça, pelas liberdades em todos os níveis.

            Mas existe outro Fernando, que complementava o homem público, o parlamentar atuante e corajoso. O filho, marido, irmão, pai, avô, tio e amigo. Esses personagens conviviam harmonicamente. Fernando era sempre bem humorado, com uma conversa agradável, inspirada. E também gostava da boa bebida, da boa comida.

            Essa paixão pela vida marcou a trajetória de Fernando. Para os amigos, era sempre um susto quando surgia alguma notícia negativa sobre a sua saúde.

            Porém, após cada nova crise, ele sempre voltava mais animado, disposto, mais um exemplo para todos nós, especialmente para aqueles que fraquejam ao primeiro sinal de dificuldade.

            Para concluir esta homenagem que o Senado da República presta a Fernando Lyra, a sua família e a seus amigos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Parlamentares, quero recorrer a uma frase do jornalista pernambucano Ivan Maurício, amigo de Fernando, que esteve junto dele em diversas oportunidades, inclusive na experiência da Folha do Povo: “A arte de fazer amigos foi o maior legado que Fernando deixou”.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 07/05/2013 - Página 1144