Discurso durante a 132ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Destaque para projeto, apresentado por S. Exª, que reformula o Estatuto do Estrangeiro.

Autor
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL, DIREITOS HUMANOS.:
  • Destaque para projeto, apresentado por S. Exª, que reformula o Estatuto do Estrangeiro.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 17/08/2013 - Página 54559
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL, DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • REGISTRO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REFERENCIA, ALTERAÇÃO, ESTATUTO, ESTRANGEIRO, OBJETIVO, REGULAMENTAÇÃO, SITUAÇÃO, IMIGRANTE, LOCAL, TERRITORIO NACIONAL, IMPORTANCIA, GARANTIA, DIREITOS HUMANOS, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, COMENTARIO, TRAMITAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, RELAÇÃO, AUTORIZAÇÃO, PESSOA FISICA, NACIONALIDADE ESTRANGEIRA, PARTICIPAÇÃO, ELEIÇÃO MUNICIPAL.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, depois desse discurso, sem sombra de dúvida, memorável do Senador Cristovam Buarque, venho à tribuna para tratar de um tema ao qual eu tenho me dedicado ao longo da minha vida parlamentar, desde o meu tempo de Deputado Federal.

            Aliás, o Senador Cristovam não poderia ter pronunciado o discurso que pronunciou não fosse a experiência fundamental da vida dele, que foi a experiência de ser professor, de ser educador, de lecionar no Brasil e no exterior, de conviver com grandes professores, como o Prof. Inácio Isaacs, que até hoje é amigo e colaborador no sentido da troca de experiências e do diálogo intelectual com o Sr. Senador Cristovam Buarque.

            Cada um de nós é marcado por experiências fundamentais da sua vida. Eu cheguei ao Senado depois de ter trajetória política e pessoal que teve como uma das suas experiências mais marcantes a condição do exilado, a condição de refugiado, a condição de estrangeiro, pois vivi 11 anos da minha vida, depois de ter sido condenado aqui no Brasil com base na Lei da Segurança Nacional, na época da ditadura, no exterior, na França, sob a proteção de uma organização das Nações Unidas que me conferiu a condição e a documentação para que eu pudesse transitar, para que as minhas filhas nascidas no exílio pudessem ter os seus registros de nascimento. Refiro-me à organização das Nações Unidas para Refugiados e Apátridas.

            Me dou conta, Sr, Presidente, que muitas das minhas iniciativas legislativas são marcadas por essa experiência. Lembro ainda 1997, quando fui designado Relator do projeto de lei que acabou sendo convertido na Lei nº 9.474, de 1997, que consagra o Estatuto do Refugiado no Brasil. Fui designado Relator, para trazer um pouco da minha experiência de refugiado. E acabei tendo a colaboração de uma pessoa extraordinária, que foi também grande amigo do Cristovam Buarque e que à época era o representante da Organização para Refugiados e Apátridas na América do Sul, o Dr. Guilherme Lustosa da Cunha. E graças à colaboração de Guilherme da Cunha, que havia - ele também - representado essa organização em Angola, no período mais crítico da guerra civil a que sucedeu a independência, e tendo, naquela condição, vivido e compartilhado o drama do deslocamento de populações de um lado para o outro - vítimas da guerra, pessoas inocentes, que não eram beligerantes, mas que de repente se viram deslocadas, viram suas vidas destroçadas, desenraizadas -, sugeriu a previsão da concessão do estatuto de refugiado a pessoas que, independentemente de serem elas pessoalmente perseguidas em razão de sua crença religiosa, da sua etnia, da sua opção política, fossem vítimas de violações maciças de direitos humanos.

            Foi uma luta conseguir introduzir esse conceito na legislação brasileira. A resistência, o conservadorismo, que é próprio das Forças Armadas, do Ministério das Relações Exteriores, se fizeram presentes, mas conseguimos a aprovação. E hoje esse estatuto é considerado, exatamente por isso, pela contribuição de Guilherme Cunha, da sua experiência em Angola, um marco da legislação de proteção internacional.

            Da mesma forma, Sr. Presidente, a minha condição de beneficiário pela anistia em muito informou o trabalho que tive, ao lado do Presidente Fernando Henrique, na elaboração de uma medida provisória que acabou se transformando na Lei da Anistia, em que tive a colaboração de outro extraordinário ex-Senador e Parlamentar: João Faustino.

            A minha condição de estrangeiro inspirou-me na produção desse projeto de lei que apresentei no final do semestre passado, pois eu vivi a condição de estrangeiro.

            Durante 11 anos, fui estrangeiro em terra alheia, estrangeiro na França, que tinha uma grande tradição de acolhida de refugiados. Aliás, foi quando eu me senti efetivamente bem brasileiro, porque era “o brasileiro que mora na rua tal, número tal; o brasileiro que é pai da Adriana e da Gabriela”, minhas filhas nascidas no exterior. Mas eu era estrangeiro. Era diferente. Havia, na sociedade francesa, não obstante a sua tradição humanitária, também correntes culturais e políticas xenófobas, que até hoje existem no mundo político francês, no movimento liderado por Le Pen, a Frente Nacional. Muitas vezes, as pessoas me olhavam com alguma desconfiança: o que esse estrangeiro veio fazer aqui?

            Pois bem, Sr. Presidente, essa experiência acabou me levando a trabalhar, já no tempo de Deputado Federal, na reformulação do Estatuto do Estrangeiro, que é a Lei nº 6.815, de agosto de 1980. Eu era Presidente da Comissão de Constituição e Justiça e pedi a um extraordinário Deputado, um grande Parlamentar, um dos maiores políticos com quem tive o privilégio de conviver, o ex-Ministro e ex-Deputado Almino Afonso, que propusesse reforma nessa Lei para adequá-la aos tempos da democracia, uma vez que ela fora promulgada numa época em que vivíamos naquele período claro/escuro, dos estertores do regime autoritário e na alvorada, que surgia, da democracia, depois da promulgação da Lei da Anistia e antes da Constituição de 1988.

            Almino fez um belíssimo trabalho, como era de se esperar, mas a legislatura se concluiu sem que se pudesse levar adiante a deliberação no plenário do projeto de lei. Voltei à ideia agora e apresentei, nesta legislatura, o Projeto de Lei do Senado nº 288, de 2013, no do dia 11 de julho deste ano.

            A primeira mudança conceitual que este Projeto traz - eu gostaria de compartilhar essas mudanças com a Casa e com aqueles que nos ouvem - é não pretender tecer um novo Estatuto do Estrangeiro. O que eu pretendo é reformular o modelo da Lei nº 6.815, de agosto de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil.

            A própria denominação da atual Lei revela que o seu objetivo é a proteção diante do outro, diante do diferente, e não a sua recepção, a sua acolhida. Essa observação poderia parecer secundária, se ela não refletisse concepções sectárias em atraso à perspectiva constitucional, da Constituição atual, à evolução jurisprudencial e às necessidades práticas da vida moderna, assim como uma visão mais humanista do relacionamento internacional.

            Concentrar o tema no estrangeiro, no forasteiro, no perigo externo é a percepção típica do período em que a Lei foi elaborada e que contaminou, em boa parte, a construção do chamado Estatuto do Estrangeiro.

            Quero citar a esse título o exemplo que consta do art. 2º desta Lei, que cito textualmente:

Art. 2º Na aplicação desta lei, atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, socioeconômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional.

            Ora, os objetivos postos - está claro - são preponderantemente defensivos. Não se menciona a cooperação internacional, omite-se a assistência humanitária, a integração regional, mas se coloca, em primeiro plano, a segurança nacional e a defesa do trabalhador nacional.

            Deixamos de lado - no projeto de lei que aqui apresentei que não será mais o Estatuto do Estrangeiro, mas a Lei das Migrações - aspectos da cooperação penal internacional, aspectos relevantíssimos, mas que devem ser tratados numa lei específica.

            Sobre a cooperação judiciária, existe um grande vácuo no nosso ordenamento jurídico. E, para os fins dessa nova legislação, definimos quem é o destinatário principal da norma jurídica ou do conjunto de normas jurídicas. O destinatário principal é o imigrante. Essa proposição considera imigrante quem se estabeleça, definitiva ou temporariamente, ou transitoriamente, no País, ou quem esteja com uma família brasileira, com trabalho fixo, trabalho fronteiriço ou status equivalente. Não seria imigrante quem não tenha a pretensão de se estabelecer no País. Evidentemente, o turista não é imigrante. Quem vem ao Brasil para participar de um seminário não é imigrante e, também, não é considerado imigrante aquele que é tratado num regime jurídico específico, que é aquele que se enquadra na Lei do Refugiado a que me referi anteriormente.

            Uma vez conceituado o imigrante, a proposição expõe princípios para reger a política migratória brasileira. A importância de se fixar princípio é de nortear o setor por diretrizes claras e humanistas.

            Proponho, inicialmente, considerarmos o tema como inserido no contexto da proteção internacional dos direitos humanos, iniciando por destacar a interdependência, a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos dos imigrantes decorrentes dos tratados de que o Brasil seja parte. Desse modo, incorporamos três princípios gerais de direitos humanos - a interdependência, a universalidade e a indivisibilidade - como parte dos direitos humanos do imigrante, destacando a especificidade do tipo de violação de direitos humanos que esse grupo de pessoas pode sofrer, elegendo o princípio do repúdio a xenofobia, ao racismo e a qualquer forma de discriminação.

            De forma coerente com a perspectiva de direitos humanos do projeto, afirmamos o princípio da não criminalização da imigração. A imigração não é um fenômeno a ser regulado pelo Direito Penal. De um lado, os indocumentados, os que entram irregularmente, por si só, não deveriam ser punidos com privação de liberdade. Para tanto, é preciso reformar a Constituição, uma vez que o art. 109, inciso X, da Constituição, dá competência à Justiça Federal para julgar e processar os crimes de ingresso e permanência irregular no País - e já estou providenciando emenda constitucional nesse sentido. O ingresso de indocumentados não pode ser tratado com base no Direito Penal.

            Por outro lado, é preciso criar mecanismos, no Brasil, para evitar que o crime organizado transnacional venha associado à imigração. Nessas condições, evidentemente, esses crimes têm de ser punidos, como é o caso do tráfico internacional de pessoas.

            Uma vez definidos os critérios e os procedimentos de admissão de imigrantes no Território Nacional, eles devem ser iguais para todo estrangeiro, caracterizando o princípio da não discriminação.

            O imigrante não pode ser visto como criminoso, invasor, simplesmente por se deslocar. Igualmente, a ele deve ser facultado o caminho da entrada regular e da regularização migratória.

            Nós devemos criar - e esse projeto o faz - mecanismos claros, simples, de regularização, no Território Nacional, daqueles que aqui vieram com a intenção de permanecer.

            Nesse contexto de promoção da entrada regular, está prevista a acolhida humanitária, no que diz respeito à possibilidade de aceitarmos pessoas que venham para o Brasil em situação de calamidade ou vítimas de tráfico de pessoas. É o caso presente, dramático, dos haitianos.

            Hoje, ainda, os jornais trazem notícia de epidemia de disenteria, maciça, atingindo haitianos que estão numa situação provisória, abrigados em situação precária, acima das condições de acolhida que o Estado do Acre pode lhes oferecer, e cuja permanência no Brasil precisa ser regularizada. Para isso, é preciso uma base jurídica, da qual nós não dispomos, e esse estatuto, exatamente, visa a criar, entre outros objetivos, uma base jurídica para esse tipo de acolhida.

            Nós fixamos, também, Senador Cristovam Buarque, Senador Mozarildo, o princípio do incentivo à admissão de mão de obra especializada necessária ao desenvolvimento econômico, social, cultural, científico e tecnológico do País.

            A grandeza do nosso País se deve, em grande parte, ao conhecimento que vem do exterior. Não há fronteira que separe a produção intelectual, mas importa condicionar o exercício de profissões a critérios exigidos por legislação específica, sem discriminação.

            Aplicam-se tais e tais leis concernentes à regularização, por exemplo, de diplomas de médicos para determinados países, enquanto, para outros, essas exigências não são de rigor.

            É preciso que os profissionais que venham ao nosso País se submetam às regras e aos critérios próprios que condicionam o exercício profissional dos brasileiros.

            Igualmente, procuramos facilitar a entrada temporária de estrangeiros, a fim de estimular o comércio, o turismo, as relações internacionais, as atividades culturais, esportivas e tecnológicas.

            Uma vez estabelecido aqui, o imigrante passa a ser dotado de vários direitos: igualdade de tratamento e de oportunidades, integração no trabalho e na sociedade mediante políticas públicas específicas, processo igualitário e livre aos serviços sociais, bens públicos, saúde, educação, justiça, trabalho, moradia, serviço bancário, promoção e difusão dos seus direitos, liberdades e garantias.

            Esse conjunto de direitos depende, evidentemente, de políticas públicas, não apenas da lei, mas é preciso um arcabouço legal que impulsione a implementação dessas políticas.

            Faço aqui, Sr. Presidente, menção, quando se trata da integração de imigrantes à vida nacional, ao fato de que há uma Proposta de Emenda à Constituição que apresentei e que ainda se encontra, na Comissão de Constituição e Justiça, à espera de designação do Relator.

            Essa Proposta de Emenda à Constituição nº 25 visa estabelecer que os imigrantes, estabelecidos no Brasil depois de determinado tempo, possam participar das eleições locais, das eleições municipais.

            Estive, ainda há pouco, em Portugal, que se prepara para as eleições locais, e me deparei com a convocação pública de imigrantes para que fossem se qualificar como eleitores para participar das eleições municipais. É evidente que são eleições de vizinhança, eleições que tratam de temas locais. E é óbvio que aquele que está integrado à família brasileira, aqui trabalhando, criando os seus filhos, tem todo o interesse de participar da definição das regras que condicionam a vida do Município onde ele resolveu construir a sua vida.

            Espero que essa proposta de emenda à Constituição possa tramitar. Ela será, no meu entender, um grande avanço no sentido de reconhecer a importância daqueles que vêm ao Brasil para contribuir, com o seu trabalho e com a sua cultura, para a nossa vida.

            Em São Paulo, quem anda pelo bairro do Brás, por exemplo, por volta das 18 horas, se depara com uma quantidade enorme, especialmente, de mulheres bolivianas, com as suas saias típicas, com os seus trajes coloridos, saindo dos ateliês de costura onde trabalham para se dirigirem às suas casas. Temos, em São Paulo, inclusive, aos domingos, uma feira astronômica boliviana, não apenas para os imigrantes bolivianos, mas para paulistanos que, em número crescente, vão lá para conviver com os bolivianos, aproveitar a sua culinária, ouvir as suas músicas, comprar os seus produtos.

            Por que não conceder a essas pessoas o direito de votar? Não teriam elas o direito de opinar sobre quem seria o melhor gestor, por exemplo, dos transportes públicos, da saúde coletiva, da escola dos seus filhos, se aqui trabalham, se aqui vivem?

            Esse é o propósito da proposta de emenda à Constituição que apresentei.

            Ouço o aparte do Senador Cristovam Buarque.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT-DF) - Senador Aloysio, eu pensava fazer o aparte mais no final para não atrapalhar o andamento do seu discurso, mas quero dizer que, como o senhor, eu fiquei diversos anos fora do País, em condições muito melhores que as suas, porque nunca deixei de ter o passaporte brasileiro, uma vez que não havia sido julgado pela Lei de Segurança. Mas fiquei esse tempo todo como estrangeiro, parte dos quais - inclusive, onde estive com o senhor - na França.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB - SP) - É verdade.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Mas não foi onde eu o conheci. Eu o conheci em 1966, em um encontro de estudantes em Ouro Preto.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB-SP) - Era 1965.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT-DF) - Sim; 1965, em Ouro Preto. Espero que não façam as contas, porque vão dizer que somos muito velhos.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB-SP) - Mas foi quando estudantes da escola maternal. (Risos.)

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT-DF) - Pode ser. De qualquer maneira, foi ali que convivemos. E tínhamos esse mesmo sentimento de gratidão com os países que nos receberam - no meu caso foram quatro: França, Honduras, Equador e Estados Unidos, no final. E, talvez, isso ajude a criar uma solidariedade com os estrangeiros no Brasil. Fico muito feliz de ver a sua proposta e a sua preocupação. A preocupação porque mostra uma solidariedade e um humanismo que precisamos ter no tratamento com pessoas que nasceram fora. O senhor dizia, há pouco, que a palavra “estrangeiro” não é boa. Nasceram fora, mas são seres humanos e que vêm aqui em busca de um mundo melhor, o que no país deles não estão conseguindo, ou por perseguições, ou por dificuldades econômicas. Primeiro, o humano; segundo, o político. Essas pessoas vivem aqui, são pessoas que estão no Brasil. Posso até dizer que, se não no papel, estão no exercício da cidadania brasileira e merecem ser reconhecidas. São sofredores e beneficiados dos sistemas públicos de suas cidades. O seu projeto toma o cuidado de dizer que a participação deles é nas eleições municipais.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB - SP) - Municipais.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Onde eles são parte integrante. O voto de um deles é bom para alertar o prefeito daquilo que não vai bem onde eles votam. E como, em geral, os estrangeiros se concentram em uma só área, ao não votarem, a área onde eles moram termina sendo abandonada, prejudicando até os que moram fora, os outros, que são brasileiros que votam, mas sem o sentimento completo de cada aspecto da cidade. Quero parabenizá-lo pelo projeto e gostaria muito de estar junto na luta para fazê-lo ser aprovado. Mas, finalmente, queria fazer outra coisa: uma homenagem a uma figura das mais expressivas do ponto de vista humanista da história brasileira, que é o Guilherme Cunha.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB-SP) - Guilherme Cunha.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Fiquei feliz de escutar o nome dele. Poucas pessoas carregam na sua fala o sentimento de humanismo que tem como o Guilherme Cunha, que teve um papel fundamental no tratamento, com dignidade, daqueles que ficaram sem passaporte, daqueles que ficaram sem pátria. Ele teve um papel fundamental. Muito bom ouvir o nome de Guilherme Cunha dessa tribuna.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB - SP) - Obrigado, Senador Cristovam Buarque. Fico muito feliz que V. Exª tenha tido essa impressão tão favorável dessa proposição. Não vou pormenorizar outros dispositivos que ela contém.

            Peço a V. Exª, Sr. Presidente, que permita a transcrição do conjunto deste pronunciamento, parte dele escrita.

            Quero apenas lembrar que, ainda recentemente, tive contato com o Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Dr. Paulo Abrão, que comentou comigo que havia tomado conhecimento de minha proposição e manifestou o seu apoio, o seu entusiasmo. Desejo que o Ministério da Justiça do Brasil colabore com suas sugestões e impulsione com seu prestígio o andamento desse projeto aqui no Senado Federal.

            Fica, portanto, este registro, reiterando minha homenagem ao Guilherme Lustosa da Cunha, amigo querido, também refugiado e que, nessa condição, teve papel importantíssimo não apenas nesse episódio de Angola a que me referi há pouco, mas também na retirada, do território chileno, de vítimas da repressão de Pinochet. A partir de Buenos Aires, Guilherme Cunha organizou base de apoio para a retirada dessas pessoas, muitas recolhidas à clandestinidade, outras abrigadas, precariamente, em embaixadas. A presença de Guilherme Cunha em Buenos Aires naqueles momentos dramáticos fez a diferença entre a vida e a morte de muitas vítimas da repressão de Pinochet.

            Agradeço, mais uma vez, a atenção de V. Exª e a paciência por permitirem que eu falasse além do tempo regimental.

            Muito obrigado.

 

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR ALOYSIO NUNES FERREIRA.

           O SR. ALOYSIO NUNES (Bloco Minoria/PSDB - SP) - Sr. Presidente, estive estudando, desde o inicio de meu mandato, a necessidade de atualizarmos o Estatuto do Estrangeiro, que está regulado pela Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980.

           Naquele momento ainda vivíamos os estertores do regime autoritário e a estrutura da lei retrata aquele momento antes da anistia, da constituinte e a volta do Brasil para o estado democrático de direito.

           Para atualizar essa legislação apresentei o PLS nº 288/2013, de 11 de julho do corrente, portanto logo antes da suspensão dos trabalhos do primeiro semestre, e não tive oportunidade de me pronunciar sobre seu conteúdo.

           A primeira mudança conceitual do projeto é a de não pretender tecer um novo Estatuto do Estrangeiro. Em outros termos, pretende-se reformar o modelo da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração (Estatuto do Estrangeiro).

           A denominação da atual legislação revela que o objetivo é a proteção diante do outro e não sua recepção. Essa observação pode parecer secundária, não refletisse ela concepções sectárias, em atraso à perspectiva constitucional, à evolução jurisprudencial, às necessidades práticas hodiernas e à visão mais humanista do relacionamento internacional.

           Concentrar o tema no estrangeiro, no forasteiro, no perigo externo, é percepção típica de quando a lei foi elaborada, e contaminou boa parte da construção do Estatuto do Estrangeiro. Nesse sentido, o art. 2º do Estatuto do Estrangeiro dispõe acerca de alguns paradigmas possíveis sobre a situação jurídica do estrangeiro, colocando a segurança nacional como precípua. Vejamos:

           Art. 2º Na aplicação desta Lei atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, sócio-econômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional.

           Os objetivos postos são majoritariamente defensivos. Não se menciona a cooperação internacional, a assistência humanitária, a integração regional, mas a segurança nacional, os interesses do Brasil, a defesa do trabalhador nacional. Vários são os elementos que reforçarão essa visão no decorrer do Estatuto.

           Assim, apresentamos projeto de Lei de Migrações, deixando de lado aspectos da cooperação penal internacional, tema que deveria ser alvo de lei específica.

           Sobre a cooperação judiciária, grande vácuo paira no nosso ordenamento jurídico. Para os fins desta nova legislação, cumpre definirmos o destinatário principal dessa legislação: o imigrante.

           A presente proposição considera “imigrante” quem se estabeleça definitiva, temporária ou transitoriamente no País, ou seja, quem está com família brasileira, trabalho fixo, trabalho fronteiriço, ou status equivalente.

           Não seria imigrante quem não tenha a pretensão de se estabelecer no País, como o turista ou alguém que veio aqui para participar de um seminário ou dar um espetáculo. Igualmente não será imigrante quem possui status regulado por tratado específico, como é o caso dos refugiados, asilados, apátridas, agentes e pessoal diplomático ou consular, funcionários de organização internacional, e seus familiares.

           Uma vez conceituado o imigrante, a presente proposição expõe princípios para reger a política migratória brasileira, a importância de se fixar princípios é de nortear o setor por diretrizes claras e humanistas.

           Proponho considerarmos o tema como inserido no contexto da proteção internacional de direitos humanos, iniciando por destacar a “interdependência, universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos dos imigrantes, decorrentes de tratados dos quais o Brasil seja parte”.

           Desse modo, ao incorporar os três princípios gerais de direitos humanos - interdependência, universalidade e indivisibilidade- como parte dos “direitos humanos dos imigrantes”, reconhecendo o cabedal normativo de proteção a esse fenômeno, e não o caracterizando como mero ato de soberania, construindo um corpo normativo de direitos e deveres que devem alcançar todos os imigrantes e que cada direito se realiza em conjunto com a efetividade dos demais.

           Como destaque da especificidade do tipo de violação de direitos humanos que esse grupo de pessoas pode sofrer, elege-se como princípio o “repúdio à xenofobia, ao racismo e quaisquer formas de discriminação”.

           De forma coerente com a perspectiva de direitos humanos do projeto, afirma-se o princípio de não criminalização da imigração. A imigração não é fenômeno a ser controlado e regulado pelo direito penal, embora haja cenários conexos que possam e devam ser punidos criminalmente. De um lado, os indocumentados, os que entram irregularmente, por si só, não deveriam ser punidos com privação da liberdade. Para tanto, claro, precisa-se reformar a Constituição Federal e retirar do art. 109, X, a competência da justiça federal nesse particular.

           De outro lado, a não criminalização deveria ser lida com outro princípio, o de “promoção da justiça internacional penal e combate ao crime organizado transnacional”. Crimes internacionais como genocídio, crimes de guerra ou crimes contra a humanidade devem ser combatidos pelo julgamento interno, pela extradição do acusado ou pela sua entrega ao Tribunal Penal Internacional.

           Igualmente, o crime organizado transnacional associado à imigração deve ser punido, como é o caso do tráfico internacional de pessoas.

           Esse espírito legal, então, deve ser propagado por todo o fenômeno migratório. Admitir uma pessoa no território nacional depende em grande parte da soberania do País. O visto de entrada, por exemplo, é uma expectativa de direito, podendo ser frustrado na prática. No entanto, uma vez definidos os critérios e os procedimentos de admissão de imigrantes no território nacional, estes devem ser iguais para todo estrangeiro, caracterizando o princípio da não discriminação.

           Igualmente, o imigrante não sendo visto como um criminoso, um invasor, simplesmente por se deslocar, igualmente a ele deve ser facultado o caminho de entrada regular e de regularização migratória. O Brasil deve promover clara e simplificadamente os modos de se entrar regularmente e aqui permanecer. Além disso, deve prever política permanente de regularização de quem já está no Brasil.

           Nesse contexto, de promoção de entrada regular, está a previsão da acolhida humanitária, que diz respeito à possibilidade de aceitarmos pessoas que venham de situação de calamidade ou vítimas de tráfico de pessoas, como é o caso recente dos haitianos.

           Diferentemente do Estatuto do Estrangeiro - cuja aplicação é centrada no atendimento à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, sócio-econômicos e culturais do Brasil, além da já examinada defesa do trabalhador nacional -, o estrangeiro vítima de tráfico de pessoas, independentemente de sua situação migratória poderá contar com medidas protetivas, e, inclusive, os meios que facilitem sua regularização ou seu retorno ao país de origem.

           Tais providências são extremamente importantes, na medida em que vêm ao encontro do disposto no Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, promulgado pelo Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004, e no Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea (promulgado pelo Decreto nº 5.016, de 12 de março de 2004), que determinam que os Estados Partes deverão tomar medidas de proteção e assistência à vítima do tráfico de pessoas e de migrantes.

           Fixamos, ainda, o princípio de incentivo à admissão de mão-de-obra especializada necessária ao desenvolvimento econômico, social, cultural, científico e tecnológico do Brasil, à captação de recursos e geração de emprego e renda. A grandeza de nosso País se deve em grande parte ao conhecimento vindo do exterior, não há sentido em não fomentarmos mais essa qualificada imigração. Contudo, importa condicionar o exercício da profissão a critérios exigidos pela legislação específica, sem discriminação.

           Não posemos aceitar, e a proposta não contempla, que profissionais venham para o nosso país, sem que se submetam as regras e critérios próprios nossos profissionais, como é a tentativa de impor à sociedade brasileira médicos “importados”, sem a qualificação e validação de seus conhecimentos que é exigida aos aqui formados.

           Igualmente, porém não destinado exclusivamente aos imigrantes, determina-se o princípio de facilitação à entrada temporária de estrangeiros a fim de estimular o comércio, o turismo, as relações internacionais e as atividades culturais, esportivas e tecnológicas.

           Uma vez estabelecido, o imigrante passa a ser dotado de vários direitos: igualdade de tratamento e de oportunidade; integração no trabalho e na sociedade brasileira mediante política pública específica; processo igualitário e livre aos serviços sociais, bens públicos, saúde, educação, justiça, trabalho, moradia, serviço bancário, emprego e previdência social, nos termos constitucionais; promoção e difusão dos seus direitos, liberdades, garantias e obrigações.

           Esse conjunto de direitos depende de política pública bem posta e legitimada, o que se dará por outro princípio, o de diálogo social na definição dessas políticas e promoção da participação dos imigrantes nas decisões públicas.

           Destaco que apresentei a Proposta de Emenda à Constituição nº 25, de 2012, onde proponho a concessão de direitos políticos no plano municipal aos imigrantes.

           Inspirados em diversos processos de integração, sobretudo os do Mercosul, e na nossa Constituição Federal, são consagrados os princípios de fortalecimento da integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, mediante constituição de espaços de cidadania e pela livre-circulação de pessoas, e o da cooperação internacional com Estados de origem, trânsito e destino de movimentos migratórios a fim de garantir maior proteção de direitos humanos dos migrantes.

           Com idêntico intuito é garantida ao imigrante, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, independentemente da regularidade de sua situação, conferindo-lhe uma série de direitos. Destacamos o direito a reunião familiar; direito a educação; a transferência de recursos; a aplicação das normas de proteção ao trabalhador.

           Vale dizer que tais direitos devem ser exercidos em consonância com a Constituição e não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja parte, bem como de leis internas e de princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.

           O PLS propõe a reformulação da política de concessão de vistos de trânsito, de turismo e negócios, temporário, permanente, diplomático, oficial e de cortesia, a fim de amparar essa visão humanitária de imigração aqui proposta, e não fundada na criminalização do imigrante e do estrangeiro.

           Previmos, também, o visto temporário para estudante, trabalhador, tratamento de saúde, acolhimento humanitário e de reunião familiar, aplicando para descendentes, cônjuge ou companheiro, refugiado ou asilado, vítima de tráfico de pessoas, beneficiário de acordo internacional (como os do Mercosul), ter notório conhecimento ou ser investidor.

           A repatriação seria o impedimento de ingresso de estrangeiro sem documentação adequada à entrada ou estada no território nacional que esteja em área de aeroporto, porto ou posto de fronteira.

           A deportação seria situação similar, de indocumentado, mas se refere à pessoa já em área interna do País e, muitas vezes, há muito tempo aqui instalada. Por isso, o projeto tem o cuidado de garantir seus direitos trabalhistas. Distintamente, a expulsão tem caráter punitivo e se refere aos imigrantes que cometeram crimes.

           Dedicamos atenção à repatriação, à deportação e à expulsão, que é um grande vácuo que paira no nosso ordenamento jurídico e um estatuto do estrangeiro mais abrangente deveria englobá-la exaustivamente.

           Proponho a regularização da naturalização em suas diversas modalidades: ordinária, extraordinária, especial ou provisória. Igualmente, previmos hipótese de naturalização provisória, para ser concedida ao imigrante criança ou adolescente.

           Inovamos na abordagem da emigração e nas normas para o emigrante brasileiro, relacionadas à previdência social, sequestro de crianças ou adolescentes, direitos de tripulantes de embarcações ou armadoras estrangeiras, benefícios fiscais e de sepultamento.

           O trabalhador brasileiro no exterior contribui com a remessa de bilhões de dólares por ano, sem ser resguardado com nenhuma política nacional. O presente projeto pretende garantir-lhe a opção de contribuição retroativa referente ao período trabalhado no exterior. Paralelamente, incentiva-se a celebração de acordos bilaterais para validação, perante a Previdência brasileira, do tempo de trabalho formal no exterior, aproveitando, com isso, as contribuições recolhidas em favor do sistema previdenciário estrangeiro.

           Está previsto o crime de tráfico internacional de pessoas para fins de migração, como é o caso dos chamados coiotes. Além disso, previmos nove hipóteses de sanções administrativas por descumprimento da lei.

           Segundo a proposta que apresentei, de não criminalização da migração, consideramos crime, nos termos do art. 109, X, o tráfico internacional de pessoas para fins de migração, conjugando o Acordo sobre Tráfico Ilícito de Migrantes entre os Estados Partes do Mercosul, promulgado pelo Decreto nº 7.953, de 12 de março de 2013, cujo art. 4º requer a penalização desse fenômeno, enquanto o art. 5º isenta os migrantes dessa política criminal.

           O Código Penal prevê o crime de tráfico internacional de pessoas para fins de prostituição e de aliciamento de trabalhadores mediante fraude para fim de emigração enquanto o Estatuto da Criança e do Adolescente reprime o envio ilegal de menores para o exterior.

           Contudo, o tráfico de migrantes extrapola essas situações. O objetivo desse tipo penal, portanto, é a ação de terceiros, em que a fraude seria apenas elemento a ensejar o aumento de pena da ação de promover, facilitar, intermediar ou financiar a entrada irregular de pessoas em território estrangeiro, com o fim de lucro ou benefício material.

           Com esta proposta tenho convicção que dotaremos o País de legislação atual, adequado as boas relações internacionais, a defesa dos direitos humanos e das minorias e que nos colocarão no patamar das mais modernas legislações de migração do mundo.

           Muito origado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/08/2013 - Página 54559