Discurso durante a 138ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com o procedimento de contratação dos médicos estrangeiros admitidos pelo “Programa Mais Médicos”.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE, PROGRAMA DE GOVERNO.:
  • Preocupação com o procedimento de contratação dos médicos estrangeiros admitidos pelo “Programa Mais Médicos”.
Aparteantes
Acir Gurgacz, Ruben Figueiró.
Publicação
Publicação no DSF de 24/08/2013 - Página 56839
Assunto
Outros > SAUDE, PROGRAMA DE GOVERNO.
Indexação
  • CRITICA, PROGRAMA DE GOVERNO, GOVERNO FEDERAL, REFERENCIA, CONTRATAÇÃO, MEDICO, ORIGEM, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, MOTIVO, AUSENCIA, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, APREENSÃO, VIOLAÇÃO, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS, DEFESA, NECESSIDADE, TREINAMENTO, ENFASE, CONHECIMENTO, LINGUA PORTUGUESA, CARACTERISTICA, DOENÇA, POVO, BRASIL, ANUNCIO, REQUERIMENTO, AUTOR, ORADOR, OBJETIVO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, LOCAL, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES (CRE), SENADO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ASSUNTO, PAGAMENTO, ESTRANGEIRO, CONTRATADO.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Caro Presidente desta sessão, Senador Mozarildo Cavalcante, caros Senadores, Senadoras, nossos telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, eu vou voltar ao tema que abordei ontem, caro Presidente, pela relevância da matéria. Trata, exatamente, das questões relacionadas à saúde dos brasileiros.

            Logo após o meu pronunciamento, ontem à noite, quando estive aqui, nesta mesma tribuna, cobrando transparência do Governo Federal sobre os termos do acordo do Governo brasileiro para a contratação de quatro mil médicos cubanos, recebi uma ligação de um especialista do Rio de Janeiro, que se identificou, mas preferiu manter o nome em sigilo para evitar retaliações.

            Ele se identificou devidamente, informando que, dos R$10 mil previstos para a contratação de cada profissional de saúde de Cuba, apenas R$1,5 mil será usado para custear o salário deste clínico. Os R$8,5 mil restantes, segundo o informante, serão destinados ao Governo cubano.

            A informação, de acordo com esse profissional, é de conhecimento de funcionários do Governo que teriam participado do teor do acordo entre Cuba e o Brasil. Independentemente da exatidão e dos dados dessa denúncia, o fato é que as dúvidas sobre esta contratação continuam mais fortes.

            O Governo Federal não está sendo claro nem transparente sobre a forma de trabalho dos médicos cubanos que virão ao Brasil. Saúde é uma prioridade e os programas que estimulem a vinda de médicos estrangeiros - de qualquer lugar, não precisa ser, necessariamente, de Cuba, desde que sejam efetivos e operem com funcionalidade e eficácia - serão sempre bem-vindos, até porque temos que dar atenção à saúde da população.

            Se não for desta forma, fica parecendo mais uma propaganda enganosa e uma forma de escamotear um contrato que tem implicações, inclusive de ordem social, porque envolvem relações trabalhistas. Não importa se os médicos são cubanos, europeus, asiáticos, africanos ou norte-americanos. O que vale e o que conta é que esses profissionais, independentemente do gênero ou da nacionalidade, tenham condições de atender às básicas demandas do País, cumprindo a legislação brasileira e os tratados internacionais do trabalho.

            É preciso, também, fazer a devida observância aos preceitos morais e éticos da categoria médica atuante no território nacional.

            Hoje (23) pela manhã, o Bom Dia Brasil fez uma reportagem para explicar o que o Governo ainda não explicou sobre o formato dessa contratação de médicos cubanos. Na reportagem, procuradores do trabalho ouvidos pela Rede Globo afirmam que há irregularidades trabalhistas na primeira etapa do Programa Mais Médicos, com previsões de trazer os 400 primeiros médicos cubanos já na próxima semana.

            Por isso, eu pergunto: as relações de trabalho desses profissionais se darão em condições degradantes? Ora, se o Governo vai receber R$10 mil, vai dar só R$1,5 mil para o profissional e vai ficar com R$8,5 mil? É precarização, para dizer uma palavra muito leve. É mais do que isso. O programa com Cuba é um serviço a ser prestado de acordo com as regras da Organização Internacional do Trabalho, OIT, com sede em Genebra? Se esse projeto é considerado extremamente importante para melhorar a qualidade de vida da população de baixa renda, como diz o Governo, por que falta transparência sobre informações tão fundamentais e básicas para o bom funcionamento desse projeto?

            O jornal Zero Hora, de Porto Alegre, hoje publica um levantamento revelando que mais da metade dos profissionais brasileiros formados no País e inscritos no CRM do Rio Grande do Sul pretende permanecer na mesma cidade em que está residindo. A maioria deles fica concentrada em Municípios de médio e grande porte. Desse total, quase 70% ficarão em Municípios com mais de 100 mil habitantes.

            Estudo do Conselho Federal de Medicina feito neste ano mostrou que Porto Alegre é a segunda capital com mais médicos por habitante do País.

            O Presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul, o meu correligionário Prefeito de Santo Ângelo, Valdir Andres, avaliou como decepcionante a decisão do Governo de concentrar boa parte dos médicos em cidades grandes, como Porto Alegre e Pelotas, no caso do Rio Grande do Sul. Para o representante dos prefeitos, o programa não terá impacto no interior, onde a carência na saúde é maior.

            No caso dos médicos cubanos, os custos de moradia e de alimentação serão de responsabilidade dos Municípios que receberão esses profissionais. Portanto, há ainda muita incongruência ou muita desinformação desse programa. E os prefeitos estavam imaginando que tudo isso seria custeado pelo Governo Federal. Repassa-se para os Municípios, que já estão com situação financeira abalada, mais uma responsabilidade e um compromisso financeiro, embora os Municípios estejam desejando melhorar o atendimento médico.

            Nesse aspecto, caro Senador Mozarildo, Senador Figueiró, Senador Acir, a gente tem que lembrar que hoje a legislação determina que o Estado aplique 12% da sua receita em saúde. Os Municípios que apliquem 15%. Só que, como as pessoas moram nos Municípios, e 70% dos Municípios brasileiros têm até 20 mil habitantes, o que acontece? Todo mundo sabe onde mora o prefeito, todo mundo sabe onde moram os vereadores. Então, é fácil bater à porta do prefeito e querer internação em alguma instituição, e o prefeito tem que se virar.

            Por isso, hoje, as prefeituras, em média, aplicam não os 15%; em média, aplicam 22% a 25% da sua receita para atender à demanda, ou seja, tiram dinheiro de investimentos ou de outras áreas - da iluminação da cidade, da pavimentação, da melhoria das estradinhas vicinais - para concentrar no melhor atendimento à saúde. E os Estados estão aplicando os 12%? O meu Estado - não estou falando deste governo; é regra - não aplica metade dos 12%.

            Bom, a prima rica, que é a União, Senadores, nem os 10%. Aquilo que tanto se falou da Emenda nº 29. Isso nunca aconteceu. Então, não é justo que se obriguem as unidades mais frágeis, e, como Presidente da Subcomissão de Assuntos Municipais da Comissão de Assuntos Econômicos, eu tenho o dever de ter coerência para a defesa dos interesses municipais.

            A única forma de uma democracia e de uma Federação serem de fato fortalecidas será dar maior autonomia, dar maior descentralização, para evitar que o prefeito venha aqui todo ano de chapéu na mão, pedindo socorro e pedindo apoio financeiro para o Governo Federal. É uma situação absolutamente inadequada para o regime democrático e, sobretudo, para o sistema federativo brasileiro.

            Aliás, no caso do Mais Médicos, faltam informações detalhadas sobre a forma de atendimento nos 701 Municípios que não foram escolhidos por médicos brasileiros na primeira etapa do programa. Como eu disse ontem, em que condições esse primeiro grupo de médicos, 400, será transportado e recebido? Quais serão os custos dessa operação logística para o Brasil? Para onde irão? Para uma unidade militar? Como eles sairão de Cuba? Em aviões cubanos? Em aviões da FAB?

            As respostas a essas perguntas são fundamentais para evitar a precarização do serviço médico no Brasil, sobretudo aos mais necessitados, que precisam de diagnósticos precisos, principalmente por habitarem áreas com limitações de equipamentos e aparelhos médicos.

            A outra questão é que eles terão 120 horas de treinamento porque falam Espanhol, e o Espanhol falado em Cuba, que fica no Caribe, não é o mesmo que se fala aqui na Argentina. Há uma forma diferente de se pronunciar determinadas palavras, algumas são diferentes, também a designação das doenças. Então, como é que um ribeirinho, lá do interior da Amazônia, vai se comunicar com esse médico cubano?

            Então, no começo, eu imagino também essa dificuldade da língua. Haverá 120 horas de treinamento pela questão do idioma, para a comunicação. A esse fato, deve-se acrescer ainda a identificação das doenças, porque as doenças tropicais necessariamente não existem na ilha de Cuba. Inclusive, a própria designação dos medicamentos usados lá não é a mesma daqui. É claro que se pode dizer: “Há uma bibliografia médica que pode fazer isso.” Tudo bem! Mas a hora é de emergência. Nós estamos numa emergência, e até preparar esse profissional... Não adianta oferecer um serviço meia boca, básico, para a população, embora muitos entendam que ele é fundamental. Claro que é. É melhor uma atenção básica de prevenção do que não ter isso.

            É importante lembrar também os relatos de lucros para o regime de Cuba, de aproximadamente US$5 bilhões, com serviços prestados por médicos de Cuba, por exemplo, na Venezuela, pagos em troca de petróleo; na África do Sul e em outros países. Não se pode aceitar a exploração da atividade de trabalho de um profissional como um médico. É preciso garantir a assistência de saúde, mas com a devida precaução.

            Precisamos respeitar também a cultura local e as boas práticas trabalhistas. Cito o exemplo do meu Estado, o Rio Grande do Sul. A maioria dos médicos entrevistados afirma que a remuneração de R$10 mil foi a principal motivação para assumirem as vagas no Mais Médicos. Em segundo lugar, está claro o desejo desses profissionais de trabalhar com comunidades de baixa renda. A possibilidade de conciliar o trabalho com outros empregos ou com um estudo para a residência médica também é um interesse de muitos profissionais de saúde, nos casos em que é impossível conciliar os empregos atuais com o programa. Alguns preferem abandonar vagas na rede pública.

            Com muita alegria, concedo um aparte ao Senador Acir Gurgacz, que levantou a mão primeiro, e, em seguida, ao Senador Ruben Figueiró.

            O Sr. Acir Gurgacz (Bloco Governo/PDT - RO) - Meus cumprimentos, Senadora Ana Amélia, pelo tema abordado. Eu sou um dos Senadores que apoiaram este Programa Mais Médicos, em função das reuniões que tivemos com o Ministro Padilha e, na verdade, em função da necessidade de termos mais médicos em todas as cidades brasileiras. No meu Estado de Rondônia, há várias cidades em que não há médico. Mas o que me preocupa é que este Programa Mais Médicos pode ter nascido para atender a uma necessidade de Cuba, e não a uma necessidade da população brasileira. Pelo desenrolar do que está acontecendo nesse momento, já estava tudo programado, porque foram muito rápidos o anúncio e a ação do Governo no sentido de trazer os primeiros 500 médicos já na próxima semana. Nós conversamos, debatemos - V. Exª participou das reuniões -, e perguntamos: “Isso não é para atender aos médicos cubanos?” O Ministro respondeu: “Não, em hipótese alguma. Isso é para atender à população brasileira.” Assim, nós trabalhamos com a convicção de que o Programa Mais Médicos é para atender à população brasileira. Isso me preocupa. Algumas pessoas no meu Estado, Senador Figueiró, têm me questionado: “Mas será que o Brasil vai seguir o caminho da Venezuela, com programas sociais da maneira em que está acontecendo, trazendo médicos de Cuba? Será que vamos repetir o que acontece na Venezuela?” Eu sempre coloquei claramente: “Isso jamais acontecerá no Brasil.” Mas, em algum momento, começo a ter algumas dúvidas em relação a isso; começo a ter algumas dúvidas também sobre o nosso apoio irrestrito ao Governo, como fazemos no PDT. Temos hoje uma reunião importante do PDT aqui em Brasília, uma convenção nacional. Vamos debater, e levarei esse assunto, pois precisamos estar a par de todas as ações do Governo, principalmente em relação ao Programa Mais Médicos, que, no meu entendimento, é um programa importantíssimo para todo o Brasil, importantíssimo para o meu Estado, Rondônia, pois as pessoas precisam de médicos. Reclama-se muito da falta de estrutura para que os médicos venham. No meu entendimento, nós precisamos primeiro trazer os médicos, e a infraestrutura vem atrás. Não adianta infraestrutura sem o profissional. Com o profissional, o investimento acontece, seja ele investimento municipal, estadual ou federal. Nós mesmos, aqui no Senado, colocamos muitas emendas para a saúde pública através dos Municípios. Isso é o que eu faço no meu Estado de Rondônia. Sempre destinamos grande parte das nossas emendas para a infraestrutura da saúde pública dos Municípios, e isso vai acontecer com uma frequência muito maior, em função da vinda desses novos médicos. Portanto, cumprimento V. Exª. Ontem, nós iniciamos esse debate na Comissão de Agricultura. Não era o assunto, mas foi o primeiro microfone que encontrei ontem de manhã para falar da minha preocupação com relação à vinda desses médicos cubanos para o Brasil sem ter um contato direto com o médico e, sim, de país para país. É uma ação do Governo brasileiro com o governo cubano. Nós falávamos de uma ação do Governo brasileiro com os médicos brasileiros. E aí eu faço mais uma pergunta: como é que estão os médicos brasileiros que se formaram em outros países? Havia um compromisso do Ministro e também da Presidenta Dilma. Nas últimas reuniões que tivemos com a Presidenta Dilma, eu levantei essa questão. Nós precisamos dar preferência, dar prioridade aos médicos brasileiros que se formaram no exterior, que não têm o Revalida. Lá em Rondônia, nós temos uma universidade federal chamada Unir. A Unir não tem o curso do Revalida, que poderia ser feito para se revalidar o diploma dos médicos brasileiros que se formaram no exterior. Então, ficam essas perguntas, e aguardamos as respostas. Meus cumprimentos pelo seu pronunciamento, Senadora.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS) - Obrigada, Senador Acir Gurgacz.

            Muitas vezes, ouvi V. Exª com atenção desta tribuna defendendo o Mais Médicos. Como disse V. Exª, concordamos em gênero, número e grau em relação a resolver esse problema da assistência médica. E aí, seja com médicos cubanos, médicos europeus, médicos africanos, médicos americanos, de onde vierem, da Argentina ou do Uruguai, que são tão próximos, para resolver o problema. Agora, nós temos que cuidar, primeiro, da transparência, para evitar essas dúvidas, Senador Acir, que V. Exª levantou ontem. Eu até me penitencio, porque sou jornalista e deveria ter levantado a pauta, mas foi V. Exª, na Comissão de Agricultura, quem o fez. O tema é relevante, o tema está acima de qualquer coisa, porque é a saúde do povo brasileiro que está em jogo.

            Então, é exatamente a falta de transparência que está nos preocupando. Não os médicos cubanos. Mas, se eles tiverem aqui um trabalho sacrificado, precarizado, aí nós estaremos desrespeitando inclusive a legislação internacional, da Organização Internacional do Trabalho, e não é bom para o nosso País uma imagem desse tipo.

            Então, agradeço muito a V. Exª pela forma judiciosa, pela forma correta com que aborda esse problema.

            Queremos resolver o problema da saúde, sim, mas temos que ter cuidado, para evitar que uma desinformação acabe comprometendo. Nós temos essas dúvidas. Quem tem que dirimi-las, quem tem que esclarecê-las todas é o Ministro Alexandre Padilha e o Governo. Não pode pairar nenhum questionamento sobre como será e qual a eficácia do programa em relação à contratação dos médicos.

            Como V. Exª, eu pensava que o dinheiro dos R$10 mil ia direto para o bolso do médico. Não é assim, pela informação que recebi ontem. Ele vai receber R$1,5 mil, dos R$10 mil. O restante vai para o caixa do governo de Cuba. Então, isso é precarização do trabalho.

            Com muita alegria, concedo um aparte também ao Senador Figueiró.

            O Sr. Ruben Figueiró (Bloco Minoria/PSDB - MS) - Muito grato a V. Exª, Senadora Ana Amélia. Ontem, do meu gabinete, eu tive a oportunidade de ouvir o seu pronunciamento a respeito desse importante tema, que me impressionou, sinceramente. E, hoje, V. Exª volta à tribuna para reafirmar o seu ponto de vista e trazer novos detalhes a respeito. Eu sou daqueles que se solidarizaram, de maneira simpática, com a proposta do Governo com relação ao Programa Mais Médicos, apesar de advertências que recebi, inclusive, de minha família. Milha filha e meu genro são médicos e me alertaram sobre os perigos que esse programa poderia causar à saúde dos brasileiros. Mesmo assim, eu achei que deveria dar um crédito de confiança ao programa estabelecido pelo Governo Federal. Uma das afirmações que a Presidente Dilma fez - e V. Exª, naturalmente, há de se recordar - foi a de que não faria nenhuma negociação com o governo cubano se as relações, os entendimentos fossem de governo para governo, ou seja, não aceitaria, em hipótese alguma, a aparente proposta de que os médicos seriam funcionários do governo cubano, colocados à disposição do Governo brasileiro. O que se desejava era um entendimento direto com os profissionais, conforme V. Exª tem bem salientado no seu pronunciamento. Infelizmente, a palavra do Governo não foi cumprida. Hoje, já está estabelecido, com apenas uma diferença: em vez de as relações serem bilaterais, elas são triangulares, através da Organização Pan-Americana da Saúde. Isso, naturalmente, tem a intenção de desvirtuar, ou de esconder, ou de obscurecer, realmente, a intenção do governo cubano, que o Governo brasileiro aceitou. Essa é uma indagação que torna vulnerável esse compromisso firmado, além daquilo que V. Exª afirmou, que há uma denúncia com foros e verdade de que o médico cubano vai receber apenas R$1,5 mil pelo seu trabalho. Isso vai deixá-lo aqui, no Brasil, em condições de miserabilidade. Receber um abono de refeição ou de moradia não será absolutamente suficiente para a sobrevivência dele. Quem vai ganhar, na realidade, é o governo cubano.

            Outro detalhe, que V. Exª levantou agora, com que estou perfeitamente de acordo: será que a União Internacional do Trabalho vai encarar esse assunto com uma relação humana entre o Brasil e os médicos cubanos? Será que nós não vamos ser penalizados? Outro assunto é a questão do Revalida. Nós exigimos dos brasileiros que vêm do exterior que façam o Revalida. E agora eles vão entrar aqui com passe verde, e, como diz o americano, com o Green Card, desvirtuando, enfim, o que existe na legislação brasileira. São indagações, sinceramente, além daquelas que V. Exª citou com tanta propriedade, que nos deixam em dúvida. O Governo brasileiro, infelizmente, não tem dado esclarecimentos perfeitos a respeito desses dados que V. Exª focalizou e que o Senador...

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS) - Acir.

            O Sr. Ruben Figueiró (Bloco Maioria/PSDB - MS) - ... do Estado de Rondônia...

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS) - Acir Gurgacz.

            O Sr. Ruben Figueiró (Bloco Maioria/PSDB - MS) - Olhe a memória de um sujeito que já passou da idade para estar aqui.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS) - Não, não, Senador; são 81.

            O Sr. Ruben Figueiró (Bloco Maioria/PSDB - MS) - Acir Gurgacz, com muito prazer. O que quero dizer a V. Exª, finalmente, é que o pronunciamento de V. Exª e o aparte do Senador Acir Gurgacz vêm ao encontro do meu pensamento e creio que também do pensamento do Senador, nosso Presidente, Mozarildo Cavalcanti.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS) - Que é médico.

            O Sr. Ruben Figueiró (Bloco Maioria/PSDB - MS) - Que é médico e, portanto, tem mais autoridade que nós outros. Portanto, a minha solidariedade a V. Exª. Espero que V. Exª bata nisso na segunda, na terça, na quarta, na quinta, na sexta-feira da semana que vem e tantas vezes quantas forem necessárias, para despertar o Governo Federal sobre o erro que ele está cometendo, e que vai pagar, sem dúvida alguma, no dia de amanhã. Meus cumprimentos a V. Exª.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS) - Agradeço-lhe muito, Senador Ruben Figueiró.

            Vejam só, o Senador Acir é de um Partido, o PDT, que está na base do Governo e tem a responsabilidade de um Senador, no exercício do seu mandato, com visão crítica. É isto que a rua pede: que nós tenhamos responsabilidade. Então, não é pelo fato de ser do Governo que o senhor vai engolir o que vem, de prato feito, por parte do Governo. Eu queria cumprimentá-lo por isso.

            Da mesma forma como o senhor apoiou o Mais Médicos, desde o primeiro momento, o Senador Ruben Figueiró, que é de um partido de oposição e faz uma oposição responsável nesta Casa, o apoiou, desde o começo, porque conhece a realidade dos Municípios do Mato Grosso do Sul, que ele representa tão bem.

            Agora, ele cobra aquilo como um Senador que é independente ou de um partido da base do Governo. O meu partido é da base do Governo, e tenho absoluta independência - não tenho nenhuma relação de dependência com o Governo, não tenho nenhum cargo que alguém tenha dito: “A Senadora Ana Amélia...” Não, nada - para ter exatamente a liberdade de dizer isso que estou dizendo aqui.

            Então eu me sinto muito à vontade e muito feliz com os apartes de V. Exªs, porque estão numa posição também de coerência. E o senhor, inclusive, que é de oposição e enfrenta oposição da família. O senhor não disse, mas o seu genro é um dos maiores oncologistas do País, Dr. Paulo Hoff, que eu ouvi aqui na Comissão de Assuntos Sociais ao debater questões relacionadas a prevenção do câncer, em um projeto de minha autoria que está na Câmara para ser votado e que trata de incluir a quimioterapia oral nos planos de saúde para prestar atenção aos pacientes.

            Isso, Senador Figueiró, representa exatamente aquilo que nós temos que cobrar. E tanto o aparte do Senador Acir Gurgacz quanto o seu, neste momento, levam-me a tomar duas decisões: a requerer, imagino que o Senador Mozarildo vai falar, à Comissão de Assuntos Sociais que o Ministro da Saúde compareça à Comissão de Assuntos Sociais para esclarecer e à Comissão de Relações Exteriores. A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) vai esclarecer também os detalhes desse acordo, já que, como disse V. Exª, e muito bem lembrado, ele é um acordo triangular. Para não parecer que é direto governo, então usaram a Organização Pan-Americana de Saúde. Mas, mesmo como organismo internacional, nós temos o dever, o direito de saber os termos desse acordo.

            Como eu ia dizendo, em relação ao atendimento no Rio Grande do Sul, dos 19 profissionais que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pelo menos cinco afirmaram que abandonarão os empregos atuais para participar do Mais Médicos, o que representa quase 30%.

            Na prática, o programa está trocando seis por meia dúzia, pelo menos no caso do meu Estado, porque ele sai do SUS para ir para o Mais Médicos. Então fica o SUS desabrigado. Veja só aonde vai isso! Ele está saindo do SUS, porque ganha pouco, para ir para o Mais Médicos, onde se ganha mais.

            Em vez de atrair novos profissionais com plano de carreira, o programa está atraindo médicos que já atuavam na saúde pública, mas com um baixo salário, também precarizado.

            Na última quinta-feira, em audiência realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), sob a Presidência da Senadora Ana Rita, que até mencionou ontem esse episódio, Senadores discutiram detalhes do programa criado pela Medida Provisória nº 621, como a contratação de estrangeiros e o estágio obrigatório para acadêmicos de medicina no Sistema Único de Saúde.

            O Presidente da Federação Nacional dos Médicos, Geraldo Ferreira, disse que a medida - e olha que ele está operando com base e apoio ao governo - viola os direitos dos estrangeiros e pode levar ao "trabalho escravo". Essa é uma declaração do Presidente da Federação Nacional dos Médicos, Geraldo Ferreira.

            Para ele, a contratação de cubanos “tem características de trabalho escravo e representa uma clara violação de direitos trabalhistas, porque eles vêm sem uma revalidação [do diploma, referido pelo Senador Figueiró e também pelo Senador Acir] e sem concurso, ficando desprotegidos”.

            Do modo como está sendo feito, há uma simulação de ensino a profissionais que vêm para trabalhar. Isso é irregular do ponto de vista dos tratados internacionais. Portanto, acho que mais transparência é tudo que nós precisamos para sermos eficientes na melhoria do sistema público de saúde do Brasil. O contrário é displicência e também um descuido, para não dizer irresponsabilidade.

            Tomo a liberdade agora, para encerrar, Senador Mozarildo, de ler aqui pelo menos quatro mensagens - porque eu, como jornalista, opero muito as redes sociais - do Facebook, de ontem, de logo após o meu pronunciamento.

            Emilson Nunes Costa, Volta Redonda, Rio de Janeiro:

Cara Senadora Ana Amélia, uma sugestão de pergunta para que a senhora faça ao Governo Federal [abro aspas]: “São 4 mil médicos cubanos que virão para cá. Provavelmente, alguns pedirão asilo. [Olhem só aonde vai.] Em pedindo [asilo], como agirá o Governo brasileiro? Mandando-os para Cuba, do jeito que mandou aqueles boxeadores?”

            Marcelo Aranha de Sousa Pinto, Guarujá, São Paulo:

Basta que os Ministérios envolvidos mostrem aos brasileiros cópia do contrato firmado e todas as suas cláusulas. Assim, e só assim, saberemos as consequências jurídicas de cláusulas que podem ‘não estar contidas’ e mesmo cláusulas existentes em conflito direto com legislações diversas.

Não se quer a judiciailização para se obter cópia do contrato, mas há, relações intricadas e há obrigações e responsabilidades que se está assumindo.

Debater e postar apenas as virtudes e pontos do mérito humanitário ou ficar parte do tempo a defender, em palavras, a maturidade dos méritos cubanos ou acordos já firmados com outros países é insuficiente e fragiliza as boas intenções.

[Olhem só que preciosidade de avaliação de quem está acompanhando o assunto.]

Haverá entidades e órgãos que pedirão na justiça uma cópia desse acordo, desse contrato. Antecipem e enfrentem esta realidade de direitos.

            Então, eu digo ao Marcelo Aranha de Sousa Pinto, lá de Guarujá, São Paulo, que a iniciativa será tomada aqui no Senado, na Comissão de Assuntos Sociais e também na de Relações Exteriores, se for o caso.

            João Corrêa Bremm:

O mais provável é que, se for um contrato com o governo de Cuba, em caso de pedido de asilo, e se esse for aceito [veja só] (lembra dos boxeadores?), será que poderão continuar a trabalhar como médicos? Sem ver as cláusulas desse acordo, fica difícil responder.

            As pessoas estão muito atentas. E isso é muito bom para o nosso País.

            Simone Pires, também de São Paulo: “O regime de semiescravidão que acaba de ser contratado é um desrespeito aos brasileiros e [também] aos cubanos”.

            Por fim, a propósito do mesmo assunto, o repórter Thiago Jansen tem uma matéria que retrata aqui o rígido controle do governo da Ilha sobre os seus médicos: “Médicos contam que só ficam com pequena parte do salário.”

            O Thiago ouviu médicos - um médico e uma médica - e eu vou ler textualmente, quero que seja transcrito nos Anais do Senado. Diz ele, na matéria que está publicada hoje no jornal, na página 7A:

Uma interessante oportunidade pelo aspecto profissional, mas problemática pelas restrições pessoais e pela falta de liberdade. É assim que médicos cubanos ouvidos pelo GLOBO descrevem a experiência que tiveram ao participar de programas de exportação de profissionais de saúde de Cuba para outros países.

Enviado para trabalhar no interior do Brasil na década de 1990, como parte de um convênio entre o governo de um estado brasileiro e Cuba, o médico “X”, que prefere se manter anônimo, conta que os cubanos selecionados não podiam se recusar a viajar sem que sofressem sanções.

- Se recusasse, era considerado quase um contrarrevolucionário, o que lhe provocava uma série de dificuldades profissionais e pessoais. Acabava sobrando até para a família dele, que passava a ser hostilizada [lá].

O profissional também critica a pouca remuneração [Diz ele]:

Eu ficava com o equivalente a US$300 de um total de US$ 1.800. Quem recebia o dinheiro era a embaixada cubana, que depois nos passava a nossa parte. Quando sobrava um pouco, enviávamos de volta para a família em Cuba. Era muito pouco pela quantidade de trabalho.

Antes do fim dos dois anos do programa, “X” desertou e fugiu. Depois, homologou seu diploma de Medicina no Brasil, e hoje atua [...] [aqui]:

- O maior castigo é que o governo de Cuba não permite o retorno [...][à Ilha] [Porque ele desertou].

Enviada para a Bolívia há cerca de seis anos, a médica cubana “Y” conta que trabalhou por um ano e meio antes de desertar. Ela diz que recebia cerca de U$300 “de bolsa” para se sustentar na Bolívia. Quanto ao seu salário real, o governo cubano depositava cerca de 30% dele numa conta à qual ela só teria acesso ao fim do programa. Como saiu antes, não recebeu nada.

Comparado com a média do que o médico ganha em Cuba, US$27 por mês, a oportunidade dos US$300 mensais parece boa, mesmo com todas essas ressalvas.

            Eu penso que esse relato do repórter Thiago Jansen completa e expressa aqui as indagações que nós estamos fazendo de que é preciso, é necessário que o Ministério da Saúde apresente, divulgue, mostre, inclusive para esta Casa, para a sociedade brasileira os termos do acordo firmado para trazer os quatrocentos que chegarão.

            De novo eu repito: Onde ficarão? Quem os trará para cá? Aviões da FAB? Aviões da Força Aérea? Ficarão em unidades militares? Agora, dizem que os Municípios é que vão fazer. Como vai ser feita a distribuição? Será que um médico que vai receber R$1.500,00 vai se sustentar com isso?

            Todas essas perguntas precisam, necessariamente, ser respondidas. É um direito da sociedade brasileira, em épocas de transparência e de acesso à informação.

            Muito obrigada, Presidente.

 

DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA ANA AMÉLIA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

- O rígido controle do Governo da Ilha - O Globo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/08/2013 - Página 56839