Discurso durante a 125ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso do sétimo aniversário de vigência da Lei Maria da Penha.

Autor
Ana Rita (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Ana Rita Esgario
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM, LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Registro do transcurso do sétimo aniversário de vigência da Lei Maria da Penha.
Aparteantes
Lídice da Mata, Vanessa Grazziotin.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/2013 - Página 51765
Assunto
Outros > HOMENAGEM, LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, LEI MARIA DA PENHA, COMENTARIO, IMPORTANCIA, LEGISLAÇÃO, OBJETIVO, COMBATE, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER.

            A SRª ANA RITA (Bloco Governo/PT - ES. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, hoje, dia 7 de agosto, a Lei Maria da Penha, aprovada, por unanimidade, por este Parlamento, está completando sete anos de vigência.

            Avaliar o impacto dessa legislação na sociedade brasileira e seu cumprimento foi um dos objetivos da CPMI da Violência Contra a Mulher, da qual fui Relatora.

            Embora, sete anos seja um período curto para mudanças, tanto na cultura jurídica quanto nas relações de gênero, a CPMI da Violência Contra a Mulher produziu um diagnóstico sobre a lei, que considero importante trazer ao conhecimento deste Plenário e da sociedade.

            A Lei Maria da Penha é a mais importante legislação de proteção integral às mulheres em situação de violência. Essa proteção integral é formada por três dimensões: a da prevenção, a da assistência e a da repressão à violência.

            Destaco que a Lei Maria da Penha talvez seja a legislação mais popular deste País e também a mais conhecida. Conforme atesta pesquisa realizada pelo DataSenado, em março deste ano, 99% das mulheres conhecem a Lei Maria da Penha e 66% delas se sentem mais protegidas depois da criação da lei. Apesar disso, conforme estima a mesma pesquisa, mais de 13,5 milhões de mulheres já sofreram algum tipo de agressão, o equivalente a 19% da população feminina com mais de 16 anos. Destas, 31% ainda convivem com o agressor; e, das que convivem com o agressor, 14% ainda sofrem algum tipo de violência.

            É interessante observar ainda que, no Sul, 80% das mulheres entrevistadas confiam na eficácia da lei. Em contraste, 41% das mulheres negras sentem-se mais desprotegidas, contra 28% das mulheres brancas e 31% das pardas. Esses dados demonstram a maior vulnerabilidade das mulheres negras e pardas e servem de alerta para a elaboração das políticas de enfrentamento à violência doméstica e familiar.

            Como mencionei, a Lei é de proteção integral e a abrangência de suas ações requer a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação, ou seja, a atuação, a articulação de todos os poderes constituídos e a formação de uma rede de atendimento especializada.

            Com isso, quero reforçar a ideia de que a Lei Maria da Penha transcende o aspecto meramente punitivo. Por exemplo: no âmbito preventivo, a Lei prevê a realização de estudos, pesquisas, estatísticas e sistematização de dados que deverão ser utilizados para a elaboração das políticas e terem seus resultados avaliados. Ainda nesse aspecto, a Lei dispõe sobre a promoção de campanhas educativas de prevenção à violência doméstica e familiar contra a mulher, o controle da propaganda sexista, a capacitação permanente de operadores do sistema de justiça e de servidores que atendam mulheres em situação de violência.

            Na perspectiva assistencial, a Lei estabelece a inclusão da mulher em programas assistenciais governamentais, além da possibilidade de acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta, e manutenção do vínculo trabalhista quando necessário o afastamento do trabalho por até seis meses, além de toda a assistência médica necessária e cabível nos casos de violência sexual.

            Por fim, a Lei prevê medidas protetivas de urgência, dispõe sobre a criação dos Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a violência e proíbe a pena de multa, a conciliação, a transação penal e a suspensão condicional do processo em crimes de violência doméstica previstos na Lei dos Juizados Especiais Criminais. No entanto, apesar de toda essa inovação jurídica, desde sua promulgação, a Lei Maria da Penha enfrentou inúmeros obstáculos. O primeiro deles foi a contestação sobre sua constitucionalidade por se destinar exclusivamente às mulheres e por ter afastado a Lei dos Juizados Especiais Criminais que trata dos crimes de menor potencial ofensivo.

            A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Governo/PCdoB - AM) - Senadora Ana Rita...

            A SRª ANA RITA (Bloco Governo/PT - ES) - Sim, Senadora Vanessa Grazziotin.

            A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Governo/PCdoB - AM) - V. Exª me concede um aparte?

            A SRª ANA RITA (Bloco Governo/PT - ES) - Sim. Eu só gostaria de concluir este parágrafo.

            Esse debate foi finalmente suplantado em 9 de fevereiro de 2012 por decisão do Supremo Tribunal Federal que, por unanimidade, considerou constitucional todos os seus artigos.

            O Supremo Tribunal Federal também decidiu que, em caso de lesão corporal de natureza leve, a ação é pública, incondicionada e a denúncia de violência pode ser feita por qualquer pessoa. Por isso, diante de uma denúncia de violência contra mulheres, as autoridades públicas têm o dever de agir com rapidez e com eficácia.

            Essas duas decisões do Supremo Tribunal Federal foram importantíssimas para firmar o correto entendimento da lei e acabar com as supostas divergências que levavam muitos operadores do Direito a não aplicarem a lei.

            Senadora Vanessa Grazziotin, concedo um tempo para V. Exª.

            A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Governo/PCdoB - AM) - Muito obrigada, Senadora. Eu, na realidade, irei à tribuna...

            A Srª Lídice da Mata (Bloco Governo/PSB - BA) - Pela ordem.

            A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Governo/PCdoB - AM) - ... daqui a alguns minutos também para falar dos sete anos que completa, hoje, a Lei Maria da Penha, que é a razão do seu pronunciamento. Eu apenas solicitei o aparte, Senadora Ana Rita, para destacar o papel que V. Exª tem tido para o Senado e, sem dúvida nenhuma, para o Brasil inteiro. V. Exª aqui esteve, ao lado da Deputada Jô Moraes, coordenando - V. Exª como Relatora e a Deputada como Presidente - a CPMI importante que tratou da violência contra a mulher, uma CPMI que concluiu há pouco tempo os seus trabalhos e aprovou um relatório que, eu não tenho dúvida nenhuma, Senadora Ana Rita, servirá para o fortalecimento ainda maior da Lei Maria da Penha. Então, esta minha solicitação de aparte é apenas para cumprimentar V. Exª e para falar, aqui, de público, para que todo o País escute, da sua dedicação na luta contra a violência que, infelizmente, as mulheres sofrem no Brasil ainda hoje. Parabéns, Senadora Ana Rita.

            A SRª ANA RITA (Bloco Governo/PT- ES) - Obrigada, Senadora Vanessa Grazziotin. V. Exª também tem sido uma grande parceira nessa luta.

            Eu concedo, também, um tempo à Senadora Lídice da Mata.

            A Srª Lídice da Mata (Bloco Governo/PSB - BA) - Senadora Ana Rita, também quero parabenizar V. Exª pelo pronunciamento que faz. V. Exª presidiu a CPMI da Violência contra a Mulher e também é Presidente da Comissão de Direitos Humanos nesta Casa, destacando-se, cada vez mais, na luta em defesa dos mais excluídos na sociedade, excluídos de tudo, muitos deles discriminados profundamente pelas maiorias existentes na nossa vida social. V. Exª destaca, neste momento, justamente os sete anos da conquista da Lei Maria da Penha, que, para todas nós, mulheres, é motivo de comemoração, no sentido de que ela consegue fazer ser possível a punição da violência doméstica, aquilo que era considerado praticamente um obstáculo intransponível. Porque falar em violência contra a mulher é falar, principalmente, em violência doméstica, porque esse é o tipo de violência que mais acomete a vida das mulheres.

(Soa a campainha.)

            A Srª Lídice da Mata (Bloco Governo/PSB - BA) - Por isso, quero parabenizar o papel que V. Exª tem desempenhado nessa nossa luta aqui, representando-nos cada vez melhor. Não apenas as mulheres do Espírito Santo têm orgulho do trabalho de V. Exª, mas todas nós, suas colegas e companheiras de trabalho nesta Casa.

            A SRª ANA RITA (Bloco Governo/PT - ES) - Obrigada, Senadora Lídice da Mata, também companheira, membro da CPMI que fez todo o trabalho de investigação sobre a violência contra as mulheres.

            Quero destacar, ainda, que a CPMI constatou que a cultura jurídica no País ainda resiste a entender que a Lei Maria da Penha foi criada para proteger as mulheres em situação de violência e que, para isso, as medidas protetivas de urgência não podem depender de outros elementos além do relato da vítima. Saliento: a concessão das medidas protetivas de urgência não depende de testemunhas, até porque é difícil ter testemunha no momento da agressão ou da violência.

            Outro aspecto constatado pela CPMI refere-se à necessidade de capacitação permanente dos servidores do sistema de Justiça, que, em muitos casos, não conseguem escutar, não registram a ocorrência na hora, não tomam o depoimento da vítima no momento do registro. Muitos desses fatos ocorrem pela insuficiência de servidores...

(Soa a campainha.)

            A SRª ANA RITA (Bloco Governo/PT - ES) - ... outras vezes, pela ausência de capacitação. Tudo isso tem um impacto negativo na apuração das ocorrências e na punição dos agressores.

            Além disso, a CPMI verificou, também, a precariedade e a insuficiência das delegacias de mulheres no País, o não funcionamento 24 horas, o déficit de servidores, isto é, uma situação que prejudica enormemente o acesso à Justiça.

            A situação dos institutos de perícia médica visitados pela CPMI, órgãos importantes para a emissão de laudos de agressão e de crime sexual, é muito deficitária, pois, em geral, estão com estrutura física, material e de pessoal bastante precária.

            O número reduzido de juizados ou varas especializadas no País, de promotorias e defensorias da mulher constitui também um obstáculo para a aplicação efetiva da lei.

(Interrupção de som.)

            A SRª ANA RITA (Bloco Governo/PT - ES) - No âmbito da aplicação, ainda se vislumbram interpretações sexistas da lei, como no caso de Elisa Samudio, analisado pelo CPMI e que motivou recomendação aos órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público, para que orientem seus integrantes a aplicar a Lei Maria da Penha sem interpretações sexistas e discriminatórias, pois qualquer relação íntima de afeto deve ser protegida pela lei.

            Hoje, o Conselho Nacional de Justiça realiza a 7ª Jornada sobre a Lei Maria da Penha, em que deve reafirmar o seu compromisso com a lei. O Conselho Nacional de Justiça tem um importante papel no desenvolvimento de recomendações aos integrantes do Poder Judicial, razão pela qual a CPMI fez 11 recomendações específicas ao órgão, com o intuito de contribuir para a melhor aplicação da lei. Igualmente ao Conselho Nacional do Ministério Público e ao Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, a CPMI faz 13 recomendações com o mesmo objetivo.

            Destaco, agora, as sugestões da CPMI para alterar pontualmente a Lei Maria da Penha, visando melhorar a sua implementação, através da apresentação de três projetos de lei.

            Peço, Sr. Presidente, mais uns três minutos para que eu possa mencionar quais os projetos de lei que estamos propondo e que esta Casa deverá apreciar nos próximos meses.

            A primeira alteração estabelece que o juiz se manifeste sobre a concessão ou manutenção de medidas protetivas em caso de sentença condenatória. Em alguns casos, é importante manter a medida protetiva, independentemente da condenação. A outra, determina a comunicação ao juiz e ao Ministério Público em até...

(Interrupção de som.)

            A SRª ANA RITA (Bloco Governo/PT - ES) - ...24 horas sobre encaminhamento da mulher vítima de violência ao abrigamento - em geral, casas de abrigo - para que decida sobre a necessidade ou não de pedir medidas protetivas contra o agressor.

            Trata-se de medida importante, pois não queremos que a mulher vítima de violência seja refém. Em alguns casos, o Ministério Público pode solicitar e o juiz determinar a prisão do agressor, a mulher continuar em sua casa e retomar minimamente suas atividades normais.

            Outra proposta altera a Lei Maria da Penha para definir que apenas o juiz possa estipular fiança em caso de violência doméstica e familiar contra a mulher. Hoje, a autoridade policial pode fazê-lo e, não raro, mulheres são mortas após logo após a concessão da fiança.

            A última proposta apresentada pela CPMI...

(Soa a campainha.)

            A SRª ANA RITA (Bloco Governo/PT - ES) - ... impede a realização de audiência ou qualquer ato oficial para inquirir se a vítima quer renunciar ao processo contra o agressor, caso ela já tenha se manifestado contrariamente à renúncia, nos casos em que a lei admita esta possibilidade.

            Para concluir, Sr. Presidente, ressalto ainda, duas proposições igualmente relevantes da CPMI: a criação de um Fundo Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher para a melhor implantação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, da Secretaria de Políticas para as Mulheres. O objetivo é destinar recursos para a construção e manutenção de equipamentos sociais, para a formação e qualificação profissional, para campanhas, para programas de atendimento jurídico e assistenciais a mulheres, dentre outros. Recursos são fundamentais para a constituição da rede integral prevista na Lei Maria da Penha, pois, como verificou a CPMI, os Estados e Municípios destinam muito poucos recursos para o enfrentamento à violência doméstica e familiar contra mulheres.

            E, para que a lei Maria da Penha contribua para uma efetiva mudança simbólica na vida de cada brasileira, o Congresso Nacional continuará a contribuir não apenas com a aprovação dessas propostas, mas também através da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher proposta pela CPMI em Projeto de Resolução.

            Com isso, Sr, Presidente, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, eu acredito que, em um curto espaço de tempo, a Lei Maria da Penha não será apenas a legislação mais conhecida no País, mas também a mais eficaz na prevenção da violência doméstica e familiar contra as mulheres brasileiras.

            É isso, Sr. Presidente.

            Muito obrigada pela atenção de todos e de todas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/2013 - Página 51765