Discurso durante a 149ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre as manifestações populares marcadas para o 7 de setembro; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Considerações sobre as manifestações populares marcadas para o 7 de setembro; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 07/09/2013 - Página 61212
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, INDEPENDENCIA, BRASIL, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, POPULAÇÃO, CRITICA, AUSENCIA, QUALIDADE, SERVIÇOS PUBLICOS, NECESSIDADE, MELHORAMENTO, MODELO POLITICO, COMBATE, CORRUPÇÃO, DEFESA, ELIMINAÇÃO, VOTO SECRETO, CONGRESSO NACIONAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta Ana Amélia, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, sem ter combinado, acho que venho falar em continuidade ao que falou a nossa querida Senadora Ana Amélia.

            Amanhã, estaremos comemorando, Senador Simon, 191 anos da nossa Independência. Se olharmos ao redor, é longo o caminho que nós caminhamos, muito longo, desde aquele grito na margem do Ipiranga até sermos uma das grandes potências econômicas do mundo e termos 80% da nossa população urbanizada. Temos um longo caminho. Mas quem ouviu, hoje de manhã cedo, o rádio e viu a televisão deve ter tido a atenção chamada para duas coisas menores, mas de grande significado.

            Grande foi a presença da nossa Presidenta, ao lado do Presidente dos Estados Unidos, numa posição inclusive de forte respeitabilidade na crítica e no pedido de explicações do Presidente norte-americano, em relação a esses atos absurdos de espionagem feita no Brasil. A posição dela, ali, ao redor de outros chefes de Estado do Grupo dos 20, é prova de que o Brasil, como disse a Senadora Ana Amélia, seguiu um longo caminho.

            Mas, volto a dizer, quem viu o jornal e a televisão deve ter prestado atenção em duas coisas que chamaram muito a minha preocupação: a primeira, um grupo de jovens sentados em cima de um carro da polícia, em forma de rebeldia e de deboche, e impedindo o carro de avançar, até que algumas ações foram tomadas. Isso em defesa de coisas que eles não estão encontrando positivamente de nossa parte; eles estão se manifestando não apenas por anarquismo, mas por descontentamento; estão chegando ao ponto de mostrar que o Brasil vive uma guerrilha cibernética, porque é uma guerrilha convocada pela internet. Esse fato se junta a um que vimos até recentemente, quando a câmara de vereadores não podia se reunir se não pedisse licença aos manifestantes; ou seja, o Estado e o povo na rua estão em conflito. Não se trata mais da guerra civil, que a gente vive há 20 ou 30 anos, dos desesperados; trata-se, agora, de uma guerrilha dos desiludidos.

            Ao mesmo tempo, a notícia que ouvi na rádio de que a Presidenta, por influência da sua segurança, não estaria aceitando o que a segurança dizia de adiar a chegada dela para o desfile militar do Sete de Setembro. A posição dela, correta, é de estar presente em quaisquer que sejam as circunstâncias; e a segurança, preocupada com o que pode acontecer, tentando convencê-la a adiar por algumas horas a chegada ao Brasil de volta da reunião do G20.

            Isso já é muito preocupante, mas, mais preocupante ainda, é que, considerando que vai prevalecer a sua posição firme de ir ao desfile, a segurança estaria prevendo - e ponho entre aspas o que ouvi - “quatro pontos de fuga, caso a Presidenta seja obrigada a sair da tribuna em função das manifestações”.

            São notícias. Não dá para a gente dizer que isso é verdade, não dá para a gente dizer que isso está acontecendo. Mas são notícias que se somam. De um lado, o povo na rua enfrentando o Estado pelo descontentamento, pela desesperança e, do outro, o Estado recuando. E o mais preocupante que isso é o que está provocando e o que nós estamos fazendo.

            Ao final, Senadora Ana Amélia, eu vou fazer um desafio. E acho que a senhora é uma das que podem aceitar aqui, mas vou deixar para o final.

            O que nós vemos hoje é que nós estamos dando as costas para o que está acontecendo no Brasil. Senadora Ana Amélia, eu repito o que eu já disse num desses dias: Eu creio que nós não estamos à altura do momento histórico que nós estamos vivendo. Eu digo “nós” para não ficarem apenas dizendo que eu não estou. Mas não estou, nós não estamos. Nós estamos, ao invés de olhando para o povo, entendendo o que se passa e propondo alternativas, que é o papel do líder, virando as costas para o povo.

            E o povo já não aguenta mais isso calado, porque caiu a ficha. Caiu a ficha. Caiu a ficha da impunidade, como a senhora disse. O povo cansou da impunidade. Caiu a ficha das prioridades equivocadas ao longo do tempo. Caiu a ficha do voto secreto, da falta de transparência, como a senhora disse. Caiu a ficha da nossa tolerância com atos que esta Casa mesma faz. Caiu a ficha do nosso distanciamento em relação ao povo. O povo não se sente mais naquele casamento necessário entre líderes e liderados, entre povo e dirigentes. Caiu a ficha da ineficiência econômica, outro fato de que a senhora fala muito, total ineficiência econômica. Caiu a ficha do jeitinho que a gente usa para tudo no social. Eu sou um dos defensores do Mais Médicos. Mas é claro que é um jeitinho para tentar consertar o que não se fez ao longo de décadas. Eu sou a favor das cotas, mas é claro que é um jeitinho para compensar o erro de não fazer o esforço correto na educação ao longo de décadas. Nós temos tido governos dos jeitinhos. Caiu a ficha, Deus! Caiu a ficha do descaso dos serviços públicos. Caiu a ficha de que aquela promessa de que todos teriam os melhores hospitais do mundo aqui para todos não é verdade. Vamos ter os melhores hospitais do mundo para poucos.

Caiu a ficha de que comprar um carro não basta para ter um transporte satisfatório. Ao contrário, engarrafa ainda mais e aprisiona o comprador do carro com seu endividamento. Caiu a ficha da violência urbana. Já não é mais uma questão de um assalto ou outro, é uma questão de guerra civil que nós vivemos. Caiu a ficha do desprestígio do Congresso e dos partidos, todos eles, sem exceção. Eu repito: sem nenhuma exceção. Caiu a ficha, sobretudo, talvez - mas todas são graves -, da perda da esperança dos jovens, que hoje são chamados os “sem-sem”: os sem estudo, os sem trabalho e mais um “sem”, que é o sem esperança. Caiu a ficha.

            Agora veja, Senadora, como nós estamos de costas para o povo, para a história, como nós não estamos à altura dela. É que não estamos percebendo que, da mesma maneira como cai a confiança do povo, quebra-se o pacto que existe em qualquer sociedade para que ela conviva, acaba-se com o acordo social que nos une, e, nesse mesmo momento, surge uma arma que faz com que partidos, sindicatos, tudo isso, fique relegado. O momento em que temos lideranças sem necessidade de líderes.

            Nós temos revoluções sem líderes. A liderança é feita por todos. Basta qualquer jovem chegar a casa descontente com um fato, colocar no computador um convite para uma manifestação, e a manifestação acontece no outro dia com um número suficiente para quebrar o bom funcionamento da sociedade.

            Isso não era possível antes sem a imprensa, sem partidos, sem organizações. Hoje, a gente faz sem organizações; hoje, a gente faz sem partidos; hoje, a gente faz espontaneamente, e isso faz com que o País possa ser paralisado. O mais grave: ele já está meio paralisado.

            Quem, hoje, vai para um aeroporto tomar um avião não sabe se chegará na hora, seja pelo trânsito, desorganizado pela quantidade de automóveis - a alternativa que a gente propunha virou problema -, seja pelas manifestações próximas aos aeroportos. Por qualquer motivo.

            Para amanhã, estão previstas 172 manifestações. Isso vai continuar, ao longo de anos ou de décadas, inviabilizando o bom funcionamento, se nós não conseguirmos encontrar um caminho. E esse caminho não é a repressão.

            Eu não tenho nenhuma simpatia por manifestantes mascarados, mas me preocupa muito que comecemos proibindo os mascarados; depois, vamos proibir os que estão sem camisa; depois, vamos proibir os que usam chapéus; e, no final, vamos proibir todos de irem para as ruas.

            Nós não estamos à altura de entender a gravidade desses dois fatos, Senador Simon: a falência do acordo social e o surgimento de uma arma poderosa para manifestações, que é a internet. Nós não estamos à altura. E o que é que a gente precisa tratar?

            E aqui vem um desafio, Senador Pedro Simon. Esta Casa deveria tentar construir um novo pacto social para o Brasil...

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco Maioria/PP - RS) - Senador.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ... um novo acordo social para o Brasil.

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco Maioria/PP - RS) - Senador Cristovam, desculpe interrompê-lo, mas, como estamos recebendo aqui alunos e professores do Programa Escola na Câmara, do Centro de Ensino Fundamental nº 1 de Brazlândia, eu queria apenas dizer que o Senador Cristovam foi nosso Governador, foi Reitor da Universidade de Brasília, Ministro da Educação e tem um compromisso enorme com o que vocês vêm fazer aqui. O Senador Cristovam está fazendo um importante discurso. Prestem atenção, porque tem a ver também com o futuro de vocês. 

            Desculpe, Senador, mas eu não podia deixar de fazer a referência, até porque eles são de Brazlândia, uma das bonitas cidades-satélites, que, agora, está fazendo a Festa do Morango.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Festa do Morango, onde eu vou estar amanhã de noite.

            Muito obrigado pela assistência de vocês, A gente está falando aqui exatamente sobre o futuro do Brasil que vocês vão ter, ou que deveriam ter, que merecem ter, e que nós - vejam o que eu vou dizer - não estamos construindo, nós não estamos fazendo como deveríamos. Esse é o meu desafio, Senadora.

            Por que nós não retomamos os trabalhos nesta Casa, em caráter permanente, e começamos a buscar como fazer um pacto social que recupere o casamento da sociedade brasileira com o seu Congresso?

            Eu não falo só um pacto por pequenas medidas, de mudanças na forma de eleição. Eu falo um pacto, um acordo, um compromisso de para onde vamos levar este País daqui para frente. Que tipo de economia nós queremos para que o Brasil tenha não apenas um Produto Interno Bruto grande, mas tenha um Produto Interno Bruto melhor, mais bonito?

            O que é que vamos fazer para nós tenhamos não apenas nossas crianças matriculadas na escola, mas escolas da mais alta qualidade, preparando esses jovens para serem construtores do Brasil e os construtores deles mesmos, num momento em que a educação é fundamental?

            O que é que nós vamos fazer para que o Brasil não precise importar médicos, como estamos sendo obrigados a fazer, por necessidade?

            O que precisamos fazer para que nossas cidades sejam pacíficas e que o trânsito flua nelas para que a gente não gaste, como se gastam, hoje, em São Paulo, três anos de vida dentro de engarrafamentos?

            O que precisamos fazer para que a economia cresça sem devastar nossos rios, nossas florestas?

            O que precisamos fazer para que as pessoas não precisem ir para as ruas no dia de festa, como amanhã, para manifestarem-se contra os seus líderes?

            O que a gente precisa fazer para que, aqui dentro, esse tema surja, para que, aqui dentro, isso faça vibrar o coração da gente, que somos políticos, que somos líderes, que temos responsabilidades?

            Eu creio que, talvez, este seja o desafio que me deixa mais impotente hoje, Senadora: é não ver como fazer com que vibremos todos nós na busca de encontrar um novo caminho para o Brasil nos seus próximos 191 anos de independência, daqui para frente. Nós não estamos procurando. E, aí, eu coloco o pior de tudo das gravidades do momento que nós vivemos: é o fato de não estarmos percebendo a gravidade que nós vivemos.

            Quando nós atravessamos um período difícil e percebemos a dificuldade, nós encontramos o caminho. Mas, quando nós estamos num momento difícil e não percebemos a dificuldade dele, aí acontecem as grandes tragédias, as tragédias que, quando acontecem, a gente pensa que não deram sinais de vida, mas que deram todos os sinais de que um dia iriam acontecer.

            Hoje, o mundo, o Brasil, o povo na rua, os jovens, mascarados ou não, estão dando os sinais. Cada dia era um sinal; agora, cada hora é um sinal de que as coisas não vão bem, as coisas não estão bem. E a ficha caiu. A ficha caiu, e o povo tem uma arma poderosa nas mãos. Nós não vamos perceber isso? Nós não vamos entender isso? Nós não vamos propor caminhos para resolver isso? Parece que não, Senadora. Até o contrário.

            A senhora mesma falou, aqui, há pouco, sobre o voto secreto. Uma das coisas tão pequenininhas que está incomodando o povo, a gente não está atendendo: acabar com esse famigerado voto secreto. É uma vergonha para cada político votar sem que o seu eleitor saiba como ele votou!

            Eu tenho escutado, aqui mesmo nesta Casa, que tem que haver voto secreto para algumas coisas, porque, por exemplo, se o Governo veta algo, nós podemos ser constrangidos pelo Governo a votar pela manutenção do veto para atender ao Governo.

            Ora, se alguém quer votar constrangido ou para ganhar alguma coisa do Governo, que ganhe dizendo em quem votou, que ganhe deixando o povo saber como ele votou. O que não podemos é o constrangimento de votar secretamente. Isso não pode continuar, em nenhuma hipótese, a existir.

            Agora, neste momento, se nós fizermos isso aqui, Senadora, nós estaremos jogando gasolina nas manifestações. Se nós aqui mantivermos qualquer forma de voto secreto, nós estaremos jogando gasolina nessa guerrilha cibernética que hoje acontece no Brasil. Está na hora não de jogar água na guerrilha cibernética, muito menos, obviamente, de jogar gasolina, mas está na hora de dialogar. Mas não é dialogar no sentido tradicional de falar. Não, é no sentido de oferecer respostas, propostas, novos rumos, novos caminhos, para que o Brasil possa ter de volta o seu povo, em casa e nas ruas, festejando, sobretudo no Sete de Setembro, como nós sempre fizemos. E não com as necessidades de ir para as ruas mobilizadas para tentar manifestar o descontentamento, para manifestar a desilusão com o nosso sistema social e econômico, que não está construindo o Brasil que nossos filhos merecem e precisam.

            Eu lamento que, na véspera do Sete de Setembro, em vez de um discurso de comemoração pura e simplesmente, eu começo reconhecendo o que foi, como a Senadora Ana Amélia começou também, mas lembrando que o momento que vivemos é de uma profunda contradição, de um grande divórcio entre as lideranças nacionais e a vontade que o povo tem nas ruas. E esse divórcio impede o acordo geral, que é o casamento de uma sociedade com o seu próprio país.

            Eu deixo aqui o desafio e vou tentar dar a minha contribuição nesse sentido, trazendo ideias não só de educação, como todos dizem que eu só falo nisso. Eu vou trazer aqui. Agora, não adianta nada se não tivermos um diálogo entre nós que procure construir, aqui dentro, com as forças conflitantes que temos, com as divergências que temos, uma saída, um caminho para refazer o grande acordo nacional chamado Brasil.

            Era isso, Srª Presidenta.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/09/2013 - Página 61212