Discurso durante a 145ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre os últimos acontecimentos do caso do Deputado Federal Natan Donadon; e outro assunto.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • Reflexão sobre os últimos acontecimentos do caso do Deputado Federal Natan Donadon; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 03/09/2013 - Página 59343
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • REGISTRO, DECISÃO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), REFERENCIA, CASSAÇÃO, MANDATO PARLAMENTAR, CONGRESSISTA, HIPOTESE, CONDENAÇÃO CRIMINAL, SUSPENSÃO, EFEITO, DELIBERAÇÃO, PLENARIO, CAMARA DOS DEPUTADOS, COMENTARIO, IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EXTINÇÃO, VOTO SECRETO.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP. Sem revisão do orador.) - Obrigado, meu querido companheiro, Senador Paulo Paim.

            Caríssimo Paulo Paim, senhoras e senhores que nos assistem e nos ouvem, o Ministro Luís Barroso, do Supremo Tribunal Federal, acabou de conceder, nesta tarde, liminar a um mandado de segurança cassando a decisão do Plenário da Câmara dos Deputados, que havia decidido pela não cassação do mandato do Sr. Natan Donadon, como Deputado Federal.

            Essa decisão, agora à tarde, do Ministro Luís Roberto Barroso suspende os efeitos da deliberação do Plenário da Câmara dos Deputados da semana passada, e, claro, manda a Câmara proceder novamente a essa sessão ou tomar outro procedimento.

            Obviamente, essa decisão do Supremo Tribunal Federal, Sr. Presidente, gera para o Parlamento, em primeiro lugar, para a sociedade brasileira e para a democracia brasileira um alívio. Traz um alívio, porque sana uma incoerência, uma incongruência, algo inconcebível: o Parlamento conviver com a situação inaceitável, inconcebível, de ter, entre os quadros do Parlamento brasileiro, um presidiário; a situação incoerente de ter, entre os quadros do Parlamento brasileiro, alguém que não tem direito político, uma vez que a Constituição reza que aquele que é preso tem suspensos os seus direitos políticos, mas que representava o direito político de outros brasileiros.

            A Câmara dos Deputados, com a decisão da semana passada - e a decisão foi da Câmara dos Deputados, a decisão foi daqueles que se omitiram, e a decisão foi daqueles que não votaram pela cassação, querendo ou não, os votos que impediram a cassação do Sr. Natan Donadon acabam sendo responsáveis por isso -, jogou a democracia brasileira e jogou a cidadania brasileira diante desse enorme constrangimento. É uma decisão que constrange o Parlamento. É uma decisão de costas para o que o povo brasileiro, para o que a sociedade brasileira, em especial no mês de junho, reclamou nas ruas durante as mobilizações que ocorreram em todo o País.

            Mas não adianta, Sr. Presidente, da nossa parte, daqui do Senado, não adianta da nossa parte, nós, Parlamentares, ficarmos só constatando o óbvio. E, também, por outro lado, Sr. Presidente, é por assim dizer constrangedor, também para o Parlamento, ter os equívocos daqui do Parlamento, toda vez, sendo retificados por parte do Supremo Tribunal Federal. Ora, Sr. Presidente, nós, muitas vezes, reclamamos: “É inaceitável” - dizemos, e, muitas vezes, daqui eu ouço - “a intervenção ou a intromissão de outro Poder nas nossas atribuições. É inaceitável a intervenção de outro Poder nas atribuições do Legislativo”. E eu concordo, pois entendo que uma das características fundadoras do Estado de direito, um dos princípios fundamentais da nossa Constituição é a separação dos Poderes, a separação e a independência dos Poderes.

            Mas, Sr. Presidente, o que dizer quando a democracia é atacada, quando a democracia, quando o próprio Estado é atacado com uma decisão como essa por parte da Câmara dos Deputados? O que dizer de uma situação absurda, de uma situação esdrúxula como essa, que é a situação de uma das Casas do Congresso Nacional, o Parlamento brasileiro, ter mantido dentro dos seus quadros alguém que é presidiário?

            Então, como não pedir a legitimidade do Supremo Tribunal Federal, de um dos outros poderes da República, em socorro à própria democracia, em socorro ao próprio Estado de Direito?

            Então, por si só, se legitima, inclusive em socorro à própria Constituição, essa decisão do Supremo Tribunal Federal. Mas, ao mesmo tempo, é uma decisão que constrange o Parlamento pelos equívocos, pelos erros do próprio Parlamento, pelo equívoco cometido pelo Parlamento.

            Portanto, Sr. Presidente, não quero, desta tribuna, fazer a constatação do óbvio, mas nesta Casa já se disse, vários outros já o disseram da tribuna do Parlamento ou da Mesa desta Casa, ao longo do tempo e em vários momentos, que preferem o Parlamento aberto e funcionando, com todas as vicissitudes e mazelas que tem o Parlamento, do que o Parlamento fechado e não funcionando, como é nos regimes de exceção e nas ditaduras.

            Mas o Parlamento, como Casa sagrada da representação popular, como espaço sagrado da representação popular, um espaço que tem conteúdos sagrados, como o espaço desta tribuna, Sr. Presidente, não pode se dar ao deslize, não pode se dar ao constrangimento... Sr. Presidente, veja que espaço mais sagrado é esta tribuna. Esta tribuna é um espaço onde a voz do representante do povo fala para os seus representados. Pois bem, o que dizer de uma tribuna igual a esta, inclusive uma tribuna legítima da representação popular, na Casa vizinha desta, na semana passada, ter sido utilizada por um presidiário que estava já com seus direitos políticos suspensos, que estava condenado, que já tinha um processo transitado em julgado?

            Sr. Presidente, deixar o Parlamento à mercê disso é enxovalhar o Parlamento. Deixar o Parlamento à mercê desse constrangimento é reduzir e diminuir o Parlamento. E o Parlamento não pode estar à mercê desses constrangimentos, porque, toda vez que o Parlamento se colocar à mercê disso, nós vamos ter que dar razão a intervenções como essa, por parte do Supremo Tribunal Federal. Como não dar razão ao Ministro Barroso, à decisão que ele tomou nesta tarde, salvando não somente o Parlamento, salvando o Estado de Direito, salvando a instituição, salvando do constrangimento o Brasil? Porque é a nossa democracia que vira manchete internacional. É a nossa democracia que passa a ser noticiada internacionalmente como aquela democracia que tem entre os quadros dos seus membros do Parlamento um presidiário condenado pelo Supremo Tribunal Federal.

            Então, Sr. Presidente, esta vinda à tribuna não é somente para comentar a decisão do Ministro Barroso. Não é para parabenizar e agradecer ao Ministro Barroso por ter socorrido a democracia, porque não se agradece o que é feito como obrigação. Não se agradece o que é feito como obrigação de homem público. Não se agradece o que nós fazemos como obrigação nossa. Esta vinda à tribuna, Sr. Presidente, é para cobrar o que temos que fazer como tarefa nossa.

            Sr. Presidente, nós estamos apelando, há anos - e vou voltar aqui para apelar mais uma vez -, para pôr fim ao voto secreto, que foi o principal responsável pela continuação do Sr. Natan Donadon.

            Sr. Presidente, nós já rebaixamos inclusive o programa do voto secreto. A melhor PEC do voto secreto que há é a de V. Exª. É a PEC nº 50, que V. Exª reapresentou como PEC nº 20. É a melhor proposta que há. Acaba com o voto secreto em todas as instâncias. Eu sou partidário dessa PEC.

            Eu sei que companheiros, colegas de Parlamento vêm comigo e ponderam: “É um excesso”. Eu não considero excesso acabar com o voto secreto. Não tem sentido. Eu até ponderei: será que é um excesso - e pesquisei - acabar com o voto secreto em todas as instâncias no Parlamento? E pesquisei. A democracia mais conhecida no Ocidente, que muitos costumam utilizar como referência de democracia - eu não sei se é tão referência de democracia assim, porque eles costumam espionar as outras democracias -, que são os Estados Unidos da América, lá, no Parlamento bicameral americano, não existe o instituto do voto secreto. Então, qual a razão para existir o voto secreto em nosso País?

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Se V. Exª permitir!

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Pois não, Senador Paim.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Até na escolha dos membros da Suprema Corte o voto é aberto.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Perfeitamente.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Pelo Parlamento.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Então, veja, Senador Paim, nós inspiramos a nossa Constituição republicana de 1891, todos assim sabem, na Constituição americana. Todos sabem. Se nós nos inspiramos na Constituição americana, por que nós temos um leque tão vasto do voto secreto na nossa Constituição? Nós temos o voto secreto para indicar Ministro ao Supremo Tribunal Federal, nós temos voto secreto para indicar conselheiro para o Conselho Nacional de Justiça, nós temos voto secreto para indicar conselheiro para o Conselho Nacional do Ministério Público, nós temos voto secreto para apreciar veto da Presidente da República...

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Até para as agências.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Nós temos voto secreto para as agências reguladoras, nós temos voto secreto para a cassação de mandato, nós temos voto secreto para a escolha do Presidente da Casa e dos membros da Mesa Diretora da Casa, nós temos voto secreto para indicação do procurador-geral da República, nós temos voto secreto para indicação do embaixador.

            Eu vou utilizar como regra, vou utilizar como referência o Parlamento americano porque o Parlamento americano, a Constituição americana, é o molde que nós encontramos para o nosso modelo de Constituição, da nossa primeira Constituição republicana de 1891.

            Eu acabei de citar aqui para o senhor, Senador Paulo Paim, Presidente em exercício desta sessão, nove situações de voto secreto que nós temos aqui. No Parlamento americano, nenhuma dessas situações, desde o Ministro da Suprema Corte americana até os dirigentes de agências reguladoras, nenhum deles é indicado pelo voto secreto. Por que nós precisamos do pré-requisito do voto secreto para todas essas situações? Alguns diziam que era para proteção contra os excessos do Executivo. Por quê? Por que nós, na soberania do mandato que nos é concedido pelo povo, precisamos de proteção contra os excessos do Executivo? Nós não vivemos em uma ditadura. Se fosse essa a lógica, então os Ministros do Supremo Tribunal Federal teriam que ter proteção em relação aos votos que eles proclamam. E os votos que eles proclamam são, por excelência, públicos. Ora, se os votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal são públicos, se os atos do Procurador-Geral da República são públicos, se os atos do Presidente da República são públicos, por que nove atos, votos e designações dos membros do Parlamento precisam e necessitam ser secretos? Não há justificativa.

            Em levantamento que fiz, Sr. Presidente, nenhuma das democracias ocidentais tem tantas situações de voto secreto quanto a democracia brasileira. Na Europa, existe voto secreto também. Existe situação de voto secreto na França, na Finlândia, na Espanha, mas, em nenhuma, há tantas situações de voto secreto quanto no Brasil. Temos previstas, na nossa Constituição e no Regimento Interno do Senado, pelo menos dez situações de voto secreto. Inaceitável!

            Sou partidário, Senador Paulo Paim, de sua proposta de emenda à Constituição.

            Toda vez em que há uma emergência, nós atuamos como um pronto-socorro.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Governo/PT - RS) - Bombeiro. Apagando um incêndio ali!

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - É, com uma sirene.

            Há um escândalo como a não cassação de Natan Donadon, e todos se apressam para dar uma declaração pública: “Vamos colocar em votação uma proposta de emenda à Constituição naquele caso. Vamos votar”. Esfriando, não se vota. Pois bem, na Câmara dos Deputados, há uma proposta lá. Repito: ela não é o ideal. O ideal, até atuando como bombeiro, com a sirene da urgência do bombeiro, talvez fosse, no dia em que não se cassou Natan Donadon, ter sido dito o seguinte: “Vamos votar agora a proposta de emenda à Constituição do Senador Paulo Paim”. Mas não conseguimos, lamentavelmente, aqui, na Casa, avançar nesse consenso, mas, pelo menos, vamos ao programa mínimo do voto secreto. Programa mínimo de voto secreto é a PEC de iniciativa do Senador Alvaro Dias, que já votamos aqui, no Senado. Está lá na Câmara, está há quase um ano lá na Câmara: Proposta de Emenda à Constituição nº 196. Esta, pelo menos, acaba com o voto secreto para a cassação de mandato.

            Pois bem, Senador Paulo Paim, depois de muita pressão, resolveram instalar uma comissão especial para apreciar essa proposta de emenda à Constituição. O Presidente da Câmara disse na semana passada, quando aconteceu a vergonha nacional da não cassação de Natan Donadon, que iria colocar a voto a proposta de emenda à Constituição na comissão especial, que não iria submeter à apreciação mais nenhum processo de cassação sob o manto do voto secreto.

            Só que o problema é a situação concreta. Veja, a Comissão Especial que está lá na Câmara para apreciar a Proposta de Emenda à Constituição nº 196 precisa realizar de 10 a 40 reuniões para levar a matéria da Comissão Especial para o plenário para ser votada. Sabe quantas reuniões já houve até agora, Senador Paulo Paim? Uma reunião! Uma reunião!

            Agora, pronto: o Ministro Barroso tomou uma decisão, suspendeu a decisão da Câmara dos Deputados. Isso não pode aplainar o fogo, isso não pode servir para diminuir a indignação nacional. A cidadania, a mesma cidadania que foi às ruas em junho, não pode ficar acomodada. A capacidade de indignação não pode ficar acomodada e quieta.

            Nós estamos no segundo dia de setembro, na semana que é tida como Semana da Pátria. Esta semana - no dia 7, sábado, no dito dia da nossa Independência - tem que ser dita e referida como uma semana para uma profunda reflexão e mobilização nacional. A cidadania não pode ficar acomodada diante de uma situação como essa. Aquela juventude e as mobilizações que ocuparam as ruas brasileiras em junho não podem aceitar como normal, nem podem aceitar que tudo fique retomado como normal somente com essa decisão do Ministro Luís Barroso.

            São urgentes, por parte do Parlamento, medidas urgentes. São urgentes, por parte do Parlamento, medidas concretas que refaçam o que é, de fato, o papel do Parlamento. E isso só pode ocorrer, Senador Paulo Paim, quando nós destituirmos essa vestal da impunidade, que é a figura do voto secreto.

            Então, Senador Paulo Paim, eu espero que a decisão desta tarde do Ministro Barroso não funcione como uma espécie de apagar de incêndio: “Vamos nos acalmar a partir de agora. Vamos a uma nova decisão, e, agora, nesta nova decisão por parte da Câmara, aí, sim, cassa-se o mandato do Deputado presidiário”, e tudo fica como dantes no quartel de Abrantes. E não se fala mais no fim do voto secreto no Parlamento.

            Não pode ser assim, não pode ficar desse jeito. Está comprovado que a democracia brasileira, que o Parlamento brasileiro não pode conviver com uma indecência, não pode conviver com uma incongruência, não pode conviver com um instrumento anacrônico e inadequado para os seus tempos, como é a figura do voto secreto.

            Cada um tem que fazer a sua parte. A parte do Parlamento, de cada uma das Casas, é que a Câmara não continue com essa situação absurda. Não bastam declarações fortes de efeito. Não basta dizer: “Não votaremos mais nenhum processo de cassação, enquanto não se acabar com o veto secreto”, e ter apenas uma sessão da Comissão Especial que aprecia o fim do voto secreto. A Comissão Especial tem que se reunir e levar a plenário, de fato, o quanto antes, o final do voto secreto naquela Casa.

            Por outro lado, aqui, no Senado, temos que avançar no entendimento para que a proposta de V. Exª, Senador Paulo Paim, possa também avançar no debate aqui na Casa.

            Por fim, esta Casa, meus senhores e minhas senhoras, só avança quando a cidadania se indigna. Se a cidadania não se indigna, se a cidadania não se levanta, se a cidadania não se mobiliza, se não há pressão sobre esta Casa, nada muda. 

            Que esta semana seja de profunda reflexão sobre o nosso País, mas que seja, em especial, uma semana em que se reflita, porque aquelas mobilizações que ocorreram em junho não podem ficar em junho, elas têm que ter continuidade para que possa haver mudanças reais e concretas em nosso País.

            Se não houver pressão sobre as instituições, as instituições não avançarão.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/09/2013 - Página 59343