Discurso durante a 150ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem às vítimas da violência e do arbítrio no quadragésimo aniversário do Golpe Militar no Chile, ocorrido em 11 de setembro de 1973.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM, POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Homenagem às vítimas da violência e do arbítrio no quadragésimo aniversário do Golpe Militar no Chile, ocorrido em 11 de setembro de 1973.
Publicação
Publicação no DSF de 10/09/2013 - Página 61394
Assunto
Outros > HOMENAGEM, POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, GOLPE DE ESTADO, AUTORIA, FORÇAS ARMADAS, LOCAL, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Senador João Capiberibe, autor do requerimento, propositor desta belíssima sessão, deste colóquio que homenageia as vítimas do mais cruel golpe de estado ocorrido no continente latino-americano, em especial a figura lendária para todos nós de Salvador Allende, cumprimento V. Exª como o único dentre nós, Senadores, que esteve presente e viveu a belíssima experiência do governo de Allende, a belíssima experiência daqueles anos na República Popular do Chile.

            Quero cumprimentar também S. Exª o Embaixador da República do Chile Fernando Schmidt; cumprimento também o Sr. Vicente Faleiros pelo emocionado depoimento, pela experiência que viveu no Chile, declamando aquele que é para nós uma poesia. É um discurso que se tornou poesia para a sua e para a nossa geração de militantes políticos, que se seguiu a sua geração. Trata-se do discurso do Salvador Allende, o último discurso de Allende, pronunciado no calor dos acontecimentos, no Palácio de La Moneda, no Chile.

            Quero cumprimentar também o caríssimo Professor do Centro de Pesquisas e Pós-Graduação sobre as Américas, da Universidade de Brasília, Jacques de Novion, que me parece ser da minha geração, tem a minha idade e, como eu, não viveu esses acontecimentos, mas, assim como eu, é apaixonado por esses acontecimentos.

            Diz-se que nostalgia é a saudade do que não se viveu. Então, Jacques, temos nostalgia de não termos vivido isso. Temos nostalgia de ter paixão por aquilo que lá aconteceu, pela experiência da unidade popular, pela experiência do governo de Allende, pela resistência de Faleros, de João Capiberibe, de Janete Capiberibe, a quem cumprimento, e de tantos outros.

            E, ao cumprimentar Janete Capiberibe, quero aqui dizer que os atos de coragem de Janete não ficam somente em 1973, no Chile, na resistência ao lado do marido, aqui presente. Nesta semana, Janete teve mais um ato de muita valentia e coragem. Muitos Parlamentares da nossa Amazônia querem estar na Comissão da Amazônia. Janete fez o seguinte: renunciou à Comissão da Amazônia. Renunciou porque a ela cabia relatar um projeto sobre as terras indígenas, e, na Comissão da Amazônia, queriam impor a ela um relatório contra os povos indígenas.

            Como a Janete nada se impõe, Capi - você a conhece melhor do que eu -, ela resolveu, não podendo relatar esse projeto contra os povos indígenas, porque isso vai contra a sua história, renunciar sua presença na Comissão da Amazônia. E isso honra uma Câmara dos Deputados, que, lamentavelmente, há duas semanas, não esteve à altura de sua honra quando manteve em seus quadros um presidiário como Deputado.

            Vale a pena ter na Câmara dos Deputados alguém como Janete. Vale a pena dizer que há representantes do povo brasileiro como a Janete, que toma atitudes como essa, que diz de que lado está, claramente: é ao lado dos povos indígenas. E diz que os povos indígenas são aquelas populações originárias que honram este País, são populações originárias que estavam aqui muito antes de os portugueses virem para cá virem, populações que devem ter os seus direitos defendidos. E uma Comissão da Amazônia - não é, Janete? - não pode vilipendiar os direitos dos povos indígenas. É assim que faço questão de cumprimentá-la, Janete.

            Eu queria, ao falar da experiência, professor Jacques... Como eu já o cumprimentei, quero cumprimentar todas as delegações de países estrangeiros. E noto, dentre as delegações de países estrangeiros, a presença de Manuel, da querida República Bolivariana da Venezuela. Eu quero cumprimentá-lo em especial, por estar ocorrendo na República Bolivariana da Venezuela uma experiência que muito se assemelha à experiência que Allende inspirou a todos nós.

            Embaixador Fernando, nós temos com o Chile, em primeiro lugar, uma relação de agradecimento. O Chile acolheu a todos nós, acolheu os brasileiros quando uma cruenta ditadura se instalava aqui. Para o Chile os nossos exilados iam e lá eram recebidos. Era lá, no Chile - e com certeza Capi e o professor Vicente devem lembrar -, que os exilados eram recebidos no aeroporto, de braços abertos pelo povo chileno, muitas vezes com faixas: “Bem-vindas as vítimas da cruel ditadura que se instala no Brasil”. No Chile foi recebida de braços abertos a maioria de nossos exilados. Santiago era parada obrigatória de todos os nossos, que daqui do Brasil saíam banidos pela ditadura militar que aqui se instalava.

            Então, Embaixador, é de nós, brasileiros de todas as gerações - da geração que nos antecede, da minha geração e das gerações que virão -, um sentimento de reconhecimento, de gratidão para o povo chileno, para o então governo de Salvador Allende, que acolhia todos os brasileiros com carinho e de braços abertos, que entregava para todos - não só brasileiros - os latino-americanos a esperança de que era possível a reconstrução da democracia no continente.

            Mas, dialeticamente, Embaixador, é de nós, brasileiros, também o pedido de desculpas, porque, lamentavelmente, foi da parte da ditadura militar brasileira, a primeira de todas as ditaduras do continente a reconhecer o mais cruel golpe de Estado, a mais cruel de todas as ditaduras que se instalou neste continente, mais cruel e mais dramática de todas. As contas não oficiais de mortes ocorridas no dia do golpe superam o número de mil. Ao longo dos anos da ditadura militar, foram mais de 3,2 mil mortos, foram mais de 38 mil pessoas, segundo números não oficiais, que sofreram e padeceram de torturas.

            Um governo tão cruel. E, lamentavelmente, a cruel ditadura brasileira, dirigida pelo cruel e sanguinário Emílio Garrastazu Médici, não teve vergonha de, dois dias depois do golpe... O encarregado de negócios designado pela ditadura chilena dizer aqui, em tom “emocionado”, que “é certo dizer que o novo governo do Chile” - governo, então, de Pinochet - “encontrará no Brasil um poderoso aliado”.

            O pedido de desculpas é por tudo que a ditadura brasileira de Emílio Garrastazu Médici fez. Nós enviamos espiões para conspirar contra o governo constitucional de Salvador Allende; nós enviamos agentes para, junto com os militares golpistas, conspirar para derrubar o governo constitucional de Salvador Allende; pior do que isso, nós ajudamos a propaganda golpista em território brasileiro. E, pior que isso, algo que envergonha a diplomacia brasileira e que deve servir também como mácula para a diplomacia chilena: as nossas diplomacias atuaram conjuntamente na Operação Condor, como já foi dito aqui. As nossas diplomacias atuaram conjuntamente na troca de exilados políticos; atuaram para torturar, para matar, e atuaram contra cidadãos livres, cidadãos que lutavam pela liberdade, fosse no Brasil, fosse no Chile.

            Embaixador, temos que reconhecer e pedir desculpas pelo papel que o Brasil teve em relação ao Chile, pelo papel de ser cúmplice do mais cruel golpe de Estado que houve neste continente, pelo papel de, mais do que estar ao lado de uma cruel ditadura, ter também tirado algo do que há de mais belo na construção humana. Não existe nada de mais belo na construção humana do que a arte. Não existe nada de mais belo na construção humana do que a poesia. E, talvez, o Chile tenha emprestado para nós alguns dos mais belos poetas da humanidade - Pablo Neruda, Victor Jara, entre outros. E nós contribuímos para a morte de Pablo Neruda, que acaba morrendo dias após o golpe militar chileno e, ao sermos cúmplices do golpe contra o governo constitucional, democrático e popular de Salvador Allende, participamos também das mãos que torturaram e mataram a beleza da poesia e da música de Victor Jará, um dos maiores poetas, compositores e cantores do continente latino-americano.

            Por isso, esta sessão é também um encontro e um momento para pedirmos desculpas pelos erros que cometemos. É também para refletir, pois há pelo menos 20 anos transitamos do fim das ditaduras, dos estados de exceção no continente latino-americano para o restabelecimento de estado democrático de direito. É um momento também de refletir e de restaurar a memória histórica, restaurar a verdade do que aconteceu, para que não só as nossas gerações, Professor Jacques, mas que as gerações que virão não permitam que momentos como esses aconteçam.

            Recuperar a memória histórica não é somente pela história; e ser pela história não pode ser somente pela história, porque a história, mantida viva, é a principal cláusula de contenção para impedir que fascismos, autoritarismos e crimes voltem a ocorrer. Mas, além disso, é para que seja recuperada a justiça. Recuperar o que ocorreu é também apurar que os crimes cometidos e tudo o que se passou, seja no Chile, seja na Argentina, seja no Uruguai, seja na Bolívia, seja no Brasil, foram crimes contra a humanidade. Não há ordenamento jurídico, seja no Brasil, seja na Argentina, seja no Uruguai, seja no Chile, seja em qualquer lugar no mundo, que permita a possibilidade da tortura. Não existe admissibilidade, em nenhuma ordem jurídica da evolução humana na terra, da tortura. E, por isso, a tortura, em qualquer tempo, não pode ser aceita como crime prescritível. E, por isso, a tortura, em qualquer tempo que tenha ocorrido, deve ser apurada e o responsável por ela deve ser punido. E, por isso, não é tarde visitar os porões do DOI-Codi; por isso, não é tarde apurar quem torturou e matou no DOI-Codi; e, por isso, não é tarde pedir a punição para quem matou e torturou, durante a ditadura, em porões do DOI-Codi, seja no Brasil, seja na Argentina, seja no Chile, seja onde for.

            O Chile, meu caríssimo Senador Capiberibe - e falo para concluir -, inspirou todos nós. Já foi dito, e eu queria relembrar aqui, que Allende, em seu último discurso, em vários trechos, deixa-nos ensinamentos para continuarmos acreditando. E, em vários desses trechos do seu último discurso, ele nos ensina como continuar acreditando e como continuar caminhando. Aqui já foi dito: “Continuarão outros homens. Outros homens abrirão grandes alamedas por onde passará o homem livre para construir uma sociedade melhor”.

            Todavia, do discurso de Allende muita aqui foi dito; assim, quero lembrar a poesia da Unidade Popular que levou à vitória dessa bela aliança progressista e que empunhou, com muita disposição, um cântico de liberdade no continente latino-americano, um cântico desse poeta que citei para vocês, um poeta morto pela ditadura, o cântico de Victor Jara.

Venceremos, venceremos, mil cadenas habrá que romper, venceremos, venceremos, la miseria (al fascismo) sabremos vencer. Campesinos, soldados, mineros, la mujer de la patria también, estudiantes, empleados y obreros, cumpliremos con nuestro deber. Sembraremos las tierras de gloria, socialista será el porvenir, todos juntos haremos la historia, a cumplir, a cumplir, a cumplir.

            Todos juntos façamos a história a cumprir, a cumprir, a cumprir.

            A Capi e a Janete agradeço por terem trazido para nós, para a nossa geração, os préstimos de uma história que inspira a nossa geração e que inspirará as gerações que virão.

            (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/09/2013 - Página 61394