Discurso durante a 136ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com as dificuldades enfrentadas pelos portadores de necessidades especiais.

Autor
Walter Pinheiro (PT - Partido dos Trabalhadores/BA)
Nome completo: Walter de Freitas Pinheiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS, POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Preocupação com as dificuldades enfrentadas pelos portadores de necessidades especiais.
Aparteantes
Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DSF de 22/08/2013 - Página 55992
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS, POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • CRITICA, MUNICIPIO, SALVADOR (BA), ESTADO DA BAHIA (BA), MOTIVO, AUSENCIA, PLANEJAMENTO, DESLOCAMENTO, PEDESTRE, PESSOA DEFICIENTE, DEFESA, NECESSIDADE, AUMENTO, CALÇADA, INVESTIMENTO, TRANSPORTE COLETIVO URBANO.

            O SR. WALTER PINHEIRO (Bloco Apoio Governo/PT - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Jorge Viana, Sras e Srs. Senadores, eu quero aqui, nesta tarde, tocar num assunto - inclusive o Senador Casildo Maldaner falou sobre isso com muita proeza - que envolve a questão da mobilidade. Trata-se de um aspecto fundamental, que, volto a frisar, foi muito bem citado aqui pelo Senador Casildo: o respeito à pessoa com deficiência.

            Eu sempre tenho dito, Senador Casildo, que um dos grandes problemas da cidade de Salvador, por exemplo, é o fato de não haver passeio; é uma cidade que foi feita para quem anda de carro. Não é uma cidade planejada para permitir o deslocamento por parte do pedestre e, muito menos, para atender a essa necessidade de 24% da população.

            Quando a gente fala isso, às vezes as pessoas acham que é só um tratamento pontual ou coisa do gênero. Mas eu sempre costumo dizer, Senador Casildo, que é punir a pessoa com deficiência duas vezes ou condená-la a ficar efetivamente só em casa. Então, esse é um dos absurdos.

            Eu me recordo de que, numa determinada etapa da minha vida profissional, a gente deparou com problemas.

            Eu venho de uma empresa em que eu era obrigado a fazer muito planejamento para adoção e expansão de sistemas, e lá havia, e ainda há, o nosso companheiro Jayme, arquiteto, que sofreu um acidente. Certa feita, estive no setor de engenharia e planejamento, e Jayme, sentado em frente à prancheta, disse-me: “Pinheiro, agora estou entendendo como uma pessoa com deficiência sofre”.

            E ele fez um desenho, Senador Casildo, do sanitário de um banheiro de um grande shopping. E ele dizia: “Olha, Pinheiro, e quando a gente cobra das pessoas, estas dizem: ‘está aqui, para a pessoa com deficiência, o shopping planejou’. Mas o vaso, o local ao qual a pessoa com deficiência vai, Pinheiro, está na diagonal do banheiro”.

            E basta o sujeito ter o ensinamento daquela matemática a que V. Exª se referiu. A diagonal, portanto, é como se fosse a hipotenusa. E, na matemática, aprendemos, principalmente na geometria, que a hipotenusa é a soma do quadrado dos catetos. Portanto, é a distância mais longa.

            E aí a pessoa diz: “Eu atendi à pessoa com deficiência”. Porém, coloca-a para percorrer a maior distância.

            Então, esse problema acontece no planejamento das cidades, num momento em que estamos discutindo sobre mobilidade, Senador Casildo, questões como aumentar o metrô, melhorar o sistema de ônibus, melhorar as vias.

            E quando perguntamos sobre os equipamentos para a pessoa com deficiência, verificamos que não temos 24% dos transportes públicos equipados com estruturas para atendê-la. Porém, 24% da população é portadora de deficiência.

            Pois não, Senador Casildo.

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco Maioria/PMDB - SC) - Fico feliz em ouvir V. Exª. A Senadora Ana Amélia, inclusive, fez referência a esse assunto, e o Senador Paulo Paim também discorreu sobre esse tema hoje. Fiz uma alusão à matemática para que houvesse um tratamento diferencial. Em matéria de matemática, eu, por exemplo, patinei. Achava as matérias Física e Matemática mais difíceis do que as de relações humanas. Eu sentia isso. Eu sei que muitos recebem aulas em separado. E V. Exª estava me dizendo que foi professor de Matemática.

            O SR. WALTER PINHEIRO (Bloco Apoio Governo/PT - BA) - Ganhei a vida, inclusive, pegando as pessoas que perdiam na recuperação, dois, três anos.

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco Maioria/PMDB - SC) - Sei que V. Exª é um grande engenheiro, foi Secretário de Planejamento do Estado da Bahia, e é um grande organizador. Fiquei muito feliz também por entender melhor essas pessoas com deficiência, esses nossos estudantes. Ao mesmo tempo em que procuramos fazer com que frequentem aulas públicas no geral, nós temos que, como eu dizia, dar tratamento igual aos iguais, mas também temos que medir a desigualdade, aquelas particularidades nós temos que atender. E vejo com grande destaque as APAEs que, pelo que disse a Senadora Ana Amélia, são muito fortes no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, e no Brasil inteiro, dando tratamento aos portadores de algumas deficiências. Fico muito feliz com V. Exª, que é mestre na área e entendeu perfeitamente que nós precisamos cuidar disso. Muito obrigado.

            O SR. WALTER PINHEIRO (Bloco Apoio Governo/PT - BA) - Isso é importante, Senador Casildo, porque, todas as vezes em que nós vamos discutir mobilidade, todo mundo só imagina a mobilidade da seguinte forma: “Eu preciso de vias largas; eu preciso de transporte para transportar massa; eu preciso de tirar carro de rua”. Então, todo o discurso é pautado para a estrutura de mobilidade, entendendo como transporte. Quer dizer, o deslocamento das pessoas termina não entrando na conta do planejamento. Termina não entrando na seara, principalmente, daqueles que têm a maior dificuldade para o deslocamento.

            Então, não é só ter o passeio. É ter passeio - aliás, V. Exª chama de calçada; na Bahia a gente chama de passeio - largo, é ter passeio com equipamentos. Por exemplo, Senador Casildo, nós estamos discutindo lá no Estado da Bahia a possibilidade de levar para o Estado uma empresa que fabrica equipamentos que são conhecidos como sinaleiras. O paulista, por exemplo, chama aquilo de farol; na Bahia, se a gente for procurar um farol, Senador Aloysio, a gente vai andar muito. Em São Paulo é farol, mas, na Bahia, farol está em Itapuã. A sinaleira, lá em São Paulo, é farol, que não deixa de ser um farol.

            O que é que nós estamos tentando com isso? Por exemplo, o sujeito que vai atravessar a rua. Vamos pegar aqui, de brincadeira, um dos primos nossos, o Eudes, que costuma dizer: “Pinheiro, eu sou o cego mais ágil que tem”, ainda fica brincando com a gente. Aí você bota um sinal. E então: “Não, mas a gente botou um sinal sonoro”.

            Sim, e na hora em que estiver apitando que vai fechar a tal da sinaleira ou o tal do farol, essa pessoa com deficiência vai sair correndo? Eu quero saber como ela vai correr? Então, você precisa ajustar isso. Um dos pontos que nós estamos sugerindo a esses fabricantes de sinaleiras é botar um dispositivo, meu caro Pedro Taques, para que seja emitido um sinal para que o fechamento para o pedestre só se processe quando ele chegar do outro lado da rua, quando ele chegar na calçada, quando ele já tiver atravessado a rua como um todo.

            E a outra questão é, por exemplo, sobre surdos e mudos. Imaginem um surdo e mudo quando chega num hospital. Ele não consegue ler as placas. Não há sinalização em libra. Aí, ele vai ter que conversar com alguém ou, então, ele vai ter que andar com um tradutor de libra a tiracolo. Quando ele vai para a consulta com um médico, ele tem que levar uma pessoa para acompanhá-lo, para poder traduzir, Senador Mozarildo.

            Há, inclusive, em teste na página na Câmara, e estou pedindo para ver se a gente faz na página do Senado, o uso de um “avatarzinho”, um sistema que permite fazer toda a tradução nos dois sentidos: fazer a leitura dos sinais e traduzir para texto; e fazer a tradução dos textos para a libra, para permitir que qualquer cidadão desses, inclusive, possa adentrar a página da Câmara dos Deputados, a página do Senado, chegar num hospital, poder dialogar com o médico. Portanto, ali, enquanto ele dialoga, vai traduzindo em sinais.

            Nós estamos usando isso, Senador Jorge, experimentalmente na página da Câmara, desenvolvido por brasileiros. Esse software foi desenvolvido por brasileiros. Então, ajustar tudo isso a esse sistema de mobilidade.

            E estou me referindo com incidência à mobilidade porque nós estamos fazendo investimentos enormes. Hoje, por exemplo, neste exato momento, na Bolsa de São Paulo há abertura dos envelopes para o consórcio que deve se apresentar para a construção do metrô de Salvador. Deve estar ocorrendo, se já não ocorreu. No momento em que eu estava vindo para cá, estava iniciando o processo para a construção do metrô de Salvador. Uma das exigências, em minha opinião, deve ser esta: ajustar esse sistema de transporte para isso; você imaginar, pensar o deslocamento nas cidades, pensar nas vidas.

            Há outro exemplo que eu dou permanentemente em Salvador, Senador Jorge Viana. Nós temos numa localização hoje que, em minha opinião, é o cotovelo da cidade - e chamo de cotovelo porque tudo passa por ali, tudo engarrafa ali, tudo termina interrompendo ali - a estação rodoviária, dois grandes shopping centers, um conjunto de salas. É o centro financeiro hoje. Num lugar mais ajustado. Um shopping quase de frente para o outro. Se o sujeito quiser sair de um shopping para o outro, ele tem que pegar o carro. Uma área própria para grandes calçadões - estou até usando aqui o exagero de linguagem, porque calçadão, por si só, já é grande - não tem árvores, não tem nem passeio, quanto mais calçadão.

            E a Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Bahia funciona em um prédio que é perto desse lugar. E eu perguntava aos técnicos: “Vocês, ao meio dia, no horário de almoço, vão para o shopping almoçar? Vocês vão a pé?”. Eles disseram: “Não tem como”. Então, isso acontece em todas as cidades.

            As cidades foram pensadas excluindo os cidadãos. As cidades foram pensadas de maneira que não levem em consideração o chamado deslocamento a pé. Salvador tem vários trechos em que os trabalhadores se deslocam a pé para o trabalho, mas vão fazendo um verdadeiro zigue-zague. Ora dão nó de corpo num carro, ora se viram ali entre uma coisa e outra e, sem contar, Senador Jorge Viana, que ciclovia no Brasil , quando alguém constrói, é motivo de propaganda para dez anos. Vira uma verdadeira festa.

            Então, fica aqui esse chamamento para que a gente possa discutir esse tema. Esse foi o debate que fizemos aqui exaustivamente sobre a questão da importância da mobilidade, dos investimentos, da aplicação de recursos, da possibilidade de repensar as nossas cidades, de dotar o sistema público de transporte. Aliás, esse foi um dos temas, Jorge, mais cobrado nas chamadas manifestações de rua ocorridas no Brasil no último mês de junho.

            Esse foi um dos temas mais cobrados. A pessoa diz assim: “Mas minha vida melhorou”. V. Exª é testemunha do que eu disse, e inclusive a Presidenta Dilma, mas melhorou dentro de casa. A vida degradou na rua. Eu tenho emprego, mas passo seis horas dentro do ônibus. Eu consegui comprar um carrinho, mas não tenho como botar na rua para andar. Eu melhorei minha vida, mas não tenho como me deslocar nas cidades.

            Portanto, há um preço caríssimo. O transporte público no Brasil é um dos mais caros do mundo, de péssima qualidade, com todo o sistema de tecnologia adotada. Há até ônibus biarticulado, ônibus com sistema hidráulico, com sistema de não sei das quantas, mas continua bonitinho e ordinário. Então, o conceito de mobilidade tem que levar em consideração o aspecto ser humano e não somente asfalto, asfalto, concreto, viadutos ou coisas do gênero.

            Se não conseguirmos traduzir essa questão da mobilidade para, na inteireza da palavra, conceber como o velho direito de ir e vir, de se mover, e inclusive no que diz respeito a preço de tarifa e condições para que isso se processe, se não fizermos isso, é melhor mudarmos o nome de mobilidade para uma verdadeira imobilidade urbana ou degradação urbana que vai se consolidando cada vez mais no Brasil.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/08/2013 - Página 55992