Discurso durante a 148ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a situação de países do Oriente Médio, em especial a da Síria.

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Reflexão sobre a situação de países do Oriente Médio, em especial a da Síria.
Aparteantes
Ana Amélia.
Publicação
Publicação no DSF de 06/09/2013 - Página 60860
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, LOCAL, ORIENTE MEDIO, ENFASE, PAIS ESTRANGEIRO, SIRIA, LIBANO, IRÃ, ISRAEL, MOTIVO, GUERRA, REFERENCIA, POSSE, TERRITORIO, REGISTRO, EXPECTATIVA, ORADOR, RELAÇÃO, ENCERRAMENTO, CONFLITO, ELOGIO, ATUAÇÃO, DIPLOMACIA, BRASIL.

            O SR. DELCÍDIO DO AMARAL (Bloco Apoio Governo/PT - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Minha cara Senadora Ana Amélia, Presidenta desta sessão, Senador Paim, Senador Cristovam, Senador Aníbal, eu venho aqui falar de um assunto que me interessa muito.

            É um assunto que, de certa maneira, se relaciona com um tema que discutimos hoje na Comissão de Relações Exteriores, da qual V. Exª também faz parte, sobre o drama da Síria. O que a Síria enfrenta hoje e que nós acompanhamos com muita tristeza e, acima de tudo, com muita preocupação.

            Srª Presidenta, esses tristes acontecimentos me remetem a pesadelos que enfrentamos nos últimos anos em outros países, ou do Oriente Médio ou da Ásia, mas todos eles tendo uma relação intensa com o Islamismo.

            Todos nós aqui não podemos esquecer a fundação de Israel em 1948 - e eu quero aqui dizer que esse foi um fato absolutamente importante, histórico e fundamental para a humanidade -; mas também não podemos esquecer o êxodo das pessoas que ali viviam. Famílias, palestinos e palestinas, que se retiravam, levando dentro dos seus bolsos, das suas sacolas e das malas as fotografias de entes queridos, as chaves das suas casas, para um dia voltar.

            As coisas caminharam, e caminharam de uma maneira absolutamente contraditória, fruto de uma leitura ocidentalizada de uma região muito mais complexa do que se imagina.

            Muitas das crises, Srª Presidente, Senadora Ana Amélia, que hoje vivenciamos no Oriente Médio são fruto de uma Europa Ocidental, que, no pós-guerra, dividiu o Oriente Médio dentro de determinados critérios que jamais se incorporariam à história daquela região, à história das populações que ali viviam, à história das tribos que ali construíram mais do que nunca as suas vidas.

            E hoje nós temos, no Oriente Médio, o reflexo de todos esses equívocos: países que foram construídos na ponta do lápis ou na ponta das canetas, quando redividiram o mundo, misturando culturas, misturando histórias, misturando religiões.

            Vou dar o exemplo específico da Síria. Na Síria, há sunitas, há xiitas. O Presidente Assad é alauita. O Líbano é cristão, o Líbano é muçulmano, o Líbano tem o Hezbollah, que começou em 1982, quando Israel invadiu o sul do Líbano. Aqueles que acompanharam o início do Hezbollah viam populações de aldeias atacando tanques israelenses com pedras, com pedaços de pau. Não entendiam o que estava nascendo. Estava nascendo o Hezbollah, que hoje é um partido político, e com uma ação muito forte também no Líbano.

            O Líbano implodiu. Implodiu com o êxodo e a chegada dos palestinos, em uma guerra insana, uma guerra que nos traz à mente o drama de Sabra e Chatila, um dos maiores massacres de que se tem notícia, absolutamente comparável aos massacres que todos nós não podemos esquecer ocorridos na Segunda Grande Guerra Mundial. Só que, em Sabra e Chatila, isso aconteceu com os palestinos; e na Segunda Grande Guerra Mundial, lamentavelmente, com nossos irmãos e irmãs judeus. Tristes acontecimentos.

            O Líbano era governado dentro de um grande acordo nacional, em que os cristãos comandavam um governo compartilhado com outras religiões, ou com outras lideranças que representavam segmentos religiosos importantes. O Líbano se despedaçou. O Líbano, que era considerado um dos países mais bonitos do mundo, passou por um processo de reconstrução intenso, forte, que se iniciou quando o Primeiro Ministro Rafik Hariri, que era um grande empresário na região, chamou para si a responsabilidade dessa reconstrução.

            Mas por aí podemos imaginar, minha querida Senadora Ana Amélia, os dramas que essa região tem enfrentado. Israel, o Líbano, os territórios palestinos, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, o Irã, que é um gigante país, com muita gente qualificada, ao contrário do que muitas pessoas falam, de maioria xiita, fruto de uma revolução popular comandada pelo Aiatolá Khomeini, que derrubou o antigo regime do Xá Reza Pahlevi.

            E, importante, nós estamos falando de Oriente Médio, estamos falando do Irã, mas é importante registrar que uma coisa é a realidade desse Oriente Médio que foi redesenhado, a outra coisa...

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco Maioria/ PP - RS) - Senador Delcídio...

            O SR. DELCÍDIO DO AMARAL (Bloco Apoio Governo/PT - MS) - Senadora Ana Amélia.

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco Maioria/ PP - RS) - O senhor está dando uma aula de história, de geopolítica, atualizada com os dias de hoje, e eu queria saudar os alunos do ensino fundamental do Instituto Presbiteriano de Educação da cidade de Goiânia, capital de Goiás.

            Bem vindos. Vocês estão ouvindo o Senador Delcídio do Amaral, que é do PT do Mato Grosso do Sul, dar uma aula a que nós todos também estamos assistindo aqui.

            Desculpe, Senador, mas acho importante, porque são jovens estudantes que estão aprendendo, também como nós, o que o senhor está ensinando.

            O SR. DELCÍDIO DO AMARAL (Bloco Apoio Governo/PT - MS) - Muito obrigado, Senadora Ana Amélia. Bem vindos todos os estudantes e todas as estudantes de Goiânia. Muito bem vindos aqui ao Senado Federal, ao Senado da República.

            Mas, minha cara Presidenta, Senadora Ana Amélia, Senador Cristovam, eu estou enumerando aqui, estou contando um pouco dessa história e contando um pouco das tragédias e pesadelos para mostrar a complexidade que vive o Oriente Médio.

            Isso me remete... Nós começamos falando do Islã. Maomé, por volta de 500 a 600 anos depois de Cristo, produziu uma das maiores obras da humanidade, que foi o Corão, que não é só uma religião, é um livro de procedimentos, da unificação que Maomé proporcionou, a história que foi construída e que entrou, inclusive, pela Europa, que depois, mais além, se precipitou com as cruzadas, sem falar no Império Bizantino, em Constantinopla, enfim, em outros episódios que o mundo vivenciou.

            Eu vim aqui especialmente para dizer neste dia que foi absolutamente admirável... Eu recebi há algum tempo um pequeno livro do jornalista Ali Kamel, chamado Por dentro do Islã, se não estou enganado. Um livro fino, mas que compara o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Religiões, sem dúvida nenhuma, que refletem origens assemelhadas, com tratamentos diferenciados. Por exemplo, Jesus, na religião cristã, o filho de Deus; no islamismo, um profeta. Diferenças, mas para uma mesma origem.

            A mim me surpreende quando rotulam o islamismo como uma religião radical, como uma religião condenável. Na verdade, é absolutamente contrário o espírito do islamismo. Existem interpretações diferenciadas, que começaram no Egito, com a Irmandade Muçulmana, que hoje é o centro das atenções no Egito, continuaram com o Wahhabismo, outro movimento surgido na Arábia Saudita, mas o islamismo é do bem. O islamismo olha as coisas de maneira positiva. O islamismo é uma religião que cresce acentuadamente e tem crescido ao longo dos últimos anos.

            Lamentavelmente, estamos hoje diante de uma crise em que misturamos religião e o não entendimento de uma região importantíssima, porque temos uma visão ocidentalizada da realidade do Oriente Médio, que foi redesenhado pelos vencedores, sem respeitar a história, a cultura e o berço de toda uma civilização que ali existia, e, ao mesmo tempo, com interesses comerciais intensos, principalmente energia, petróleo e gás.

            Lembro bem quando veio a Guerra do Iraque, com todas as suas distorções. Na Guerra do Iraque, pintaram um quadro que não era real e deu no que deu. Até hoje o Iraque é um país de difícil administração, sem falar nos episódios lamentáveis que ocorreram no Iraque nos últimos anos.

            O Afeganistão, de certa maneira, não fica atrás. Até agora é um país que não encontrou o seu destino, que continua vivenciando uma realidade absolutamente distorcida e sem perspectivas futuras.

            Portanto, este é o momento, Sr. Presidente, Senador Renan Calheiros, de repensar esta realidade mundial. Está absolutamente comprovado que, com armas, nós não resolveremos essas questões, pelas diferenças com as quais hoje nós convivemos. Nós precisamos, acima de tudo, de diálogo, de um diálogo franco, sincero, respeitando esses povos. Não é pela força das armas que nós venceremos as vozes da liberdade, as vozes democráticas e as vozes que espera o Oriente Médio e nações que têm todo o direito à vida, que têm todo o direito à religião, que têm todo o direito à construção de um grande futuro.

            Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, talvez esse drama da Síria... Vejo as matérias divulgadas pelos jornais, pelas televisões. Eu me lembro do massacre dos curdos, feito por Saddam Hussein na Guerra do Iraque, uma coisa simplesmente triste, uma verdadeira tragédia. E a gente vê agora a Síria passando por um drama parecido, atingindo mulheres, crianças, jovens, a terceira idade, algo inacreditável para nós, que vivemos no século XXI.

            Portanto, Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, venho aqui, mais do que nunca, torcer - e o Congresso brasileiro tem se posicionado nesse sentido - para que prevaleça o bom senso, para que o prevaleça o entendimento, para que a gente saia dessa crise no Oriente Médio, especialmente na Síria, mediante o diálogo de todos os principais protagonistas desta realidade triste que nós enfrentamos.

            E, ao mesmo tempo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os Estados Unidos começam a resolver definitivamente com o chamado gás de xisto. Os Estados Unidos começam a reduzir a sua carência na importação de petróleo. Importavam dezessete milhões, baixaram para doze milhões. Hoje, já baixaram para 6 milhões de barris. Quem sabe essa mudança, essa autossuficiência energética dos Estados Unidos leve também a uma reavaliação geopolítica mundial e venhamos, portanto, a encontrar uma saída pacífica, trazendo tranquilidade e uma vida melhor para essas pessoas que têm sofrido muito. Sofrem pelo desentendimento, sofrem por uma visão depreciativa, sofrem, no seu dia a dia, pelo não entendimento de uma religião que tem raízes cristãs. Sofrem por interesses econômicos, sofrem por uma divisão equivocada dos vencedores do pós-guerra, que misturaram culturas, histórias, religiões de uma forma absolutamente irresponsável. E, por último, são povos que precisam ter a sua terra, que precisam ter tranquilidade para criar seus filhos e fazer valer uma história linda que todos aqueles povos que lá vivem tiveram.

            Senadora Ana Amélia, é com muito prazer que ouço V. Exª

            A Srª Ana Amélia (Bloco Maioria/PP - RS) - Senador Delcídio, eu queria, primeiro, lhe agradecer a aula que está nos dando aqui sobre um tema que, embora distante, é muito próximo ao mesmo tempo. Quantos palestinos, quantos libaneses, quantos sírios, famílias sírias, libanesas estão no Brasil dando uma valiosa contribuição ao crescimento e ao fortalecimento não só da nossa economia, nas boas relações históricas com esses países, mas também nessa boa convivência fraterna? A Irlanda do Norte conseguiu construir uma saída pacífica depois de muito sangue derramado, mas de muito esforço, de muito boa vontade interna e, também, com o apoio da Inglaterra. Seria muito bom para o mundo que, também no Oriente Médio, essa construção de entendimento e paz pudesse ser feita. Como disse V. Exª, é muito difícil para nós, ocidentais, e para nós, brasileiros, especialmente, que temos uma fronteira de amizade aqui na região, entender os conflitos sangrentos, guerras civis acontecendo de uma maneira assombrada, de uma maneira inacreditável até no século XXI. Se, de fato, houve uso de arma química para matar adversários no caso da Síria, esse é um problema, eu diria, muito mais dos sírios do que do mundo. Eu queria aproveitar para dizer que, quando V. Exª se referiu ao reconhecimento do Estado de Israel, como gaúcha, fico muito orgulhosa de mencionar a figura de Oswaldo Aranha nesse processo, lá em 1945. Tudo isso mostra que nós precisamos, de alguma maneira, contribuir. E a atitude do Governo brasileiro em relação ao caso da Síria remete ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Nenhuma nação pode, solitária ou isoladamente ou com dois ou três países, invadir aquele país de maneira violenta, matando cidadãos civis, cidadãos inocentes. Então acho que a posição do Governo brasileiro, nesse episódio, está dentro de um caminho de paz e de não interferência, de não intervenção, a não ser por uma determinação do colegiado das Nações Unidas. Então, eu queria cumprimentá-lo por trazer o tema nesta tarde, para que a gente também faça uma reflexão muito adequada, como fez V. Exª, sobre essa questão. Nós que temos com esses países todos um relacionamento histórico e muito construtivo. Muito obrigada.

            O SR. DELCÍDIO DO AMARAL (Bloco Apoio Governo/PT - MS) - Muito obrigado, Senadora Ana Amélia, pelo aparte.

            Eu gostaria, para concluir, Sr. Presidente...

(Interrupção do som.)

            O SR. DELCÍDIO DO AMARAL (Bloco Apoio Governo/PT - MS) - Para concluir, Sr. Presidente.

            A diplomacia brasileira agiu corretamente. Os últimos acontecimentos da chamada Primavera Árabe demonstram que onde usaram força, onde usaram as armas, as coisas não andaram bem. Portanto, a iniciativa da diplomacia brasileira é absolutamente correta.

            Senadora Ana Amélia, apesar de uma postura - e esse é o nosso entendimento - comedida, de diálogo, de reconhecimento, de entendimento, de respeito à história, à religião, à cultura de paz, a situação da Síria exige uma ação urgente, uma vez que a Síria só chegou a isso porque existem interesses associados à Síria como um grande player, como um player estratégico, como um ator estratégico, como um protagonista estratégico no Oriente Médio.

            Agora, o que nós estamos falando é da vida das pessoas. Portanto, apesar de uma ação de diálogo, de paz, ela é urgente, porque, acima de qualquer interesse estratégico, o que está em jogo são as vidas das pessoas, dos nossos irmãos sírios.

            E, só para concluir, Sr. Presidente, a Senadora Ana Amélia aqui citou o caso da Irlanda do Norte. Eu tive a oportunidade de acompanhar, também com muito interesse, o difícil acordo que foi, a duras penas, alcançado através do diálogo com o Exército Republicano Irlandês. E tive a oportunidade, in loco, de conhecer esse dilema, especialmente dos católicos, e eu que tenho formação católica e jesuíta - sim, a Companhia de Jesus, a mesma do Papa. Eu não sou papa, mas também fui criado pela Companhia de Jesus. E é inesquecível. Há um filme chamado Sunday, Bloody Sunday, ou Domingo...

(Soa a campainha.)

            O SR. DELCÍDIO DO AMARAL (Bloco Apoio Governo/PT - MS) - Eu não sei a tradução, eu não me lembro da tradução, do nome em português. Mas foi um massacre feito pelas tropas inglesas em Belfast. Foi uma tragédia, foi um pesadelo, uma das coisas que jamais na Grã-Bretanha vão esquecer.

            E a redenção de tudo isso eu vi quando o artista é o povo. O U2, do Bono Vox, fazendo uma apresentação em Belfast. E eu cheguei à conclusão de que o U2 não era uma banda. O U2 era o sentimento de um país. O U2 era um partido político, e ninguém melhor que essa banda para personificar o sonho e o futuro de um povo.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, pela paciência e muito obrigado aos nobres colegas pelos apartes.

            Obrigado, Senadora.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/09/2013 - Página 60860