Discurso durante a 152ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem à trajetória política do Sr. Luiz Gushiken.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à trajetória política do Sr. Luiz Gushiken.
Publicação
Publicação no DSF de 11/09/2013 - Página 61953
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, PERCURSO, POLITICA, EX MINISTRO DE ESTADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ELOGIO, VIDA PUBLICA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mozarildo Cavalcanti, neste último domingo, resolvi fazer uma visita a uma pessoa que deu enorme contribuição a este País, aos trabalhadores, ao Partido dos Trabalhadores, aos bancários e que, infelizmente, está acometido de um câncer avançado. Eu inclusive muito dialoguei com seus filhos e sua esposa, e gostaria aqui de falar desse meu encontro com Luiz Gushiken, que foi Ministro Secretário das Comunicações do governo do Presidente Lula.

            Nos últimos dias, visitei um amigo querido. Quero aqui falar da trajetória de um Samurai, não apenas meu amigo, mas de tantas pessoas, gente que se fez na luta pela restauração das liberdades no Brasil. Fui ao encontro de Luiz Gushiken no Hospital Sírio Libanês e testemunhei o que o poder de uma coragem indomável e de uma fé inquebrantável é capaz de fazer.

            Vi Luiz Gushiken travando mais uma longa batalha pela vida. E com aquele mesmo espírito sereno, desarmado, ou melhor, armado como sempre de seus nobres predicados éticos, morais, espirituais.

            Senti que aqueles preciosos momentos não deveriam ficar trancafiados apenas no quadro de minha memória. Senti que deveria compartilhar. E, por isso, venho a esta tribuna.

            Não por acaso, a tribuna foi um dos mais formidáveis instrumentos usados por Gushiken em suas muitas lutas, ora por democracia, ora por justiça social, ora por melhores salários para os trabalhadores. Tribuna, no caso do Gushiken, tanto poderia ser um prosaico caixote na frente de agências bancárias, lutando por direitos políticos, econômicos e sociais, quanto poderia ser a tribuna da Câmara dos Deputados ou a quadra do Sindicato dos Bancários.

            Desejo traçar em breves pinceladas o painel humano desse filho de imigrantes japoneses. Quem sabe, com esses pálidos contornos, possa alcançar meu objetivo neste momento: homenagear quem, antes de ser engrandecido pelos cargos que ocupou, engrandece o tempo em que vive.

            Luiz Gushiken nasceu em 1950, na pequena cidade de Osvaldo Cruz, interior de São Paulo. Era o primeiro de uma família de sete filhos. Seu lar era uma construção muito simples e muito pobre, feita de ripas entrelaçadas ao barro. Certamente, símbolo ainda de muitas humildes casas neste nosso Brasil profundo.

            Ainda rapazote, contando apenas 12 anos, imberbe, começa a trabalhar como ajudante em uma pequena fábrica local. E desse suor juvenil provinha parte da renda familiar necessária a ajudar a criação dos irmãos mais novos. Eram tempos difíceis. Tempos em que o Brasil era o país eternamente localizado no futuro, um Brasil arcaico, rural e gigantesco, tanto em suas riquezas quanto em suas mazelas.

            Em 1968, Gushiken muda-se para São Paulo. Segue a tradição de sua geração: despede-se da cidade do interior para estudar e trabalhar no grande centro urbano. Logo inicia os estudos de Administração na Fundação Getúlio Vargas, pela manhã, e, à noite, Filosofia na USP.

            Ainda com 19 anos, presta concurso público e passa a integrar os quadros do Banespa. Em pouco tempo de banco, já mergulhado na lide sindical, passa a integrar a diretoria do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Tem início um tempo de luta hercúlea.

            Ainda na década de 70, trava a primeira luta pela saúde ao retirar um testículo cancerígeno, sendo submetido a um pesado tratamento radioterápico.

            Os anos 1980 farão de Gushiken um personagem emblemático. Ele está na vanguarda de todas as lutas pelas quais valem a pena dedicar a vida: muito atuante nas principais atividades sindicais do País, é um dos fundadores e construtores do PT e da CUT.

            Aos 35 anos, em 1985, Luiz torna-se presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e comanda a primeira grande greve nacional dos bancários.

            Elege-se Deputado Federal em 1986 e passa a integrar a tão sonhada Assembleia Nacional Constituinte, aquela que irá outorgar ao Brasil a sua Constituição Cidadã.

            Em 1989, já presidente do PT Nacional, passa a ser o coordenador da campanha presidencial de Lula e, no ano seguinte, em 1990, é reeleito Deputado Federal.

            Estudioso das religiões, Gushiken se destaca por seu estilo “zen” e pela incansável busca do sentido da vida. Em 29 de maio de 1992, ele principiou assim seu discurso sobre a Fé Bahá'í na Câmara dos Deputados:

Há muitos anos, Sr. Presidente, venho dedicando-me ao estudo das religiões, motivos por interesse intelectual e também espiritual. Conhecer um ‘Baghavad Gita’, o Velho e o Novo Testamento, bem como o Alcorão e os vários textos búdicos, tem fortalecido em mim a convicção de que os impulsos provocados por estas Revelações, ditas Sagradas, constituem as raízes mais fortes dos processos verdadeiramente civilizatórios da humanidade.

E eis, Sr. Presidente, que deparo, perplexo, com a mais colossal obra religiosa escrita pela pena de um só homem, elaborada em condições inimagináveis, e capaz de concentrar em um só tempo vigor estilístico, autoridade majestática, força moral incomparável, generosidade abundante, admoestação severa, beleza artística e tom profético. Bahá'u'lláh, Sr. Presidente, é o nome do autor desta obra!

            Gushiken, já naquele tempo, pregava a necessidade de uma governança supranacional através de uma federação democrática mundial como forma de soluções globais, alegando que as instituições políticas concebidas no plano das unidades nacionais não acompanhariam os problemas atuais. Naquele momento, a globalização era uma força bárbara e uma incógnita ainda a se desenhar. Entretanto, nos dias atuais, esse instrumento se faz completamente necessário.

            Sobre as lições ensinadas por seu pai, o imigrante okinawano, Gushiken guarda sólidas lições:

A influência de meu pai sobre meu caráter é total. Foi ele quem, através de sua rigidez moral e experiência de vida, criou as bases para moldar os aspectos morais da minha personalidade. Meu pai prezava a honra e o nome da família como o maior valor. Sempre fez questão de frisar a importância do núcleo familiar e do apoio que recebeu de seus parentes em momentos difíceis de sua vida. Em vários momentos de penúria financeira, nunca permitiu que as preocupações contaminassem seus filhos. Sabia ocultar dignamente suas provações e dificuldades.

            Voltemos ao ano de 1994. Gushiken é reeleito para a Câmara dos Deputados.

(Soa a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Este será seu último mandato parlamentar, quando desiste de uma nova eleição praticamente ganha em 1999.

            Mesmo sendo um líder de sua geração e um Parlamentar atuante, Gushiken conseguiu construir uma família pautada por valores morais elevados. Permitam-me compartilhar esse sentimento de seus queridos filhos Guilherme, Artur e Helena. Eles escreveram:

Nosso pai nos ensinou que os grandes valores morais e éticos são as maiores riquezas que uma pessoa pode carregar. Estes, se consolidados não são destruídos por apegos materiais. A família, para ele, é como um punhado de pequenos gravetos; se separados, são facilmente quebrados; mas, unidos, não há força no mundo que faça com que eles se partam. Ah, como nos lembramos das inúmeras “reuniões dominicais familiares” onde, todo domingo pela manhã, tal como numa assembleia, deveríamos nos reunir, descrever a pauta da semana e as postulações de cada filho para que o assunto fosse discutido exaustivamente e, por fim, chegássemos a uma conclusão.

            Ou seja, a prática democrática de ouvir as demandas, de deliberar em grupo, não era praticada por Gushiken apenas nas assembleias sindicais ou nos corredores do Congresso. Não, ele as exercitava em casa, junto à esposa, junto aos filhos. Realmente, algo admirável. Vemos ser mínima a distância entre o discurso e a prática, a prática e o discurso.

(Soa a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Sofre um ataque cardíaco em 2001. É aberto, então, um novo campo de lutas. A luta pela saúde, a luta pela vida, ano a no, mês a mês, e depois, dia a dia.

            Em fevereiro de 2002, nova luta com a saúde: descobre novo câncer e faz a extração total do estômago. A cirurgia tem complicações e sofre uma septicemia, perdendo 20kg em sete dias. Presidente Mozarildo, médico, pode compreender o sofrimento de Luiz Gushiken

            Em junho desse mesmo ano, porém, é coordenador-adjunto da vitoriosa campanha presidencial de Lula. Com efeito, Gushiken torna-se Ministro do Governo Lula em 2003 e, na condição, de Ministro-Chefe da Secretaria de Comunicação, lança a mais formidável campanha de resgate da autoestima jamais vista em um país. É a campanha: "O melhor do Brasil é o brasileiro", "Sou brasileiro e não desisto nunca". Consegue a proeza de angariar apoio da classe empresarial, de suas instâncias econômicas, envolve a classe artística e dá vazão a esse sentimento há muito represado: ser brasileiro é ser feliz e é fonte de orgulho.

            Em sua gestão à frente da Secom, o guarda-chuva da comunicação oficial é tremendamente democratizado e centenas de veículos de comunicação, notadamente de cunho regional e mesmo local, saem de sua histórica invisibilidade.

            É designado Ministro-Chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e pensa o Brasil até 2022.

(Soa a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) -Presidente Mozarildo, vou pedir um pouquinho de tolerância. Eu acho que em mais cinco minutos concluirei, Sr. Presidente.

            Em 2005, durante as denúncias da crise do chamado mensalão, é acusado pela mídia de participar do suposto esquema. A mídia passa a acusá-lo semanalmente durante os seguintes sete anos, e veículos de imprensa sempre referem-se a ele como "condenado". É um tempo de tristeza, amargura e muita dor. Seu nome é objeto de difamação reles, de calúnias baixas, nem sua esposa e seus três filhos são poupados.

            Injustamente, Gushiken paga todo o preço, à vista e à custa de sua saúde e da convivência com sua esposa Beth e seus filhos Guilherme, Artur e Helena. E pagou o preço integral, porque tinha a seu favor nada menos que a verdade. Sem mais, nem menos, a verdade.

            Não se deixando intimidar, depõe à CPMI de maneira exemplar. O escritor Washington Araújo assim retrata o momento:

Não foi nem apenas uma ou só duas vezes que, qual leão em posição de ataque, Gushiken exigiu de seus questionadores um mínimo de hombridade moral, decência e ética no trato da res publica.

Foi ali que vi Gushiken em um momento de fúria mitológica. Ele defendia não apenas sua honra, mas também a honra do presidente Lula. E não o fazia deforma emocional, com palavras vazias e prontas para gerar impacto midiático. Não! Ali Gushiken mostrava os materiais nobres com que era formado seu caráter como ser humano e seu patrimônio ético como homem público.

            Em 2008, Gushiken sofre novo princípio de infarto e realiza implante de dois stents.

            Em 2010, com a doença do câncer já em estado metastático, passa por nova cirurgia de 9 horas para retirada do baço, vesícula, raspagem do diafragma, parte do pâncreas e parte do intestino.

            Em outubro de 2012, após sete anos e dois meses de incansáveis acusações públicas, é absolvido por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal de todas as acusações.

            Descobre-se, entre outras evidencias jurídicas, que o Ministério Público negou acesso, durante o curso do processo, a documentos que atestavam sua inocência. Não há qualquer reparação pela mídia.

            No voto que acompanha o Ministro Relator Joaquim Barbosa e as alegações finais do Ministério Público Federal, o Ministro Revisor Ricardo Lewandowski ressaltou que "o réu e sua família sofrem durante o processo penal e, se ele é inocente, o sofrimento é maior e indevido". Ele finaliza o voto citando o poema...

(Soa a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - “Por Que Não”, de José Saramago: "Ainda que os relógios queiram nos convencer do contrário, não é o mesmo para toda gente".

            Luiz Gushiken, acusado e julgado pela imprensa, é o cidadão inocente que tem sua honra pisoteada com requintes de crueldade por 3.285 dias. Mesmo inocentado de forma cabal e irrefutável por nossa Corte Maior, Gushiken não receberá reparo algum.

            No último mês de maio deste ano de 2013, passa por nova cirurgia, cirurgia de 8 horas; procede-se à retirada de outras partes do intestino, consequência da luta contra o câncer, que ainda não acabou.

            Enquanto lhes dirijo essas palavras, este querido amigo encontra-se pela enésima vez entre a vida e a morte, em um quarto de hospital, alternando momentos de lucidez com outros de letargia. Luiz Gushiken decidiu abraçar já o infinito. Numa tarde, se escutou essas suas palavras: "De noite, ao adormecer, sigo para os infindáveis mundos de Deus, mas, pela manhã, acordo com barulho do hospital me trazendo de volta..."

            Luiz Gushiken é a combinação do estóico - que não se deixa abater pela dor - com o hedonismo - que sabe sentir prazer em coisas mínimas.

(Soa a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Um homem tão dedicado ao abstrato e ao espiritual e, ao mesmo tempo, tão objetivo e prático. Isso se completa e realmente o faz ser grande, talvez como aquela sabedoria bíblica de que existe hora para tudo, existe o tempo de chorar e o tempo de sorrir; o tempo de sonhar e o tempo de agir.

            Lembro, por fim, a frase do poeta alemão Bertold Brecht, que bem resume a trajetória do samurai:

            "Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis."

            Eis o sorriso (Apresenta fotografia.), Presidente Mozarildo Cavalcanti. Embora tão frágil, com poucos quilos, Luiz Gushiken me recebeu nesse domingo, com esse belo sorriso, ao lado de sua esposa e de seus filhos.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/09/2013 - Página 61953