Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a visita feita pela Subcomissão da Verdade, Memória e Justiça do Senado Federal ao 1º Batalhão de Polícia do Exército, no Rio de Janeiro, onde funcionou o DOI-Codi no período da ditadura militar; e outro assunto.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS, GOVERNO FEDERAL, FORÇAS ARMADAS.:
  • Comentários sobre a visita feita pela Subcomissão da Verdade, Memória e Justiça do Senado Federal ao 1º Batalhão de Polícia do Exército, no Rio de Janeiro, onde funcionou o DOI-Codi no período da ditadura militar; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 26/09/2013 - Página 66526
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS, GOVERNO FEDERAL, FORÇAS ARMADAS.
Indexação
  • CONVITE, LANÇAMENTO, LIVRO, BIOGRAFIA, PARTICIPANTE, RESISTENCIA, REGIME MILITAR, BRASIL, ATUAÇÃO, BELO HORIZONTE (MG), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), LOCAL, BIBLIOTECA, SENADO.
  • COMENTARIO, VISITA, MEMBROS, SUBCOMISSÃO, VERDADE, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, SENADO, LOCAL, BATALHÃO, POLICIA, EXERCITO, MUNICIPIO, PETROPOLIS (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ANTERIORIDADE, FUNCIONAMENTO, INSTALAÇÕES MILITARES, DITADURA, REGIME MILITAR.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Apoio Governo/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Senadora Angela Portela, lá da Região Amazônica, do lado norte do hemisfério, como nós, no Amapá, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, venho à tribuna para fazer dois registros.

            O primeiro é que, daqui a poucos minutos, na Biblioteca do Senado, e estendo aqui o convite a todos os Parlamentares, a todos os Senadores e aos que estão aqui no plenário, estaremos lançando livro que traz a público a história de um líder dos anos 70, desaparecido em fevereiro de 1971, militante da resistência democrática.

            Trata-se do livro cujo título é Seu Amigo Esteve Aqui, da jornalista Cristina Chacel, que conta a história de Carlos Alberto de Freitas, conhecido como Beto ou como Breno.

            Desenvolveu sua militância em Belo Horizonte, nos anos 60, um pouco antes de a ditadura se instalar no País, em 1964. E, muitos militantes, e, mais tarde, figuras importantes da República, foram militantes juntamente com Beto, como, por exemplo, a Presidenta de nosso País, Dilma Rousseff, que foi companheira e também foi discípula de Beto nos seus primeiros anos de militância.

            Beto desapareceu em fevereiro de 1971, e a primeira notícia que se tem a seu respeito é de bem poucos anos atrás, quando uma sobrevivente da Casa da Morte, de Petrópolis - a Casa da Morte de Petrópolis foi descoberta há bem pouco tempo; era uma casa para onde eram levados os presos políticos torturados e desaparecidos. Da Casa da Morte, escapou uma única vítima. Etienne Romeu passou pela Casa da Morte e sobreviveu, e ela ouviu de um torturador uma referência sobre Beto. O torturador lhe disse: seu amigo esteve aqui. E o torturador era o amigo, um conhecido de Belo Horizonte, da mesma geração, só que um era militante e o outro, torturador. E ele fez referência a Etienne de que Beto teria passado por ali e dali teria desaparecido.

            É um livro importantíssimo porque resgata a história de uma figura brilhante, de um político brilhante, que terminou a sua carreira muito jovem, ainda não tinha 30 anos quando morreu; morreu com 27 anos.

            Portanto, eu convido todos para que possamos daqui a pouco nos dirigir à Biblioteca do Senado, para ouvir a jornalista Cristina Chacel, que vai fazer uma fala sobre a trajetória de Carlos Alberto, ou Beto, ou Breno, porque na época da repressão os militantes tinham vários codinomes, ou nomes, e é importante que nós possamos conhecer o que de fato aconteceu neste País, como foi penosa a construção democrática da sociedade brasileira, que ainda hoje sofre algumas restrições e alguns obstáculos.

            Outra referência, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero fazer em relação à visita que a Subcomissão da Memória e da Verdade do Senado, da Comissão de Direitos Humanos desta Casa, fez ao 1º Batalhão de Polícia do Exército, no Bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro.

            Nessa instalação do Exército, no período da ditadura civil-militar, ali foi instalado o DOI-Codi, o departamento de ordem interna, e o Codi, que era outra sigla, que significava comando de ordem interna. Juntaram toda a repressão, e ali se instalaram dentro de uma repartição pública do Exército brasileiro. E, através de um requerimento do Senador Randolfe Rodrigues, aprovado na Comissão de Direitos Humanos, na Subcomissão da Memória e da Verdade do Senado, se definiu uma visita às instalações do DOI-Codi, que foi o maior centro de tortura aos adversários do regime instalado no Rio de Janeiro.

            Inicialmente, essa decisão de visitar as instalações de um centro de tortura e repressão sofreu - digamos - algumas pressões no sentido de evitar que algumas pessoas compusessem a comissão que para ali se dirigia. Procuramos um entendimento com o Ministério de Defesa e com o Comando do Exército para que pudéssemos realizar essa nossa tarefa nas melhores condições possíveis. Inicialmente, nós cedemos naquilo que é prerrogativa do Congresso Nacional, que é o fato de adentrar, não importa qual a instituição pública deste País, para inspecionar, fiscalizar; essa é a nossa prerrogativa constitucional. Abrimos não para procedermos a uma visita a convite do Comando do Exército, mas, observando o mal-entendido do nosso gesto, recuamos e passamos, então, a desenvolver a nossa tarefa de acordo com aquilo que a Constituição e a lei nos outorgam. Essa comitiva foi composta pela Senadora Ana Rita, que é a Presidente da Comissão de Direitos Humanos. Ela teve uma dificuldade tremenda, uma impossibilidade. O avião em que viajava, de Vitória para o Rio de Janeiro, não conseguiu pousar no aeroporto Santos Dumont, foi pousar em Campinas, o que nos privou da presença da Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado. Quando ela chegou, nós tínhamos concluído a nossa visita ao 1º Batalhão de Polícia do Exército. Acompanhou-nos nessa visita o Senador Randolfe Rodrigues, que é Vice-Presidente da Subcomissão da Memória e da Verdade, e quatro membros da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro: o Wadih Damous, o Marcelo Cerqueira, o jornalista Álvaro Caldas e Nadine Borges. Os dois últimos, Nadine Borges e Álvaro Caldas, estavam representando a Comissão Nacional da Verdade, Memória e Justiça. Este nome “justiça” não corresponde de fato à função dessa comissão, porque ela não tem essa prerrogativa de fazer encaminhamentos judiciais.

            Também participou conosco a Deputada Luiza Erundina, do PSB de São Paulo, que tem um projeto de revisão da Lei da Anistia, o que nos parece algo muito interessante, porque nós já levamos 34 anos com a Lei de Anistia. Então, é necessário renovar, repactuar, até porque a sociedade é outra. Nós vivemos em um outro tempo. Não é mais agosto de 1979; nós estamos em setembro de 2013.

            Também participou a Deputada Federal Jandira Feghali, do PCdoB do Rio, e um representante do Ministério Público, o Procurador Jaime Mitropoulos. Foi um momento histórico, confesso que foi um momento histórico, tenso e, sobretudo, emocionante para todos nós que estávamos sendo conduzidos pelo jornalista Álvaro Caldas, que ali foi preso e torturado em duas oportunidades, em 1970 e em 1973.

            O jornalista Álvaro Caldas, aos 72 anos, identificou os processos aos quais foi submetido. Sofreu choque elétrico, pau de arara e afogamento.

            A nossa caminhada por aquelas instalações nos parecia fazer voltar no tempo e a gente sentia a emoção do jornalista Álvaro Caldas. Ele, em algum momento, nos disse:

O DOl-Codi foi o pior local por que passei na vida. O de maior sofrimento e dor, mas também de alegrias, quando um preso confortava o outro. Volto 40 anos depois. Das duas vezes em que fui preso, entrei com capuz. A estrutura interna sofreu algumas mudanças, mas é possível reconhecer as salas em que aconteciam as torturas, uma rotina do DOl-Codi.

            Vejam, esses portões do submundo, das catacumbas da ditadura, precisam definitivamente ser abertos. Não é possível continuar ignorando a história do nosso País e convivendo com isso.

            Veja, Senadora Ana Rita, Srª Presidenta, não há um único reparo a ser feito aos comandantes, aos generais que nos receberam naquele quartel. Fomos recebidos com extrema gentileza, nos abriram todas as portas. Não houve qualquer restrição. E é isso que se espera. Isso deve continuar. Nós devemos escancarar as portas do passado, para que a sociedade brasileira tenha uma leitura clara do que nos aconteceu.

            Fomos recebidos e nos foi feita uma apresentação das instalações, um histórico. Esse histórico vai desde o início do século XIX até 1964; para em 1964 e retoma em 1987. Há uma lacuna que o Tenente Coronel, que foi nosso anfitrião, não conseguia explicar.

            A Deputada Luiza Erundina o fez ver que faltava um pedaço da história. Mas, pelo que entendi, ele não estava autorizado a falar desse pedaço da história.

            Ora, não se pode simplesmente ignorar o que aconteceu neste País. Eu então fiz ver aos comandantes que estavam ali, todos eles com menos de 50 anos, que nenhum deles que estava ali tinha qualquer responsabilidade pelos atos cometidos no passado de alguns elementos dessas instituições, porque não foi o Exército que torturou, não foram as Forças Armadas que prenderam, assinaram e desapareceram com brasileiros e brasileiras. Foram elementos dessas instituições, ligados àquilo que há de mais extremo do reacionalismo e da direita brasileira. Não foram as instituições. O Exército, a Marinha e a Aeronáutica são as nossas Forças Armadas, que preservam a integridade do nosso País e que têm nosso integral apoio. Está na hora de as nossas Forças Armadas - para isso vamos procurar o Ministro da Defesa, vamos procurar o Ministro do Exército - debaterem a recuperação da memória.

            Da mesma maneira como aconteceu em outros países da América Latina, da América do Sul, os países foram tombando em ditaduras ferozes. O primeiro foi o Brasil, mas depois vieram o Chile, o Uruguai, a Argentina, a Bolívia. Todos eles passaram. E não só na América do Sul, a América Central também passou por processos patrocinados, estimulados, incentivados pelo governo americano, o mesmo que faz espionagem hoje da nossa Presidência da República. A Presidenta Dilma falou, na ONU, com altivez, rejeitando a bisbilhotagem, a espionagem daquilo que nós decidimos em nosso País.

            Portanto, é fundamental que se prossiga em busca da recuperação da memória história de nosso País.

            A visita que realizamos teve um pequeno contratempo, a que eu não vou fazer nem referência, porque em nada, em absolutamente nada atrapalhou a nossa função, Senadora Ana Rita. Nós cumprimos nosso objetivo, que era abrir as portas daquele quartel onde funcionou um centro de tortura e, mais do que isso, nos aproximar dos oficiais do nosso Exército, conversar com eles, que testemunharam lá o depoimento do jornalista Álvaro Caldas. E ouviram comovidos. E eu tenho certeza de que esses oficiais não tinham ideia do que teria acontecido ali, nas instalações do 1º Batalhão de Polícia do Exército, que tem uma história fantástica.

            Esse batalhão é uma unidade fundada em função da nossa participação na Segunda Guerra Mundial, que tem um histórico de heroísmo. No entanto, esses indivíduos pertencentes às instituições armadas, desviados das suas funções, que extrapolaram as suas funções, praticaram, ali naquelas instalações, crimes hediondos imprescritíveis contra brasileiros e brasileiras, pelo simples fato de se oporem ao governo da ditadura civil militar.

            Portanto, encerro esta minha participação, esta minha fala da tribuna, dizendo que, neste País, nós temos três Poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e as prerrogativas do Legislativo precisam se fazer valer nesses momentos. Não existe mais um poder militar no País. Essa página foi dobrada. As Forças Armadas, o poder militar está submetido aos Poderes da República, ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário. Portanto, a nossa luta pela recuperação da memória...

(Soa a campainha.)

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Apoio Governo/PSB - AP) - Estou encerrando, Srª Presidente - a nossa luta pela recuperação da memória continua.

            E eu finalizo, convidando a todos para o lançamento do livro Seu Amigo Esteve Aqui, da jornalista Cristina Chacel, daqui a pouco - já estou me encaminhando para lá - na biblioteca do Senado.

            Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/09/2013 - Página 66526