Discurso durante a 162ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a falta de interesse do setor privado nos leilões de rodovias federais; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA. POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Preocupação com a falta de interesse do setor privado nos leilões de rodovias federais; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 21/09/2013 - Página 65302
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA. POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • COMENTARIO, AUSENCIA, EMPRESA PRIVADA, OBJETIVO, PARTICIPAÇÃO, LEILÃO, EXPLORAÇÃO, PETROLEO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).
  • CRITICA, FALTA, INTERESSE, EMPRESA PRIVADA, PARTICIPAÇÃO, LICITAÇÃO, CRIAÇÃO, INFRAESTRUTURA, ESTRADA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, eu vim falar sobre dois fatos que eu acho que estão acontecendo na economia brasileira e que são preocupantes.

            Todos nós vimos, Senador Figueiró, notícias nesses dois dias de que, no caso do leilão de um estrada, não apareceu nenhum interessado. No caso de outra, apareceu e ganhou um grupo desconhecido, o que não quer dizer que seja ruim, mas é, de certa maneira, preocupante. Nenhum dos grupos tradicionais apresentou proposta para a estrada em que houve leilão e, para a outra, nenhum apareceu. Algo está errado. Ao mesmo tempo, no leilão para o campo de Libra, houve interessados, mas, entre os interessados, não estavam os grandes do ramo. Não estava Exxon, Chevron, British Petroeum. Temos que nos preocupar com isso.

            Além dos mais, os grupos que entram são asiáticos, o que eu acho muito positivo, mas isso demonstra a nossa fraqueza de não sermos iguais a eles ainda, apesar de a Petrobras também ter entrado.

            Mas o que mais me preocupa é que a gente não vê preocupação no Governo diante desse pouco sucesso dos leilões. Ao contrário, o que a gente tem visto é uma comemoração esfuziante, uma euforia total do Governo diante do fato de ter havido um leilão - embora, no outro, não tenha havido nenhum interessado -, o leilão de Libra, em que apresentaram propostas, manifestaram interesse grupos internacionais sem os grandes interessados.

            Eu creio que era tempo de o Governo, embora falando com satisfação de que pelo menos houve interessados em uma e de que um grupo ganhou na outra, parar para refletir, parar para debater por que estão tendo dificuldades projetos que podem ser tão rentáveis e tão necessários à criação de uma infraestrutura que o Brasil não tem.

            Esse é um ponto mais preocupante. O Governo não se preocupar com o que está errado naquilo que faz querendo acertar, porque quer acertar, está na direção certa, mas não tem o sucesso devido. Quais são as causas que têm levado a isso? Eu creio que a gente pode analisar algumas dessas causas. Primeiro é a demora. Demoramos muito a ocupar o espaço de buscar a convivência do setor público e do setor privado na construção da infraestrutura. O verdadeiro papel de um governo é investir no social e casar com o setor privado para investir na infraestrutura econômica.

            Ao longo dos anos, houve um certo delírio até, sobretudo das forças de esquerda, de que não deveríamos deixar de fazer as estradas, os portos, os aeroportos. Resultado: não fizemos como deveríamos e os que fizemos tiramos dinheiro da educação, da saúde e da segurança. O caminho é esse, mas demoramos demais. Essa é uma das causas de não haver o sucesso como houve.

            A essa demora se soma a falta de convicção. O que passa para o mercado é que o governo só entrou nesse tipo de convivência por falta de recursos próprios e não por uma convicção de que esse é melhor meio. Essa é a ideia que está passando no mercado. O Governo não acredita nisso, recorre a isso como uma boia para salvar-se da falta de recursos e de uma crise de apagão em quase todos os setores da nossa infraestrutura.

            Então, vem a demora, vem a falta de convicção; isso assusta os setores interessados em colocar dinheiro na construção de uma infraestrutura, seja de portos, seja de estradas, seja de energia, seja de exploração dos campos de petróleo.

            Some-se a isso o esvaziamento das agências reguladoras, porque o que dá tranquilidade ao investidor que busca o investimento de longo prazo, 20, 30 anos, é saber que há agências reguladoras que não estão dependentes dos governos, do partido no poder. São agências reguladoras que pertencem ao Estado nacional, que estão acima do governo do momento. E as nossas, que foram criadas com essa intenção, estão sendo tratadas como se fossem mais um ministério, como se o presidente dela fosse um agente do Governo. Não pode ser assim, porque, aí, ele só olha a próxima eleição, não olha a próxima geração.

            A agência reguladora tem que estar olhando a Nação brasileira, o Estado, o longo prazo, as gerações futuras, e não o partido, o governo e a próxima eleição. Nossas agências estão esvaziadas desse papel fundamental de pensar o longo prazo, de regular acima do governo, senão não precisaríamos de agência reguladora, bastaria o Ministério.

            Some-se a isso o fato de que o Brasil tem demonstrado, o Governo atual, o uso do que se tem chamado de químicas fiscais, de manipulações - essa é a palavra que se usava antigamente -, de criatividade contábil, como se passou a chamar de uma maneira mais elegante, mas menos substancial.

            Essa ideia de usar as manipulações de dados, a contabilidade fiscal, que faz com que o Governo coloque o dinheiro no BNDES, que dá um lucro que ainda não houve, de tal maneira que aumenta a ideia de superávit, gera desconfiança e afasta investidores. Essa é uma realidade que temos tido.

            Por outro lado, o descontrole em alguns empréstimos também leva a essa crise de confiança. Os jornais de hoje mostram que uma das empresas do Sr. Eike Batista já comunicou que não vai pagar uma dívida de R$1 bilhão com o BNDES agora e pede um ano. É óbvio que ninguém sabe se daqui a um ano isso será pago. É óbvio que estão ganhando um tempo, jogando com a barriga, como se diz. Olha que alguns falam que não é R$1 bilhão o débito do grupo Eike Batista com o BNDES, mas que poderia chegar até a R$10,5 bilhões.

            Quando aqui esteve o Presidente do BNDES, eu lhe fiz perguntas, por escrito, mandadas para ele por meio do Presidente da Comissão de Economia, o Senador Lindbergh, e não tive respostas, não vieram as respostas.

            Essa contabilidade criativa, somada ao descontrole de como os órgãos públicos são usados e ao controle de como as agências reguladoras são usadas, gera desconfiança. Com desconfiança não vamos ter capacidade de casar bem o setor público e o privado, porque o setor privado fica com medo de que, quando mude o governo, mude tudo. Aí entra mais um ponto: a manipulação dos preços, como forma de coibir a inflação de aparecer, seja através de exonerações fiscais, que tiram dinheiro do Governo e transferem para o consumidor a verdade num primeiro momento, mas em geral transferem para o produtor, seja no longo prazo. Aliás, não no longo prazo; em poucas semanas ou meses, isso vai cobrar a fatura. Adiar o preço do combustível é muito bom para mim, que ponho o combustível no carro. Mas não é necessariamente bom para os meus filhos e netos, porque esse preço virá, depois, aumentado de uma maneira muito maior.

            Tudo isso gera uma desconfiança. O fato de o Governo só pensar no curto prazo, no imediato, não ter uma linha de longo prazo, ninguém vê, Senador Figueiró. Proposta de longo prazo do Governo nós não vemos. É tudo feito em cima do imediato, através dos chamados pacotes. Nós não temos planos; nós temos pacotes. Ao termos pacotes no lugar de planos, nós geramos uma desconfiança, uma insegurança. E geramos uma falta de rumo, porque trabalhamos com pacotes para ganhar a opinião pública.

            Dizem que temos 39 Ministros. Na verdade, são 40. E o mais importante deles é o que faz o marketing; é aquele que define grande parte dos pacotes com base em como a opinião pública vai reagir - a favor ou contra. Essa é a verdade. Porque estamos prisioneiros da ideia das próximas eleições. E, aí, o Presidente Lula cometeu um grande erro para o Brasil ao antecipar as eleições presidenciais, comprometendo, amarrando, vinculando a política econômica do Governo a 2014.

            E, aí, surpreendem-se quando não há interessados em um projeto de uma estrada ou quando as grandes não vêm oferecer propostas para exploração do campo de petróleo de Libra. Mas, pior, como eu já disse: comemora. Esse é outro ponto, Senador Figueiró: a euforia. A euforia cega. A euforia não permite ver riscos e cega; você não vê; você fica cego.

            O Governo brasileiro está cego diante dos riscos que nós corremos. E não é de hoje que eu venho denunciando isso e que outros aqui vêm denunciando. Nós comemoramos euforicamente o resultado desses leilões, quando eles não justificam qualquer euforia ainda que - temos que reconhecer - seja um passo que estamos dando.

            Um outro ponto que precisa se descobrir é o atraso brasileiro no campo da ciência e da tecnologia, que faz com que tenhamos, inclusive, um apagão de mão de obra. Essas empresas analisam isso; elas analisam onde a gente vai estar cientificamente e tecnologicamente daqui a alguns anos. Elas analisam qual é a mão de obra de que vão dispor aqui no Brasil, ou se vão ter que trazê-la de fora - como os médicos - a um custo mais elevado. E sai muito mais caro trazer o engenheiro, o especialista em diversas áreas do exterior para cá, com tudo o que ele exige para vir para cá, do que ter mão de obra local.

            Pois bem, Senador Figueiró, nós temos uma quantidade de motivos para dizer que esses leilões deveriam acender uma luz amarela bem grande, não vermelha, porque a direção é certa; uma luz amarela bem grande, em vez da verde com que se está comemorando o que vai acontecer daqui para frente.

            Tudo isso, e eu concluo, é fato de que nós temos um governo que se nega à autocrítica; que se nega a pensar que talvez - talvez - esteja errando; que se convenceu de que está acertando em tudo. Minha maior preocupação com o Governo Dilma é a ilusão de que está enganando a si próprio. Eu já disse aqui uma vez: mais grave, mais grave ainda, do ponto de vista de política econômica - do ponto de vista moral, não; do ponto de vista moral, o maior erro é mentir -, mas do ponto de vista de política econômica, o maior erro é acreditar na mentira que está dizendo sem saber que é mentira. Para atender o que o marketing exige, a gente tem que dizer coisas que não são verdadeiras, mas prefere se convencer de que elas são verdadeiras. Então não está mentindo, porque acredita que são verdadeiras. Isso é o mais grave para o país: quando um dirigente passa a acreditar nas inverdades que são feitas, que são ditas, que são construídas.

            Eu temo que, no que se refere à economia brasileira, esse resultado dos leilões, em vez de acender uma luz amarela para sabermos onde nós erramos no passado e estamos hoje para corrigir para o futuro, em vez disso, nós comemoremos, equivocadamente, pequenas, insuficientes vitoriazinhas, que não vão construir o Brasil de que a gente precisa.

            É isso, Senador Figueiró, que eu tinha para colocar.

            O SR. PRESIDENTE (Ruben Figueiró. Bloco Minoria/PSDB - MS) - Senador Cristovam Buarque, eu admiro profundamente V. Exª pelo seu espírito público. Toda vez que V. Exª assume a tribuna, V. Exª dá lições de brasilidade, de civilidade, de amor ao nosso País. E quando eu tenho oportunidade de ler os seus artigos em O Globo, no sábado e no domingo, para mim constitui também um reforço ao meu sentimento cívico. Eu quero cumprimentá-lo pelo seu discurso e dizer-lhe reiteradamente: eu sou um grande admirador do homem público Cristovam Buarque. Meu respeito a V. Exª.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador. Muito obrigado.

            É bom a gente ter pessoas que se dizem admiradoras, mas algumas pessoas que dizem isso são muito melhores para nós do que outras, e o senhor é uma dessas figuras que me engrandecem ao dizer o que o senhor disse.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/09/2013 - Página 65302