Discurso durante a 140ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários acerca da costumeira marginalização dos direitos dos povos indígenas; e outros assuntos.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Comentários acerca da costumeira marginalização dos direitos dos povos indígenas; e outros assuntos.
Publicação
Publicação no DSF de 28/08/2013 - Página 57287
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CRITICA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, OBJETO, PREVISÃO, COMPETENCIA, CONGRESSO NACIONAL, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR (PLP), ASSUNTO, EXPLORAÇÃO, ATIVIDADE ECONOMICA, AREA, PATRIMONIO INDIGENA, ELOGIO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, RADIO, SENADO, MOTIVO, PUBLICAÇÃO, RELATORIO, HOMICIDIO, VITIMA, COMUNIDADE INDIGENA, RESPONSAVEL, REGIME MILITAR, BRASIL.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Governo/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Srª Presidenta Ana Amélia.

            Saúdo os jovens estudantes, aliás, as crianças que visitam o plenário do Senado.

            Srs. Senadores, Srªs Senadoras, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, para as crianças que aqui nos visitam, vou falar da questão indígena, não daqueles que habitavam o Brasil antes da chegada dos portugueses, como vocês aprenderam na escola, mas dos que restaram depois dos 500 anos de colonização.

            A imprensa, a mídia não tem tratado essa questão indígena, intrincada e complicada, como o assunto requer. Refiro-me ao relatório do Conselho Indigenista Missionário, o Cimi, uma organização ligada à Igreja Católica, sobre a violência contra os povos indígenas.

            Também vou comentar aqui a declaração do constitucionalista Dalmo de Abreu Dallari quanto ao caráter inconstitucional da PEC, da Proposta de Emenda à Constituição nº 215, que tramita na Câmara Federal.

            Esses dois temas ficaram em segundo plano nas preocupações, na agenda da imprensa, na agenda da mídia do nosso País.

            No tocante ao primeiro tema, o relatório do Cimi divulgado no dia 27 de julho na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, da CNBB, mostra que a violência contra os povos indígenas aumentou entre 2011 e 2012. O número de índios assassinados no País passou de 51 para 60 no período considerado de um ano para o outro. Em 2011, foram 51 índios assassinados; em 2012, 60. Mais da metade desses casos, ou seja, 37 mortes foram registradas no Estado do Mato Grosso do Sul, região onde se concentra o principal foco de conflito fundiário entre produtores rurais e grupos indígenas.

            O relatório aponta um crescimento generalizado das diferentes formas de violência, desde ameaça de morte a falta de assistência em saúde e educação.

            O número de vítimas na categoria denominada violência contra a pessoa foi o que mais cresceu, com uma variação de 237%. Passou de 378, em 2011, para 1.276 casos, em 2012, incluindo vítimas de ameaças de morte, homicídios, tentativas de assassinato, racismo, lesões corporais e violências sexuais.

            A maior parte dos casos de violência envolve disputas fundiárias. Há em curso uma ofensiva muito grande de setores ligados ao agronegócio contra os direitos indígenas, cujo objetivo é impedir a demarcação das terras que eles reivindicam.

            A intensificação dos conflitos se deve ao fato de que as demandas por demarcação se arrastam há muito tempo. O agronegócio está mais organizado e o preço das terras agrícolas está em alta. Na Amazônia, os conflitos com os indígenas são com os madeireiros e mineradoras.

            Sobre 1.045 terras indígenas registradas no País, 339 - ou seja, 32% - não existe nenhuma ação de regularização, enquanto que 293 - 28% - ainda estão em estudo.

            No que diz respeito ao segundo tema, o constitucionalista Dalmo Dallari afirmou que a PEC nº 215, que transfere para o Parlamento a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas e de áreas de conservação ambiental, é “escancaradamente inconstitucional”, nas palavras do Prof. Dalmo de Abreu Dallari, que evoca três pontos de inconstitucionalidades: o Projeto de Emenda à Constituição afeta a regra fundamental da separação dos Poderes, ao transferir para o Legislativo uma atribuição administrativa típica do Executivo; a PEC prevê que as terras indígenas só se tornariam inalienáveis após a ratificação da demarcação pelo Congresso - eu vou repetir: o Projeto de Emenda à Constituição nº 215 prevê que as terras indígenas só se tornariam inalienáveis após a ratificação da demarcação pelo Congresso -, quando, na verdade, a Constituição já diz que as terras indígenas são inalienáveis.

            A PEC também propõe que as demarcações podem ser ratificadas, mas isso fere a Constituição já que a demarcação, que cabe ao Executivo, é um ato administrativo e jurídico perfeito.

            Dalmo Dallari salientou que vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal para questionar a inconstitucionalidade da Proposta, caso seja aprovada pelo Legislativo.

            Há uma visível escalada contra os direitos dos povos indígenas por meio de inúmeros projetos, três dos quais enumero a seguir: o Projeto de Lei nº 1610, de 1996, que abre as terras indígenas para a mineração por não índios; o Projeto de Lei Complementar nº 227, de 2012, que igualmente abre as terras indígenas para quaisquer atividades econômicas por não índios por interesse da União; a PEC nº 237, de 2013, que legaliza o arrendamento das terras indígenas da União ocupadas pelos índios para o agronegócio.

            Para aqueles que insistem em afirmar que há muita terra para poucos índios - um contingente de quase 900 mil índios; e pensar que, antes da chegada dos portugueses a essa região, aqui habitavam, no que corresponde hoje ao Brasil, entre 5 a 7 milhões de indígenas. Restam 900 mil índios no Brasil. Eu gostaria de salientar que, na verdade, o que existe é muita terra para poucos latifundiários.

            Não podemos nos esquecer de que menos de 50 mil propriedades agrícolas do País açambarcam mais da metade da superfície agrícola útil do País - 50 mil proprietários são donos de mais da metade da superfície agrícola útil do País -, um número 20 vezes inferior ao número de indígenas. E, para o índio, a terra representa sua vida. Para o índio, a terra não tem valor de negócio, não tem valor financeiro, não tem valor econômico.

            Finalmente, aproveito o momento para parabenizar a Rádio Senado pela difusão de uma reportagem especial intitulada “Sangue, Suor e Lágrimas”, sobre a matança de índios ocorrida no Brasil. A emissão radiofônica se baseou no Relatório Figueiredo, que investigou os assassinatos de índios perpetrados nas décadas de 40, 50 e 60. O relatório foi encomendado pelo então Ministro do Interior da ditadura, General Albuquerque Lima, no final dos anos 60, em resposta às comissões parlamentares de inquérito instaladas no Congresso Nacional ao longo dos anos 60.

            O Procurador Jader Figueiredo e sua equipe percorreram mais de 16 mil quilômetros entrevistando dezenas de agentes de 130 postos do então Serviço de Proteção ao Índio.

            O Relatório Figueiredo veio à baila, tornou-se de conhecimento público pouquíssimos meses atrás e relata com detalhes as barbaridades praticadas contra os povos indígenas ao longo da ditadura - e essas barbaridades continuam até os nossos dias. O Brasil, que pretende entrar na modernidade, que pretende ser um país civilizado, precisa rever a forma com que trata a população indígena, que aqui foi encontrada na chegada de Pedro Álvares Cabral e de tantos europeus que para aqui vieram e aqui dizimaram essas populações. Portanto, nós precisamos fazer respeitar a Constituição brasileira.

            O Poder Executivo, que tem a obrigação de velar pela Constituição, precisa dar solução para as demandas das comunidades indígenas para que elas possam viver com absoluta liberdade e com qualidade de vida em nosso País.

            Era isso, Srª Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/08/2013 - Página 57287