Discurso durante a 141ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões acerca da evolução dos direitos civis no mundo, relacionando-a à visão de Martin Luther King Jr.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MANIFESTAÇÃO COLETIVA.:
  • Reflexões acerca da evolução dos direitos civis no mundo, relacionando-a à visão de Martin Luther King Jr.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2013 - Página 57656
Assunto
Outros > MANIFESTAÇÃO COLETIVA.
Indexação
  • CRITICA, VIOLENCIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, MOTIVO, DESAPROVAÇÃO, ATUAÇÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS, RESULTADO, AFASTAMENTO, POPULAÇÃO, PRAÇA, ESTADIO, FUTEBOL, DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO, RESPOSTA, SOCIEDADE, REFERENCIA, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, EXTINÇÃO, CORRUPÇÃO, LEITURA, TRECHO, PRONUNCIAMENTO, MARTIN LUTHER KING, IGUALDADE RACIAL, JUSTIÇA SOCIAL.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Senadora Vanessa Grazziotin, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, comemoramos, hoje, o aniversário de 50 anos do memorável discurso de Martin Luther King Jr. com o enfoque na força que devemos dar às ideias.

            Em 1908, Leon Tolstói, que viveu de 1828 a 1910, autor de Guerra e Paz, escreveu uma carta aos hindus conclamando-os a lutarem, por meios pacíficos, pela independência da Índia. Essa carta foi lida por um jovem advogado que trabalhava na África do Sul, Mahatma Ghandi, que já havia se convertido aos ideais da não violência e da resistência por meios pacíficos. Após a leitura de O Reino de Deus está em Vós, que Tolstói publicou em 1894, Ghandi se correspondeu com o escritor russo, por um ano, até que este veio a falecer, em 1910.

            Mahatma Gandhi desenvolveu em seu próprio país um extraordinário movimento, propugnando sempre por manifestações de resistência pacífica, ações de desobediência civil, greves de fome, as quais comoveram a humanidade, em especial o povo indiano e o inglês, até que, em 1947, foi proclamada a independência da Índia.

            Nos Estados Unidos da América, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a consequente valorização dos direitos humanos, ficou clara a situação de desrespeito aos direitos civis e de voto dos negros. O impasse era de tal ordem que a sociedade norte-americana passou a viver momentos de grande tensão. Aos negros não se permitia estar no mesmo lugar que os brancos. Em diversos estados do Sul, os negros sequer podiam votar.

            Em 1955, no Alabama, Rosa Parks, uma senhora negra de 42 anos, ao voltar de seu trabalho, sentou-se, no ônibus, na área reservada aos brancos. Ao ser instada a dar lugar a um branco, de lá só saiu carregada por policiais. Eis um típico exemplo de desobediência civil que seguia as recomendações de Henry David Thoreau, Tolstói e de Gandhi e que passou a ser estimulada pelo jovem Pastor Martin Luther King Jr., inspirado nos escritos e exemplos desses apóstolos da não violência.

            A questão racial nos Estados Unidos da América era complexa, pois, além da necessidade de mudar a lei, era imperiosa a mudança da mentalidade de parte da população. Martin Luther King Jr. procurou incutir nos adeptos da causa da não discriminação racial que, para modificar a lei, deveriam ter uma vontade forte e consolidada de agir pela via da ação social que utilizasse os instrumentos da não violência. Paradoxalmente, embora eles tenham aderido à desobediência civil proposta por Thoreau e Gandhi, mesmo que numa pequena escala, na experiência passada da história norte-americana, eles entendiam que deveriam respeitar a lei. Mas eles reconheciam a existência de algumas leis injustas no ordenamento jurídico dos Estados Unidos.

            Uma ideia de Thoreau que inspirou pessoas como Mahatma Gandhi é o conceito de que, se um governo prende injustamente uma pessoa, os homens justos devem estar presos. Foi este conceito que o guiou até o seu próprio cárcere e que motivou as prisões de Gandhi contra diversas medidas injustas do Império Britânico durante a luta pela independência da Índia. Thoreau concluiu que a desobediência civil, pacífica, mas constante, é necessária e vital para uma sociedade justa.

            De um ponto de vista puramente moral, segundo Luther King, uma lei injusta é aquela que está fora de harmonia com as leis morais do universo. Mais concretamente, uma lei injusta é aquela na qual a minoria é compelida a observar um código que foi construído apenas pela maioria. Uma lei injusta é aquela que o povo é obrigado a obedecer sem que ele tenha tomado parte na sua confecção, porque a esta parte desse povo foi negado o direito de voto.

            Preocupado que estava com as ações de diversas organizações, como os Panteras Negras, que agiam, por vezes com violência, chegando a incendiar vários quarteirões de cidades como Detroit e Los Angeles, Luther King intensificou a campanha pelos direitos civis com passeatas e pronunciamentos por todo o país. No aniversário de cem anos da Emancipação da Escravidão, 28 de agosto de 1863, Luther King Jr. conclamou os americanos a comparecerem ao Memorial de Abraham Lincoln em Washington D.C.. Preocupado, o Presidente John Kennedy o chamou para dizer que o ato poderia levar à destruição da capital, mas Luther King garantiu que a manifestação seria pacífica.

            Da escadaria do monumento a Lincoln, com mais de 250 mil pessoas presentes, Martin Luther King Jr. fez um dos mais belos pronunciamentos da história da humanidade. Afirmou que não era possível mais aceitar as recomendações dos que propunham aguardar as mudanças graduais, pois, se não houvesse as necessárias e urgentes transformações, os EUA viveriam mais um verão abrasador. Recomendou, entretanto, que não se tomasse do cálice do ódio, da vingança e da violência. Todos deveriam procurar confrontar a força física com a força da alma. Tão comovente foi aquela manifestação que, pouco tempo depois, o Congresso norte-americano aprovou a Lei dos Direitos Civis e a Lei dos Direitos Iguais de Votação, em 1964 e 1965, respectivamente, sancionadas pelo Presidente Lyndon Johnson.

            A forma que Martin Luther King Jr. via o relacionamento humano e a maneira de agir em função dessa visão são os exemplos que todos nós devemos adotar nesse momento. Eu utilizo o mesmo argumento vitorioso de Luther King para conclamar grupos como os Black Blocs, Anonymous e outros a não empregarem a violência nas manifestações populares, como ainda ontem ocorreu na cidade do Rio de Janeiro. A violência chama a atenção para a violência, desvia o foco do que se quer reivindicar! A violência afasta a população das ruas, inclusive dos estádios de futebol, como tem ocorrido! Afasta as famílias, as crianças, os idosos! Os atos de violência tiram a atenção do esforço principal que é mostrar a insatisfação com o estado de coisas que temos na política e a necessidade de rápidas, profundas e verdadeiras mudanças na forma de agir dos ocupantes de cargos públicos no Poder Executivo, Legislativo e Judiciário.

            No início do século XXI, a necessidade da participação das minorias em muito extrapola a antiga reivindicação das décadas de 50 e 60 do século passado, ou seja, do direito de votar e de ser votado. Hoje, a população clama por participar de todo o processo de confecção das leis. A representação parlamentar pura e simples já não responde aos anseios e às necessidades das massas populares. É necessário implementar mecanismos de democracia participativa, com emprego dos meios eletrônicos e da Internet; precisamos estabelecer a estrutura legal que permita a avaliação dos representantes eleitos ainda durante o exercício do mandato, tanto no Legislativo, quanto no Executivo, de todos os níveis de governo, o chamado recall; é necessário dar total transparência ao processo de escolha de candidatos aos cargos públicos; transparência em tempo real da utilização dos recursos públicos e privados nas campanhas eleitorais; transparência e facilidade para o acesso das informações que digam respeito à utilização dos dinheiros públicos, toda e qualquer que seja. E, para finalizar esse rol, objeto de iniciativas de projetos de lei e de propostas de emenda à Constituição que apresentei, teço apenas, de modo exemplificativo, que é necessário extirpar a corrupção que, infelizmente e pelo que tudo indica, se encontra arraigada na cultura de alguns grupos de pressão privados de nosso País, bem como de alguns servidores e representantes políticos do Estado.

            Fruto do inconformismo com as respostas dadas pelo Estado para a solução dos problemas mais prementes da sociedade, têm sido formados movimentos sociais pela Internet, no que Manuel Castells chama de Redes de Indignação e Esperança.

            Conforme descreve Manuel Castells,

Foi basicamente a humilhação provocada pelo cinismo e pela arrogância das pessoas do poder, seja ele financeiro, político ou cultural, que uniram aqueles que transformaram medo em indignação, e indignação em esperança de uma humanidade melhor.

            No momento em que tantas organizações sociais conclamam o povo brasileiro a se manifestar nas ruas, como no próximo 7 de setembro, para que todos lutemos pela melhoria dos direitos à cidadania, à educação, à assistência à saúde, ao transporte público, à cultura, a uma reforma política, é bom lembrarmos dos notáveis exemplos de Thoreau, Tolstói, Gandhi e Luther King:

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - ... manifestar com responsabilidade e vigor, mas sem violência. (Fora do microfone.)

            Presidente Casildo Maldaner, permita-me apenas exemplificar com algumas citações do mais belo discurso, na minha avaliação, que conheço na história da humanidade, que, inclusive, está reproduzido em português, na íntegra, no meu livro Renda de Cidadania - A Saída é pela Porta.

Eu estou feliz de me juntar hoje a vocês naquela que ficará na história como a maior demonstração [...] da liberdade na história de nossa nação.

Há 100 anos atrás, um grande americano, sob cuja sombra simbólica nós estamos hoje, assinou a Proclamação da Emancipação.

Esse momentoso decreto tornou-se uma grande fonte de luz para milhões de escravos negros que haviam sido queimados nas chamas de causticante injustiça. Veio como o alegre raiar do amanhecer que acabou com a longa noite de sua catividade.

Mas, cem anos depois, o negro ainda não é livre; cem anos depois, a vida do negro é ainda tristemente mutilada pelas formas de segregação e pelas correntes da discriminação; cem anos depois, o negro vive numa isolada ilha de pobreza em meio a um vasto oceano de prosperidade material; cem anos depois, o negro ainda definha pelos cantos da sociedade americana e se encontra exilado em sua própria terra.

            Mais adiante:

Nós também viemos a esse lugar sagrado para recordar a América da intensa urgência do momento. Esse não é o tempo de nos darmos ao luxo de nos acalmar ou de tomarmos a droga tranquilizadora do gradualismo. Agora é a hora de tornarmos reais as promessas da democracia; agora é a hora de nos levantarmos do vale escuro e desolado da segregação para o caminho iluminado de sol da justiça racial; agora é o momento de levantar nossa nação das areias movediças da injustiça social para a rocha sólida da fraternidade; agora é o momento de fazer da justiça uma realidade para todas as crianças de Deus.

Seria fatal para a nação não perceber a urgência do momento. O verão abrasador do legítimo descontentamento do negro não passará até que haja um outono revigorante de liberdade e igualdade.

            Mais adiante:

Mas há algo que eu preciso falar para o meu povo que está no limiar caloroso que nos leva para o palácio da justiça. No processo de ganhar nosso lugar de direito, nós não podemos ser culpados de ações erradas.

            Que possam os jovens do Black Bloc ouvirem com atenção:

Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo do cálice da amargura e do ódio. Precisamos sempre conduzir nossa luta no plano alto da dignidade e da disciplina. Nós não podemos deixar nosso protesto criativo degenerar em violência física. Todas as vezes e a cada vez nós precisamos alcançar as alturas majestosas de confrontar a força física com a força da alma.

            Ao final do seu pronunciamento, ele fala de uma maneira tão bela:

Eu tenho um sonho que um dia todo o vale será elevado, todo morro e toda montanha será rebaixada, os lugares acidentados serão tornados planos, os lugares tortuosos serão tornados retos e a glória do Senhor será revelada, e todos, juntos, verão isto acontecer.

(...)

Com essa fé nós seremos capazes de trabalhar juntos, de rezar juntos, de lutar juntos, de irmos para a cadeia juntos, de levantarmos juntos para lutarmos pela liberdade, sabendo que um dia seremos livres.

Esse será o dia em que todas as crianças de Deus serão capazes de cantar com um novo sentido - "Meu país é de você, doce terra da liberdade; para você eu canto; terra onde meus pais morreram, terra...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) -

... deixai a liberdade soar" - e se for para a América se tornar uma grande nação, isto precisa se tornar uma verdade.

E quando nós deixarmos a liberdade soar, quando nós a deixarmos soar em todas as vilas e vilarejos, em todas as cidades e Estados, poderemos ver mais depressa a chegada do dia em que todas as crianças de Deus - homens negros e homens brancos, judeus e gentis, católicos e protestantes - serão capazes de se darem as mãos e cantarem as palavras daquele velho hino espiritual negro, "Finalmente a liberdade; finalmente a liberdade; graças a Deus todo poderoso, nós somos finalmente livres."

            Assim concluiu Martin Luíher King Jr., um dos apóstolos que tanto lutou, inclusive, para que, em cada país se tenha uma renda básica de cidadania como um direito de todos, e está na hora disso logo acontecer.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP. Fora do microfone.) - Muito obrigado por sua tolerância, Senador Casildo Maldaner.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2013 - Página 57656