Discurso durante a 141ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a repercussão do Programa Mais Médicos; e outro assunto.

Autor
Vanessa Grazziotin (PCdoB - Partido Comunista do Brasil/AM)
Nome completo: Vanessa Grazziotin
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PROGRAMA DE GOVERNO, SAUDE.:
  • Comentários sobre a repercussão do Programa Mais Médicos; e outro assunto.
Aparteantes
Paulo Davim.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2013 - Página 57660
Assunto
Outros > PROGRAMA DE GOVERNO, SAUDE.
Indexação
  • ELOGIO, PROGRAMA DE GOVERNO, CONTRATAÇÃO, MEDICO, PAIS ESTRANGEIRO, ATUAÇÃO, REGIÃO, DEFICIENCIA, ATENDIMENTO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), CRITICA, FALTA, INFORMAÇÃO, PESSOAS, RELAÇÃO, PROGRAMA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, POPULAÇÃO, ESTRANGEIRO, AUSENCIA, ETICA, DIRIGENTE, CONSELHO REGIONAL, MEDICINA.

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Apoio Governo/PCdoB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada. E amazonense de criação, não é, Sr. Presidente? Dizem que Deus é quem escolhe a cidade em que nascemos, mas nós escolhemos a cidade onde queremos viver.

            Muito cedo, com minha família, fui para o Amazonas e entendi que a Região Norte, não só o Estado do Amazonas, ainda tem que trilhar um longo caminho, já trilhado pelos Estados do Sul, para que alcancemos também maior índice de desenvolvimento, mas desenvolvimento com elevação de IDH, com qualidade de vida. Então, tenho muito orgulho de ser catarinense e Senadora do Amazonas, porque, afinal de contas, somos todos brasileiros.

            Aliás, na sexta-feira, Senador Casildo Maldaner, toda a Bancada de Santa Catarina, Senadores e Deputados Federais, juntamente com a Comissão Mista de Mudanças Climáticas, que presido aqui no Congresso Nacional, e com o Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Raupp, estaremos lá em Florianópolis, na Assembleia Legislativa, para debater questões e pontos relativos aos desastres naturais. O Senador Casildo, ao lado dos demais Senadores de Santa Catarina, Paulo Bauer e Luiz Henrique, tem dado uma grande contribuição para a organização do evento. Então, estaremos todos em Santa Catarina, na Assembleia Legislativa, na próxima sexta-feira.

            Mas, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, venho, mais uma vez, a esta tribuna para falar a respeito de algumas reações que vêm acontecendo relativamente ao Programa Mais Médicos, do Governo Federal; reações que acontecem em todos os Estados brasileiros, em todas as cidades brasileiras.

            Eu fico feliz, por um lado, porque percebo que a população brasileira começa a compreender a importância desse programa. Ela começa a compreender e a apoiar o programa do Governo Federal, cuja medida provisória está sendo analisada nesta Casa e em breve deverá ser votada tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados. Fico feliz por esse lado, mas, por outro, Sr. Presidente, entristecem-me algumas observações, algumas críticas relativas ao programa. Não quanto ao conteúdo do mesmo, porque, em relação ao conteúdo, considero que todas as críticas são bem-vindas. Afinal de contas, é para isso que existe o Parlamento, se não o Parlamento não seria necessário. Bastaria a Presidenta da República determinar e pronto. O texto se tornaria lei. Nós já acabamos, há muito tempo, com o decreto-lei. A própria medida provisória, a partir do seu nascimento, na Constituição de 1988, pela falta de regulamentação, uma vez editada pela Presidência da República, não necessariamente precisava ser debatida e aprovada pelo Congresso Nacional. Poderia ser prorrogada quantas vezes fossem necessárias. Acabava a medida provisória funcionando como um mecanismo, um instrumento muito parecido com o antigo decreto-lei.

            Mas, enfim, creio que as críticas de conteúdo que recebem a medida provisória e o Programa Mais Médicos são muito bem-vindas. Muito bem-vindas! E vamos discutir, vamos aprovar, vamos procurar aperfeiçoar o conteúdo da medida provisória.

            Entretanto, no bojo desse debate, observamos, primeiro, opiniões serem emitidas sem que haja conhecimento pleno da matéria. Pegue-se o exemplo do meu Estado, o Amazonas. Muito forte tem sido o debate na Assembleia Legislativa e na Câmara de Vereadores da capital, Manaus. No interior, é a mesma coisa, mas, na capital, sobretudo, o debate tem sido intenso, Sr. Presidente.

            Li que um Parlamentar municipal, um Vereador, disse o seguinte: “Eu concordo com a medida provisória. Só acho que brasileiros formados no exterior teriam que ter prioridade dentro do programa.” Mas o programa já estabelece essa prioridade. A prioridade número um é para aqueles que têm diploma do Brasil, de universidades brasileiras; depois, para brasileiros formados no exterior e, depois, para os estrangeiros formados no exterior.

            Então, trata-se de alguma falta de informação.

            Lamento profundamente o fato de, na Assembleia Legislativa do meu Estado, alguns projetos que considero inconstitucionais terem sido apresentados. Um deles proibindo a entrada de médicos sem o Revalida. Ora, a lei estadual não se pode sobrepor à lei federal. De jeito nenhum! Uma lei estadual jamais tem possibilidade de derrubar uma lei federal.

            Além dessas observações, Sr. Presidente, o que mais me entristece, o que mais me revolta, e tenho certeza de que revolta a população como um todo, são as críticas, feitas por pessoas, por correntes políticas. Aproveitam o programa e o momento para fazerem críticas a um país, a uma nação e a um povo. Recebem-nos aqui com hostilidade.

            Vejam a foto. Eu estou com o jornal Folha de S. Paulo do dia de hoje, mas poderia estar com a página de qualquer outro jornal. Sobre a foto que saiu no jornal, lê-se que médicos no Estado do Ceará receberam os cubanos com vaia. E, muito mais do que isto: gritaram e chamaram-nos de escravos, cubanos negros. Podiam até não ter a intenção de utilizar a palavra “escravos” como pejorativa, mas é isso que parece, que eles são tratados como escravos, que são escravos.

            Então, não dá para aceitar esse tipo de atitude. Está aqui a fotografia de um médico cubano, negro, recebendo vaias de médicos e de médicas brasileiras. Lamento muito.

            Lamento muito manifestações como a de um médico, que é dirigente de um Conselho Regional de Medicina, orientando que seus colegas médicos não atendam à população e nem orientem os médicos estrangeiros quando houver algum problema no atendimento por parte dos estrangeiros. Isso, sim, é o que fere a ética médica. É isso que fere a ética médica!

            Mas tudo, Sr. Presidente, chegou ao absurdo. E aí eu falo não só como Senadora, mas como mulher, como alguém que está à frente da Procuradoria recém-criada aqui nesta Casa, a Procuradoria Especial da Mulher. Ontem, tivemos a presença da Presidenta Dilma aqui. Foi algo em que eu não acreditei quando li nos blogs. Eu imaginava que era um fake. O que é um fake? É uma figura, um personagem criado nas mídias sociais que não corresponde à realidade, ou seja, não é uma pessoa real. É uma pessoa inventada. Uma jornalista chamada Micheline Borges - eu imaginei, num primeiro momento, que não fosse uma pessoa real, mas é uma pessoa real, Senador Davim, lá do Estado do Rio Grande do Norte - escreveu e publicou em sua página do Facebook a seguinte observação. Eu abro aspas aqui, porque foi o que ela escreveu e o que ela publicou, e rapidamente houve milhares de acessos no Facebook e milhares de críticas.

            Disse ela:

Me perdoem se for preconceito, mas essas médicas cubanas têm uma cara de empregada doméstica. Será que são médicas mesmo? Afe, que terrível. Médico, geralmente, tem postura, tem cara de médico, se impõe a partir da aparência... Coitada da nossa população. Será que eles entendem de dengue? E febre amarela? Deus proteja o nosso povo!

            Deus proteja essa senhora, chamada Micheline Borges, porque a escravatura já foi abolida há muito tempo, e muita gente morreu na luta pela abolição da escravatura. Pensávamos todos que havia ficado no passado o preconceito. Achavam que importantes são aqueles de “boa aparência”. E o que é “boa aparência”? Quem tem cabelos louros, olhos azuis? Mais do que isso: quem tem poder econômico. Poder econômico!

            Sabemos que Cuba passa por muitas dificuldades, mas ninguém pode negar a altivez do povo cubano. Ninguém pode negar a dedicação do povo cubano. Ninguém pode negar isso. E não pode esta senhora, Micheline Borges, chegar a publicar algo semelhante. Isso é crime pela Constituição brasileira. Isso é crime de preconceito. Isso é crime grave!

            Quero dizer, Sr. Presidente, que vou encaminhar o caso ao Ministério Público, para que tome providências.

(Soa a campainha.)

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Apoio Governo/PCdoB - AM) - Esse é o papel da Procuradoria Especial da Mulher. Não importa de onde venha a discriminação, se de um homem ou de uma mulher. A discriminação não pode ocorrer, Senador Davim, nem contra homem nem contra mulher. Aqui, ela ocorreu triplamente. Primeiro, atingiu as cubanas, o povo cubano, um país amigo; segundo, atingiu as trabalhadoras domésticas, as empregadas domésticas. Acabamos de aprovar aqui uma PEC estendendo todos os demais direitos dos trabalhadores para as empregadas domésticas, porque elas não os tinham, e assim superamos uma injustiça. O Presidente da Casa, Senador Renan, chegou a comparar o fato com uma segunda abolição. Então, ela discriminou as empregadas domésticas. E, quando discrimina as empregadas domésticas, discrimina todo o povo mais humilde da nossa terra, aqueles que não têm poder aquisitivo; discrimina todas as mulheres.

            Então, tenha paciência a Srª Micheline Borges!

(Interrupção do som.)

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Apoio Governo/PCdoB - AM) - Ela retirou o texto do Facebook imediatamente. Pediu desculpas pelo Facebook. Mas não basta retirar e também não basta pedir desculpas. Ela terá, na minha opinião, que se explicar perante as leis brasileiras, porque, ou declarações como essa são punidas, de acordo com o que determina a lei, ou, amanhã, teremos inúmeras outras declarações, com o mesmo conteúdo, e aí basta um pedido de desculpas.

            Concedo um aparte a V. Exª, Senador Paulo Davim.

            O Sr. Paulo Davim (Bloco Maioria/PV - RN) - Senadora Vanessa, corroboro em gênero, número e grau, com o seu pronunciamento. Realmente, é abominável todo e qualquer tipo de discriminação - todo e qualquer tipo. Quero dizer que tomei conhecimento dessa citação por uma jornalista, não foi por nenhum profissional da área de saúde, que externou a opinião catastrófica.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Paulo Davim (Bloco Maioria/PV - RN) - E, como a senhora mesmo falou, não será uma desculpa que irá apagar o que foi dito, vai destocar o sino. O que foi dito foi dito, externou uma concepção, um pensamento, infelizmente ainda existe esse tipo de discriminação em algumas pessoas. Lamento profundamente, coloco-me no contraponto a esse tipo de pensamento. Não é dessa forma que construiremos uma sociedade verdadeiramente cidadã, uma sociedade justa que todos nós estamos imbuídos em construir; não será com esse tipo de pensamento, com esse tipo de prática, que vamos chegar lá. Quero dizer também que não podemos, por hipótese alguma, apoiar qualquer tipo de discriminação ou manifestação adversa à chegada ou à vinda de nenhum profissional, nenhum cidadão ou cidadã...

(Interrupção de som.)

            O Sr. Paulo Davim (Bloco Maioria/PV - RN) - ... de qualquer que seja o País. Precisamos ser solidários, precisamos ser hospedeiros, precisamos ser, sobretudo, civilizados. A questão que envolve a concepção, particularmente no Programa Mais Médicos, é política e tem que ser discutida nesse âmbito, e não no âmbito pessoal, dando margem à discriminação e a agressões inaceitáveis. Não é dessa forma que construiremos os caminhos mais seguros para a sociedade brasileira. Quero aqui deixar claro, externar, minha posição de solidariedade a todo e qualquer profissional, venha de que país vier, que, por acaso, esteja sendo agredido ou discriminado por qualquer brasileiro. Fica aqui o meu apoio às suas palavras...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Paulo Davim (Bloco Maioria/PV - RN) -... porque abomino e tenho absoluta certeza de que a esmagadora maioria do povo brasileiro não convive com esse tipo de procedimento. Obrigado, Senadora.

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Apoio Governo/PCdoB - AM) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Davim. V. Exª sempre extremamente equilibrado e justo na suas observações.

            Porque fica difícil para a gente imaginar algum brasileiro ou brasileira dizer ou escrever, como fez essa senhora, que médico se impõe pela aparência. Isso quer dizer que negro não tem direito de ser médico. Gente humilde não tem direito de ser engenheiro, médico, nada disso. Não tem direito de ser parlamentar. Aliás, as mulheres só representam 10% do parlamento brasileiro. Aqui, no Senado, temos um Senador negro. Temos um Presidente do Supremo Tribunal Federal negro.

            Mas isso que foi escrito aqui deve ser combatido, porque a própria Presidenta da República, ontem, falou que a impunidade é a irmã siamesa da injustiça, do crime. E se nada acontecer, amanhã...

(Interrupção do som)

(Soa a campainha.)

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Apoio Governo/PCdoB - AM) - serão outros e outras.

            Sr. Presidente, encerro (Fora do microfone.) este pronunciamento, agradecendo V. Exª pela tolerância.

            Nós, brasileiros, temos a obrigação de pedir desculpas a todo o povo cubano pelo que essa senhora disse. Pedir desculpas.

            E, nesse sentido, em nome do Grupo Parlamentar Brasil-Cuba, que também coordeno, vamos produzir uma nota, uma manifestação de solidariedade a Cuba e aos cubanos por conta de todo o tipo e sorte de discriminação que vêm sofrendo por parte de algumas pessoas. E quero dizer exatamente o que V. Exª disse, Senador Davim, não expressa o pensamento nem do Governo e nem da grande maioria do povo brasileiro.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2013 - Página 57660