Discurso durante a 141ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da revisão da “Lei da Anistia”.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Defesa da revisão da “Lei da Anistia”.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2013 - Página 57838
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • ELOGIO, TRABALHO, COMISSÃO NACIONAL, VERDADE, REFERENCIA, REVISÃO, LEI DE ANISTIA, MOTIVO, AUSENCIA, CONCILIAÇÃO, OPOSIÇÃO, MINORIA, QUESTIONAMENTO, LEGITIMIDADE, FALTA, ABSOLVIÇÃO, CRIME, CONDENAÇÃO, TERRORISMO, ASSALTO, SEQUESTRO, ATENTADO.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Devidamente apoiado, Sr. Presidente. Eu lhe agradeço, Senador Inácio Arruda.

            Sr. Presidente, senhores que nos assistem pela TV Senado e que nos ouvem pela Rádio Senado, tivemos na última segunda-feira, na Comissão de Direitos humanos do Senado, uma importante audiência publica, de nossa iniciativa, e a primeira audiência pública da Subcomissão da Verdade, da Memória e da Justiça no âmbito da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, que é presidida pelo Senador João Capiberibe. A ideia dessa audiência pública era fazermos um encontro com membros da Comissão Nacional da Verdade e membros da nossa Subcomissão da Verdade e da Justiça, que foi montada no âmbito da Comissão de Direitos Humanos.

            Coincide que, na data de hoje, na Câmara dos Deputados, está sendo realizado um seminário sobre o 34º aniversário da aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei da Anistia. Trinta e quatro anos após a aprovação da Lei da Anistia, me parece que é necessário o debate, Sr. Presidente, sobre a sua revisão.

            A Lei 6.683, de 1979, tem sido objeto de um conjunto de questionamentos logo após a sua aprovação, um ano após, ou melhor, Sr. Presidente, a Lei 6.683/79 foi aprovada em agosto de 1979 e questionada cinco meses depois pela comunidade jurídica. Talvez porque, ao contrário de leis de anistia em países que passaram por procedimentos, que atravessaram períodos traumáticos, Estados de exceção, como o nosso, a nossa Lei da Anistia não foi o resultado de um processo de conciliação nacional, não foi um resultado de um momento de reconciliação. Não, Sr. Presidente. No caso brasileiro, a Lei da Anistia foi claramente o resultado de uma imposição do mais forte, naquele caso do regime colocado, sobre as oposições e sobre as minorias.

            O projeto aprovado pelo Congresso Nacional não foi o projeto que era do interesse, não foi o projeto que era um consenso, que era o resultado da conciliação nacional. Tanto é que o projeto aprovado, na época, foi aprovado com o voto de 207 Parlamentares da Arena contra 201 Parlamentares do MDB, ou seja, a pequena diferença para aprovação do projeto mostra claramente que houve a imposição de uma matéria, houve a imposição para a aprovação da matéria de iniciativa, naquela época, do Governo.

            Essa matéria, logo em seguida, foi objeto de questionamento. No início de 1980, advogados e juristas já questionavam a legitimidade e a legalidade, bem como os erros jurídicos de interpretação da Lei nº 6.683, de 1979. O texto da lei, que obviamente era pouco claro, determinava a anistia aos crimes políticos ou conexos a estes - dizia o §1º do art. 1º -, ou seja, os crimes de qualquer natureza relacionados àqueles praticados por motivação política, os crimes previstos na Lei de Segurança Nacional. O crime conexo - e a intenção do regime era essa - seria o assalto a banco ou o roubo de carro realizado por militantes políticos com apoio da luta armada.

            Ademais, Sr. Presidente, como a lei não anistiou aqueles que foram condenados pela prática de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal, como estabelecia o §2º do art. 1º da lei, vários presos políticos foram libertados devido à redução das penas estabelecidas pela Lei de Segurança Nacional, reformuladas em 1978. Ou seja, a lei, em relação a muitos presos políticos condenados pelo regime, pela ditadura, foi concretamente inócua, não cumpriu efeito nenhum. Muitos, na verdade, não foram anistiados, tiveram decurso de prazo do cumprimento da pena, tiveram, na prática, fim de pena, ou seja, não teve nenhum efeito de anistia. Não houve absolvição, não houve anistia, saíram das prisões em liberdade condicional.

            A anistia, obviamente, Sr. Presidente, não foi uma anistia de mão dupla. O que o regime de então estabeleceu foi que os dispositivos da Lei nº 6.683 eram claramente consignados para anistiar quem torturou, quem oprimiu, quem matou nos cárceres da ditadura.

            O Prof. Nilo Batista, criminalista e professor de Direito, deteve-se na definição do que se chamou de crime político e conexo, a fim de demonstrar que a tortura estava claramente fora da classificação de crime conexo ou de crime político. O crime político havia sido bastante discutido durante os debates em torno da votação da lei. Diz o Prof. Nilo Batista que era evidente que a anistia tinha o sentido de corrigir uma estapafúrdia lei que estava sendo condenada pela comunidade jurídica, que era o Decreto-Lei nº 898, de 29 de setembro de 1969, a famigerada Lei de Segurança Nacional, que não tinha mais condição de existir.

            É óbvio que o que se segue é um questionamento à Lei nº 6.683 pela seguinte lógica: o crime de tortura não poderia existir nem sob a ordem constitucional do Estado de exceção. Veja, Sr. Presidente, que, mesmo a ordem constitucional do Estado de exceção, da ditadura, mesmo a ordem da Constituição de 1967 e da Emenda Constitucional nº 1 ou da Constituição de 1969, não previa que o Estado brasileiro praticasse terrorismo ou tortura contra seus cidadãos, como, de fato, praticou, como está comprovado que praticou e como as apurações, inclusive por parte da Comissão Nacional da Verdade, confirmam que praticou.

            Esse tema, Sr. Presidente, foi enfrentado em 2010 pela Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153 da Ordem dos Advogados do Brasil. O julgamento dessa Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, proposta pela OAB, ainda não está concluso, porque os embargos de declaração dessa ADPF da OAB ainda se encontram em sede de julgamento - partes da ADPF.

            Existem duas iniciativas legislativas no Congresso Nacional: o projeto de lei da Deputada Luiza Erundina, que está na Câmara dos Deputados, na Comissão de Constituição e Justiça, com parecer contrário; e o Projeto de Lei do Senado nº 237, de 2013, de minha iniciativa, que se encontra na Comissão de Constituição e Justiça.

            Eu quero, Sr. Presidente, abrir aqui, a partir dessa audiência e com a importante contribuição que tivemos nesta audiência pública que tivemos na última segunda-feira, com a presença de parentes de desaparecidos políticos e do ex-Presidente da Comissão Nacional da Verdade, o Dr. Fonteles, ex-Procurador-Geral da República, que trouxe uma contribuição prodigiosa sobre esse tema de reabrir aqui o debate sobre a Lei da Anistia e sobre a necessidade de apreciação do PLS nº 237, aqui do Senado, a partir da seguinte perspectiva: não há necessidade de temor nenhum, em especial por parte das classes armadas brasileiras, em relação à revisão da Lei da Anistia.

            A atual geração das Forças Armadas brasileiras - Exército, Marinha e Aeronáutica - não tem responsabilidade nenhuma com os crimes cometidos no passado. Aliás, o que aconteceu no passado não é de responsabilidade da atual geração e não pode ser de responsabilidade da tradição política das Forças Armadas nacionais.

            Eu diria mais: as Forças Armadas brasileiras - o Exército, a Marinha e a Aeronáutica - podem dar uma importante contribuição ao Brasil, à reconstrução de sua tradição democrática, contribuindo com a consciência nacional, contribuindo com a história brasileira, ajudando o Brasil a realizar a sua verdadeira conciliação nacional. Ou melhor, contribuindo com que o nosso País consolide a sua verdadeira transição democrática.

            Nenhum país, Sr. Presidente, teve uma transição democrática tão longa quanto a nossa. Todas as ditaduras que duraram no continente Latino-americano, seja no Chile, seja na Argentina, seja no Uruguai, tiveram, com a instalação das suas comissões nacionais da verdade, na apuração dos crimes cometidos nos seus processos, durante os seus períodos de arbítrio, a consolidação da transição para o estabelecimento de Estados democráticos de direito.

            No nosso País, Sr. Presidente, nós tivemos a transição de um governo de exceção, de um Estado de exceção. É uma enorme injustiça responsabilizar somente as classes militares brasileiras pelo Estado de exceção que se instaurou aqui, de 1964 até 1985.

            É bom que se diga, em nome da História, que o golpe de Estado que ocorreu em 1º de abril de 1964 foi um golpe de Estado civil-militar. Depois, ocorreu, de fato, a tutela militar, mas foi um golpe de Estado civil-militar promovido sob os auspícios da elite brasileira. Então, portanto, é injusto atribuir somente a um setor o que ocorreu, a responsabilidade para o ocorrido entre 1964 e 1985.

            Portanto, nós temos, com a apreciação do Projeto de Lei nº 237 do Senado de revisão da Lei da Anistia ou, se preferirem, com a apreciação da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental da Ordem dos Advogados do Brasil, que ainda se encontra em sede de embargos no Supremo Tribunal Federal, a possibilidade de revisão da Lei da Anistia.

            Eu acredito, Sr. Presidente, que a Comissão Nacional da Verdade está em vias de conclusão de seus trabalhos. Eu estou convencido de que não pode ser a conclusão dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade apenas a remissão da memória histórica brasileira. É mais que isso.

            Nós tivemos depoimentos, segunda-feira, de parentes de desaparecidos políticos onde eles dizem o seguinte: dor pior do que perder alguém é não ter um corpo para velar, é não ter um local onde encontrar um corpo sepultado e poder fazer tributo nesse local. Este é o drama dos familiares de desaparecidos políticos. Em nome destes brasileiros, é necessário respostas, e foi por isso que o Congresso Nacional aprovou a criação da Comissão Nacional da Verdade. Esta é uma das respostas que a Comissão Nacional da Verdade tem de dar. E a segunda resposta que a Comissão Nacional da Verdade tem de dar é a necessidade que temos de rever a Lei da Anistia, por várias razões, entre elas, por uma razão histórica.

            Não pode prevalecer no ordenamento jurídico brasileiro, em especial para as gerações que virão, uma Lei que anistiou quem torturou, matou, quem mandou para a cadeia, para o exílio e para o cemitério patriotas e que, por outro lado, inocentou aqueles que torturaram.

            Não pode prevalecer no ordenamento jurídico a Lei nº 6.683, de 1979. Se não valer para outra coisa a revisão da Lei da Anistia, que, para mim, deve, no mínimo, valer, para encontrar corpos de parentes, corpos de desaparecidos políticos, deve valer para que seja feita justiça, mas, no mínimo, tem que valer para não termos mais no nosso ordenamento jurídico uma lei que significa, na prática, que o nosso País admite que quem torturou e matou pode ser inocente dos crimes que cometeu em nome do Estado brasileiro.

            Repito, Sr. Presidente - e falo isso para concluir -, não há nenhuma responsabilidade das atuais gerações de militares de nosso País. Não há nenhuma responsabilidade da parte da Marinha, do Exército, da Aeronáutica de nosso País. Não há responsabilidade por parte das atuais gerações de militares do nosso País. Estes, convido a uma reflexão e a uma contribuição: ajudar o País, ajudar a memória nacional, dialogar com a memória nacional a superar essa página triste e infeliz que atormenta a história brasileira; ajudar a memória nacional, ajudar a consciência cívica brasileira a afugentar esse fantasma que, a todo o momento, atormenta a consciência nacional, o fantasma da tortura, o fantasma dos corpos de desaparecidos políticos que não são encontrados, o fantasma da injustiça. O fantasma de uma transição política não consolidada atormenta a memória nacional, em especial, as classes armadas brasileiras têm uma oportunidade, uma oportunidade de contribuir com o resgate, inclusive, da tradição democrática que têm as classes militares brasileiras, que têm e que foi lamentavelmente rompida com o episódio de 1º de abril de 1964.

            Diz a velha máxima de uma poesia que dizem que é um trecho, Senador Inácio, de Chico Xavier: “Se não deu para mudar o começo, dá para mudar o final”.

            Acho que é essa a reflexão a ser feita. As atuais gerações de militares do País têm a condição de fazer isso: se não deu para mudar o começar têm a condição de, contribuindo com essa matéria, mudar o final; têm a condição de contribuir com o Brasil apoiando a revisão da Lei da Anistia, apoiando a aprovação do PLS nº 237.

            Agradeço a V. Exª, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2013 - Página 57838