Discurso durante a 178ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre o Dia das Crianças e registro do Dia de Nossa Senhora Aparecida, em 12 de outubro; e outros assuntos.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DIREITOS HUMANOS.:
  • Comentários sobre o Dia das Crianças e registro do Dia de Nossa Senhora Aparecida, em 12 de outubro; e outros assuntos.
Publicação
Publicação no DSF de 15/10/2013 - Página 71611
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • HOMENAGEM, COMEMORAÇÃO, DIA, SANTO PADROEIRO, BRASIL.
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, CENTENARIO, NASCIMENTO, CANTOR, COMPOSITOR.
  • COMENTARIO, EXISTENCIA, VIOLAÇÃO, DIREITOS, MENOR, IMPORTANCIA, COMBATE, TRABALHO, PERIODO, INFANCIA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, CRIANÇA, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, PROGRAMAÇÃO, TELEVISÃO, ENFASE, EDUCAÇÃO INFANTIL.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito bem, Senador Jorge Viana, parabéns pelo comentário que faz da homenagem a Vinicius de Moraes.

            Vinicius de Moraes, entre as suas grandes poesias e letras de músicas que escreveu, trata muito do trabalhador, do operário em construção.

            Isso tem uma ligação uma ligação direta com nossa atividade no Parlamento. Mas, Sr. Presidente, eu falei, na última quinta-feira, porque estaria viajando em seguida, sobre o Dia da Criança, que é 12 de outubro. Naquele dia, falei muito sobre o trabalho infantil, condenando-o, naturalmente, e sobre uma luta que todos nós travamos, para mostrar que lugar de criança é na escola.

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Eu me organizei, com a compreensão de V. Exª. Inclusive, vou já me referir à 3ª Conferência, porque naquele dia anunciei aqui e acho que é muito importante o tema com que V. Exª já inicia o discurso.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Isso.

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Sei que V. Exª sempre traz outros temas, mas esse é muito importante.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Não, não. Mas vou pegar num outro enfoque, no dia de hoje, mas também sobre o Dia das Crianças, como havia me comprometido. Fiz aquele discurso antes de viajar e hoje volto ao tema. Mas já aprofundei e mostrei toda a minha indignação numa luta que temos de travar, cada vez mais forte, contra o trabalho infantil.

            Mas, Sr. Presidente, em 12 de outubro, o Brasil inteiro homenageou Nossa Senhora Aparecida, a Padroeira do Brasil. E, nesse dia, também lembramos o Dia da Criança. No Dia da Criança, tive oportunidade de conversar, de dialogar com inúmeras crianças, não só filhos e netos, mas também crianças que chamo de filhos do Brasil.

            A cada ano, na cidade de Aparecida do Norte, em São Paulo, crianças, adultos, idosos se preparam para receber a visita de fiéis dos mais diversos cantos, que para lá se dirigem.

            Eu tenho, no meu gabinete, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, que recebi, lá em São Paulo, do Bispo. Enfim, estive diversas vezes em São Paulo, é uma cena belíssima. Aquela procissão imensa que se dirige ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida.

            Cada um tem os seus agradecimentos, os seus pedidos, as suas promessas a fazer. E ela, do alto de sua bondade, certamente intercede junto ao nosso Senhor, para que Ele acolha a todos. Enfim, é um momento mágico, de união, de solidariedade, de compartilhamento, que sempre toca bem fundo todos os corações.

            De fato, 12 de outubro é um dia especial, muito especial, porque é também, como eu dizia, o dia em que focamos a nossa atenção em nossas crianças. Lembramos, com alegria, a importância da nossa infância, porque todos nós fomos crianças um dia e temos de olhar com carinho, naturalmente, para as crianças de hoje e do futuro.

            Todos voltam seus olhares para esses pequeninos, desejando que o futuro que lhes aguarda seja o mais sereno, o mais confiante e o mais próspero possível. As nossas crianças merecem esse carinho. Na verdade, elas merecem, em primeiro lugar, ter o direito de serem simplesmente crianças, com o direito de brincar, de correr, de ter amigos, de abraçar a todos.

            Eu mesmo lembraria aqui -- e como é bom lembrar -- o tempo em que a responsabilidade como criança era a de brincar, brincar, brincar e, no máximo, de estudar. Que bom aquele tempo da brincadeira e dos amigos no colégio. Acredito que a maioria dos adultos, como eu, tenha algumas boas lembranças da sua infância, das molecagens, seja jogar bola, seja jogar dominó, seja brincar de esconde-esconde, seja transformar folhas em bifes, seja fazer de folhas aviõezinhos, seja pintar uma aquarela.

            Sr. Presidente, como era bom as piadas, as histórias, as gargalhadas, o banho nos rios e o dia em que conheci a praia. Gostava muito também de correr na chuva. E como era legal ouvir uma história infantil contada pelos mais velhos, avós, pais, tios, contada, enfim, por alguém que sabia falar e fazer caretas, que sabia dar o tom da voz e fazer com que as personagens que criava ali dessem a impressão, na nossa imaginação, de que estavam vivas na minha frente.

            Eu acredito que as sociedades se desenvolvem essencialmente pelo viés econômico aliado às mudanças culturais, num processo de interação persistente, que dura pelos tempos, unindo as forças produtivas e a superestrutura.

            Nesse arranjo, nós temos que ter o olhar da humanidade. Homens, mulheres e crianças vivem suas vidas, e nós, representantes do Poder Legislativo, procuramos fazer com que essas vidas, todas elas, sem exceção, sejam vividas com alegria, com dignidade, com paz, com justiça.

            Sr. Presidente, preocupo-me, como Parlamentar, com a situação da gente brasileira, sobretudo aqueles que ainda lutam para atingir o mínimo indispensável a uma vida digna. Essa preocupação me levou a olhar para uma questão bastante atual, que está batendo às nossas portas: o desenvolvimento precoce das nossas crianças.

            Creio, ao lembrar 12 de outubro, que refletir um pouco sobre essa questão, passadas poucas horas do Dia das Crianças, é importante. Meu primeiro questionamento não vai ser sobre a influência dos meios de comunicação nesse processo, mas quero, antes disso, perguntar pelo significado da própria infância. Creio que vale a pena começarmos por aí: o que é a infância?

            Criança não pode ser simplesmente definida pelo critério da idade, como todo ser humano de zero a doze anos, embora esse seja o critério mais conhecido. Nós temos que olhar também para a grandeza do crescimento, do desenvolvimento, do conhecimento, do carinho e do amor que essa criança recebe ou não. É bom ir um pouco mais além, olhando por uma linha não exclusivamente legal o sentido da infância.

            A palavra “infância” tem raiz no latim infans e significa “sem voz”. Os antigos que utilizavam essa expressão queriam com ela indicar o ser humano que ainda não consegue se expressar claramente pela fala logicamente articulada, que o tempo e o saber lhe dão. A criança era tida como incapaz de falar. Então, o período em que a criança não falava era lembrado como infância.

            O grau de dependência das crianças na fase em que não utilizam a linguagem corrente é muito grande. Os antigos, mais especialmente os gregos e romanos, não tinham uma boa ideia da infância. Para eles, as crianças eram apenas adultos que ainda não estavam prontos. A arte grega de esculpir, por exemplo, utilizava as proporções corporais dos adultos quando, na verdade, esculpia a estátua de uma criança.

            A criança não tinha seu lugar na condição própria de criança, como hoje entendemos. Eram, para eles, somente adultos incompletos. Além do mais, as crianças precisavam crescer e ir o quanto antes lutar nos campos de batalha, negociar nos mares, cuidar da produção agrícola, colonizar novas terras. Resumindo: enquanto crianças, eram um peso, um estorvo, uma fonte de despesa e, por isso, tinham que ir à batalha, tinham que trabalhar.

            Essa situação que aqui descrevi, voltando ao tempo das histórias de Roma, durou por muitos séculos. Não foi incomum, na história da humanidade, o desprezo, até, pelas crianças. Houve momentos da história medieval e da história moderna, mesmo na Europa, em que os próprios pais desprezavam seus filhos, porque entendiam que eles eram um peso a carregar.

            Até a entrada do século XVIII e, depois, na Idade Contemporânea, datada pela Revolução Francesa, de 1789, a idéia de criança não estava desenvolvida. Das crianças, o que se desejava era que se tornassem adultos o mais rápido possível, para que pudessem cuidar das suas próprias vidas, ou seja, trabalhar, trabalhar e trabalhar.

            Assim, precisamos reconhecer que, durante um largo período da história, não se deu oportunidade às crianças de serem, de fato, simplesmente crianças -- brincar, ter lazer, estudar e, naturalmente, crescer. Mesmo o ensino, na Antiguidade, era direcionado a aspectos práticos da vida adulta. A criança, futuro cidadão, precisava conhecer matérias básicas, como ler, escrever, declamar, contar e saber lutar.

            A educação de crianças, entre os gregos, existia em grande parte por causa da gestão da cidade e não foi muito diferente em outras culturas. Então, temos que entender que estamos diante de um sistema que deitou fundas raízes. A preocupação atual, por parte dos adultos, em tornar as crianças rapidamente adultas, não se restringe meramente aos efeitos nocivos de uma erotização precoce, em que a televisão aparece geralmente como culpada, mas funda-se na própria forma de educar as crianças.

            Acredito que, hoje, no início do século XXI, mesmo diante de nossas maiores e melhores conquistas na área, ainda reproduzirmos modelos que dificultam o pleno desabrochar da infância. Isso acontece, Sr. Presidente, em função de uma preparação ainda cada vez mais estruturada para representar os papéis da vida adulta.

            A escola, como local privilegiado de recepção das crianças, fonte de preparação para a vida, não parece ter bem claro que essa preparação não passa unicamente pelo aprendizado de conteúdos. É preciso solidariedade, amor, carinho. Preparar para a vida é dar às crianças sua vida de criança. A criança tem que ter o direito de ser criança, repito. Entendo que a escola precisa alargar as experiências infantis, capacitando para um aprendizado que não seja meramente da memória. A experiência escolar, a meu ver, tem que ir além da formação pelo conteúdo tradicional, que incentiva a transformação de crianças em adultos precoces.

            Essas minhas observações quanto à escola estão baseadas na convicção de que a má educação pode ser responsável por adultos -- aí sim -- incompletos, por seres humanos incompletos, que não viveram a experiência verdadeira da infância em toda a sua extensão, pois foram convocados, de forma súbita e às vezes brutal, para o mundo dos adultos. Meu desejo é que as crianças não passem suas infâncias preparando-se para serem adultos, mas que vivam intensamente suas infâncias, plenamente, na justa medida de serem simplesmente crianças.

            A escola não é o único ponto problemático ligado ao desenvolvimento infantil quando pensamos na preparação das nossas crianças e jovens para a vida. Também precisamos incluir aí a estrutura familiar e o mundo cultural como marcos importantes para se entender a questão do amadurecimento precoce. A estrutura familiar -- não importa como ela se organize -- deve dar segurança, afeto e amor. Isso é indispensável ao perfeito desenvolvimento infantil.

            Os pais ou os responsáveis estão na base formativa e informativa dos filhos, assim como a escola. Dos pais, espera-se que auxiliem na formação do caráter dos pequenos, orientando-os do ponto de vista moral, segundo parâmetros aceitos cultural e socialmente. E, nesse momento, penso na dificuldade de bem educar nos tempos atuais.

            A mídia globalizada e seus chamados e convocatórios possuem, muitas vezes, encantos que podem até afetar profundamente o mundo interior das crianças.

            Sei que é difícil viver e formar-se bom cidadão atravessando uma sociedade tormentosa e atormentada, cheia de apelos a que não é fácil resistir.

            Dá para ver, na nossa sociedade pós-moderna, sinais que apontam para a transformação precoce das crianças em adultos. Não importa em que suporte a gente pense -- cinema, televisão, teatro, literatura --, o velho fantasma da antiguidade reaparece e ele vem oferecendo, além das formas socialmente aceitas como importantes, infelizmente, erotismo barato, banalidades, entretenimentos que são elevados à condição de coisas sérias e desejáveis quando não o são.

            A quantidade de garotas que engravidam muito jovens só aumenta. Nesse turbilhão, as DST (doenças sexualmente transmissíveis) acompanham a liberalidade dos costumes.

            Vejo, com clareza, que o sistema institucionalmente aceito atua como se fosse porta-voz de muitos efeitos. Cabe aos governos, em todos os seus planos de ação, atentar para essa questão do adiantamento da idade adulta não apenas como um distúrbio hormonal, induzido, continuamente, pelo mundo subliminar da propaganda, ou mesmo como uma patologia do espírito que derrota e fere de morte a combatividade política dos nossos pequenos cidadãos.

            Devemos ver, na sociedade complexa em que vivemos, a presença de todos esses sinais e sintomas. Creio que a escola, como outras instituições, tem papel fundamental na formação dos homens e mulheres do amanhã, ou seja, do futuro. É preciso lembrar que é a partir da escola que as experiências de mundo se diversificam e, mesmo, muitas dessas experiências têm na escola seu primeiro lugar de manifestação.

            Sr. Presidente, devemos lembrar que a formação cidadã ultrapassa o mundo escolar, espalhando-se pelas muitas instâncias da sociedade. 

            Não podemos esquecer que a aldeia global -- na expressão do grande McLuhan -- canta seu canto de sereia e nos convoca para coisas nem sempre confiáveis ou adequadas.

            A televisão, graças a sua disseminação, tem um papel formativo e informativo que, apesar de secundário, revela-se perturbador. A qualidade dos programas televisivos criados para crianças, no Brasil, nem sempre demonstra cuidado pedagógico com a formação da mentalidade infantil.

            A televisão também é veículo para mensagens subliminares de forma e de conteúdo, reforçadas anos a fio nos pequenos telespectadores, que dificilmente sabem lidar com a informação recebida.

            Não podemos esquecer que a sociedade está ligada em rede e os acontecimentos atuais País afora têm demonstrado o quanto essas mídias sociais podem ser importantes na construção da mentalidade crítica de cidadãos que vivem em uma democracia aberta como a do Brasil.

            Não resta dúvida de que precisamos de entretenimento, claro que precisamos de entretenimento, mas precisamos mais do que isso, de gente que saiba ponderar o mundo, para transformá-lo...

(Soa a campainha.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - ... com responsabilidade, amor e alegria em uma morada também aprazível.

            Crianças não são adultos, nem miniaturas de adultos, disso estou convencido. Crianças serão adultos, mas esse processo tem de se dar no tempo certo. Tudo ao seu tempo. A infância não pode simplesmente ser apagada ou relegada a segundo plano de modo gratuito ou impositivo na visão daqueles que querem que a criança seja adulta o mais rápido possível.

            Creio que vale pontuar, ainda, Sr. Presidente, o que a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança afirma, em seus princípios, que todos os direitos aplicam-se a todas as crianças sem exceção e que todas as ações que dizem respeito à criança deverão estar de acordo com os seus interesses, os interesses da criança.

            Diz, ainda, que os pontos de vista de meninos e meninas devem ser considerados em todos os assuntos que digam respeito as suas vidas.

            Infelizmente, o barco nem sempre navega conforme deve!

            Nós temos diante de nós uma realidade de violação de direitos das crianças que merece uma análise profunda. Temos uma realidade que exige medidas voltadas para romper com o quadro de trabalho infantil -- como falei na semana passada --, da violência sexual, do número de jovens em conflito com a lei, do desrespeito à liberdade de expressão, da questão do pensamento,...

(Soa a campainha.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - ... de consciência e de crença e o número de jovens e crianças que são assassinados.

            Isso sem esquecer os problemas de discriminação que sofrem as crianças negras, pardas, índias, pobres e também as crianças com deficiência.

            Há poucos dias, falei sobre a importância de conseguirmos erradicar, em uma luta permanente, o trabalho infantil.

            As cenas atuais que temos diante de nós mostram crianças coletando material reciclável, vendendo balas, fazendo malabarismo nos faróis, pedindo esmolas, trabalhando no campo, na cidade e até nas minas de carvão. Mostram crianças cortando cana, expostas aos ferimentos que esse tipo de tarefa causa ou, então, trabalhando na mineração, na colheita, da manhã à noite.

            Sr. Presidente, terminando, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que o mundo tem 168 milhões de crianças trabalhando. No Brasil, 257 mil estão em trabalho doméstico. Como podemos ver, muita coisa precisa mudar. Nós temos de lutar nesse sentido.

            Para finalizar, Sr. Presidente, quero deixar aqui uma mensagem para as crianças, que diz o seguinte.

            Eu gostaria de poder dar um abraço em cada um, em cada uma de vocês.

            Eu quero que vocês saibam que, quando a gente cresce, sente muita saudade de ser criança, porque ser criança é muito, muito bom.

            Aproveitem essa época, brinquem, tomem banho no rio, conheçam as mais variadas áreas de uma brincadeira sadia, mas não deixem de estudar também, porque o estudo é que vai lhes ajudar, amanhã ou depois, na caminhada da vida.

            E se você, que é pequeno, está tendo que trabalhar como gente grande...

(Soa a campainha.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - ... saiba que nós estamos trabalhando para mudar. Rebele-se! Diga: eu quero estudar; eu não tenho que trabalhar com esta idade.

            Eu espero que, logo, logo, você possa parar de ter que ser adulto e possa encher seu coração com a faceirice que a infância merece.

            Aos adultos -- é a última frase, Sr. Presidente --, eu faço um apelo muito profundo: por favor, deixem que as crianças sejam crianças. Não permitam que elas percam a alegria de viver, intensamente, plenamente, essa época tão especial de suas vidas. Nós não temos o direito de ver um jovem, amanhã, dizer: eu não fui criança; não me lembro da minha infância. Todos têm de ter o direito de ser criança.

            Obrigado, Sr. Presidente.

 

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR PAULO PAIM.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) -

            Pronunciamento sobre o Dia da Criança.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no sábado, 12 de outubro, o Brasil inteiro homenageou Nossa Sra. Aparecida, a Padroeira do Brasil e, nesse dia, também, festejamos o Dia da Criança.

            A cada ano, na cidade de Aparecida do Norte, em São Paulo, crianças, adultos, idosos se preparam para receber a visita de fiéis, dos mais diversos cantos, que prá lá se dirigem.

            É uma cena incrível aquela procissão imensa que se dirige ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida.

            Cada um tem os seus agradecimentos ou seus pedidos a fazer. E ela, do alto de sua bondade, certamente intercede junto ao nosso Senhor para que Ele acolha a todos.

            É um momento de união, de solidariedade, de compartilhamento que sempre toca fundo os corações.

            12 de outubro é, de fato, um dia muito especial, porque é, também, o dia em que focamos nossa atenção em nossas crianças. Comemoramos o Dia da Criança!

            Todos voltam seus olhares para os pequeninos desejando que o futuro que lhes aguarda seja o mais sereno, o mais confiante e próspero possível.

            E nossas crianças merecem isto!

            Na verdade, elas merecem em primeiro lugar, ter o direito de ser, simplesmente, crianças.

            Puxa vida, que coisa boa é poder brincar!

            Acredito que a maioria dos adultos tenha algumas boas lembranças das suas molecagens infantis. Jogar bola, dominó, brincar de esconde-esconde ou então de transformar folhas em bifes e cozinhá-las em panelinhas improvisadas também. Ah..., e que tal as boas gargalhadas ao pular nas poças d’água formadas pela chuva?!

            E como era sensacional ouvir uma boa estória infantil contada por alguém que sabia fazer caretas, sabia dar o tom de voz certo para cada personagem. Bom demais!

            Srªs e Srs. Senadores, eu acredito que as sociedades se desenvolvem essencialmente pelo viés econômico aliado às mudanças culturais, num processo de interação persistente -- que dura pelos tempos -- unindo as forças produtivas e a superestrutura.

            Nesse arranjo de humanidade, homens, mulheres e crianças vivem suas vidas e nós, representantes do Poder Legislativo, procuramos fazer com que essas vidas, todas elas, sem exceção, sejam vividas com alegria, dignidade, paz, justiça.

            Eu me preocupo, como parlamentar, com a situação da nossa gente brasileira, sobretudo aqueles que ainda lutam para atingir o mínimo indispensável a uma vida digna.

            Essa preocupação me levou a olhar para uma questão bastante atual, que está batendo às nossas portas: o desenvolvimento precoce das nossas crianças.

            Creio que refletir um pouco sobre essa questão, passadas poucas horas do Dia das Crianças, pode ser muito importante.

            Meu primeiro questionamento não vai ser sobre a influência dos meios de comunicação nesse processo, mas quero, antes disso, perguntar pelo significado da própria infância.

            Creio que vale a pena começarmos por aí: o que é a infância?

            Criança não pode ser simplesmente definida por critério de idade, como todo ser humano de zero a doze anos, embora esse critério seja por demais valioso do ponto de vista prático.

            Mas, é bom ir um pouco além, olhando por uma linha não exclusivamente legal o sentido da infância.

            A palavra “infância” tem raízes no Latim (infans), e significa “sem voz”. Os antigos, que utilizavam essa expressão, queriam, com ela, indicar o ser humano que ainda não consegue se expressar pela fala logicamente articulada.

            A criança era tida como “incapaz” de falar. Então, o período em que a criança não falava era caracterizado como infância.

            O grau de dependência das crianças na fase em que não utilizam a linguagem corrente é muito grande.

            Os antigos, mais especialmente os gregos e romanos, não tinham uma boa ideia de infância.

            Para eles, as crianças eram apenas adultos que ainda não estavam prontos. A arte grega de esculpir, por exemplo, utilizava as proporções corporais dos adultos quando, na verdade, esculpia a estátua de uma criança.

            A criança não tinha seu lugar na condição própria de criança, como hoje entendemos. Eram adultos incompletos.

            Além do mais, as crianças precisavam crescer e ir o quanto antes lutar nos campos de batalha, negociar nos mares, cuidar da produção agrícola, colonizar novas terras.

            Resumindo: enquanto crianças, eram um peso morto, um estorvo, uma fonte de despesa.

            Essa situação durou por muitos séculos. Não foi incomum, na história da humanidade, o desprezo pelas crianças.

            Houve momentos da história medieval e da história moderna, mesmo na Europa, em que os próprios pais desprezavam seus filhos.

            Até a entrada do século 18 e, depois, a idade contemporânea, datada pela revolução francesa de 1789, a ideia de criança não estava desenvolvida.

            Das crianças, o que se desejava era que se tornassem adultos o mais rápido possível, para que pudessem cuidar das suas próprias vidas como adultos.

            Assim, precisamos reconhecer que, durante um largo período da história não se deu oportunidade às crianças, de serem, de fato, crianças.

            Mesmo o ensino, na antiguidade, era direcionado a aspectos práticos da vida adulta. A criança, futuro cidadão, precisava conhecer matérias básicas, como ler, escrever, declamar, contar.

            A educação de crianças, entre os gregos, existia em grande parte por causa da gestão da cidade e não foi muito diferente em outras culturas.

            Então, temos que entender que estamos diante de um sistema que deitou fundas raízes.

            A preocupação atual, por parte dos adultos, em tornar as crianças rapidamente adultas, não se restringe meramente aos efeitos nocivos de uma erotização precoce em que a televisão aparece geralmente como “culpada”, mas funda-se na própria forma de educar as crianças.

            Acredito que, hoje, no início do século 21, mesmo diante de nossas maiores e melhores conquistas na área, ainda reproduzimos modelos que dificultam o pleno desabrochar da infância.

            E isso acontece em função de uma preparação cada vez mais estruturada para representar os papéis da vida adulta.

            A escola, como local privilegiado de recepção das crianças, fonte de preparação para a vida, não parece ter bem claro que essa preparação não passa unicamente pelo aprendizado de conteúdos.

            Preparar para a vida é dar -- ou devolver -- às crianças suas vidas de crianças.

            Entendo que a escola precisa alargar as experiências infantis, capacitando para um aprendizado que não seja meramente da memória.

            A experiência escolar, a meu ver, tem de ir além da formação pelo conteúdo tradicional que incentiva a transformação de crianças em adultos precoces.

            Essas minhas observações quanto à escola estão baseadas na minha convicção de que a má educação pode ser responsável por adultos incompletos, por seres humanos incompletos, que não viveram a experiência da infância em toda a sua extensão, pois foram convocadas de forma súbita e às vezes brutal para o mundo adulto.

            Meu desejo é que as crianças não passem suas infâncias preparando-se para serem adultos, mas que vivam suas infâncias plenamente, na justa medida de serem simplesmente crianças.

            Mas a escola não é o único ponto problemático ligado ao desenvolvimento infantil quando pensamos na preparação das nossas crianças e jovens para a vida adulta.

            Também precisamos incluir aí a estrutura familiar e o mundo cultural como marcos importantes para se entender a questão do amadurecimento precoce.

            A estrutura familiar, não importa como ela se organize, deve dar segurança e afeto indispensáveis ao perfeito desenvolvimento infantil.

            Os pais ou responsáveis estão na base formativa e informativa dos filhos, assim como a escola.

            Dos pais espera-se que auxiliem na formação do caráter dos pequenos, orientando-os do ponto de vista moral, segundo parâmetros aceitos cultural e socialmente.

            E, nesse momento penso na dificuldade que é bem educar nos tempos atuais. A mídia globalizada -- e seus chamados e convocatórias -- possui, muitas vezes, encantos que podem afetar profundamente o mundo interior das crianças.

            Sei que é difícil viver e formar-se bom cidadão atravessando uma sociedade tormentosa e atormentada, cheia de apelos que não são tão fáceis de resistir.

            Dá para ver na nossa sociedade pós-moderna, sinais que apontam para a transformação precoce das crianças em adultos.

            Não importa em que suporte a gente pense -- cinema, televisão, teatro, literatura -- o velho fantasma da antiguidade reaparece...

            E ele vem oferecendo (além das formas socialmente aceitas como importantes), erotismo barato, banalidades e entretenimento que são elevados à condição de coisas sérias e desejáveis.

            A quantidade de garotas que engravidam muito jovens só aumenta. Nesse turbilhão, as DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis) acompanham a liberalidade dos costumes.

            Vejo com clareza que o sistema institucionalmente aceito atua como se fosse porta-voz de muitos desses efeitos.

            Cabe aos governos, em todos os seus planos de ação, atentar para a questão do "adiantamento da idade adulta", não apenas como um distúrbio psicossomático ou hormonal, induzido continuamente pelo mundo subliminar da propaganda, ou mesmo como uma patologia do espírito, que derrota e fere de morte a combatividade política dos nossos pequenos cidadãos.

            Devemos ver, na sociedade complexa em que vivemos, a presença de todos esses sinais e sintomas.

            Creio que a escola, como outras instituições, tem papel fundamental na formação do homem e da mulher.

            É preciso lembrar que é a partir da escola que as experiências de mundo se diversificam e mesmo muitas dessas experiências têm na escola seu primeiro lugar de manifestação.

            Mas, devemos lembrar que a formação cidadã ultrapassa o mundo escolar espalhando-se pelas muitas instâncias da sociedade.

            Não podemos esquecer que a aldeia global -- na expressão de MacLuhan -- canta seu canto de sereia e nos convoca para coisas nem sempre confiáveis ou adequadas.

            A televisão, graças a sua disseminação, tem um papel formativo e informativo que, apesar de secundário, revela-se perturbador.

            A qualidade dos programas televisivos criados para crianças, no Brasil, nem sempre demonstra cuidado pedagógico com a formação da mentalidade infantil.

            A televisão também é veículo para mensagens subliminares de forma e de conteúdo, reforçadas anos a fio nos pequenos telespectadores, que dificilmente sabem lidar com a informação recebida.

            Não podemos esquecer que a sociedade está ligada em rede e os acontecimentos atuais País afora têm demonstrado o quanto essas mídias sociais podem ser importantes na construção da mentalidade crítica de cidadãos que vivem em uma democracia aberta como a do Brasil.

            Srªs e Srs. Senadores, não resta dúvida de que precisamos de entretenimento, mas precisamos, mais que isso, de gente que saiba ponderar o mundo, para transformá-lo com responsabilidade, amor e alegria em uma morada aprazível.

            Crianças não são adultos, nem miniaturas de adultos, disso estou certo.

            Crianças serão adultos, mas esse processo tem de se dar no tempo certo. A infância não pode simplesmente ser apagada ou relegada a segundo plano, de modo gratuito ou impositivo.

            Creio que vale pontuar, ainda, Senhor Presidente, o que a Convenção das Nações Unidas dos Direitos da Criança afirma, em seus princípios: que todos os direitos aplicam-se a todas as crianças sem exceção e que todas as ações que dizem respeito à criança deverão estar de acordo com os seus interesses.

            Diz, ainda, que os pontos de vista de meninos e meninas devem ser considerados em todos os assuntos que digam respeito as suas vidas.

            Infelizmente, o barco nem sempre navega conforme deve!

            Nós temos diante de nós uma realidade de violação de direitos das crianças que merece uma análise profunda.

            Temos uma realidade que exige medidas voltadas para romper com o quadro do trabalho infantil, da violência sexual, do número de jovens em conflito com a Lei e do desrespeito à liberdade de expressão, de pensamento, de consciência e de crença.

            Isto sem esquecer dos problemas de discriminação que sofrem as crianças negras, as crianças pobres, as crianças com deficiência física.

            Há poucos dias falei sobre a importância de conseguirmos erradicar o trabalho infantil.

            As cenas atuais que temos diante de nós, mostram crianças coletando material reciclável, vendendo balas, fazendo malabarismo nos faróis, pedindo esmolas.

            Mostram crianças cortando cana, expostas aos ferimentos que esse tipo de tarefa causa, ou então, trabalhando na mineração, na colheita antes do primeiro sol da manhã.

            A Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que o mundo tem 168 milhões de crianças trabalhando. No Brasil, 257 mil estão em trabalho doméstico.

            Como podemos ver, muita coisa precisa mudar. Nós temos que nos esforçar mais e mais prá isso.

            Para finalizar este pronunciamento, meus caros, eu quero deixar uma mensagem para nossas crianças:

            "Eu gostaria de poder dar um abraço em cada um, em cada uma de vocês.

            Eu quero que vocês saibam que quando a gente cresce, sente muita saudade de ser criança, porque ser criança é muito bom.

            Aproveitem essa época, brinquem bastante e não deixem de estudar também, porque o estudo vai ajudar vocês em muitas coisas na vida.

            E se você, que é pequeno, está tendo que trabalhar como gente grande, saiba que nós estamos trabalhando muito prá mudar isso e eu espero que, logo, logo, você possa parar de ter que ser adulto e possa encher seu coração com a faceirice que a infância merece".

            Aos adultos eu faço um apelo muito profundo: por favor, deixem que as crianças sejam crianças, não permitam que elas percam a alegria de viver plenamente essa época tão especial nas nossas vidas!

            Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/10/2013 - Página 71611