Discurso durante a 182ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Perplexidade com a posição do Governo Federal sobre o leilão para exploração do pré-sal no campo de Libra; e outro assunto.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO, POLITICA MINERAL. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). SEGURANÇA NACIONAL.:
  • Perplexidade com a posição do Governo Federal sobre o leilão para exploração do pré-sal no campo de Libra; e outro assunto.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2013 - Página 74142
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO, POLITICA MINERAL. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). SEGURANÇA NACIONAL.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, PRIVATIZAÇÃO, LEILÃO, CAMPO, PETROLEO, PRE-SAL, PREJUIZO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), UTILIZAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, IMPEDIMENTO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, AUSENCIA, DEBATE, POPULAÇÃO.
  • CRITICA, COMPORTAMENTO, IMPRENSA, OPOSIÇÃO, CRISE, ESPIONAGEM, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), VITIMA, BRASIL, APOIO, RESPOSTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • DEFESA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), FORTIFICAÇÃO, ECONOMIA, PARCERIA, AMERICA DO SUL, COMBATE, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, CONCORRENCIA, MERCADO INTERNACIONAL.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srs. Senadores, eu venho à tribuna por dois motivos. Eu vou fazer algumas considerações sobre a crise global e o Mercosul, mas, inicialmente, quero falar, Senador Cristovam, sobre a minha perplexidade em relação à posição do nosso Governo Federal na questão do leilão de Libra.

            Eu, durante a última campanha eleitoral, fiquei empolgado com a nossa Presidente Dilma Roussef quando ela, respondendo a algumas declarações dos principais assessores de José Serra, colocou no ar um VT, um videoteipe, no qual afirmava que a privatização da Petrobras ou dos campos do Pré-sal eram um crime contra a Nação.

            Eu redobrei os meus esforços na campanha da Presidente Dilma. Mas eis que, de repente, não mais que de repente, tudo muda e a Presidente determina que o campo de Libra, o maior campo de petróleo conhecido no Brasil, talvez o maior campo de petróleo do planeta seja leiloado. E exclui a Petrobras, exigindo uma participação de R$15 bilhões antecipados, que seriam posteriormente diminuídos do custo de produção do petróleo.

            A sociedade civil protesta. Eu não consegui entender o leilão.

            Eu queria um debate no Congresso Nacional. Tentei fazer um debate na bancada do meu Partido, o PMDB. Levei o Fernando Siqueira, Vice-Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras. Tive dificuldade de levar o debate à frente. De certa forma, o debate não se deu pela interferência pesada do Líder do Governo, que é do meu Partido. Então, junto com o Senador Pedro Simon e o Senador Randolfe, elaboramos um projeto de decreto legislativo para sustar o leilão de Libra.

            Ora, a Mesa é do meu Partido. O PMDB tem a Presidência do Senado, mas eis que mais uma surpresa surge, Senador Cristovam Buarque: a Mesa distribui o projeto de decreto legislativo para três comissões. Distribui para três comissões. E, na Comissão de Constituição e Justiça, informa-me o Senador Vital que o Líder do Governo pede para ser o relator. Pede para ser o relator, o pedido é atendido e ele leva o projeto para casa, e não o devolve mais. O leilão de Libra será feito no próximo dia 23, se não me engano, semana que vem, segunda ou terça-feira. E o projeto de decreto legislativo teria que passar por três comissões, e o relator não devolve o projeto, não faz a relatoria.

            Então, Senador Cristovam, o que eu vejo é que não se estão contrapondo aos argumentos que contrariam o leilão de Libra; eles estão impedindo o debate. O Governo, com a ajuda do meu Partido, que tem a Mesa do Congresso Nacional na mão, está impedindo que o Senado da República debata os argumentos favoráveis e contrários.

            É a mesma atitude da nossa Presidente. Ontem, ela assina um decreto determinando que o Exército Brasileiro seja mobilizado para impedir qualquer manifestação contra o leilão de Libra. É o Exército defendendo, então, a entrega do petróleo brasileiro, sem argumento. Não há argumento racional algum que justifique esse leilão que preda o Brasil e compromete o nosso futuro. Tudo se suporta apenas, no meu entender -- e não tenho motivo para pensar de outra maneira até agora; nem a Presidente me deu um argumento, nem o Ministro das Minas e Energia --, nos R$15 bilhões para viabilizar o superávit primário, uma antecipação, uma espécie de empréstimo. E o Brasil perde o leilão.

            A Presidenta da Petrobras veio a uma das comissões e, implícita ou explicitamente, conforme preferirem os Srs. Senadores na interpretação que possam fazer, disse que não entendia por que se estava fazendo o leilão e que não havia empresa no Brasil mais capacitada para explorar Libra do que a Petrobras.

            Estamos com o Exército na rua, em uma espécie de pinochetaço para impedir manifestações. Então, de repente, Senador, na ausência do debate no Congresso Nacional, na ausência do contraditório para a discussão das argumentações, vejo que a única manifestação de saúde cívica no Brasil está nas ruas, a manifestação do povo nas ruas, não dos predadores do tal do black bloc, que se comportam de uma forma boba, estúpida, intolerável, mas a manifestação de saúde está nas ruas com a juventude, com os sindicatos. E o Governo não quer discutir nada, vai leiloar de qualquer forma e convoca o Exército brasileiro para isso.

            Fica aqui patente, Senador Cristovam, a minha indignação contra isso. Estão nos sonegando a oportunidade do debate. É um comportamento semelhante ao comportamento do Pinochet. Isso não significa, Senador Cristovam, que o nosso Governo não tenha algumas atitudes que devamos apoiar -- por exemplo, a manutenção das políticas sociais --, mas agora parece que se reverte tudo. Sinalizam com o aumento dos juros, fazendo o jogo do mercado. Pressionados pelo mercado, vão desistindo das políticas sociais.

            Talvez eu esteja enganado, mas vejo uma sensível mudança de comportamento do nosso atual Governo para o período em que o Presidente Lula foi Presidente da República. Não que o Lula não tenha cometido erros. Todos nós cometemos erros, somos passíveis e falíveis, passíveis de erros e extremamente falíveis como seres humanos na condução de uma Administração Pública, mas eu estou muito preocupado com o leilão de Libra.

            Ontem, entrei com uma representação junto ao Ministério Público Federal. E, pelo telefone, para que ela não se perdesse como aconteceu com a Mesa do Senado, com o meu projeto de decreto legislativo -- meu, do Senador Simon e do Senador Randolfe --, liguei para o Procurador-Geral, Janot, para dizer a ele que tinha entrado com a representação, que ela estava protocolada, para evitar que amanhã ou depois dissessem que ela foi extemporânea e que o Ministério Público não teve dela conhecimento. Além disso, no meu gabinete, preparamos uma ação popular, com a ajuda do Dr. Comparato e do Dalmo Dallari. Essa ação está sendo ajuizada ontem e hoje no Paraná.

            Muito bem, não nos omitimos, fizemos o que tinha que fazer, mas o Senado da República, com um leilão na segunda ou na terça-feira, designar três Comissões para examinar um decreto legislativo, e o Líder do Governo pedir para ser Relator e levar o projeto para Casa, negando-nos o contraditório, impossibilitando a discussão, é uma coisa realmente inusitada, que mostra que o Senado da República está doente, porque a saúde é o contraditório, é a vitalidade, é a discussão. Nós estamos doentes! E a saúde se manifesta nas ruas das principais cidades do Brasil.

            O Senador Cristovam levanta o microfone para um aparte, que eu concedo com o máximo prazer.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senador, eu estava pegando aqui umas informações mais detalhadas para poder fazer meu comentário a sua fala. Vou correr o risco de dizer como está na minha cabeça, sem ter tido tempo de checar plenamente. Eu vejo quatro grandes problemas nesse leilão que o senhor está trazendo aqui e contra o qual tem sido um batalhador. Primeiro é que o Governo não ouve. Apesar das manifestações, apesar de a Presidenta, de vez em quando, ir para a tribuna e parabenizar os que estão na rua, apesar de dizer que eles estão reivindicando porque receberam tanto que querem mais -- o que, às vezes, me parece que é um deboche com os professores que estão na rua --, apesar de dizer que é preciso ouvir as ruas, não está ouvindo. Porque há um clamor. Há um clamor das pessoas conscientes em relação a pelo menos estudar melhor esse leilão. Então, este é o primeiro ponto: não ouve. O segundo é que toca em um símbolo que é a Petrobras. A Petrobras não é apenas uma empresa como a Exxon, como a British Petroleum. Não. Aqui a Petrobras é um símbolo, um símbolo de luta do povo na rua. A Petrobras não foi feita de cima para baixo. A Petrobras foi uma conquista do povo brasileiro, e o povo tem que ser respeitado. Além disso, é, hoje, uma empresa fundamental para o futuro, por causa das nossas reservas crescentes. Aliás, se não fosse a Petrobras o Brasil seria considerado um País sem petróleo. A Petrobras é que vem descobrindo petróleo. Está-se brincando com um símbolo, na medida em que pode se entregar o maior de todos os mananciais que nós temos para grupos externos, deixando a Petrobras com uma participação minoritária. Terceiro é que se está mexendo com um símbolo que é o Exército brasileiro. O Exército é para enfrentar guerra.

            O Exército é para enfrentar o que antigamente se chamava o truste do petróleo, e não para proteger que empresas estrangeiras venham aqui se apropriar do nosso petróleo. E o Exército está sendo usado para quê? Para impedir manifestações. Isso lembra muito, há poucos anos, quando lutávamos contra o Exército nas mãos de ditadores, impedindo manifestações na rua. Hoje eles chamam para proteger o leilão. Amanhã vão chamar para proteger as vidraças dos bancos. E vai chegar o dia em que o Exército, resistindo às pressões dos manifestantes, dará um tiro. E o Exército que mata jovens do seu próprio país perde toda a razão de ser, toda a razão de ser. Exército é para enfrentar inimigos estrangeiros, não para enfrentar brasileiros. Agora, tem um outro que está sendo esquecido por muitas pessoas. É que a Presidenta falou, insistiu, mandou um projeto de lei -- embora eu já tivesse dado entrada aqui a algum; o Tasso Jereissati, junto comigo; o Aloysio, todos nós demos entrada em projeto para que os royalties do petróleo fossem para a educação, e ela passou por cima -- e, felizmente, foi bom, porque assim se aprovou rapidamente, senão o PT teria ficado contra se fosse de autoria nossa, e aprovaram-se os royalties do petróleo. Mas, pelo que eu imagino, e estava neste momento tentando aperfeiçoar isso, neste caso, os royalties do petróleo viram bônus e assinatura. E poderão até ir para a educação daqui a 15, 20 anos. Até lá, esse dinheiro vai ficar para o superávit fiscal. Ou seja, ela está usando o Exército para proteger a tomada de recursos que pertencem à Petrobras, impedindo o povo de se manifestar, para não cumprir plenamente a própria lei de que ela tomou a iniciativa, para os royalties de petróleo irem para a educação. E, para concluir, o quinto ponto é o autoritarismo das direções do Senado diante da sua proposta. É inadmissível que o Senado tenha engavetado o seu pedido para que nós o analisássemos aqui, e o seu pedido não é nem para ficar contra para sempre, é para analisar…

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) - E numa gaveta com três fechaduras. Porque ele foi enviado para três Comissões, e o Líder do Governo pede para ser o Relator, leva para casa e não entrega, impedindo a discussão.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu me ofereço para, junto com o senhor, fazermos alguma representação à direção da nossa Casa, dizendo que o que se está fazendo ao impedir o debate disso antes do leilão é quase que um crime de lesa-pátria. É um crime de lesa-pátria, porque é o debate que esta Casa tem que fazer diante de algo tão importante para o futuro do Brasil, desrespeitando algo tão importante do passado do Brasil, conspurcando a imagem de uma das coisas que deveriam ser sagradas no Brasil, que são suas Forças Armadas, e negando que esse dinheiro vá para os royalties do petróleo, conforme a própria lei que ela determinou. Eu creio que, diante de tudo isso, fica uma profunda frustração e ainda uma maior preocupação. Se continuarmos sendo administrados dessa maneira, sem ouvir, usando o exército contra o povo para proteger leilão em que estrangeiros vão receber o nosso petróleo, sem mandar o dinheiro para onde deveria, que é a Educação, eu não vejo um bom futuro para o Brasil. E felizmente há vozes como a sua se levantando contra esse tipo de coisa.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) - Senador, o nosso protesto não é o protesto dos black blocs. Nós não estamos quebrando o patrimônio público irrefletidamente nas ruas, mas eu faço aqui da tribuna do Senado um apelo.

            Ainda nesta manhã, nós vamos publicar na minha página na internet: robertorequiao.com.br a íntegra da ação popular e do pedido de tutela antecipada. Vou utilizar também o Twitter, para divulgar a página e viabilizar o acesso, e o Facebook. E eu peço a quem nos assiste, neste momento, pela nossa televisão, e que nos ouve pela nossa rádio, o apoio.

            Vamos divulgar os argumentos. A informação tem que ser passada para a população. O que o Governo está tentando é impedir a informação, utilizando o Exército para impor aquilo que, racional e logicamente, ele não pode demonstrar à sociedade civil e de que não pode convencê-la.

            É um absurdo o que nós estamos fazendo. E eu repito: acreditei na Presidente Dilma quando ela, num videoteipe na televisão, dizia que era um crime o que o principal assessor do seu opositor José Serra propunha, a privatização da Petrobras e a privatização do pré-sal. Eu acreditei e continuo acreditando.

            Não sei o que aconteceu com a Presidente agora, mas eu vi a sua cara satisfeita na televisão ontem quando assinava um decreto determinando que o Exército brasileiro fosse defender o entreguismo, garantir o leilão, impedir o protesto popular. Em vez de argumentos, balas de fuzil? É o calibre 762 que vai justificar a entrega do petróleo brasileiro?

            Senador, eu tenho que admitir que podemos estar errados. De repente, o Governo está vendo alguma coisa que nós não estamos vendo. A nossa Presidente deve ter uma lucidez extraordinária que supere qualquer entendimento que possamos ter, mas a fuga do debate é a negação do argumento.

            É através de razões inconfessáveis que esse leilão está sendo feito. Logo mais, antes do meio-dia, na minha página: robertorequiao.com.br, a íntegra da ação popular e, eu, pelo Twitter e pelo Facebook, estarei divulgando também. Não é black bloc irrefletido que resolve isso. É informação, é argumentação sólida, é debate aberto, é o contraditório no País. Não é com “pinochetaço” que se resolve a questão do petróleo no Brasil.

            Senador Acir, na verdade, a minha intenção nesta manhã era falar sobre a crise global e o Mercosul. E é disso que vou tratar agora.

            Tempos atrás, o Presidente Vladimir Putin classificou o fim da União Soviética como “a maior tragédia do século XX”. É possível, é possível que tenha sido. Não estou me referindo à visão ideológica da União Soviética, mas à unidade da União Soviética na consolidação dum bloco de sobrevivência nos mercados do mundo. É possível que seja. Mas, para nós latino-americanos, a maior tragédia de nossa história seria a frustração da unidade continental; no caso, a frustração do Mercosul.

            Definitivamente, com o avanço da globalização imperial, as crises e as armadilhas que ela embute, não há para o Brasil, Venezuela, Argentina qualquer possibilidade de saídas isoladas, de caminhos próprios, de caminhos particulares. O brado brasileiro de “Independência ou Morte”, lançado em oposição à dominação colonial portuguesa, ou o brado de José Martí de “Pátria ou Morte”, fortemente ecoado por toda a América, talvez devessem ser substituídos hoje por “Integração ou Morte”. A nossa soberania, a nossa sobrevivência como nações não será mais possível, se recolhidos aos limites de nossas fronteiras, ensimesmados, reclusos.

            No entanto, essa não é a preocupação das chamadas elites, dos políticos, da mídia e do nosso continente. Quando a Mesa do Senado impede a discussão de um decreto legislativo que vai analisar o leilão de Libra, vemos que estamos escamoteando o grande debate nacional, e eu fico me perguntando que espécies de interesses existem atrás disso.

            A ideia da integração, a integração como conditio sine qua non, encontra poderosa resistência, alimentada pelo comportamento que um dos maiores dramaturgos brasileiros classificava de "complexo de vira-lata"; ou seja, sabujice colonial.

            Vejam, por exemplo, a reação das grandes redes brasileiras de comunicação e dos partidos conservadores à denúncia de que os Estados Unidos invadiram até mesmo o celular da Presidente Dilma, bisbilhotaram suas mensagens e conversas com ministros, além de devassarem os arquivos da estatal brasileira do petróleo, a Petrobras.

            A mídia e a oposição, além de considerarem a espionagem "normal", "legítima", censuraram a Presidente pela reação ao atentado. Foi brilhante a reação, foi empolgante o discurso da Presidente na ONU, mas, depois, ao lado da práxis que é uma ideia que Sua Excelência expôs na ONU, vem a poiesis, que é uma idéia em ação, vem o leilão de Libra, sem nenhuma justificativa.

            O episódio atesta que as nossas elites continuam fiéis ao princípio do alinhamento automático aos interesses norte-americanos, como há dois séculos gravitavam obedientemente em torno das metrópoles europeias.

            À medida que a crise avança sobre os nossos países -- e não se trata mais de uma marolinha -- aguçam-se os pendores coloniais das camadas dominantes.

            Por mais de uma década, com o aumento da demanda de commodities, principalmente da parte da China, esses pendores, de certa forma, foram atenuados. Agora, com o decréscimo das exportações de grãos, minérios e carnes, emerge a inclinação colonial.

            Assim, o projeto da Área de Livre Comércio das Américas, a falecida ALCA, que tanto havia encantado e atraído luminares do dependentismo, como Carlos Menem, Fernando Henrique Cardoso, Sanguinetti, Fujimori, Sánchez de Lozada, Salinas de Gortari e companhia, reaviva-se na forma de propostas de acordos bilaterais de livre comércio.

            Mesmo que os números das relações comerciais entre os países do nosso continente desmintam os defensores desses arranjos, eles insistem nos acordos porque são movidos apenas pela possibilidade de ganhos circunstanciais, imediatos, e não pela ideia força de Brasil, Nação.

            Integração ou Morte. Integração ou Inviabilidade do projeto nacional.

            Mas não falo tão simplesmente de uma integração comercial, da quebra de barreiras alfandegárias. Isso é pouco, Senador Acir Gurgacz. É pouco, é limitado e é temporário. Uma integração efetiva, que signifique ganhos econômicos, estimule o desenvolvimento, rompa amarras do atraso, elimine a pobreza, a violência e os abismos sociais, essa integração deve ser também cultural, no sentido pleno e completo do conceito.

            A nossa ambição deve ser nada menos do que a ambição de uma civilização latino-americana, iluminada pelo amor e pela solidariedade, pela justiça, pela paz e pela felicidade. Não menos que isso, essa é a nossa ambição.

            Do ponto de vista brasileiro, não há mais como retornar desse caminho.

            Veja, Senador Cristovam, em média, nos últimos quatro anos, mais de 30% de nossos produtos manufaturados foram exportados para países do Mercosul. Se acrescentarmos os demais países da América do Sul e da América Latina, vemos que 50% de nossos produtos industriais são exportados para o continente latino-americano. Quer dizer, a metade do que nossas indústrias produzem é consumida na América Latina.

            A União Europeia consome 19,5% de toda a nossa produção industrial; os Estados Unidos, 13,5%; a China, pouco mais de 2%; e o restante do mundo, 14,8%.

            Além de exportar mais para a América Latina, o continente paga melhor pelos nossos produtos. No acumulado dos últimos 12 meses, o Brasil exportou US$234,190 bilhões, vendendo seus produtos ao preço médio de US$425 a tonelada.

            Para a América Latina, exportamos US$50,160 bilhões e vendemos os nossos produtos, Senador Cristovam, a US$1.424 a tonelada, portanto, US$1.000 a mais por tonelada do que vendemos, em média, para o mundo, porque nós vendemos para a América Latina produtos industrializados no Brasil.

            A venda apenas para o Mercosul tem um preço médio ainda melhor: US$1.534 a tonelada. Logo, a América Latina compra mais, paga melhor e importa produtos com valor agregado. Ainda assim, os nossos conservadores, fatia importante do chamado agronegócio e da grande mídia colonizada, servil, querem ver o nosso País amarrado a acordos bilaterais com os Estados Unidos e alguns países europeus.

            Mais alguns dados, Senador Gurgacz. Enquanto, entre 2002 e 2012, as nossas exportações para os Estados Unidos cresceram 72%, os nossos negócios com a América Latina tiveram um incremento de 337%. Só para o Mercosul, o aumento foi de 579%. Da mesma forma, as nossas importações da América Latina e Caribe cresceram bem mais que as importações da União Europeia ou dos Estados Unidos.

            Como diria o Presidente Chávez, o nosso norte é o sul. Integração ou morte, morte dos projetos nacionais.

            Ou nos protegemos sob o guarda-chuva da integração ou nos expomos à pior de todas as tempestades geradas pelo desequilíbrio do capitalismo.

            A premissa parece óbvia. Profundamente afetados pela crise financeira global, em recessão, porque vítimas de suas políticas de classes, para salvar o sistema bancário, os países europeus precisam desesperadamente vender, exportar. Aumentar as exportações e o superávit comercial, para substituir a demanda interna contraída com as tais “receitas de austeridade”, esta a saída para a Europa do euro. E, como ensinou certa vez Lester Thurow, o papa da globalização, acerca do destino inevitável das montadoras de automóveis, o mapa da mina indica que o tesouro está no sul. Mais óbvio, Senador Cristovam, rigorosamente impossível, mas o cerco sobre nós, sobre o Brasil e sobre a América Latina amplia-se.

            Os Estados Unidos anunciam a meta de dobrar as exportações a cada cinco anos. O Japão adota uma política cambial agressiva, para aumentar as exportações. A China intensifica e reforça o seu modelo exportador e de superávit comercial. Enfim, o nosso sistema comercial sofre assédios em todas as frentes.

            Com o consumo interno contido, os países industrializados miram os mercados emergentes como a sua salvação.

            Repico: a alternativa dos acordos bilaterais de livre comércio com os países desenvolvidos é a batalha de Davi sem a funda e com Golias fortemente armado.

            Para nós, a única saída é o aprofundamento da integração cultural e produtiva do continente como eixo central para a retomada do nosso desenvolvimento e para a construção da grande nação latino-americana.

            Apenas como bloco será possível a defesa do verdadeiro dumping comercial, que se engatilha contra nós.

            Mais ainda: desta vez, o declínio da indústria manufatureira, em toda a América do Sul, não será compensado pelo aumento das exportações de commodities, como ocorreu nos anos 2000 até a crise, o que fez com que a própria crise batesse em nossos costados como uma “marolinha”, como disse o Presidente Lula.

            Não, agora não. A China, esse insaciável Pantagruel engolidor de grãos, carnes e minérios, revela-se um tanto quanto indisposta, na sua saciedade que se reflete por todo o continente.

            Integração produtiva e cultural ou morte. Morte dos projetos nacionais.

            Como vimos, da parte de nossas malfadadas elites e seus porta-vozes mediáticos, nada a esperar. Talvez, Senador, a esperança esteja no grito das ruas.

            Mas, desgraçadamente, da parte de nossos governos, em especial do Governo brasileiro, pouco a esperar em vista de uma política econômica inconsequente, que não contribui para a integração continental.

            Se escapamos da recolonização explícita, escrachada, representada pela Alca; se superamos aqueles dias escuros, nebulosos, de predomínio de governos neoliberais, não conseguimos, até hoje, elaborar um projeto comum de construção da União Latino-Americana; um projeto que começasse em nossas casas, com a construção de nossas nações.

            Como disse, o boom das commodities desfaz-se e, em combinação com uma política econômica errática, fortemente influenciada pelos pressupostos neoliberais.

            Temos como herança a desindustrialização, a desqualificação do emprego, o desequilíbrio do balanço de pagamentos, a sangria da remessa de lucros para o exterior, a diminuição dos investimentos públicos, a ampliação da política de concessões, eufemismo envergonhado do nosso Governo para realizar as privatizações que está realizando.

            De forma mais aguda ou menos aguda, são problemas que perpassam os países do Mercosul, da América Latina e Caribe. As reações, de maneira geral, são tópicas, limitadas. Vejam o caso brasileiro. O nosso Governo tange a economia a golpes de desonerações fiscais, ainda que essas desobrigações já tenham perdido a capacidade de estimular o consumo e o investimento. Hoje, as desonerações talvez não tenham outros efeitos que os de favorecer o fantástico lucro das montadoras, que, depois das desonerações, multiplicaram por cinco os seus investimentos não no Brasil, mas fora do Brasil, e estimular a remessa de lucros das multinacionais para o exterior.

            A espantosa enxurrada de dólares que, no último ano, temos exportado sob a rubrica de lucros e juros coincide com a exacerbação das desonerações.

            A encrenca cambial também é um embaraço comum. Trata-se de um risco, um gravíssimo risco, a curto prazo, Senador Cristovam.

            Quando se fala na potencialidade da crise cambial, os nossos países sacam como argumento suas reservas em dólares; no caso brasileiro, se não me engano, cerca de US$370 bilhões de reservas. Mas perguntemos: um elevado nível de reservas resiste à combinação de déficit comercial, déficit em conta corrente, remessa crescente de lucros e juros para o exterior, redução dos investimentos externos e diminuição de exportações? Resiste? Não.

            Foi por causa disso, e não para conter a inflação, que o Banco Central do Brasil voltou a aumentar os juros -- está recorrendo ao capital especulativo e vadio mundial, na continuidade da política neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. Enfim, voltamos ao ciclo traiçoeiro de ter que alimentar a especulação externa para atrair aplicações financeiras.

            Consequência inevitável: revalorizamos a nossa moeda, radicalizamos a tendência à desindustrialização, diminuímos a possibilidade de retomada das exportações, agravando o círculo vicioso da crise.

            Some-se a isso a já referida crise dos países industrializados e temos ingredientes para um petardo de grande poder de destruição, uma vez que nós e nossos parceiros latinoamericanos não temos uma estratégia de enfrentamento da crise, não temos nem estratégia nem táticas para desarmar esta bomba.

            Parece que não conseguimos entender, não entra em nossas cabeças, não alcança o entendimento governamental que a crise na Europa e nos Estados Unidos não é o vale de um ciclo que acabará entrando em um processo de retomada por vias naturais, arrebatando-nos juntos aos céus.

            Antigamente, Senadores, as crises cíclicas do capitalismo eram revertidas por políticas fiscais e monetárias expansivas. Hoje, o sistema resiste às políticas fiscais expansivas e as políticas monetárias tornaram-se absolutamente ineficazes.

            É a tal da armadilha de liquidez de que falava Keynes: as empresas têm dinheiro para investir, mas não investem porque não há demanda. É a armadilha keynesiana da liquidez.

            Reforçando: as brutais políticas de contração adotadas pelos países europeus para salvarem o sistema financeiro, que travaram a retomada do crescimento e espalharam recessão e depressão, não nos deixam à parte de seus efeitos.

            Integração ou falência dos projetos nacionais.

            E o nosso Governo recorre a essas desonerações táticas sem um projeto nacional claro e definido e recorre, presentemente, à entrega do petróleo de Libra, que pode chegar a 15 bilhões de barris, para resolver um problema de superávit primário. As nossas ações contra o leilão de Libra, tanto a representação que fizemos ao Ministério Público como a ação popular para a qual pedimos tutela antecipada, poderá ser lida ainda hoje, nesta manhã, na minha página na Internet: robertorequião.com.br. E Utilizarei o Twitter e o Facebook para divulgá-las amplamente.

            Não é de black bloc que precisamos; não é de destruição de patrimônio. Precisamos de informação, debate, coerência, do despertar do novo e saudável nacionalismo no País.

            Obrigado, Presidente, pela tolerância proverbial de V. Exª com o tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2013 - Página 74142