Discurso durante a 183ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre projeto em tramitação na Câmara dos Deputados que libera a publicação de biografias não autorizadas; e outro assunto.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL. MANIFESTAÇÃO COLETIVA.:
  • Reflexões sobre projeto em tramitação na Câmara dos Deputados que libera a publicação de biografias não autorizadas; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/2013 - Página 74471
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL. MANIFESTAÇÃO COLETIVA.
Indexação
  • COMENTARIO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, PUBLICAÇÃO, BIOGRAFIA, LIBERDADE DE EXPRESSÃO, CENSURA PREVIA, PROCESSO, PROIBIÇÃO, LIVRO, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, FOLHA DE S.PAULO, CARTA, AUTOR, ESCRITOR, DESTINATARIO, ENTREVISTA, MARTA SUPLICY, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA CULTURA (MINC).
  • SOLICITAÇÃO, AUSENCIA, VIOLENCIA, REPUDIO, DEPREDAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, FORÇAS ARMADAS, LEILÃO, CAMPO, PETROLEO, PRE-SAL.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Senador Mozarildo Cavalcanti, ouvi bem as observações do Senador Alvaro Dias a respeito do leilão de Libra e avalio que se trata de algo que envolve certa complexidade. Espero falar amanhã a respeito do leilão de Libra. Aguardo as informações que serão prestadas, obviamente, pela Presidenta Maria das Graças Foster, pela Agência Nacional do Petróleo e pelo Ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, a respeito de todos os procedimentos e resultados que foram alcançados. Como ainda as informações preliminares não são completas, prefiro analisá-las amanhã.

            Eu gostaria de transmitir àqueles que realizaram os protestos que é mais do legítimo que haja protestos, mas que é também importantíssimo que esses protestos sejam caracterizados pela não violência. A forma como fazem provocações, ao jogarem os mais diversos tipos de objetos em direção aos membros das forças de segurança, o que acaba fazendo com que estas, depois, atirem balas de borracha nas pessoas que estão entre os manifestantes, muitas vezes atingindo pessoas que lá estão para protestar pacificamente, é algo que não convém.

            Então, é preciso propor às forças de segurança que ajam com a maior prudência, mas também é preciso dizer aos manifestantes que não abusem de maneira alguma e que procurem realizar seus protestos sem atingir pessoas, sem causar danos a prédios públicos ou privados ou mesmo a veículos de toda e qualquer natureza.

            Inclusive, jornalistas e carros de reportagem de diversos órgãos de imprensa acabaram também sendo atingidos por pessoas que, muitas vezes, usavam máscaras. Essas pessoas procuraram virar e incendiar carros de reportagens, como o da TV Record e outros. Acho que isso é algo que não contribui, de forma alguma, para resolvermos as diferenças de opinião, inclusive sobre a natureza do leilão da Petrobras, da maneira mais adequada possível.

            Hoje, Sr. Presidente, eu gostaria de fazer uma reflexão a respeito da grande polêmica que tem surgido na imprensa sobre a liberdade de autores escreverem biografias: em que medida precisariam ter a autorização das pessoas biografadas? Em que medida se pode assegurar a liberdade de opinião e de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade de as pessoas que realizam pesquisas efetivamente poderem escrever a respeito da vida das pessoas?

            Considero esse um debate muito importante. Avalio que é importante que possa logo o Congresso Nacional tomar uma decisão a respeito do projeto de lei do Deputado Newton Lima, que resulta de debates anteriores e, inclusive, de projetos tais como o do atual Ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo.

            Nesse debate, têm surgido opiniões muito importantes de nossos artistas queridos, como Chico Buarque de Hollanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan e muitos outros que se têm manifestado, e também a opinião de escritores, entre os quais está um escritor que dedicou grande parte de sua vida ou, pelo menos, cinco anos a escrever um best-seller, a biografia de Clarice Lispector, e que publicou, recentemente, uma carta especial para a Folha de S.Paulo dirigida a Caetano Veloso. Acho que essa carta coloca reflexões de grande relevância. E, aqui, eu gostaria, portanto, de citar essa carta, de mencioná-la e de lê-la da tribuna do Senado. Refiro-me à carta de Benjamin Moser escrita para Caetano Veloso, publicada em 9 de outubro último na Folha de São Paulo, em que se diz:

Caro Caetano,

Nos EUA, quando eu era menino, havia uma campanha para prevenir acidentes na estrada. O slogan rezava: “Amigos não deixam amigos bêbados dirigir”. Lembrei disso ao ler suas declarações e as de Paula Lavigne sobre biografias no Brasil. Fiquei tão chocado, que me sinto obrigado a lhe dizer: amigo, pelo amor de Deus, não dirija.

Nós nos conhecemos há muitos anos, desde que ajudei a editar seu “Verdade Tropical” nos EUA. Depois, você foi maravilhoso quando lancei no Brasil a minha biografia de Clarice Lispector, escrevendo artigos e ajudando com o alcance que só você possui. Admiro você, de todo o meu coração.

E é como amigo e também biógrafo que te escrevo hoje. Sei que você sabe da importância de biografias para a divulgação de obras e a preservação da memória; e sei que você sabe quão onerosos são os obstáculos à difusão da cultura brasileira dentro do próprio Brasil, sem falar do exterior.

Fico constrangido em dizer que achei as declarações suas e da Paula, exigindo censura prévia de biografias, escandalosas, indignas de uma pessoa que tanto tem dado para a cultura do Brasil. Para o bem dessa mesma cultura, preciso dizer por quê.

Primeiro, achei esquisitíssimo músicos dizerem que biógrafos querem ficar com “fortunas”. Caetano, como dizem no Brasil: fala sério. Ofereço o meu exemplo. A biografia de Clarice ficou nas listas de mais vendidos em todo o Brasil.

Mas, para chegar lá, o que foi preciso? Andei por cinco anos pela Ucrânia, pela Europa, pelos EUA, pesquisando nos arquivos e fazendo 257 entrevistas. Comprei centenas de livros. Visitei o Brasil 12 vezes.

Fiquei contente com as vendas, mas você acha que fiquei rico, depois de cinco anos de tais despesas?

Faça o cálculo. A única coisa que ganhei foi a satisfação de ver o meu trabalho ajudar a pôr Clarice Lispector no lugar que merece.

Tive várias vantagens desde o início. Tive o apoio da família da Clarice. Publico em língua inglesa, em outro país. Tenho a sorte de ter dinheiro próprio. Imagine quantos escritores no Brasil reúnem essas condições: ninguém.

Mas a minha maior vantagem foi simplesmente ignorância.

Não fazia ideia das condições em que trabalham escritores e jornalistas brasileiros. Não sabia quanto não se pode dizer, num clima de medo que lembra a época de Machado de Assis, em que nada podia ofender a ‘Corte’.

Aprendi, por exemplo, que era considerado ‘corajoso’ escrever uma coisa que todo no mundo no Brasil sabe há quase um século, que Mário de Andrade era gay. Aprendi que era até inusitado chamar uma cadeira de Sergio Bernardes de feia.

Aprendi o quanto ganham escritores, jornalistas e editores no Brasil, e quanto os seus empregos são inseguros, e como são amedrontados por ações jurídicas, como essas com que a Paula, tão bregamente, anda ameaçando.

É um tipo de censura que você talvez não reconheça por não ser a de sua época. Não obriga artistas a deixarem o país, não manda policiais aos teatros para bater nos atores. Mas que é censura, é. E muito mais eficaz do que a que existia na ditadura. Naquela época, as obras eram censuradas, mas existiam. Hoje, nem chegam a existir.

Você já parou para pensar em quantas biografias o Brasil não tem? Para só falarmos da área literária, as biografias de Mário de Andrade, de João Guimarães Rosa, de Cecília Meirelles, cadê? Onde é que ficou Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre? Você nunca se perguntou por que nunca foram feitas?

Eu queria fazer. Mas não vou. Porque o clima no Brasil, financeiro e jurídico, torna esses empreendimentos quase impossíveis. Quantos escritores brasileiros estão impedidos de escrever sobre a história do seu país, justamente por atitudes como as suas?

Por isso, também, essas declarações, de que o biógrafo faz isso só por amor ao lucro, ficam tão pouco elegantes na boca de Paula Lavigne. Toda a discussão fica em torno de nossas supostas ‘fortunas’.

Você sabe que no Brasil existem leis contra a difamação; que um biógrafo, quando cita uma obra ainda com ‘copyright’, tem obrigação de pagar para tal uso. Não é diferente de você cantar uma música de Roberto Carlos. Essas proteções já existem, podem ser melhoradas, talvez. Mas estamos falando de uma coisa bem diferente do que você está defendendo.

De qualquer forma, essas obsessões com ‘fortunas’ alheias fazem parte do Brasil do qual eu menos gosto.

Une a tradicional inveja do vizinho com a moderna ênfase em dinheiro que transformou um livro, um disco, uma pintura em ‘produto cultural’.

Não é questão de dinheiro, Caetano. A questão é: que tipo de país você quer deixar para os seus filhos? Minha biografia foi elogiosa, porque acredito na grandeza de Clarice. Mas liberdade de expressão não existe para proteger elogios. Disso, todo mundo gosta. A diferença entre o jornalismo e a propaganda é que o jornalismo é crítico. Não existe só para difundir as opiniões dos mais poderosos. E essa liberdade ou é absoluta, ou não existe.

Imagino, e compreendo, que você pense que está defendendo o direito dos artistas à vida privada. Mas quem vai julgar quem é artista, o que é vida privada e o que é vida pública, sobre quem, e sobre o que se pode escrever e sobre quem e sobre quem não? Você escreve em jornal, você, como o artista deve fazer, tem se metido no debate público. José Sarney, imortal da Academia Brasileira das Letras, escreve romances. Deve ser interditada também qualquer obra crítica sobre ele, sem autorização prévia?

Não pense, Caetano, que o seu passado de censurado e de exilado o proteja de você se converter em outra coisa. Lembre que o Sarney, quando foi eleito governador do Maranhão, chegou numa onda de aprovação da esquerda. Glauber Rocha, também amigo seu, foi lá filmar aquela nova aurora.

Não seja um velho coronel, Caetano. Volte para o lado do bem. Um abraçaço do seu amigo,

Benjamin Moser

            Benjamin Moser é autor de "Clarice" - Cosac Naify é a editora.

            Avalio que Benjamin Moser, num diálogo tão respeitoso e amigo de Caetano Veloso, contribui para que nós possamos pensar bem a respeito desse tema.

            Hoje, o jornal O Estado de S. Paulo, no Caderno 2, “Direto da fonte”, Sonia Racy, publica a entrevista da Ministra da Cultura, Marta Suplicy, em que ela fala do “Caminho para apoiar a liberdade de expressão, com multas mais vultosas”.

            “Posicionando-se sobre a polêmica das biografias, a Ministra indaga: ‘Kennedy, Marx, Picasso ou Marilyn seriam maiores se não soubéssemos de seus deslizes?”

            Eu quero aqui ler trechos dessa entrevista, porque eles contribuirão para a nossa reflexão a respeito da tramitação do projeto, que está para ser apreciado por nós, no Congresso Nacional, assim como também o próprio Supremo Tribunal Federal está para decidir a respeito desse assunto.

            Diz a entrevista de Marta Suplicy à Sonia Racy, no Estadão de hoje.

- Qual é a opinião do governo sobre o debate a respeito das biografias não autorizadas?

O governo não se posicionou. O Ministério da Cultura tem procurado as diferentes opiniões com interesse e respeito pela suscetibilidade que o assunto traz.

- E qual é a sua opinião?

Minha opinião vem se afunilando. No momento, caminha para o apoio à liberdade de expressão, com multas mais vultosas aos autores que infringirem a verdade e a imagem do biografado. Surge o problema complexo do que seja a verdade - que sempre pode ser entendida ou interpretada por vários ângulos. E, se for verdade, que nível de autoridade a pessoa tem sobre o que ela quer preservar de sua intimidade? Existe um problema mais fácil: quando o biógrafo falta com a verdade. O debate é saudável numa democracia, desde que não entremos em ofensas pessoais, absolutamente desnecessárias e criadoras de turbulência no processo. Marx, Kennedy, Picasso ou Marilyn seriam maiores se não soubéssemos de seus deslizes? Certas figuras são tão grandes que transcendem seus pecadilhos ou pequenezas.

- Concorda com a proposta de o biografado receber alguma porcentagem dos direitos autorais?

A ideia parece ser para inibir interesses comerciais, mas não creio que seja o melhor caminho.

- Cármen Lúcia marcou audiência pública para debater a questão. Mas Joaquim Barbosa já defendeu a publicação das biografias não autorizadas. Como o STF vai decidir o imbróglio?

Existe a possibilidade de a ministra Cármen Lúcia julgar a ação (proposta pela Associação Nacional dos Editores de Livros, questionando trecho do Código Civil que trata da honra e da vida privada das pessoas) antes de o Congresso se posicionar - o que será péssimo. Pois, mais uma vez, o Legislativo não cumprirá o seu papel e dever. É a judicialização da política.

            Quero aqui ressaltar que acho muito importante, Senador Aloysio Nunes, que possamos nós, no Congresso Nacional, ouvindo todas as opiniões, decidir a respeito, antes que o Supremo Tribunal Federal possa dar a sua opinião. 

            Outra pergunta:

- Como o discurso de Luiz Ruffato, a ausência de Paulo Coelho e as críticas à seleção dos escritores pela ausência de negros e aos R$18,9 milhões investidos na Feira de Frankfurt foram encarados pelo governo?

O Brasil entrou na fita. Não sei se da melhor maneira, mas certamente não como pensávamos. Segundo o presidente da Feira, Jürgen Boos, o Brasil deixou de ser um País colorido onde ninguém trabalha.

- Qual a sua avaliação após um ano à frente do MinC?

Quando entrei no Ministério da Cultura - que é gigantesco, com sete entidades coligadas e oito secretarias -, escolhi três prioridades. Primeiro: fazer andar os projetos estruturantes para a cultura que estavam parados no Congresso; depois, a inclusão social, uma marca de Dilma e Lula; e, por fim, a internacionalização da cultura brasileira.

- Sentia falta de metas no MinC? 

Não. É que entrei em um ministério enorme. Estão vinculadas ao MinC a Fundação Rui Barbosa, a Fundação Cultural Palmares, a Ancine, a Biblioteca Nacional.

(Soa a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Aqui, diversos outros temas estão sendo colocados.

            Eu vou pedir, Sr. Presidente, que a entrevista, então, seja transcrita na íntegra, porque considero uma opinião muito relevante, especialmente sobre esse tema.

            Quero aqui concordar com a Ministra Marta Suplicy no sentido de que, primeiro, é importante se preservar a liberdade de expressão, que se deve ter cuidados e punições, seja na forma de multas ou outras com respeito a quaisquer calúnias e inverdades que, porventura, possam ser colocadas. Acho que o biografado, certamente, tem que ter sempre o direito à sua verdade, a expressar e a colocar a verdade dos fatos.

            Vou aqui comentar que, ainda outro dia, acho que a Srª Astrid Fontenelle observou, num debate na GloboNews, que o livro Dirceu: a biografia contém muitos erros que acabaram prejudicando muito. Esse livro de Otávio Cabral, por exemplo, tem diversas citações a respeito da minha interação com José Dirceu de Oliveira e Silva - e eu não fui consultado - que não são precisas. Senti-me na responsabilidade e estou escrevendo um esclarecimento a Otávio Cabral, para dizer as coisas tais como efetivamente ocorreram na relação entre mim e José Dirceu, porque não estão, de maneira nenhuma, precisas.

            Mario Sergio Conti e outros já escreveram, inclusive na revista Piauí, sobre diversos erros na publicação daquele livro, que acabaram prejudicando o próprio sucesso de vendas.

            Quero, aqui, transmitir que, em princípio, sou a favor do direito de livre expressão, da liberdade de as pessoas poderem escrever sobre a vida dos outros, mas com os devidos cuidados para não se divulgar calúnias, mentiras e, sobretudo, coisas que possam ser ofensivas à pessoa do biografado.

            Quero também aqui registrar, Sr. Presidente, a palavra de Luiz Schwarcz, que é o Editor da Companhia das Letras:

Falei recentemente com o Chico Buarque sobre o assunto das biografias mais de uma vez. Como ele agora escreveu publicamente, utilizando-se de exemplos sensíveis à história da Companhia das Letras, ‘condenada’ a pagar uma larga soma de indenização à família de Garrincha, preciso vir a público esclarecer minha posição e contar, pela primeira vez, minha versão de toda esta história.

Quando o livro Estrela solitária estava para ser publicado, uma matéria foi veiculada no Fantástico chamando a atenção para o livro. As filhas do Garrincha, que não haviam se manifestado até então, me procuraram, através de um advogado, e, sem ler uma página sequer do livro, demandaram pagamento de direitos e ameaçaram com um pedido de indenização.

O representante da família, a essas alturas, não falava em ‘imagem denegrida’, mas em ‘ajudar o Natal das meninas’. Como não aceitamos nenhum acordo - por julgarmos que a biografia enaltecia o jogador como o melhor de todos os tempos e tratava do alcoolismo, conhecido por todos, de maneira absolutamente ética -, seguimos em frente com a publicação. A partir daí fomos processados, com a família exigindo, ao mesmo tempo, o pagamento de direitos autorais - como se a vida de um antepassado pertencesse a seus herdeiros - e reclamando da imagem do jogador supostamente denegrida pelo livro, de cujos rendimentos gostariam de participar.

A partir daí, uma longa e custosa história se instaurou e, em segunda instância, o Estrela Solitária foi retirado de circulação, sem que todas as etapas do julgamento estivessem concluídas -- situação que só a nossa lei permite. Assim como permite que um juiz ameace "quebrar" uma editora, ao ter amplos poderes para arbitrar a indenização. A biografia de Garrincha só voltou a circular mediante um volumoso acordo, e sem nenhuma condenação. Com o pagamento realizado, nem a capa ou muito menos o conteúdo voltou a preocupar as herdeiras. O fato é que a atual lei brasileira permite, singularmente, que se instaure um balcão de negócios, arbitrariedades e malversações.

Sei que Chico discorda da capa que escolhi pessoalmente para o livro do Ruy Castro. Estrela solitária termina com o triste fim do jogador, isolado e alcoólatra. Julguei que não devia, como editor, publicar um livro com tal força dramática, colocando Garrincha com as mãos erguidas junto às pombas da Praça de Milão, foto que, aliás, teria sido a escolhida pelo autor. Aceito o julgamento público, confiante de que segui critérios editoriais corretos. O oposto significaria fugir da história para proteger a imagem de um ídolo nacional.

Pela lei vigente, os herdeiros se transformam em historiadores, editores e, desculpe-me, censores, sim. A foto que utilizamos foi retirada de arquivos públicos e, se não me falha a memória, havia sido previamente publicada em jornal. Existia uma muito pior para o Garrincha: capa de um jornal importante, com o ídolo desfilando no Carnaval, em carro alegórico, completamente entregue ao álcool. A família na época permitiu o desfile e a aparição do jogador na avenida. De quem é a culpa, então?

Quem ajuda a moldar a vida e a cultura de um país, seja no futebol, na música ou na política, tem, desde sempre, menor controle de sua vida pública. Sempre foi assim, de Cleópatra a Maria Callas, passando por Getúlio Vargas e pelos ídolos do iê-iê-iê. A defesa da privacidade no mundo contemporâneo deveria nos unir, mas o custo que a lei brasileira cobra é inaceitável, é muito pior.

Espero que um dia escritor e editor se juntem na defesa das duas causas: a da liberdade de expressão necessária para a nossa profissão, e a da privacidade possível no mundo atual. O "Procure saber" escolheu o vilão errado e ofendeu os profissionais do livro ao defender a permissão apenas da publicação gratuita dos livros pela Internet, apresentando editores e escritores como argentários e pilantras profissionais. Além do Chico Buarque, Gil e Caetano foram publicados com muita honra pela Companhia das Letras e me conhecem bem.

Agora, que o pagamento à família de Garrincha justificado pela fragilidade das leis brasileiras de defesa da liberdade de expressão foi indevido, sem dúvida nenhuma foi. E que divergências não abalam amizades como as que tenho com Chico Buarque e Caetano Veloso, é certeza e nunca esteve em discussão”.

            Assim conclui Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras e autor de Linguagem de Sinais, entre outros

            Agradeço a V. Exª a tolerância.

            Acho que são opiniões muito interessantes que vão enriquecer a nossa reflexão, Presidente Mozarildo Cavalcanti, sobre esse assunto tão palpitante.

            Aqui reitero a importância de nós, no Congresso Nacional, acelerarmos a votação desse tema e, se possível, antes mesmo de o Supremo Tribunal decidir a respeito, porque até terão melhores dados e a decisão tomada pelo Congresso Nacional a respeito do assunto.

            Muito obrigado.

 

DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

Matérias referidas:

- Entrevista da Ministra Marta Suplicy ao jornal O Estado de S. Paulo, de título “Caminho para apoiar a liberdade de expressão, com multas mais vultosas”;

- Anexos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/2013 - Página 74471