Discurso durante a 156ª Sessão Especial, no Senado Federal

Celebração dos setenta anos de criação do Território Federal do Amapá.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Celebração dos setenta anos de criação do Território Federal do Amapá.
Publicação
Publicação no DSF de 17/09/2013 - Página 63518
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, SENADOR, AUTORIDADE, PRESENÇA, SESSÃO ESPECIAL, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, TERRITORIO, ESTADO DO AMAPA (AP), COMENTARIO, ATUAÇÃO, ORADOR, TRABALHO, CRIAÇÃO, INFRAESTRUTURA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, AUTORIA.

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco Maioria/PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente do Senado Federal, nosso ilustre colega Renan Calheiros; Exmas Srªs Senadoras e Srs. Senadores; Senador Randolfe Rodrigues, que foi o primeiro signatário deste requerimento e que me convidou para, conjuntamente com ele, promovermos esta sessão, Randolfe Rodrigues que é um político de tantas virtudes, um jovem de tantos talentos; e Sr. Representante do Governador do Amapá, Sr. Davi Evangelista; ilustre Procuradora de Justiça do Estado do Amapá, a Exma Drª Ivana Cei; Procurador-Geral do Estado do Amapá, Sr. Luiz Carlos Starling, meus senhores e minhas senhoras, há 54 dias eu estava ausente desta Casa, licenciado por motivo de doença e fiz um certo esforço para estar hoje aqui e reassumir o meu mandato nesta sessão, porque achei que era do meu dever, da minha satisfação não estar ausente num momento em que nós do Amapá e do povo brasileiro de uma maneira geral nos juntamos para comemorar essa data tão significativa, que é a data em que foi constituído o Território do Amapá.

            A história do Amapá é muito rica e vem através de degraus se consolidando, até que hoje o Estado representa uma das maiores e mais importantes unidades nacionais do Brasil. Sendo assim, é um dia de grande alegria para todos nós. Eu não poderia deixar de juntar-me a essa alegria e ninguém compreenderia, nem eu mesmo, que eu não estivesse aqui presente.

            O futuro levou-me, quando eu já pensava em me dedicar totalmente à literatura, a chegar ao Amapá. E a vontade de seu povo me trouxe de volta a esta Casa, o Senado.

            E assim, o Amapá que era um novo Estado criado em 1988, quando eu era Presidente da República, passou a ter, na sua representação, também um ex-Presidente da República. Ele seguiu o exemplo de São Paulo, que aqui teve também o Presidente Rodrigues Alves, que depois de ser Presidente veio para o Senado Federal; o Rio de Janeiro, com Nilo Peçanha, que também incorporou-se ao Senado; o Rio Grande do Sul, com Getúlio Vargas; Goiás, com Juscelino Kubitschek; depois somaram-se a esses Minas Gerais, quando aqui tivemos a presença que até hoje nos causa imensa falta do Presidente Itamar Franco; e temos também a presença do ex-Presidente Fernando Collor.

            Assim, eu me ligava mais profundamente ao Amapá, uma vez que sou daquela região, uma região na qual eu nasci e que era constituída pelo Estado do Brasil, pelo Estado do Maranhão e do Grão-Pará, do qual o Amapá fazia parte. Portanto, sou conhecedor profundo -- já que sempre gostei de história -- de toda a saga daquela região e de quanto o Brasil lutou para aqui defender a Amazônia e, ao mesmo tempo, para que a margem esquerda do Rio Amazonas fosse brasileira, como é hoje.

            E liguei-me ao Amapá, procurando trabalhar pela sua infraestutura, ao longo desses anos todos, de maneira que para lá nós conseguimos que fosse uma área de livre comércio. No Amapá, há também uma zona franca de matérias-primas locais, chamada Zona Franca Verde, que vai, naturalmente, daqui para frente, ser uma potencialidade, crescer, transformar-se também num novo e grande polo industrial da Amazônia.

            E também quero ressaltar um fato que acontece neste ano, um fato próprio do povo brasileiro, só possível de ser feito num país como o Brasil, que é a chegada a Macapá -- está chegando também a Manaus -- do Linhão de Tucuruí, integrando todo o sistema elétrico nacional num só conjunto, num só sistema. Isso é importante porque é uma obra extraordinária. Eu a considero tão importante quanto aquela que determinou o Presidente Juscelino ao fazer a Belém-Brasília. É uma obra que rasga a floresta com torres de transmissão atravessando o Rio Amazonas. Para que se tenha uma ideia do que significa essa obra, ela foi feita acima da floresta, preservando a mata, para que, de modo algum, pudesse interferir no meio ambiente. E há três torres na travessia do Rio Amazonas: duas delas com 295m de altura -- são torres gigantescas -- e uma menor de 200m de altura.

            Eu me recordo de que foi uma luta grande que tivemos porque eu lutei muito por isso. Já como Presidente da República, determinei os primeiros estudos na Eletronorte para a ligação do sistema elétrico de Tucuruí com o sistema elétrico do resto do Brasil.

            Tanto o Amapá como o Amazonas tinham sistemas elétricos isolados, e esses estudos vinham daquele tempo. Com a Presidente Dilma Rousseff -- ela era Ministra de Minas e Energia --, eu então retomei essa batalha e consegui, àquela época, que ela autorizasse, determinasse a criação dessa linha de transmissão, uma linha que atravessa aquelas florestas imensas. É uma epopeia o que foi feito, e quase não se tem conhecimento disso no Brasil.

            Pois este ano, nos 70 anos, Senador Randolfe Rodrigues, até o fim do ano, vamos ter a ligação do Amapá com a linha de Tucuruí, integrando todo o Estado ao sistema elétrico nacional. Isso significa a possibilidade de energia abundante para que se possa, então, concretizar esse sonho de um polo industrial.

            Eu me recordo de que uma das discussões daquele tempo foi que queriam fazer a linha pela margem direita do Rio Amazonas para alcançar aquelas cidades. E tive a oportunidade de, com o Dr. José Antonio Muniz, que era então presidente da Eletronorte, lutar para que o projeto fosse feito ali, atravessando o Amazonas, e fosse pela margem esquerda, para que Macapá pudesse ser beneficiada pela linha de Tucuruí. E a Presidente Dilma Rousseff, que era Ministra de Minas e Energia, nos deu uma decisão extraordinária, de que fosse feito o projeto pela margem esquerda do rio Amazonas. Então, temos essa travessia, e, com isso, podemos fazer o linhão até Macapá.

            E, neste ano, teremos a oportunidade de comemorar esses 70 anos com essa obra extraordinária, essa obra fascinante, que acho que, no mundo inteiro, só podia ser feita com a audácia do brasileiro e com a coragem da hoje Presidente da República, quando deu a determinação para que se fizesse essa obra, que foi feita em um prazo muito pequeno.

            Eu também quis ligar-me ao Amapá não somente pela política, pelos trabalhos, pela criação da Universidade do Amapá, que fiz, pela criação dos Municípios quando eu era Presidente -- Santana, Tartarugalzinho, Pracuúba, Calçoene -- enfim, Municípios que foram criados durante o meu governo, mas eu quis me ligar também por outra faceta da minha vida que é a faceta do intelectual, e assim escrevi uma história do Amapá. Levei alguns anos fazendo pesquisas sobre isso, e publicamos o livro Amapá: a terra onde o Brasil começa, que já está na 3ª edição. Hoje, não só os historiadores têm uma fonte em que podem colher todas as informações sobre a história do Amapá, como também as escolas. Já na 3ª edição, essa é hoje uma contribuição que dei também à minha ligação pelo lado intelectual.

            E não só satisfeito em fazer isso, também escrevi um romance que foi Saraminda, que liga a paisagem do Amapá à literatura brasileira, porque poucas heroínas negras há na literatura brasileira. Lembro-me de Tereza Batista cansada de guerra, do Jorge Amado, e Saraminda. Para satisfação minha também, quando saía de casa, recebi o primeiro exemplar da tradução em alemão, na Feira de Frankfurt, desse livro, que já está traduzido em cinco línguas e que também retrata a saga do Amapá. É uma contribuição que deixo para a literatura brasileira.

            Sr. Presidente, vou pedir que V. Exª mande transcrever, nos Anais da Casa, este discurso que eu havia feito, porque acho que não é prudente de minha parte fazer toda a sua leitura.

            Queria terminar apenas com uma declaração de amor ao Amapá, dizendo que, por mais de quatro séculos, o Amapá ocupa um região estratégica do Brasil, em pé de igualdade com os demais Estados. E não poderia deixar de falar das belezas e das riquezas do Amapá.

            Quero abandonar a parte histórica -- sei que o Senador Randolfe vai falar sobre o assunto, assim como outros oradores -- e quero justamente dizer que o Amapá é um dos Estados mais bonitos do Brasil, um dos mais belos que nós temos no País. O vale do Aporema, os campos do Curiaú, a região dos lagos, lugares que são mais bonitos do que o Pantanal. Muitas vezes, vejo, no Brasil e no mundo inteiro, falar-se sobre o Pantanal. Ainda somos uma área esquecida, mas temos, no Amapá, uma região mais bonita do que a região do Pantanal.

            Outrora, dizia La Condamine -- ele foi de barco naquela expedição, foi ainda de canoa -- se navegava de lago em lago; hoje, evidentemente, já não há mais isso, porque há assoreamento, é diferente.

            São planícies, são campos, são selvas. São rios que serpenteiam entre barrancas e pássaros. São os imensos vales. Depois do Jari, vêm os do Cajari, do Maracá, do Preto, onde se formam grandes baixadas sobrevoadas por nuvens de garças, jaçanãs, patos, marrecas e todos os pássaros amazônicos. Aí, nos seus confins, a natureza muda. Dos campos, começa a selva virgem.

            O maior parque mundial que nós temos, hoje, de preservação é justamente o Parque do Tumucumaque, em que há reservas imensas de diversidade de fauna e de flora, uma beleza! Um dos sonhos que tive foi fazer um grande museu do Tumucumaque, na capital, Macapá, que fosse referência mundial.

            O arquiteto Lelé, que, depois do Niemeyer, foi quem fez os grandes prédios de Brasília, como o do Sarah, aquelas obras monumentais que temos no Lago Norte, fez o projeto também desse museu, que, em algum dia, será realizado. Nós não pudemos fazê-lo. Às vezes, conseguimos recursos, mas, existem as dificuldades que conhecemos. Mas a ideia está colocada e, quando se coloca uma boa ideia, ela não morre; ela floresce, cresce e dá frutos.

            Dos campos, como eu disse, começa a selva virgem, compacta, impenetrável, subindo os primeiros elevados, e, sem limites visíveis, ela se estende além do Tumucumaque, onde ainda não se sabe o que é a Guiana, o Suriname e o Brasil.

            Parece que ali, o mistério do homem ainda existe no verde, apenas quebrado pelas cores roxas, brancas e amarelas, em copas imensas, que mostram a morada da andiroba, do pau d'arco, da ucuuba, das castanheiras, do angico, da aquariquara, do acapu, da cuiuba, da acaporana, da acacaúba, da maçaranduba, do pau amarelo e de tantas essências que existem naquela região.

            Mais para a costa atlântica, a mata vai desaparecendo, e o paraíso vai surgindo. É o arquipélago do Bailique, com suas ilhas em roda, do Curuá, do Marinheiro. Acima, o Araguari, com os campos do Aporema, o Tartarugal e seu afluente, o Tartarugalzinho, que desaguam no Duas Bocas, o Eusébio e tantos outros.

            Tudo é água e terra. É o primeiro dia da Criação, a terra se separando das águas.

            Vem, mais acima, uma das mais belas regiões da face da terra, diferente e bela, onde os campos estão no céu, misturados ao horizonte: é a região dos lagos. O Comprido, o Lago Novo, o Duas Bocas. São baixadas e alagados: Reserva do Piratuba, o Calçoene, o Amapá Grande, o Cunani, o Cassiporé, o Parque Nacional do Cabo Orange. É um mundão de águas, em rios e lagos. São campos em flores, são nuvens de pássaros, são peixes de todas as espécies, terreno do tucunaré, do pirarucu, do dourado, do filhote, do apaiari, do gurijuba, do trairão, do trairuçu, do acará.

            E aí surge, como símbolo do Estado, a sua capital, Macapá. Simples, como uma bela moça morena dos tucujús, espraia-se, plana, vigiando dia e noite o desaguar desse lado do Amazonas. Ela tem os ventos que vêm do grande mar oceano, brisa que lhe acaricia o corpo e os cabelos compridos. Macapá, moça morena de lábios de sol e olhos de chuva. É a capital dos vastos territórios que daqui só terminam nas barrancas do Oiapoque, passando por rios, lagos, campos, florestas, chapadas, riachos e montanhas.

            A paisagem humana de sua gente, no seu falar cantado, descendo e subindo sempre nos barcos, rio vai e rio vem, em demanda das ilhas ou dos pequenos portos, povo ribeirinho que passa o tempo navegando.

            Amapá, misto de ternura e bondade, gente boa, raça forte.

            Felicidades ao povo amapaense e à sua história. (Palmas.)

 

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR JOSÉ SARNEY

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco Maioria/PMDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) -

70 ANOS DA FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO FEDERAL DO AMAPÁ

            O destino levou-me, quando já pensava em me dedicar às memórias, ao Amapá. E a vontade de seu povo me trouxe de volta a esta casa, para representá-lo.

            Assim o Amapá, um novo Estado, passou a ter em sua representação um ex-Presidente da República. Seguiu o exemplo de São Paulo, com Rodrigues Alves; do Rio de Janeiro, com Nilo Peçanha; do Rio Grande do Sul, com Getúlio Vargas; de Goiás, com Juscelino Kubitscheck. Depois se somaram a esses Minas Gerais, com Itamar Franco, e Alagoas, com Fernando Collor.

            A confiança que recebi do povo do Amapá tem fortes fundamentos. Como Presidente da República, além dos novos municípios -- Santana, Tartarugalzinho, Ferreira Gomes e Laranjal do Jari --, criei também a Universidade Federal do Amapá, instrumento fundamental para o desenvolvimento da região.

            Como Senador, além do trabalho permanente em defesa de nossas causas a que dedico os meus dias, tive a oportunidade de dar algumas contribuições fundamentais ao Estado. Destaco algumas. Foi com a então Ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff, e com o Presidente da Eletrobrás, Silas Rondeau, que consegui assegurar a realização do linhão de Tucuruí, ligando a margem esquerda do Amazonas, solução definitiva para os graves problemas de energia. Intervi também na construção da hidrelétrica de Santo Antônio, que pode nos tornar exportadores de energia. Ainda na área de infraestrutura também contribuí para que se concretizasse a ligação rodoviária com a Guiana Francesa, diversas outras pontes, recursos para asfaltamento de vários trechos da BR 156, a urbanização da Orla de Macapá, o pátio de containers no Porto de Santana, a criação do Aeroporto Internacional de Macapá.

            Foram de minha autoria também a proposta da criação da Área de Livre Comércio de Macapá-Santana e, mais tarde, a da Zona Franca Verde do Amapá. São elementos que criaram novas perspectivas e que representam a porta para o futuro do Estado. Eu consegui também trazer para o Amapá a Rede Sarah, com a instalação de seu hospital para tratamento de problemas de locomoção, que atende, sobretudo, aos casos de lesões neurológicas graves. A Lei 11.949/2009 transferiu as terras devolutas da União para o Estado do Amapá.

            Quis também me ligar ao Amapá pela literatura, e escrevi duas obras que trouxeram contribuição ao Estado. Escrevi Saraminda um dos raros livros que têm como heroína uma negra, e que conta a saga dos pioneiros que garimpavam na região contestada entre o Brasil e a França. Saraminda foi traduzida em cinco línguas, e está saindo agora em alemão, na Feira do Livro de Frankfurt. Em francês recebeu duas edições, uma delas nos pocket books Folio, da Gallimard, uma das mais prestigiadas coleções literárias do mundo. Escrevi também Amapá, a terra onde o Brasil começa, o primeiro estudo completo da história do Estado desde suas origens até o nosso tempo. É uma obra de referência que fazia falta e que traz algumas revelações, como detalhes do cuidadoso trabalho que o Barão do Rio Branco fez para defender a posição brasileira diante da Confederação Helvética, utilizando todos os recursos possíveis, dos ortodoxos aos heterodoxos.

            O Amapá, para mim, não era uma região estranha. Nascido no Maranhão, sabia que constituía o Amapá parte desta vasta região que, nos começos do Brasil, era toda a Amazônia -- o Estado do Maranhão e Grão-Pará. Mais tarde separados Maranhão e Pará; depois, separada a Província do Rio Negro ou Amazonas; depois, do Maranhão saiu o Piauí. Do Pará desmembrou-se em 1942 o Território do Amapá, agora Estado. É uma só região geográfica. As mesmas etnias, os mesmos problemas, as mesmas esperanças. Uma convivência permanente do homem com a natureza.

            A história do Amapá é uma epopéia que vem desde o século XVI. Os navegantes e exploradores deixaram sua marca na disputa do que seriam as Terras do Cabo Norte, sedimentadas por Bento Maciel Parente mas cuja posse seria contestada pela França até a inauguração do século XX. E uma história cheia de grandes momentos e terríveis tragédias, em que se destaca a figura-símbolo do Cabralzinho, Francisco Xavier Veiga Cabral, que, pelo seu heroísmo, foi dado a ele o título de General Honorário do Exército Brasileiro.

            De longe, um homem, com sua combinação de inteligência e capacidade de trabalho, realiza a transformação da guerra em fronteira sólida: o Barão do Rio Branco, que consegue o Laudo Suíço, o documento em que a Confederação Helvética reconhece como Brasil a terra ao sul do Oiapoque, em 1o de dezembro de 1900.

            Pouco tempo depois, a 25 de fevereiro de 1901, um decreto legislativo do governo Campos Sales - então Presidente da República - incorporava o território contestado ao estado do Pará.

            Mas desde 21 de janeiro o governador Paes de Carvalho decretara:

            "O Governador do Estado, tendo em vista a deliberação pela qual o Governo Federal o autoriza a tomar posse do território que se achava em litígio entre o Brasil e a França, de acordo com a solução dada pelo laudo do Conselho Federal Suíço, a cujo arbitramento havia sido submetida a questão, em virtude de comum acordo dos países, firmado no tratado de 20 de abril de 1897,

            Decreta:

            Art. 1º Fica incorporado ao Estado o território compreendido entre a margem esquerda do rio Araguari e a direita do Oiapoque, com os demais limites que lhe foram determinados pelo laudo de Berna."

            Para o território, que recebeu o nome de Aricari, foi enviado Egydio Leão de Salles. Em fevereiro o representante do Pará vai ao Calçoene, onde as bandeiras estrangeiras são amadas. Em reunião das lideranças da cidade passa revista às tropas e refaz o seu discurso.

            Em 22 de dezembro de 1901, depois de longo debate sobre a estrutura administrativa do Território, foram criados dois municípios: Amapá, com sede na cidade de Amapá, e Montenegro, com sede em Calçoene. A artificialidade da criação destes municípios - eles não atingiam, juntos, a população de 10 mil habitantes, levou a sua fusão a 14 de outubro de 1903, com o nome de Montenegro (que vinha do governador do Pará, Augusto Montenegro) e sede em Amapá. Enquanto isto, no sul, Macapá e Mazagao, municípios do Pará, tinham destinos diferentes: enquanto Macapá se consolidava como o centro da região, apesar do quadro geral de estagnação econômica, Mazagão era completamente abandonada. Grande parte de sua população se transferiu para a Vila Nova de Aneurapucu, que em 1915 se tornou sede do município com o nome de Mazaganópolis.

            A fronteira não podia ficar inteiramente abandonada. Em 1907 a Colônia Militar D. Pedro II foi transferida do Araguari para o Oiapoque. Mas era um gesto quase simbólico. A região já não era objeto de real interesse estrangeiro, e não havia necessidade de defesa efetiva. Os movimentos militares e econômicos se passavam somente na fantasia dos aventureiros, como Brézet, que sustentava em Paris a existência de um país independente, o Counani.

            Mas alguns paraenses se preocupavam com a ocupação efetiva. O senador Justo Chermont conseguiu, em 1919, instituir uma Comissão Colonizadora do Oiapoque. Em abril de 1920 o engenheiro Gentil Norberto, cabeça da comissão, partiu para o rio Oiapoque. Em Santo Antônio do Oiapoque (diante de Saint Georges, a sede do cantão francês) encontraram o resto da colônia militar: um cabo e quatro soldados. Pouco adiante formara-se uma localidade, Martínica, com 6 moradores. Dois quilômetros acima resolvem se instalar.

            Seguindo um modelo que já fora testado por todo o Brasil, construiu-se o Centro Agrícola de Cleveland, Clevelândia, dando-se o nome em homenagem ao presidente norte-americano. A 5 de maio de 1922 inaugurou-se a vila, já estando em funcionamento escola e hospital. Entre os futuros colonos e construtores destacavam-se os fugidos da grande seca de 1920 no Ceará. Mas a natureza de Clevelândia mudaria rapidamente. Os pronunciamentos militares contra a política da primeira república aumentaram tremendamente a demanda de espaço nos presídios nacionais. Sem a truculência da bagne francesa, da terrível ilha do Diabo, optou-se por solução semelhante: o desterro de prisioneiros para os confins do território. Assim chegaram 250 presos em dezembro de 1924; mais 120 em janeiro de 1925; e em meados do ano 577. Além dos enormes problemas de convivência, do problema físico de alojamento, um maior abalou a cidade: uma epidemia de febre desintérica.

            A combinação destes problemas com o fim do boom da borracha e com a diminuição da imigração nordestina resultou, ainda uma vez, em progressiva decadência. O quadro era triste em 1927, quando Rondon passou por lá:

            "Levo impressão tudo já está feito, sendo clima estável e regular. Palúdicos existentes foram trazidos dos seringais, população localizada goza saúde. Convém insistir fixar trabalhadores nesta fronteira, evitar se perca tantos esforços e dinheiro despendidos. Sem tenaz persistência não se alcançará a vitória.

            Vemos assim que as lutas que construíram o Amapá são antigas e se repetem ao longo do tempo, com a presença de grandes brasileiros, como Rondon.

            A situação precisava evoluir. É assim que, a 13 de setembro de 1943, pelo Decreto-Lei n° 5 812, foi criado o Território Federal do Amapá. Limitava-se pelo Atlântico, pelo Amazonas, pelas fronteiras com as Guianas Francesa e Holandesa, e pelo Jari. Era, de certa maneira, a recuperação da antiga Capitania do Cabo do Norte. Dividia-se em três Municípios: Amapá, Macapá e Mazagão. A capital era Amapá.

            Janary Nunes, nascido em 1o de junho de 1912 em Alenquer, no Pará. Com a criação dos Territórios Federais, o Presidente Vargas, através do Decreto-Lei n° 3.839, de 21 de setembro de 1943, nomeou para o cargo de Governador do Território do Amapá o Capitão Janary Gentil Nunes, que ali realizou uma obra fundadora e extraordinária.

            O novo Governador fez um trabalho fantástico e fíxou-se como uma figura maior dessa unidade federativa que hoje é um Estado, onde, como eu disse, ele é hoje um símbolo recordado, admirado e não esquecido, mesmo com o passar do tempo.

            A posse de Janary Nunes, no dia 20 de janeiro de 1944, foi a transferência ao novo Território do que eram antes Municípios do Pará. Janary governou o Amapá por doze anos, entre 1944 e 1956. No seu período de governo, o Território se consolidou, superando os antigos problemas de fronteira.

            Logo houve a primeira mudança: a capital instalou-se em Macapá. Em seguida, acrescentou-se o Município do Oiapoque, com sede na cidade do Espírito Santo. Bem mais tarde, em 1956, foi a vez do Município de Calçoene.

            Novos municípios -- Santana, Tartarugalzinho, Ferreira Gomes e Laranjal do Jari --, como já disse, foram criados por mim quando Presidente da República, em 1987.

            A Constituinte de 1988 transformou o Território em Estado. Em 1991 foi promulgada a Constituição do Estado do Amapá. Ela mandou fazer plebiscitos em 22 localidades, para formação de novos municípios, mas só seis foram criados: Amapari, Serra do Navio, Cutias, Porto Grande, Itaubal e Pracuúba.

            Hoje o Estado do Amapá é uma realidade que se afirma a cada dia. Mas a sua passagem pela categoria de Território, incorporando as terras contestadas com os municípios do Pará que compunham a antiga Capitania do Cabo Norte, dando-lhe a configuração definitiva, é um marco fundamental de sua história.

            Fixado em mais de quatro séculos como parte estratégica do Brasil, o Amapá se fez por seus homens, optando, quando foi pressionado pela França, por ser brasileiro, e esta idéia é a força que conduz o antigo Território, agora Estado, em pé de igualdade com os demais Estados brasileiros.

            Não posso deixar de falar nas belezas e nas riquezas do Amapá. Este é um dos estados mais belos do Brasil. O vale do Aporema, os campos do Curíaú, a região dos lagos, lugares que são mais belos que o Pantanal. Outrora, dizia La Condamine, se navegava de lago em lago, ao longo da costa.

            São planícies, são campos, são selvas. São rios, que serpenteiam entre barrancas e pássaros. São os imensos vales. Depois do Jari, vêm os do Cajari, Maracá, Preto, onde se formam grandes baixadas sobrevoadas por nuvens de garças, jaçanãs, patos, marrecas e todos os pássaros amazônicos. Aí, nos seus confins, a natureza muda. Dos campos começa a selva virgem, compacta, impenetrável, subindo os primeiros elevados e sem limites visíveis ela se estende além do Tumucumaque onde ainda não se sabe o que é a Guiana, o Suriname e o Brasil. Parece que ali, o mistério do homem ainda existe no verde, apenas quebrado pelas cores roxas, brancas e amarelas, em copas imensas, que mostram a morada da andiroba, do pau d'arco, da ucuuba, das castanheiras, do angico, da aquariquara, do acapu, da cuiuba, da acaporana, da acacaúba, da maçaranduba, do pau amarelo e de tantas essências.

            Mais para a costa atlântica a mata vai desaparecendo e o paraíso vai surgindo. É o arquipélago do Bailique, com suas ilhas em roda, do Curuá, do Marinheiro. Acima, o Araguari, com os campos do Aporema, o Tartarugal e seu afluente, o Tartarugalzinho, que desaguam no Duas Bocas, o Eusébio e tantos outros.

            Tudo é água e terra. E o primeiro dia da Criação, a terra se separando das águas.

            Vem, mais acima, uma das mais belas regiões da face da terra, diferente e bela, onde os campos estão no céu, misturados ao horizonte: é a região dos lagos. O Comprido, o Lago Novo, o Duas Bocas. São baixadas e alagados: Reserva do Piratuba, o Calçoene, o Amapá Grande, o Cunani, o Cassiporé, o Parque Nacional do Cabo Orange. É um mundão de águas, em rios e lagos. São campos em flores, são nuvens de pássaros, são peixes de todas as espécies, terreno do tucunaré, do pirarucu, do dourado, do filhote, do apaiari, do gurijuba, do trairão, do trairuçu, do acará…

            E aí surge, como símbolo do Estado sua capital, Macapá. Simples como uma bela moça morena dos tucujús, espraia-se, plana, vigiando dia e noite o desaguar deste lado do Amazonas. Ela tem os ventos que vêm do grande mar oceano, brisa que lhe acaricia o corpo e os cabelos compridos. Macapá, moça morena de lábios de sol e olhos de chuva. E a capital dos vastos territórios que daqui só terminam nas barrancas do Oiapoque, passando por rios, lagos, campos, florestas, chapadas, riachos e montanhas.

            A paisagem humana de sua gente, no seu falar cantado, descendo e subindo sempre nos barcos, rio vai e rio vem, em demanda das ilhas ou dos pequenos portos, povo ribeirinho que passa o tempo navegando.

            Amapá, misto de ternura e bondade, gente boa, raça forte.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/09/2013 - Página 63518