Discurso durante a 157ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Lembrança do transcurso de quarenta anos do golpe que instituiu o regime militar no Chile.

Autor
Ana Rita (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Ana Rita Esgario
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Lembrança do transcurso de quarenta anos do golpe que instituiu o regime militar no Chile.
Publicação
Publicação no DSF de 17/09/2013 - Página 63623
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO, GOLPE DE ESTADO, AUTORIA, EXERCITO, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, COMENTARIO, HISTORIA, DITADURA, LUTA, PAIS, DEMOCRACIA.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, venho a esta tribuna relembrar um dos episódios mais marcantes da história recente da América Latina: os 40 anos do golpe militar no Chile e da morte de um dos maiores ícones da esquerda latino-americana, o eterno Presidente Salvador Allende.

            Aquele fatídico 11 de setembro de 1973 jamais poderá ser esquecido pela esquerda latina e mundial, quando um violento golpe perpetrado pelos militares derrubou uma das primeiras experiências eleitorais de socialismo no mundo, a chamada via chilena ao socialismo e o Presidente Allende, conduzindo ao poder um dos mais sangrentos ditadores que o continente conheceu, Augusto Pinochet.

            O golpe interrompeu um rico processo de mudanças estruturais que o país vinha atravessando desde que Allende, da Unidade Popular, foi eleito democraticamente em 1970.

            Em um contexto de uma profunda crise, a Unidade Popular iniciou o processo de transição eleitoral e gradual ao socialismo. Em apenas três anos de mandato, reformas contundentes foram realizadas no país.

            Medidas importantes foram tomadas, dentre as quais menciono a nacionalização de setores estratégicos da economia, com destaque para a transferência do controle das minas de carvão, de cobre e dos serviços de telefonia da iniciativa privada para o Estado, o aumento de salários dos trabalhadores, dentre diversas outras.

            Esse período gerou profundas transformações na sociedade chilena, com participação efetiva da classe trabalhadora e do campesinato. Em resposta às tentativas de paralisação do país, de sabotagens na produção por parte da elite oposicionista, o operariado urbano e rural promoveu um enorme processo de mobilização e ocupação de usinas, fábricas e latifúndios.

            O povo passou a encontrar-se consigo mesmo, a exemplo dos camponeses do sul, de raízes mapuches, que reconquistaram seu território perdido para os colonizadores e, a seguir, para os latifundiários chilenos.

            Na cidade não foi diferente, com os sem-teto ocupando terrenos urbanos para construir suas moradias, assim como os trabalhadores que dirigiam coletivamente a produção de fábricas fechadas ou sabotadas pelos proprietários, o que levou ao surgimento de conselhos operários em diversas fábricas ocupadas em todo o território.

            É evidente que todo esse cenário político e social passou a incomodar profundamente a elite do país, as grandes empresas, especialmente as multinacionais, e também o governo dos Estados Unidos, que já amargava o processo revolucionário armado em Cuba, e a presença de mais um governo de orientação socialista na América do Sul soava como uma afronta e ameaça, mesmo este governo tendo sido escolhido por uma eleição profundamente democrática.

            Não é demais registrar que os Estados Unidos estiveram por trás de praticamente todos os governos militares que tomaram à força o poder na América Latina entre as décadas de 60 e 80, entre os quais, incluem-se Brasil, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador e Uruguai.

            Por óbvio que o golpe no Chile visava a muito mais que pôr fim a um governo popular e democrático. A violência e a repressão foram necessárias para sufocar e esmagar a autonomia que pouco a pouco vinha sendo conquistada pelos trabalhadores diante de uma sociedade historicamente injusta e desigual. Muito mais que derrubar Allende, o golpe significou a destruição de uma belíssima experiência popular vivida, de maneira intensa, durante o governo da Unidade Popular, que não poderia, em hipótese alguma, se alastrar para outras nações do nosso continente.

            O caminho aberto pela repressão e pela arbitrária violência cometida contra todos aqueles que ousavam se levantar contra o regime ditatorial de Pinochet pavimentou a primeira experiência de organização social neoliberal na América Latina.

            O Chile passou a ser o principal laboratório do modelo neoliberal no continente. A cartilha neoliberal passou a ser seguida à risca; o Estado foi violentamente desmontado; milhares de funcionários demitidos; os preços voltaram a ficar totalmente à mercê do mercado; as empresas estatais privatizadas; a saúde e a educação foram entregues à iniciativa privada, orientada pela lógica do lucro e da acumulação do capital.

            Mundializou-se a economia, rebaixando-se as barreiras aduaneiras, com setores estratégicos da economia chilena sendo ocupados por grandes conglomerados internacionais; impactando de forma negativa milhares de pequenas, médias e grandes indústrias que vieram a fechar. Milhares ficaram desempregados, e a classe trabalhadora diminuiu expressivamente.

            A mundialização e a desregulamentação da economia tornaram o Chile o paraíso dos capitais, investidos, sobretudo, em commodities e na produção agroindustrial voltada para o mercado externo.

            Embora a miséria continuasse muito presente nas periferias, o País passou a ser apresentado ao mundo como uma espécie de Tigre latino-americano, cujo modelo de sucesso deveria ser seguido pelos demais países da região. De fato, isto ocorreu nos anos posteriores, e as consequências desse avanço do neoliberalismo na América Latina todos nós aqui conhecemos bem.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, aqui quero relembrar que esse governo golpista foi sustentado por uma ditadura extremamente violenta, que em 17 anos vitimou cerca de 40 mil pessoas, entre executados, desaparecidos e torturados. Esse número vem sendo atualizado constantemente, e alguns grupos de vítimas estimam que ele possa superar os 100 mil.

            Esse foi um período que deixou feridas abertas na sociedade chilena até os dias atuais, com divisões profundas no tecido social chileno. O 11 de setembro ainda é causa de muita comoção social no país. Após 40 anos da brutalidade do golpe, milhares de famílias ainda não sabem o destino de familiares e amigos. É latente a exigência de esclarecimento dos crimes da ditadura e a punição dos violadores de direitos humanos.

            No último final de semana, cerca de 30 mil pessoas, entre elas, familiares das vítimas, grupos sociais e de esquerda, saíram às ruas da capital Santiago para reivindicar a verdade histórica e a condenação pelos tribunais de todos os responsáveis pelas violações de direitos humanos ocorridas no País. Vale dizer que o general Augusto Pinochet morreu em 2006 sem ser condenado pelos crimes que cometeu.

            Neste momento de aniversário de 40 anos do golpe militar, o povo chileno também está vivenciando uma intensa campanha eleitoral à presidência da República, que terá o seu primeiro turno em novembro próximo. O golpe militar contra o governo popular de Allende também está no centro do debate político e eleitoral.

            Quero aqui, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, lembrar que, pela primeira vez, na história do Chile, duas mulheres são as principais candidatas à presidência. De um lado, está a ex-presidente Michele Bachelet, que disputa um novo mandato pelo Partido Socialista Chileno. Ela, que foi uma das vítimas da ditadura, sendo presa, torturada e exilada durante o regime, sofreu também vendo seu pai, o general da força aérea Alberto Bachelet, fiel a Salvador Allende, ter sido morto, após sofrer torturas no cárcere praticadas pelos seus próprios colegas de fardas, a mando do General Augusto Pinochet.

            Já sua adversária, a conservadora de direita, Evelyn Matthei, é oriunda da elite, possui laços estreitos com a ditadura, e manteve contato com Pinochet, mesmo após a redemocratização do país, chegando a visitá-lo por diversas vezes em Londres, onde o ex-ditador havia sido preso. Seu pai, o general Fernando Matthei, tornou-se membro da junta militar que capitaneou o golpe contra Allende. Além disso, foi o responsável pela base aérea onde o pai de Bachelet foi torturado e morto.

            Portanto, esse tema do golpe e da ditadura chilena não poderá ser tangenciado nas eleições nacionais do Chile. Aqui no Brasil, Sr. Presidente, esse assunto também é candente. Onde está em curso a Comissão da Memória e Verdade, que tem o objetivo de abrir uma nova página no resgate da memória e na busca da verdade de um período sombrio da história recente brasileira?

            Não podemos temer a verdade. É muito importante que sejam elucidados todos os desmandos e atrocidades cometidos pelos agentes de Estado durante a ditadura militar.

            Creio, no entanto, que é preciso ir além. Não é suficiente apenas resgatar a memória e conhecer a verdade; é preciso que se faça justiça, que se leve à condenação os torturadores e assassinos.

            A não punição desses crimes da ditadura abriu precedentes para a impunidade na democracia. No Brasil, agentes de Estado continuaram cometendo crimes e praticando a tortura, não mais contra os comunistas e os inimigos políticos do regime, mas principalmente contra os pobres e os negros moradores das periferias.

            Desta forma, considero fundamental alterarmos a atual Lei de Anistia, no sentido de excluir, do rol de crimes anistiados, aqueles cometidos por agentes públicos contra pessoas que, efetiva ou supostamente, praticaram crimes políticos.

            Relembrar a memória de Allende e das vítimas da ditadura não só do Chile, mas de toda América Latina é dizer alto e bom som: "Ditadura nunca mais!”

            Presto aqui minhas homenagens e reforço a memória de todos aqueles companheiros e companheiras que resistiram duramente à ditadura no continente, dos que bravamente tombaram na defesa da democracia e do socialismo, cujas lutas nos conduziram a este momento histórico que estamos vivendo, lutas estas que também contribuíram para a ascensão de governos progressistas na América Latina, que estão mudando efetivamente a vida do nosso povo.

            Encerro, Sr. Presidente, este meu pronunciamento com uma célebre frase proferida por Allende na ocasião de seu último discurso ao povo chileno - abro aspas: "Eles têm a força, eles podem nos dominar, mas não se detêm os processos sociais nem com o crime, nem com a força. A história é nossa e a fazem os povos.” - fecho aspas.

            Era isso que tinha para o momento, Sr. Presidente.

            Obrigada pela atenção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/09/2013 - Página 63623