Discurso durante a 167ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a desmoralização da classe política causada pelas constantes mudanças de legendas partidárias promovidas por parlamentares; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA PARTIDARIA, LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Preocupação com a desmoralização da classe política causada pelas constantes mudanças de legendas partidárias promovidas por parlamentares; e outro assunto.
Aparteantes
Jorge Viana, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 28/09/2013 - Página 67337
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA PARTIDARIA, LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ASSUNTO, DISCURSO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, LOCAL, ASSEMBLEIA GERAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), APREENSÃO, ORADOR, ESPIONAGEM, GOVERNO ESTRANGEIRO, VITIMA, GOVERNO BRASILEIRO.
  • CRITICA, ATIVIDADE POLITICA, REFERENCIA, TRANSFERENCIA, FILIAÇÃO PARTIDARIA, AUSENCIA, FIDELIDADE PARTIDARIA, SUGESTÃO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, OBJETO, TEMPO, CAMPANHA ELEITORAL, TELEVISÃO, EXTINÇÃO, FUNDO PARTIDARIO, VOTO SECRETO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Senador Rodrigo, Srªs e Srs. Senadores.

            Eu vim aqui pensando em falar sobre o discurso da Presidenta Dilma nas Nações Unidas, até porque eu elogiei bastante o discurso que ela fez dois anos atrás. Eu queria analisar esse, sobretudo sob a ótica da preocupação que o Brasil está tendo com a espionagem externa.

            Eu quero dizer, embora tenha mudado o tema do meu discurso a partir do seu discurso, Senador Jorge Viana, que nós estamos lamentando que os outros nos espionem, e não estamos fazendo o dever de casa para que nós não sejamos espionados e, até, tenhamos o poder de espioná-los, quando for preciso. Não adianta ficar esperneando, porque eles vão continuar fazendo. E não vão adiantar leis, porque a espionagem é secreta, exatamente para que a lei não a toque.

            Depois do seu discurso, Senador, eu creio que é muito mais importante denunciarmos, com vigor, o que está acontecendo.

            Eu creio que um político, quando se sente em divergência com o seu partido, deve ter o direito até de sair, mas tem que explicar muito bem aos seus eleitores, tem que explicar muito bem à sociedade. O que não pode é, de repente, a cada tanto tempo, utilizar-se da janela, como o senhor falou, Senador Jorge Viana, do tipo da dos jogadores de futebol, que mudam de time como quiserem. Aliás, isso também é meio novo. Antigamente, os jogadores tinham mais fidelidade. Se eu não me engano, o Pelé só jogou no Santos, toda a vida; depois é que foi para o exterior, jogar no Cosmos.

            Essa janela na política inclusive serve para burlar a lei da fidelidade, porque você pode migrar para um novo partido e depois pode migrar para outro. Pois bem, isso está desmoralizando a política. Eu só quero dizer que eu acho que isso é produto da desmoralização da política também. É um círculo vicioso: a política desmoralizada permite esse tipo de coisas, e esse tipo de coisas desmoraliza a política. Tem que se cortar esse círculo vicioso.

            O que está acontecendo estes dias é muito, mas muito pior do que o chamado mensalão. É muito pior. Nós estamos vendo milhões de reais do dinheiro público, por meio do Fundo Partidário, indo para prestigiar A, B ou C. E nós estamos assistindo a isso como se fosse dentro de toda a legalidade. Ou a legalidade está muito errada... E aí, além da desmoralização da política, a gente está desmoralizando também a Justiça; quando as leis estão ruins, a Justiça está desmoralizada; não por culpa do juiz, mas por culpa nossa, dos legisladores.

            Nós estamos diante de uma transferência de dinheiro público por meio de truques que estão sendo feitos. E o pior: comprando políticos que prometeram, na campanha, defender certas causas e que mudam de lado com uma facilidade que, de fato, é uma desmoralização.

            Senador.

            O Sr. Jorge Viana (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Veja, e a regra está tão errada, e houve uma decisão do Supremo que foi péssima: “Olha, a organização partidária tem que ser livre”. Mas esperem aí: há 32 partidos agora e há mais 30 para virem. E aí a regra é tão ruim que, quando existe algo que é legítimo... Independentemente de eu ter ficado triste, porque eu fiquei muito triste quando o senhor saiu do PT, quando a Senadora Marina saiu do PT, mas saíram para tentar desenvolver uma atividade num lugar onde houvesse uma condição diferenciada daquelas que vocês estavam vivendo. Agora, a própria ex-Ministra, minha querida acriana Marina, que, legitimamente, reúne um grupo de pessoas, que quer criar um partido que qualifica a política brasileira, não consegue. Mas os cartoriais conseguem, porque contratam empresas para coletarem as assinaturas, pagam por elas, porque sabem que vão receber o dinheiro. Então, R$350 milhões, Senador Cristovam, do dinheiro do contribuinte, um Fundo Partidário. Isso tinha que ter... A sociedade tem que cobrar, nós todos temos que cobrar. Isso não pode seguir acontecendo. Isso não ajuda em nada. Isso não fortalece os partidos. Para mim, teria que haver redução. Você tinha que ter, pelo menos, o critério. Já que é para imitar futebol, vamos criar Série A e Série B. Os partidos que são da Série A têm determinado acesso, têm tempo de televisão e têm Fundo Partidário - um exemplo. Os da Série B têm que fazer por onde alcançar a Série A. Mas nem isso. Todo mundo entra do mesmo jeito: um partido cartorial, feito por encomenda, tem as mesmas condições, o mesmo acesso de um partido que foi construído com história, com sacrifício, como é o caso do meu partido, como é o caso do partido de V. Exª, como é o caso do partido do Senador Rodrigo Rollemberg, partidos que têm história no País. Não tem que ter existir um partido só. Mas e os cartoriais? E essas franquias partidárias? São verdadeiras franquias partidárias. Só que essas funcionam com o dinheiro público, com o dinheiro do contribuinte, e não disputando mercado, como acontece no comércio. Mas é o pior dos comércios. É o pior dos comércios o que nós estamos vivendo, e é uma vergonha. Até o dia 5 de outubro, nós vamos seguir passando vergonha. Tomara que a Imprensa nacional gaste suas páginas, seu tempo, seus minutos de rádio e de televisão acompanhando essa vergonha tão próxima das manifestações das cobranças de junho deste ano.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu ouvi a sua expressão “franquias” e dela gostei muito. São franquias realmente partidárias, mas talvez até pior, porque, quanto às franquias, pelo menos o dono tem lealdade por algum tempo. Não fica saltitando de uma franquia para outra.

            São clubes eleitorais os nossos partidos. Juntam-se para fazer a festa da eleição com dinheiro público do Fundo Partidário. E eu não vejo o Ministério Público se mexendo em relação a isso. Ou as leis permitem e é preciso mudar as leis, ou às vezes não permitem, e o Ministério Público teria que agir. Se as leis permitem, o Ministério Público é omisso. Se as leis não permitem, nós estamos omissos. E aí é que vem o pessimismo que eu comparto com o senhor. Eu não vejo como nós vamos fazer isso, porque nós, políticos brasileiros, estamos cegos.

            Ontem houve esse prêmio Congresso em Foco, que eu acho que é uma boa iniciativa. Fiquei pensando o que leva alguns a receberem, e não o conjunto de todos. A diferença que eu vejo é a demonstração de que não estão indiferentes alguns de nós, embora o prêmio não vá para todos os que não são indiferentes. Mas a imensa maioria está indiferente diante da realidade. E aí vem a crise, Senador Jorge Viana.

            Nós hoje estamos endividados com o povo, porque não fizemos o dever de casa ao longo de décadas. Nós estamos sem bússola para dizer o rumo claro para onde devemos conduzir o País. Nós estamos sitiados pelo povo, que hoje tem esse instrumento maravilhoso de mobilização por meio da internet, e a maior parte de nós está indiferente. Ficamos cegos. Daí é que vem o pessimismo: se nós vamos conseguir mudar as leis para que uma vergonha como essa aumente a desmoralização que a política já sofre.

            Nós precisávamos, para quebrar isso, pelo menos de algumas mudanças. A primeira é muito óbvia: quem mudar de partido não leva o tempo de televisão, porque o tempo de televisão não é dele, é do partido. O tempo de televisão é dividido pelo número de Deputados Federais.

            Eu cito deputados assim, com ênfase, porque não é pelo número de senadores, de governadores, de prefeitos, de vereadores. O deputado federal é eleito pelo voto na sua legenda, não pelo voto nele sozinho. Um dos poucos, neste País, que conseguiram ser eleitos só com os seus votos foi o nosso Deputado Reguffe, do Distrito Federal. Ele poderia até dizer que a parte do tempo do PDT na televisão é dele. Pouquíssimos outros poderiam dizer isto.

            Se o tempo de televisão é do partido, como é que a pessoa que muda de partido leva o tempo de televisão? E o que é pior: criando uma moeda. Existe a moeda real e existe a moeda tempo de televisão, que é vendido, que é usado, que é trocado, para justificar ir para um partido ou outro. Seria tão simples uma lei prevendo não poder levar o tempo de televisão. Na verdade, não deveria ser preciso lei para isso. As leis atuais já deveriam permitir essa interpretação, que os advogados chamam de razoabilidade, que é aquilo que é claro que deve ser daquela maneira, na interpretação da lei. Fim da privatização do tempo partidário. É isto que houve: privatização do tempo partidário.

            O segundo ponto, que acho que pode ser mais radical, mas que eu acho que a gente deveria pensar assim, seria o fim do Fundo Partidário. Até porque, em muitos casos, está havendo uma privatização, por parte das direções partidárias, do Fundo Partidário. O Fundo Partidário é um dinheiro público. É o seu dinheiro, é o meu dinheiro, é o nosso dinheiro, que, em vez de ir para a escola, em vez de ir para hospitais, em vez de melhorar o transporte público, de equipar melhor a polícia, vai para o Fundo Partidário, em nome da democracia. Para isso, ele tem que servir à democracia. Hoje, não sei em quantos partidos existe transparência no uso dos recursos do Fundo Partidário. Eu creio que, em muitos lugares, é uma caixa-preta com dinheiro público.

            Uma ideia seria regulamentar isso e a outra seria acabar com isso. Aparentemente, acabar com o Fundo Partidário seria um golpe na democracia. Como é que os partidos vão funcionar sem dinheiro público? Ora, com a contribuição dos seus filiados. Mas aí os partidos dos ricos teriam mais dinheiro. Ora, definimos o limite de doação para cada pessoa, mesmo que seja membro do partido. Paramos dinheiro de empresa para partido, paramos dinheiro de empresa para campanha, para todos, e limitamos a contribuição de cada um.

            Aí, alguns vão dizer: “mas esse dinheiro não dá para a campanha.” Ora, reduzamos o custo da campanha. Se a campanha fosse apenas horário eleitoral e o candidato falando, sem todo aquele marketing, sem aquela quantidade de marketing, que é o que mais custa numa campanha, ao lado dos advogados, se a gente tivesse leis que funcionassem bem, os partidos e os candidatos não precisariam gastar tanto dinheiro com processos, com processos, com processos. Reduzamos o custo da campanha. Isso, sim, é servir à democracia. Reduzir o custo de campanha é uma tarefa tão ou mais importante para a democracia do que até mesmo regulamentar os fundos que vão para a campanha. Reduzamos e depois digamos que não há dinheiro de empresa. E depois o dinheiro de cada pessoa fica limitado a um teto.

            Com isso, ainda haveria, sim, desigualdade no dinheiro de cada partido conforme seus filiados fossem mais das classes média e alta ou mais das classes trabalhadoras, mas já se diminuiria bastante a diferença de recursos e não sairia dinheiro do público. A vergonha é que um partido tem mais dinheiro que outro, mas a vergonha mesmo é de que o dinheiro é público, e nem sempre está sendo usado a serviço do partido. Muitas vezes ele está sendo usado a serviço de algumas pessoas do partido, nem sempre com fins muito bonitos, nem sempre com fins apenas políticos.

            A outra coisa é que nós deveríamos permitir o candidato avulso. Alguns dizem que já temos partidos demais. É verdade. Outros dizem que temos partidos de menos. É verdade. Como é que há partidos demais e de menos? É que há partidos demais neste País, mas eles não satisfazem os desejos políticos e ideológicos de cada eleitor deste País. Quantos eleitores do Brasil, quantos eleitores do Brasil se identificam com qualquer dos 32 partidos que nós temos? Nós temos muitos partidos, 32, mas quantos eleitores se identificam com esses 32? Se fosse para constituir partidos que se identificassem com o eleitorado brasileiro, nós iríamos precisar de uns 100 mil, porque estamos num caos ideológico, estamos num processo de debates sem rumo claro.

            Já não há mais esquerda e direita, mas uma quantidade de pequenas visões do mundo, alguns partidos até sem qualquer visão.

            Permitamos, então, a candidatura avulsa. Permitamos que quem achar que tem uma proposta para este País, para o seu Estado, para a sua cidade se candidate a vereador, a deputado estadual, a deputado federal, senador, governador, prefeito, presidente da República, com todas as dificuldades que uma candidatura avulsa implica.

            A Marina Silva está sofrendo, tendo 20 milhões de votos, para viabilizar um partido. Por que não deixamos que ela seja candidata avulsa, com a sua bandeira, com a sua fala, com o seu carisma? Por que não deixamos isso?

            Ontem, um jornal tratando do tema, citou Jânio Quadros, que terminou renunciando porque não tinha partido. Ele tinha um partido, pequenininho, para constar, mas tinha! E foi apoiado por um Partido como a UDN, que era, talvez, o primeiro ou segundo mais importante deste País. Então, não foi a falta de um partido que levou Jânio Quadros a renunciar.

            Não podemos manter a ditadura dos partidos na política brasileira. Partido é para libertar, não para aprisionar. Hoje, os partidos estão aprisionando a política, porque tudo tem que passar por eles, e esses 32 não representam a totalidade dos brasileiros. Os 100 milhões de eleitores não cabem dentro dos 32 partidos. Vamos criar mais partidos? Não! Está errado! Devemos diminuir esses 32, mas devemos dar liberdade àqueles que não se sentem identificados com nenhum deles para que sejam candidatos avulsos.

            Se conseguíssemos acabar com o Fundo Partidário, se conseguíssemos quebrar a caixa-preta das finanças dos partidos, se acabássemos com a privatização do tempo de televisão e rádio, faltaria acabar com o voto secreto, mas acabar mesmo. Não é possível que o eleitor não saiba como votou aquele que ele elegeu.

            Esse debate do voto secreto tem sido feito, a meu ver, de uma maneira equivocada. O debate tem sido: o voto secreto permite que o Senador e o Deputado votem mais facilmente pela cassação de um colega seu ou não? Essa não é a minha preocupação, até porque é impossível saber se o voto secreto facilita ou não a cassação, porque, se, por um lado, o voto secreto protege o Parlamentar diante do desejo do povo, por outro, o voto aberto protege o que está sendo cassado diante de seus amigos.

            Eu não sei do que os Parlamentares hoje têm mais medo na hora de votar a cassação de um colega. Eu não sei se eles têm mais medo da opinião pública ou do réu em julgamento, pelo companheirismo que se cria, pelas relações pessoais, pelas amizades que se criam, independentemente dos valores éticos de cada um.

            Então, a minha preocupação não é se o voto secreto vai facilitar ou não na hora em que for necessária a cassação de um Deputado ou de um Senador. A minha preocupação é se, moralmente, filosoficamente - uma palavra que muitos não gostam que seja usada -, o voto secreto é mais certo do que o voto aberto. E eu não tenho dúvida, filosoficamente, de que o eleitor tem que saber como votam, em cada caso, cada coisa, cada gesto, os seus eleitos.

            Alguns dizem que, na hora de votar em um juiz do Supremo, os Parlamentares, os Senadores podem titubear ao votar publicamente. Por quê? Com medo daquele que pode se tornar Ministro? Isso não só é covardia como é dizer que um Ministro do Supremo vai tomar decisões com base no que o Senador votou. Além disso, sabe do que dá a impressão? De que todo Senador se considera possível réu de um processo que vai chegar ao Supremo e que o Ministro do Supremo, não tendo sido votado por ele, votaria contra. Isso é uma coisa tão absurda que não justifica pensar em manter o voto secreto para os Ministros do Supremo.

            Outros dizem que tem que haver voto secreto para os vetos do Presidente ou da Presidenta porque ele tem tanta força, impõe tanto sua força aos Parlamentares, que os Parlamentares poderão sempre manter os vetos em vez de derrubá-los. Ora, gente, isso mostra que o Parlamentar tem menos medo do Presidente do que da opinião pública. Vamos abrir, vamos votar abertamente e derrubar ou manter o veto, conforme queiramos, porque eu acho que você tem que votar como sua consciência manda, mas deixando que o eleitor saiba como foi para, na próxima eleição, cobrar de nós Parlamentares que votamos errado, de acordo com a opinião do eleitor.

            Eu não vejo o voto aberto como uma forma de aprisionar o eleito ao eleitor, porque o eleito diz o que vai fazer quando candidato e tem que cumprir o que vai fazer. De repente, a opinião pública muda, e você tem que votar com a sua consciência, não com a opinião pública, mas sabendo que perde a eleição seguinte.

            Vamos citar um exemplo. Você faz campanha dizendo que é contra a pena de morte. Aí acontece uma tragédia como essa desses crimes bárbaros que nós vemos e a opinião pública fica a favor da pena de morte. Coloca-se a pena de morte em votação aqui. A votação deve ser secreta ou aberta? Aberta. Quem prometeu ser contra a pena de morte deve votar contra a pena de morte, mesmo que perca a próxima eleição. Alguns, mais fraquinhos, podem se submeter à opinião pública e mudar sua posição, votando a favor da pena de morte, para ficar bem com a opinião pública. Mas o que não pode é votar escondido, o que não pode é esconder do eleitor aquela posição que tomou em cada eleição aqui.

            O voto secreto, o fim da privatização do tempo de televisão, o fim do Fundo Partidário, a campanha sendo baseada na fala do candidato e não em marketing, como se fosse um sabonete, o fim da caixa-preta dos partidos, o fim do voto secreto, a instituição do voto avulso, todas seriam formas de evitar essa vergonha que nós estamos vendo nesses dias deste mensalão da troca do partido. Talvez o nome, quando isso for descoberto, vá ser “trocão”. Tem o mensalão e tem o “trocão”. O mensalão era uma vez por mês para conseguir o voto parlamentar; agora é na hora de troca de partido para conseguir o tempo de televisão.

            Eu acho que esse “trocão” faz do mensalão um crime desse tamanhinho, que merece ser punido, claro, mas o outro também, e nós estamos fechando os olhos. Eu não ouvi o Ministério Público dizer uma palavra sobre o “trocão”. Faz-se isso aí abertamente, escancaradamente. O cafezinho da Câmara virou uma bolsa de compra de Deputados. Os que conhecem um pouco de história sabem daquela vergonha que foram os mercados de escravos no Brasil.

            Vergonha, comprar e vender escravos! Aqui, se compram e vendem Deputados.

            Eu não tenho dúvida de que, do ponto de vista moral, a compra e a venda de escravos são muito mais indecentes, mas eu não tenho dúvida de que, do ponto de vista da democracia, a compra e a venda de Deputados são igualmente graves. Precisamos acabar com isso.

            Sr. Presidente, por que sou pessimista quanto à gente fazer isso ou não? Eu sou pessimista porque nós não estamos à altura do momento histórico que nós vivemos, e, quando eu digo nós, eu não falo por nenhuma simplicidade gramatical, eu falo porque incluo todos nós.

            Hoje, a diferença entre nós não é se estamos ou não à altura do momento. Hoje, a diferença é se estamos à altura por incompetência ou se não estamos à altura por oportunismo, porque se alguém é oportunista e, por isso, não está à altura do momento de mudança de que o País precisa, outro não está à altura porque não consegue vencer esses. Nós estamos divididos entre esses dois grupos, mas nós não estamos à altura.

            Nós estamos endividados com este País porque fizemos com que ele crescesse, fizemos uma democracia que não funciona, fizemos um crescimento que não distribui, fizemos uma carga fiscal altíssima que não presta os serviços públicos. Nós estamos endividados.

            Criamos cidades, quando antes éramos rurais, mas são verdadeiras “monstrópoles”. Nem de metrópoles a gente pode chamar nossas cidades. Nós fizemos uma dívida com este País ao criarmos nossas metrópoles nas condições em que elas estão. É uma dívida que nós fomos construindo, e não foi esta geração. Foram muitas gerações. Não foi esta geração do País; foram muitas, mas a nossa também.

            Nós estamos endividados e não percebemos. Nós estamos sitiados, porque o povo está com raiva, indignado e se manifestando. Ainda ontem à noite, eu vi um programa na televisão, o Na Moral, em que alguém dizia que as manifestações pararam. Elas não pararam, elas estão sendo feitas dentro de casa! Elas estão sendo feitas nas igrejas, no trabalho, nas escolas, nos bares, nas festas, porque, aí, as pessoas só falam mal dos políticos e da política. A manifestação saiu da rua e foi para dentro de casa, dos bares, dos clubes, mas ela está aí, latente, na cabeça do povo.

            Nós estamos sitiados. Nós estamos sem bússola. Não estamos dizendo o rumo claro de qual é o retrato do Brasil para daqui a 20, 30, 50 anos. Estamos prisioneiros do curto prazo, do imediato, do dia a dia, das leizinhas que fazemos aqui, assistindo ao troca-troca ou concordando, ou permanecendo impotente, incapaz, sem competência para mudar.

            Mas, finalmente, há uma coisa que nos diferencia ainda, Senador Rodrigo: alguns de nós não são indiferentes; alguns de nós estão indignados; alguns de nós estão solidários com a indignação popular, mesmo que incompetentemente para mudar daqui de dentro o que deve ser mudado. Eu recebo dezenas de manifestações dizendo: “Mas você critica tanto e não consegue fazer nada.” Eu assumo aqui: sou incompetente ou, se preferirem, para não ser tão modesto, estou incompetente. Não estou conseguindo, mas não estou indiferente - não estou indiferente. Não estou com os olhos fechados como a maior parte, hoje, de nós políticos. Eu não falo só de Senado e Câmara. Eu falo de todas as câmaras de vereadores, todas as assembleias legislativas. Eu falo até de todos os militantes de partidos, mesmo aqueles que não têm mandato. Todos aqueles que colocaram na veia a responsabilidade da causa pública, Senador Simon, essa coisa grandiosa que deveria ser a causa pública. A grande maioria de nós está indiferente. Alguns não estão indiferentes, mas ou estão coniventes ou estão incompetentes.

            Por isso, eu sou pessimista. Porque, se alguns são incompetentes e outros são coniventes, como vamos mudar as coisas? Como vamos mudar uma realidade política que permite esse “trocão”? Já vimos a vergonha do mensalão. Agora, vemos a vergonha do “trocão”. É a mesma coisa: dinheiro público - e olha que há gente que diz que não houve dinheiro público no mensalão - usado para comprar votos ou mandatos, o que é mais grave ainda. O mensalão comprou votos. O “trocão” compra mandatos inteiros.

            Eu concluo, Senador, dizendo que, mesmo no pessimismo, temos que ter um rasgo de otimismo. O rasgo de otimismo é que a democracia continua, que a democracia permite que venhamos aqui fazer confissões, manifestações, e dizer aquele velho bordão de que a luta continua.

            É isso, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Rollemberg. Bloco Governo/PSB - DF) - Muito obrigado, Senador Cristovam Buarque. Cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento e o convido para assumir a Presidência.

            O Sr. Pedro Simon (Bloco Maioria/PMDB - RS) - (Intervenção fora do microfone.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Sr. Presidente, o Senador Simon levantou um ponto.

            O microfone, Senador. Eu achava, Senador Simon, que eu já tinha falado demais, demais, demais, demais, que já tinha cansado todo mundo que está escutando. Mas o senhor pede um aparte, e como vou negar?

            O Sr. Pedro Simon (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Eu o estava vendo na televisão, não vinha. Eu digo: vou chegar a tempo. E cheguei. Mas, quando cheguei, V. Exª terminou. Eu achei que, quando for escrever...

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Mais perto.

            O Sr. Pedro Simon (Bloco Maioria/PMDB - RS) - ... a história dos anos que estamos vivendo aqui, no Congresso, principalmente a do Senado, o historiador que escrever como era e como não era vai dizer que havia um tal de Cristovam, que era meio sonhador, que tinha as ideias da perfeição, da coisa certa, que achava que a educação era a coisa mais importante - mais importante que dinheiro, mais importante que grandes indústrias - e que falava e falava e falava. Mas, no fundo, parece que ele não falava português. Ele falava uma língua diferente, que os outros não entendiam, por isso não conseguiam dialogar com ele. Quero dizer que é interessante que, por onde ando e sou conhecido, quando se fala no Congresso Nacional, a figura de V. Exª é a primeira que é citada.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado, Senador.

            O Sr. Pedro Simon (Bloco Maioria/PMDB - RS) - E o Cristovam, aquele rapaz, como ele é sério, como é responsável! E é, mas está sozinho lá, não encontra ninguém nem para dialogar, quanto mais para levar adiante. Mas quero dizer que a ação de V. Exª é muito importante. Embora, na verdade, todo mundo ouça V. Exª, ache importante o trabalho de V. Exª, admire, entra por aqui e sai por aqui. Ficar alguma coisa que V. Exª diz, refletir para fazer alguma coisa... Se cada um de nós fizesse 1% do que V. Exª faz, a coisa já seria diferente. Agora, o que me deixa machucado - e sou muito mais velho que V. Exª, estou aqui há mais tempo - é que é difícil encontrar uma pessoa aqui. Geralmente a gente entra na onda, entra na onda. Vai levando, vai levando. De repente, nós temos um serviço médico de primeira grandeza. Para problema do coração, fizemos até um acordo do Senado com o Instituto do Coração de São Paulo, para atender aqui. De repente, como agora, fecha tudo. Os caras ficam desempregados, não têm mais nada. Vão procurar onde houver. Não há um sentimento. Veja, V. Exª, inclusive, que, na hora em que os companheiros querem melhorar o trabalho do Senado, o Presidente nomeia quatro, cinco, para fazê-lo. A lei básica da educação, reformada depois de tanto tempo e tanta discussão, foi feita por uma pessoa, o Darcy Ribeiro. A Comissão não funcionou nunca, não saía nada. Ele falava com a gente: “O que é que eu faço?” “Vai fazendo”. E ele foi fazendo. No dia, compareceu toda a Comissão para assinar embaixo da assinatura dele, mas quem fez foi só ele. Olha, um negócio sério: Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Ele fez sozinho. O Código Civil o Josaphat fez sozinho - fez sozinho. Tinha comissão daqui, tinha gente de lá, tinha gente não sei de onde, não sei mais de onde, e o Josaphat ia até a madrugada fazendo os negócios. “Oh, Pedro, o que é que eu vou fazer? A gente não reúne, não há jeito. O que é que eu faço?” “Vai fazendo, Josaphat”. Umas coisas ele perguntava para o Brossard, outras coisas ele perguntava para um amigo dele do Supremo, para o professor da universidade, mas foi feito sozinho. A participação no Plenário foi zero, foi só para votar, a não ser em uma ou outra questão que gerava um pouco mais de polêmica. Ele fez sozinho. Então, nós não conseguimos criar aqui - e eu devia até ter vergonha e ficar calado, porque há tanto tempo que eu falo isso que parece que é coisa nenhuma -, nós não conseguimos criar aqui um grupo que tenha interesse, que tenha preocupação de fazer alguma coisa - de fazer alguma coisa. Nosso projeto de reforma, de minirreforma - não é mini, é micro ou sei lá o quê - que nós fizemos parece que vai cair na Câmara. A Câmara não gostou. Vai cair. O dia 5 já está aí, e não terá mais nenhum efeito, porque, até o dia 5, não vai ser aprovada na Câmara. Então, eu não consigo entender; sinceramente, eu não consigo entender a falta de interesse de todos nós no conjunto das coisas da sociedade. Existe uma entidade social que cuida, a vida inteira, das crianças que têm problemas de deficiência nas escolas primárias. Eu sou velho, mas, quando guri de seis ou sete anos, havia, ao lado do meu colégio, um grupo de mães que cuidavam disso, era uma APAE. Isso existe há uns 80 anos. É uma das instituições mais bonitas que eu conheço. Aliás, tenho dito isto: Deus existe. Eu perdi um filho. Enterrar um filho com dez anos, um velho gagá, não me sai da vida. Lembro quando o meu amigo Collares, que também perdeu um filho, me abraçou e disse: “Te conforma, Pedro. Isso tu nunca vais esquecer. Tu vais aprender a conviver com essa dor.” Mas eu sempre digo que quase mais doloroso do que isso é um pai ter um filho doente, aleijado, que não enxerga, deficiente. E uma das coisas que eu acho mais bonita neste mundo é o amor que um pai e uma mãe têm por essa criança. Conheço pessoas - V. Exª deve conhecer também - que se dedicaram exclusivamente a esse filho: cortaram viagens, cortaram férias, mudaram os hábitos, reformaram a casa, tiraram as escadas, tudo por dedicação a esse filho. Agora querem terminar com as APAEs, porque a APAE, a rigor, é um grupo, como essas ONGs que estão aí, que não dá dinheiro. Ninguém, em qualquer lugar do mundo, pode conseguir ganhar dinheiro com a APAE. Então, querem extinguir. Extinguir. Querem abandonar essa criança, que hoje tem uma escola - o Governo praticamente não paga nada - que cuida, que educa, que faz tudo, e extinguir a APAE, que não dá nada, não dá prestígio político nem eleitoral. É uma instituição que já tem tanto tempo, uma instituição imiscuída na vida da sociedade, que ninguém tenta fazer voto na APAE. Mas o Governo resolveu extinguir. Se não houvesse uma grita pela APAE aqui, poderia ser extinta. E nós nada. Nada. As discussões e os debates aqui não são feitos na base da importância, da seriedade e do significado, mas na base dos interesses. V. Exª faz o discurso mais importante que existe e geralmente fala sozinho. De repente, está cheio de gente aqui, e V. Exª fala de um assunto que não tem maior significado, mas há um debate do tamanho de um bonde, todo mundo fala, todo mundo responde, todo mundo discute, porque é a oportunidade. Então, eu não sei. V. Exª seria um bom candidato do PDT à Presidência da República, cá entre nós. Seria um bom candidato. Daqui a pouco, o PDT bota como candidato à Presidência da República o Presidente nacional do PDT. Pode-se esperar tudo! Ou então o Ministro do Trabalho. Coragem ele tem, porque, para enfrentar o que ele enfrentou e dizer para a sociedade, em manchete, no Correio Braziliense: “Estou aqui, fico aqui e ninguém mexe comigo. E, se mexerem, tenho muito coisa para contar e vai dar muita confusão”. E a Presidente não mexeu com ele. Deixou-o lá. Reconheço aqui um grupo de pessoas. Casualmente, há três aqui. O nosso Presidente, houve um tempo em que parecia que ele queria largar a política, não ligava. Agora, ele está uma maravilha: entrevista, trabalha. Meus cumprimentos. Excepcional! Também era para ficar desiludido: o governador era isto, outro era aquilo, o negócio era ficar em casa. Esse guri vai longe. Quantos prêmios você ganhou ontem?

           O Sr. Randolfe Rodrigues (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Qualquer número foi menos do que o senhor.

           O Sr. Pedro Simon (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Ainda debocha! É impressionante. V. Exª estava lá, não é?

           O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Estava lá.

           O Sr. Pedro Simon (Bloco Maioria/PMDB - RS) - Ano passado, foram dez vezes. O melhor em tudo. Fui para casa, em primeiro lugar, orgulhoso dele, porque sou um admirador dele, mas, em segundo lugar, com uma espécie de ciúme cristão. Não é de má-fé. Esse rapaz vai longe. Mas não sei o que podemos fazer. Sou de um tempo aqui, no Senado, em que, primeiro, eram Arena e MDB; depois, havia mais dois ou três partidos. Quando se falava em reunião de líder, era coisa muito séria. Nós nos reuníamos - fui Líder do Governo no tempo do Itamar -, em quatro ou cinco, e era coisa séria, para valer. Hoje, reunião de Líderes é piada, é para inventar alguma coisa, para passar um troço, para não sei mais o quê, para saírem projetos sem assinatura, secretos. Agora são 32 partidos. Deve haver uns 20 Líderes. No nosso tempo, Líder só havia 2, e Líder pedia comunicação de Líder. Mas, quando cheguei aqui, no nosso tempo, o cara pedia para fazer uma comunicação de Líder: “Sr. Presidente, eu sou Líder do PMDB e quero dizer que foi preso lá, em Porto Alegre, o senhor fulano de tal, que está em lugar escondido e não sabido. Eu exijo providências neste momento. Vamos ao Ministro da Justiça”. Era a comunicação de Líder. Comunicação de Líder: “Eu quero dizer que a nossa Bancada estudou e não vai aceitar essa medida assim, assim”. Isso é comunicação de Líder, é manifestação da Bancada. É assunto da maior importância. Hoje, comunicação de Líder todo cara tem. Então, um cara como eu, não é que eu não seja Líder, mas sou exilado na Bancada do PMDB, porque a Bancada do PMDB tem novos princípios. Eu estava aqui, e a vida inteira, em CPI, era eu que estava lá; projetos importantes, modéstia à parte, era eu que relatava. Agora, projetos que dão para mim é o nome da avenida tal, é o nome da estrada tal. Comunicação de Líder, nunca mais tive. Hoje, comunicação de Líder, fala um Senador e um Líder; um Senador e o Líder; um Senador e um Líder; fala um Senador, que também é Líder, mas que se inscreveu. Isso é o Líder aqui. E, se V. Exª faz parte, muito bem. Brilhante! A única coisa de que eu gostei foi a escolha de V. Exª como Relator do Senado do futuro. Não vai precisar se espelhar nos Presidentes do Senado. Pode se espelhar no nosso Senado para ver como não deve ser feito. “No futuro, não faça isso. No futuro, não faça aquilo!” Mas essa Comissão, que é da maior importância, poderia ter passado pelo plenário; poderia ter sido discutida por todos. Eu sei porque li no Jornal do Senado. Não disse nada, e eu fiquei satisfeitíssimo quando vi V. Exª e o Senador Luiz Henrique. Um melhor do que o outro. Mas o futuro passa pelo conjunto, e não por duas pessoas. Nós tínhamos o exemplo certo. O Senado imprime obras de arte, obras que estão em desuso, que desapareceram, que não existem mais. E o Senado tem um serviço. Não sei se são cinco ou seis obras por ano que ele imprime. Nota 10. Não sei se V. Exª foi convidado alguma vez. É o Presidente. Ele convida uma série de intelectuais, da maior importância, lá de fora. Mas, participação do Senado, zero. A obra é importante. Reconheço que são histórias importantes, romances importantes, biografias importantes que não se encontram mais no mercado. Então, o Senado imprime. Nota dez. Mas quem decide? O Presidente e um grupo de amigos dele, intelectuais, não sei quê. Decide, publica o que quer, não publica o que não quer. Esse é o Senado, quer dizer, não é um órgão coletivo. Estou na nossa Comissão de Relações Exteriores a vida inteira e fico machucado, porque ninguém tem interesse em coisa nenhuma. Aliás, tive a melhor impressão do Patriota. Ele pode ser um pouco parado e tal, mas é uma pessoa de personalidade. Tive uma impressão muito boa dele. Ele vai para a ONU, vai ser o Embaixador na ONU. Eu perguntei para ele: “Mais de dez vezes, Embaixador, os seus antecessores vieram aqui, e eu falava ‘vamos dinamizar um pouco a Comissão de Relações Exteriores’”. Estou aqui há trinta e tantos anos e não fui uma vez à convenção da ONU. Não fui porque não quis. Ir lá para me sentar, de braços cruzados, sem saber nada, sem conhecer nada e passear em Nova York, não tem lógica. O Embaixador chegou a vir aqui, mandou os processos. O que digo é o seguinte: a gente ir e, antes de ir, por exemplo, agora, conversar com o Itamaraty o que vai ser discutido na reunião da ONU. São essas coisas assim. A Comissão discute os assuntos e, talvez, inclusive, um representante nosso leve para a ONU uma decisão do Senado do Brasil nesse sentido. Mas não acontece nada. Nunca conseguimos fazer isso. É sempre a mesma coisa: vai alguém de convidado, leva a esposa, e é bacana, porque são 15 dias em Nova York, passeando para lá, passeando para cá, e umas duas vezes em que ele fica ali, sentado, ouvindo as coisas que não funcionam. Então, vejo que V. Exª não tem seguidores. Às vezes acho que eu poderia ser um seguidor de V. Exª. Você pode ser. Mas é que ele tem tanta coisa, tanta atividade, há tanta gente procurando por ele que não sobra tempo para tudo. A gente vê que a todas as reuniões ele chega quase no fim, porque vem de mais duas antes: foi àquela, depois foi àquela e depois foi àquela. Mas eu estimulo V. Exª a tentar fazer isso. Eu tentei, e chegou uma época em que nós fizemos um bom trabalho aqui, no Senado. Mas, desculpe-me, o Senado que eu encontrei não tem nada a ver com este Senado. O Passarinho era da Arena, era da ditadura, mas era um cidadão de primeira classe, era um homem de respeito, um homem de dignidade, um homem que às vezes chegava para gente, abraçava e dizia: “Pois eles fizeram. Eu falo com esses meus colegas milicos, mas eles não entendem que não é assim”. Era um homem que dava para dialogar. A Arena, no tempo da ditadura, discutir com ela, aqui, no fundo, era melhor do que discutir hoje, quando o PSDB era Governo, ou agora, quando o PT é Governo, porque eles tinham mais sensibilidade, porque sabiam que estava errado na composição, na posse, na ditadura, e tinham mais lógica e mais bom senso. A gente não tem hoje, não encontra hoje aqui. Não consigo entender. Em primeiro lugar, Senado da República já era. Um dos poucos caras que podem estar aqui, no Senado, sou eu, pela idade, 83 anos. Estou numa idade senatorial, já saindo. Não que esteja errado os jovens chegarem. Acho mil vezes melhor do que uma reunião de velharia, mas o que quero dizer é que, hoje, a escolha para o Senado é feita, na maioria das vezes, por alguém daqui, dali, e não por um cara que tem composição, que tem capacidade, que tem competência para ser algo mais que um Deputado Federal. Não na vaidade o algo mais, mas ter um espírito de análise maior e mais profundo do que um Deputado. O Deputado representa a sua porção no seu Estado, o que significa uma porção do Brasil, porque representa a Nação. Nós representamos todo o nosso Estado, e, no entanto, não acontece. Tenho pena de V. Exª. V. Exª foi feito para ser um grande Líder, de um grande partido. Aliás, não sei quando vamos ter de novo um grande partido. Digo a V. Exª com toda sinceridade, e parece mentira o que vou dizer: os anos mais duros da ditadura foram os anos em que vivi com mais garra, com mais vontade na minha vida política. Eu estava num partido que era o MDB, lá no Rio Grande do Sul. Eu me considerava um cruzado em luta para terminar com o domínio do mal, do diabo, seja o que for, e quem estava no MDB estava por um ideal, porque no MDB, no Rio Grande do Sul, era cadeia, era prisão, tortura, morte, não havia emprego, não havia nada. O Rio Grande é um pouco disso. Os caras eram firmes no MDB e não mudavam. Então, eu achava que aquele conjunto do nosso MDB era uma maravilha, era um conjunto escolhido por Deus para ir adiante, até que fomos parar no governo. Quando chegamos ao governo, era tudo igual. O MDB se foi. Aí, como o MBD foi mal e tal, vieram os puros, Fernando Henrique, Serra, e não sei o quê, para fundar um partido sem Quércia, o grande PSDB. Então, o PSDB era o partido dos verdadeiramente puros. Ficaram magoados comigo porque eu fui praticamente o único governador do MDB que eles queriam que fosse para o PSDB. O Covas esteve comigo em Palácio, lá no gabinete, e pediu pelo amor de Deus para eu ir. Eu disse: “Eu não vou, Covas. Eu acho que vocês estão errados. Vocês têm uma briga com o Quércia, mas, quanto ao resto, nós somos iguais”. Eles foram bem, cresceram e foram para o governo. Foi aquele fiasco. E, cá entre nós, na oposição, o PT... O Suplicy está vivendo um trauma triste. Eu acho que a gente deve fazer um movimento exigindo que o Suplicy volte a ser candidato ao Senado pelo PT. Ou, então, ele que saia do PT e seja candidato avulso, porque ele ganha como candidato avulso. O PT está querendo queimá-lo. Mas, nos oito anos em que ele esteve aqui, sozinho, só ele fez muito mais do que toda a Bancada do PT, que está aqui agora. Ele foi um grande Senador. Eu, hoje, estou começando a me convencer de que o PT, no Governo, está pior do que o PSDB no tempo de Fernando Henrique. Tem acontecido coisas mais dramáticas, mais tristes, mais lamentáveis. E o PSDB era um partido que se fez na base de uns caras daqui, de lá. Brigaram com o Quércia aqui, brigaram com o Requião lá no Paraná. E o PT, não. O PT era um partido que se organizava na base, era o que tinha de melhor, o que tinha de mais puro. Pergunte a alguém do PT se ele lembra quem foi Dom Evaristo Arns. Pergunte a eles. Pergunte a esses caras do PT se eles conseguem alguém hoje para fazer campanha para eles na base de andar de chinelos e ganhar um sanduíche e um copo de coca-cola o dia inteiro. Não! Contaram-me lá, em Porto Alegre: “Ele era do PT a vida inteira. Trabalhava, lutava e, fora do trabalho, só trabalhava para o PT”. Ganhou o PT, foi para o governo. Ele era um cara benquisto, respeitado, chamaram-no e deram para ele um emprego de R$8 mil, R$9 mil. Ele dizia: “Eu nem sei fazer isso!”. “Mas vai lá, rapaz. Depois tu aprendes.” O cara é outra pessoa. E ele dizendo: “Mas eu fui para ir com o PT, para nós sermos governo, para nós fazermos as reformas, as transformações”. O primeiro ato do Tarso Genro como Governador do Estado foi criar 1.500, 1.600, 1.700 funções gratificadas, cargos de funções gratificadas, que iam até R$20.000, ao teto. Ele não tem mais o que discutir. Então, ele encheu os quadros com gente do PT, mesmo que o Secretário seja de outro partido, como foi o caso do Beto Albuquerque, Presidente do Partido Socialista, que era Presidente da comissão, mas ele colocou como chefe de gabinete um cara do PT, que fazia o que queria. Então, eu não sei. Desculpem-me pelo que vou dizer. Nesses últimos tempos, a única coisa de bom que eu vejo que aconteceu no mundo foi em relação à Argentina, o Papa Francisco, que está dizendo umas verdades. E está começando bem porque está dizendo umas verdades para dentro da Igreja. E o resto eu não sei. Eu pensei que, por causa da vinda dele aqui e da profundidade das coisas que ele debateu, a Igreja e nós íamos nos reunir, discutir, debater, mas nem se fala mais nada, absolutamente mais nada. Então, eu não sei. Eu, com 85 anos, estou até liberado. Acho que ninguém pode cobrar de mim nem a capacidade mental de acompanhar os acontecimentos. Mas que eu sofro muito eu sofro. No meu Partido, eu sou isolado, uma pessoa que é olhada: “Mas como? Não está vendo? Ele devia ter o vice-presidente; ele devia ter tantos ministérios; ele devia ter o Presidente da Câmara; ele devia ter o Presidente do Senado”. Mas de conteúdo ele não tem nada. De ideia, de princípio, de uma boa causa, não tem. E, se for analisar com profundidade, o PT também não tem. E, se for analisar com profundidade, o teu partido dá pena, pena no Rio Grande do Sul. Eles reuniram toda a Bancada do Rio Grande do PDT e exigiram a demissão do Ministro, e eles não deram bola. V. Exª, até aprendi muito, tive a honra de ser convidado por V. Exª para uma reunião onde um grupo conversou, mas, cá entre nós, até agora pouca coisa saiu. E V. Exª, que tem mais 50 anos de vida e que está aqui em Brasília, e é interessante como Brasília fala e Brasília comenta, dizendo que em Brasília é V. Exª... É o Deputado Federal, também do PDT, e é o nosso querido Senador daqui. Porque, cá entre nós, foi uma sucessão de fiascos que não se pode compreender. E, no entanto, não sei se V. Exª concorda comigo, mas a gente sente que Brasília está começando a ter um pensamento político. Eu fiz várias palestras, inclusive no Marista e na Universidade de Brasília, várias palestras, e a gente vê que a gurizada está interessada, está começando a se preocupar, está vencendo aquela etapa de olhar para o Congresso como coisa suja, passar longe para não se comprometer, e está querendo participar, discutir, debater. Desculpe, o que eu fiz foi um desabafo e tirei o tempo precioso de V. Exª.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado, Senador. É claro que o seu discurso enriquece tanto que, por mim, eu começava a debater tudo outra vez neste diálogo. Mas eu creio que há outros Senadores que querem falar, por isso eu agradeço e, Senador Randolfe, eu manifesto a minha tristeza, também, com a nossa incapacidade de sintonizar com o que o povo quer, por falta de uma bússola nossa e por causa, sobretudo, da indiferença de muitos na política hoje.

            Obrigado, Senador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/09/2013 - Página 67337