Discurso durante a 164ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a visita feita pela Subcomissão da Verdade, Memória e Justiça do Senado Federal ao 1º Batalhão de Polícia do Exército, no Rio de Janeiro, onde funcionou o DOI-Codi no período da ditadura militar.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Comentários sobre a visita feita pela Subcomissão da Verdade, Memória e Justiça do Senado Federal ao 1º Batalhão de Polícia do Exército, no Rio de Janeiro, onde funcionou o DOI-Codi no período da ditadura militar.
Publicação
Publicação no DSF de 25/09/2013 - Página 65920
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, COMISSÃO NACIONAL, VERDADE, REGISTRO, VISITA, LOCAL, QUARTEL, BATALHÃO, POLICIA, EXERCITO, FUNCIONAMENTO, SETOR, PERIODO, DITADURA, REGIME MILITAR, OCORRENCIA, TORTURA, VIOLENCIA, PRESO.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sempre aqui, Presidente Paulo Paim, aprendendo com os ensinamentos e com o exemplo de V. Exª.

            Senador Paim, quero aproveitar a tribuna para fazer um breve relato do dia de ontem, da nossa visita. Ontem, a Subcomissão da Verdade, da Memória e da Justiça do Senado Federal, Comissão essa presidida pelo Senador João Capiberibe, que tenho a honra de integrar e de ser seu Vice-Presidente, cumpriu uma das suas mais importantes missões. Foi a primeira missão externa dessa Subcomissão. Eu diria que uma das mais importantes missões, desde que foi constituída, ano passado, pela Presidente da República, a Comissão Nacional da Verdade.

            Eu digo, Senador Paim, nosso Presidente nesta sessão, neste momento, a Presidente da República, ao constituir a Comissão Nacional da Verdade, fez, concluiu, fez o gesto e o ato quando sancionou a criação da Comissão Nacional da Verdade, após um ato deste Parlamento em criar essa Comissão, Ao sancionar e dar posse aos membros dessa Comissão, ela constituiu uma instituição indispensável para a conclusão da transição democrática em nosso País.

            Quero reiterar aqui, Senador Paim, algo que já disse em outros momentos. Dentre 48 países que tiveram períodos tortuosos e traumáticos nas suas histórias, nenhuma transição política para a democracia foi tão demorada quanto temo sido a nossa. São 28 anos que separam a nossa democracia, do último governo militar, da constituição da nossa Comissão Nacional da Verdade. São 25 anos que separam a nossa primeira constituição de redemocratização da Comissão Nacional da Verdade. O processo não deveria ser assim.

            A Comissão Nacional da Verdade não deveria ser o fim do processo de redemocratização, porque não há processo de redemocratização que dure 25 anos. A transição democrática é um processo mais curto, está lenta demais. Está gradual demais a transição democrática em nosso País.

            Em todos os países desses que citei, em todos os países que consolidaram democracias estáveis, comissões nacionais da verdade foram o primeiro passo para isso. Foi assim na Argentina, inclusive com o julgamento daqueles que cometeram crimes durante o período de arbítrio; foi assim no Uruguai; foi assim no Chile; foi assim na África do Sul. Foi com a constituição de comissões nacionais da verdade que se iniciaram seus processos de redemocratização.

            O Brasil, lamentavelmente, ainda luta para desenterrar um doloroso legado, Presidente Paim, um doloroso legado perdido, que aos poucos e a duras penas vem sendo reconstituído. Os espectros dos mortos e desaparecidos pela ditadura continuam a nos assombrar e a nos envergonhar. O pior é que, além de nos assombrar e envergonhar, contrariam um conjunto de leis e tratados internacionais de que o nosso País é signatário. Repito: é um equívoco, não só com a história, é um equívoco com a verdade nós termos constituído uma Comissão Nacional da Verdade só 28 anos depois.

            Digo isso, Senador Paim, porque só teve um sentido a constituição da Subcomissão da Verdade, da Memória e da Justiça no âmbito da Comissão de Direitos Humanos daqui do Senado Federal: acompanhar a Comissão Nacional da Verdade, apoiar o seu trabalho e ser exultante para que o seu trabalho dê certo.

            É nesse sentido também que acredito que foi criada a Comissão da Verdade da Câmara dos Deputados. Foi criada para isso, para que o trabalho maior da Comissão Nacional dê certo.

            E por que é necessário que esse trabalho da Comissão Nacional dê certo? É só para recuperar a memória histórica? É só para saber o que aconteceu no período entre 1964 e 1985? É só para fazer um recorte arqueológico para os historiadores e para o futuro? Não. Eu acho que é mais que isso. Não é somente porque nós temos que nos encontrar com a nossa identidade, com a nossa história. Isso por si só era fundamental para encontrarmos a nossa identidade de brasileiros. É mais que isso. É para também saber o que aconteceu, é para saber que durante um período, uma página infeliz da nossa história, lamentavelmente houve tortura, houve morte, houve conflito ou guerra, como alguns preferirem, mas houve guerra contra brasileiros, contra jovens brasileiros.

            Sr. Presidente, é necessário isso, e eu quero citar aqui Jean Paul Sartre, num angustiado escrito, num angustiado ensaio escrito em meio ao espanto e à indignação provocados pelas revelações dos porões da guerra da Argélia. Esse brilhante filósofo francês, Jean Paul Sartre, advertiu o seguinte: “A tortura não é especificamente francesa, mas é uma praga que infecta toda a nossa era.”

            Sartre dizia isso naquele momento, entre os anos de 1957 e 1958, muito antes do que aconteceu no Brasil, em que a sociedade francesa e a sociedade mundial tomavam conhecimento do que o exército francês e as forças policiais da colônia tinham utilizado de emprego sistemático da tortura no enfrentamento aos rebeldes argelinos. Naquele momento, o exército francês se utilizou de tudo quanto foi tipo de tortura. Isso foi revelador para a sociedade francesa e mobilizou uma comoção generalizada.

            Essa comoção, Sr. Presidente, ocorrida na França, diante do que o exército francês fez contra o povo de uma ex-colônia sua, essa catarse pela qual Sartre dizia que a tortura não é um fenômeno só francês, mas é uma desgraça da nossa era, é essa catarse, Sr. Presidente, que nós ainda não fizemos. É essa catarse que nós ainda não realizamos.

            Sr. Presidente, a nossa Subcomissão da Memória, da Verdade e da Justiça, criada no âmbito da Comissão de Direitos Humanos, como eu já disse, realizou, ontem, a sua mais importante atividade, a primeira diligência externa e, eu repito, a sua mais importante atividade. Eu diria que a Comissão Nacional da Verdade, que lamentavelmente não esteve presente na diligência de ontem, deveria acompanhar a atividade que ontem nós fizemos.

            Nós organizamos uma visita ao Quartel do 1º Batalhão de Polícia do Exército, ao Quartel Marechal Zenóbio da Costa, localizado no Bairro da Tijuca no Rio de Janeiro.

            Nesse batalhão da Polícia do Exército funcionaram, entre os anos de 1964 e de 1985, as instalações do DOI-CODI, do centro de tortura da Ditadura Militar, exatamente nesse local. As revelações...

            Nós organizamos essa visita, que ocorreu não sem resistência, Sr. Presidente. Primeiro, poderíamos ter aprovado um requerimento de minha autoria na Comissão de Direitos Humanos. Houve reação a esse requerimento. Numa clara demonstração de que não temos no coração nenhum sentimento de revanchismo, mas somente de diálogo, fomos ao Ministro da Defesa. Nós nos dirigimos até o Ministro da Defesa na intenção de dialogar com o Ministro da Defesa e com o Comandante do Exército.

            Retiramos o requerimento e dialogamos sobre os termos das pessoas que deveriam fazer a visita ao Quartel Marechal Zenóbio da Costa. Recebemos, lamentavelmente, em decorrência disso uma informação primeira, dita contraditória, de veto à presença de uma Deputada, da companheira Deputada Luiza Erundina. Dissemos que não aceitávamos veto, voltamos ao Ministro da Defesa e, por fim, marcamos a visita que de fato ocorreu no último dia 23.

            Ao chegar lá, um claro agente que representa o que existe de mais atrasado, anacrônico, que representa um Brasil que não quer virar a página da história nacional, tentou tumultuar a visita. Nas não é a esse senhor e ao episódio com esse senhor que eu quero me referir, porque o episódio com ele foi isolado.

            Nós temos que registrar que não temos o que reclamar de como fomos recebidos por parte do Ministério da Defesa, por parte do Comando Militar do Leste, por parte dos Oficiais Comandantes da Polícia do Exército, por parte de todos os oficiais que lá estavam. Não temos o que reclamar do acesso que lá nos foi franqueado a todos os espaços do Batalhão da Polícia do Exército Marechal Zenóbio da Costa. Mas queremos destacar algumas coisas. Por exemplo, no relato, na explanação primeira que era feita pelo oficial sobre o espaço que funcionou como centro de tortura da ditadura dos anos 65 e 85.

            Durante o relato histórico, durante a cronologia do relato, foi simplesmente esquecido o período entre 1964 e 1985. Perguntados sobre isso, foi respondido o seguinte: “Não queremos lembrar o período em que ocorreu confrontação interna”.

            Ora não pode ser tratado como confrontação interna o que ocorreu naquele espaço. Naquele espaço concretamente ocorreram atos que violam todas as leis e todos os tratados das relações humanas. E não se trata de ideologia ou de posição política. Não está em nenhum preceito das relações humanas o direito que tem uma pessoa de torturar o corpo de outra pessoa para obter a sua verdade. Não está em nenhum tratado de relação humana, desde o Código de Hamurabi, não está estabelecido em lugar nenhum que para obter a sua verdade é possível ou necessário o instrumento da tortura ou qualquer instrumento de pressão sobre o outro. Não está isso em nenhum código factível de relações humanas.

            Então, o que ocorreu prática da tortura é crime, seja em que tempo for, seja em 1800, seja em 1900, seja em 1970, seja em 1980, seja nos anos atuais. Da mesma forma, Sr. Presidente, não existe... Eu quero apartar outro aspecto a ser dito: não existe partido político para a ditadura. Odeia-se qualquer que seja a ditadura, seja ela de direita, seja ela de esquerda. Qualquer um que tenha fortes convicções democráticas deve ter abjeção, ódio e nojo de qualquer ditadura, seja ela de esquerda, seja ela de direita. Não se justifica a existência de períodos e de estados de exceção. O estado de exceção instalado no Brasil só trouxe, portados e provas, desgraça ao povo brasileiro.

            Nesse período e durante o estado de exceção, não é só o relato das torturas ocorridas. E só para ficar no relato em relação às torturas ocorridas, eu queria destacar que, durante a visita, tivemos a presença e o testemunho de um companheiro, membro da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, o jornalista Álvaro Caldas, escritor, autor de Tirando o Capuz e Balé da Utopia, Professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário nos anos 70.

            Álvaro Caldas passou dois anos e meio preso nesse quartel da Polícia do Exército e foi preso durante duas oportunidades, em 1970 e em 1973.

            Álvaro Caldas, a sua presença nesse momento foi fundamental para relatar os detalhes e os locais que funcionaram como centro de tortura. A presença de Álvaro Caldas identificou o local onde funcionava o que era denominado “sala roxa”, que era a sala que funcionava como ambiente de tortura, onde existiam equipamentos de tortura, pau de arara, entre outros equipamentos, e onde existia uma espécie de antessala de tortura.

            Álvaro descreveu com riqueza de detalhes como ocorria e como funcionava a máquina de tortura do regime autoritário. 

            Essa catarse é necessária ser feita pela sociedade brasileira. E quero ter um diálogo com as nossas Forças Armadas. Eu quero ter um diálogo com o Exército Brasileiro. Eu quero estabelecer um diálogo com os oficiais que estiveram nos acompanhando.

            A atual geração de militares do Brasil não tem nenhuma responsabilidade pelo ocorrido entre os anos de 1964 e 1985. Nós temos que construir e assentar sobre as bases da formação da nossa oficialidade uma nova concepção.

            Não pode se assentar às bases de formação da nossa oficialidade a ideia de que o que aconteceu entre 1964 e 1985 foi uma confrontação interna. Não se pode continuar ensinando nos nossos quartéis, não se pode continuar ensinando à nossa oficialidade...

            (Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Senador Paulo Paim, meu caríssimo Presidente, não se pode continuar ensinando que, em 1964, o que aconteceu foi uma revolução para evitar o mal do comunismo, que o que existia, em 1964, era um governo comunista, que deveria haver um levante dos militares que foi fundamental e necessário para salvar o Brasil de um mal maior.

            Esta, em primeiro lugar, não era uma verdade histórica. Em segundo lugar, não pode ser ensinada à nossa oficialidade a cultura do ódio, a cultura que divide. Deve ser ensinado concretamente, que, em nenhum momento mais da história do País - e isso deve estar presente na cultura e na formação da nossa oficialidade...

            Essa cultura que está sendo ensinada é uma cultura que desinforma, é uma cultura avessa ao estado democrático de direito. O que deve ser ensinado é a cultura de respeito ao estado democrático de direito, de respeito à Constituição. A cultura que deve ser ensinada é a cultura de que não existe espaço fora da ordem do estado democrático de direito, que fora do Estado de Direito, fora da democracia não existe nenhuma ordem.

            Por isso, ao Exército brasileiro, às Forças Armadas, ao contrário de confrontação, este é um momento para serem dadas as mãos. Não existem caminhos antagônicos com as Forças Armadas nacionais, não existe caminho antagônico com o Exército brasileiro. Os caminhos da Comissão Nacional da Verdade, os caminhos das subcomissões da verdade da Câmara e do Senado são os mesmos pelo qual deve trilhar o Exército brasileiro, porque é o caminho do Brasil, é o caminho da ordem democrática.

            Esse caminho da ordem democrática só poderá ser restaurado, reconstituído, se o Brasil realizar essa sua autocrítica, essa sua catarse com seu passado, reconstruir a memória, recuperar o que aconteceu nesse triste período, em especial quando familiares de desaparecidos políticos puderem recuperar seus mortos, quando as mães puderem descobrir de fato o que aconteceu com seus filhos, em especial, quando as gerações do presente e as gerações do futuro puderem compreender o que de fato aconteceu no Brasil nesse triste período.

            Eu não tenho dúvida, Sr. Presidente, de que ontem foi um momento histórico, no 1º Batalhão da Polícia do Exército, a visita ocorrida. Mesmo que uns não queiram, mesmo que existam algumas figuras avessas à democracia, mesmo que existam algumas poucas figuras anacrônicas com o estado de direito, essas figuras são minoritárias e não deterão a marcha indelével do povo brasileiro e do Estado brasileiro à consolidação de uma sociedade justa que caminhará, oxalá, para ser igualitária, mas caminhará inexoravelmente para ser sempre democrática.

            Portanto, Sr. Presidente, saio convencido de que ontem vivemos um momento histórico, e essa Subcomissão terá ainda várias atividades a cumprir. Ainda há a Casa da Morte, que existiu e funcionou em Petrópolis, Senador Lindbergh - V. Exª é Senador pelo Estado do Rio de Janeiro -, que tem de ser visitada pela nossa Subcomissão e, em São Paulo, o local onde funcionou a Operação Bandeirantes, que tem de ser visitado. Há várias pessoas que devem ser chamadas para ser ouvidas pela nossa Subcomissão da Verdade e muitos passos ainda que necessitam ser dados. E repito: não há razão para esses passos serem dados…

(Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - … dissociados - falo isto para concluir, Sr. Presidente - do Exército Brasileiro, da Armada Brasileira, dissociados dos militares de nosso País.

            Os militares do nosso País tiveram uma tradição de defesa das instituições democráticas lamentavelmente rompida pelo golpe militar de 1964. É chegado o momento de recuperar a gloriosa história que se tem do nosso Exército, a gloriosa história que se tem das nossas Forças Armadas. E não haverá uma atitude mais altiva por parte das nossas Forças Armadas que a autocrítica do que aconteceu naquele momento, que a altivez com relação ao que aconteceu naquele momento, que responsabilizar quem foi culpado pelos crimes cometidos naquele momento e, sobretudo, que marchar de mãos dadas conosco para reconstruir e para consolidar, de fato, as instituições em nosso País, marchando conosco para encontrar, de fato, a verdade sobre esse período triste da história nacional.

            Embora uns poucos não queiram, o Brasil vai caminhar em um rumo definitivo e irreversível. Estou convencido disso. É pela recuperação de sua memória histórica que ele vai seguir a um rumo irreversível por caminhos democráticos.

            Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/09/2013 - Página 65920