Pronunciamento de Lindbergh Farias em 24/09/2013
Discurso durante a 164ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Louvor ao discurso da Presidente da República na Assembleia Geral das Nações Unidas; e outro assunto.
- Autor
- Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
- Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA CULTURAL, TRIBUTOS.
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO, POLITICA EXTERNA.:
- Louvor ao discurso da Presidente da República na Assembleia Geral das Nações Unidas; e outro assunto.
- Publicação
- Publicação no DSF de 25/09/2013 - Página 65923
- Assunto
- Outros > POLITICA CULTURAL, TRIBUTOS. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO, POLITICA EXTERNA.
- Indexação
-
- COMEMORAÇÃO, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, OBJETIVO, REDUÇÃO, IMPOSTOS, PRODUÇÃO, MUSICA, ISENÇÃO FISCAL, PRODUTO, ATIVIDADE CULTURAL.
- ELOGIO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DISCURSO, ABERTURA, ASSEMBLEIA GERAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), REPUDIO, TERRORISMO, PAIS ESTRANGEIRO, QUENIA, ESPIONAGEM, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), VIOLAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL, NECESSIDADE, ACORDO INTERNACIONAL, REGULAMENTAÇÃO, INTERNET, DEFESA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, COMBATE, POBREZA, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, CRITICA, REPRESENTAÇÃO, CONSELHO DE SEGURANÇA.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Paulo Paim, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, hoje, a Presidenta da República, Dilma Rousseff, na abertura do Debate Geral da 68ª Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada em Nova York, fez, a meu ver, um discurso histórico. Digo histórico sem medo de errar. Com efeito, poucas vezes, um representante brasileiro se posicionou de forma tão altiva e serena sobre tópicos absolutamente relevantes no cenário mundial.
Antes de iniciar o seu discurso propriamente dito, a Presidenta do Brasil expressou o repúdio do Governo e do povo brasileiro ao atentado terrorista ocorrido em Nairobi. Disse a Presidente: “Expresso as nossas condolências e a nossa solidariedade às famílias das vítimas, ao povo e ao governo do Quênia”. Creio, Sr. Presidente, que o Senado tem de se somar a essa manifestação da Presidenta da República. O atentado em Nairobi foi de extrema barbárie e merece pronto repúdio de todos nós.
Mas vamos à substância do pronunciamento. A Presidenta foi bastante dura quando abordou a questão da espionagem de autoridades, empresas, cidadãos comuns que causou indignação mundial
Mas não poderia ser de outra forma; realmente, não poderia ser. O caso é extremamente grave, especialmente para o Brasil, um dos principais alvos do processo. Assim expressou-se a nossa Presidente:
Imiscuir-se dessa forma na vida de outros países fere o Direito Internacional e afronta os princípios que devem reger as relações entre eles, sobretudo, entre nações amigas. Jamais pode uma soberania firmar-se em detrimento de outra soberania. Jamais pode o direito à segurança dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos e civis fundamentais dos cidadãos de outro país.
Como tantos outros latino-americanos [continua a Presidente], lutei contra o arbítrio e a censura e não posso deixar de defender de modo intransigente o direito à privacidade dos indivíduos e a soberania de meu País. Sem ele - direito à privacidade - não há verdadeira liberdade de expressão e opinião e, portanto, não há efetiva democracia. Sem respeito à soberania, não há base para o relacionamento entre as nações.
Estamos diante de um caso grave de violação dos direitos humanos e das liberdades civis; da invasão e captura de informações sigilosas relativas às atividades empresariais e, sobretudo, de desrespeito à soberania nacional do meu País.
Sr. Presidente, mais claro, impossível. Mais eloquente, também. Como cidadão brasileiro, não somente como Senador, sinto-me absolutamente representado pela Presidenta. Ela disse o que todos gostariam de ter dito, brasileiros e não brasileiros. Ela disse também o que nós, no Congresso Nacional, já havíamos expressado, tanto em voto de repúdio neste Senado Federal, quanto em moção de censura na Câmara dos Deputados.
É necessário ter coragem e altivez para dizer isso ao mundo, na casa da única superpotência. Porém, não se trata somente de coragem pessoal, trata-se, sobretudo, de demonstração de independência e altivez de um novo Brasil. Um País que, hoje, é grande protagonista internacional; um País cortejado e respeitado; um País que não se acanha em dizer o que precisa ser dito.
Um País governado por uma Presidenta que não hesita em cancelar uma visita de chefe de Estado aos EUA, uma honraria a poucos concedida, para proteger a soberania e a dignidade do Brasil.
Em outros tempos, não muito remotos, essa resposta firme e serena do Brasil talvez fosse impensável. Naqueles idos, quando se praticava uma política externa, assim digamos, menos altiva e mais genuflexa, não era aconselhável contrariar os desígnios insondáveis da única superpotência mundial. Ainda que se tivesse razão, como tinha, sem dúvida, e em toneladas, o embaixador Bustani, sacrificado no altar das posturas rasteiras que caracterizam as espinhas vergadas dos apequenados.
Não, definitivamente não. Naquele inglorioso passado recente, a visita teria sido mantida, jamais posta em dúvida, e as autoridades talvez já estivessem a salivar pensando em seu lugar à mesa da Casa Branca, demonstrando o indefectível reflexo condicionado, adquirido em décadas de amestrada subserviência. O chanceler, em ansiosa visita precursora, talvez já estivesse a desfilar no aeroporto de Washington. Talvez descalço, Sr. Presidente.
Felizmente, os tempos, como soe acontecer com os tempos, mudaram. Mudou, sobretudo, o Brasil. Mesmo o mais rigoroso e cético observador das relações internacionais hoje reconhece que o Brasil mudou inteiramente de patamar, no cenário mundial. Contribuiu muito para essa ascensão do País aquele Presidente monoglota, o qual, segundo diziam os néscios ilustrados, não podia governar o Brasil porque não falava inglês.
Bastou, ao que parece, o doce aroma da última flor do Lácio. Hoje, não somos superpotência que se excede no uso unilateral da força, mas já somos soft power que exerce considerável influência abusando do exemplo, da negociação e do respeito ao multilateralismo. De fato, o Brasil é atualmente um País cortejado e respeitado, que exerce um papel positivo e conciliador na ordem mundial, com absoluta transparência.
Para saber o que o Brasil quer, basta conversar. Microfones ocultos são desnecessários, bastam ouvidos atentos e algum cérebro.
Pois bem, o Brasil de hoje, ao contrário do Brasil de antanho, não podia reagir somente de forma retórica ante tal agressão aos direitos de todos os brasileiros.
O Brasil de hoje exigiu solução efetiva para o grave problema. A solução não veio; o Brasil não foi.
Mas a Dilma foi à ONU dizer que o Brasil de hoje não aceita essa agressão. Foi à ONU dizer também que o Brasil não precisa de proteção da única superpotência para combater o terrorismo.
Disse ela:
O Brasil [Senhor Presidente] sabe proteger-se. Repudia, combate e não dá abrigo a grupos terroristas. Somos um país democrático, cercado de países democráticos, pacíficos e respeitosos do Direito Internacional. Vivemos em paz com os nossos vizinhos há mais de 140 anos. […]
Governos e sociedades amigas, que buscam consolidar uma parceria efetivamente estratégica, como é o nosso caso, não podem permitir que ações ilegais, recorrentes, tenham curso como se fossem normais. Elas são inadmissíveis.
Porém, Sr. Presidente, a Presidenta Dilma não foi a Nova York somente para protestar. A Presidenta do Brasil foi à ONU, acima de tudo, para propor uma solução para esse grave problema.
Em um diagnóstico preciso, a Presidenta do Brasil afirmou:
O problema [porém] transcende o relacionamento bilateral de dois países. Afeta a própria comunidade internacional e dela exige resposta. As tecnologias de telecomunicação e informação não podem ser o novo campo de batalha entre os Estados. Este é o momento de criarmos as condições para evitar que o espaço cibernético seja instrumentalizado como arma de guerra, por meio da espionagem, da sabotagem, dos ataques contra sistemas e infraestrutura de outros países.
Por essa razão, o Brasil apresentará [ante a ONU, o foro apropriado] propostas para o estabelecimento de um marco civil multilateral para a governança e uso da Internet e de medidas que garantam uma efetiva proteção dos dados que por ela trafegam.
Atualmente, a Internet, um recurso extraordinário que se tornou um patrimônio de toda a humanidade, é dominada e regulamentada por uma única empresa privada norte-americana, a ICANN, que prioriza os interesses comerciais das grandes corporações, em detrimento dos interesses de países e povos.
Dilma também lançou os cinco grandes princípios que devem balizar essa governança multilateral da rede mundial de computadores. São eles:
1. Da liberdade de expressão, privacidade do indivíduo e respeito aos direitos humanos;
2. Da governança democrática, multilateral e aberta, exercida com transparência, estimulando a criação coletiva e a participação da sociedade, dos governos e do setor privado;
3. Da universalidade que assegura o desenvolvimento social e humano e a construção das sociedades inclusivas, e não discriminatórias;
4. Da diversidade cultural, sem imposição de crenças, costumes e valores;
5. Da neutralidade da rede, ao respeitar apenas critérios técnicos e éticos, tornando inadmissíveis restrições por motivos políticos, comerciais, religiosos ou de qualquer natureza.
A ONU tem de levar adiante essa discussão fundamental e estratégica. No fundo, esse debate tange ao fundo da democracia no mundo, pois a Internet vem se tornando, cada vez mais, o principal instrumento para criação e divulgação de informações - informações que são a matéria-prima das democracias do Planeta. E o aproveitamento do pleno potencial da Internet passa, assim, por uma regulação responsável, que garanta, ao mesmo tempo, liberdade de expressão, segurança e respeito aos direitos humanos.
Sr. Presidente, o recado da nossa Presidenta não ficou restrito a essas questões. Eu diria até que o recado fundamental não foi esse, muito embora esse venha merecendo maior visibilidade na mídia mundial. Com efeito, eu daria maior destaque ao fato de que a Presidenta do Brasil voltou a dizer ao mundo - a um mundo em crise e sem norte definido - que o combate à pobreza, à fome e à desigualdade constitui o maior desafio do nosso tempo.
A Presidenta Dilma afirmou com absoluta prioridade que:
O grande passo que demos na Reunião do Rio de Janeiro foi colocar a pobreza no centro da agenda do desenvolvimento sustentável. A pobreza, [...] [disse ela], não é um problema exclusivo dos países em desenvolvimento, e a proteção ambiental não é uma meta apenas para quando a pobreza estiver superada.
O sentido da agenda pós-2015 é a construção de um mundo no qual seja possível crescer, incluir, conservar e proteger.
Com isso, a Presidenta Dilma reafirmou o compromisso do Brasil com o desenvolvimento sustentável e recolocou o ser humano no centro da sustentabilidade.
Crescer e incluir sem proteger e conservar pode significar a eliminação de biomas e a destruição definitiva do equilíbrio climático. Porém, proteger e preservar sem crescer e incluir certamente significará a conservação da pobreza e a proteção à desigualdade.
A única sustentabilidade técnica e politicamente viável é a sustentabilidade humanista.
Devido a essa posição lúcida, a Presidenta do Brasil voltou também a insistir no enfrentamento comum à crise mundial.
Após lembrar que, segundo os dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho), há mais de 200 milhões de desempregados em todo o mundo, a Presidenta afirmou que este é o momento adequado para reforçar as tendências de crescimento da economia mundial que estão agora dando sinais de recuperação.
Os países emergentes, sozinhos, afirmou a Presidenta Dilma, não podem garantir a retomada do crescimento global. “Mais do que nunca, é preciso uma ação coordenada para reduzir o desemprego e restabelecer o dinamismo do comércio internacional. Estamos todos no mesmo barco”, disse.
Por último, a nossa Presidenta relembrou a limitada representação do Conselho de Segurança da ONU, em face dos novos desafios do século XXI.
Exemplos disso, afirmou a Presidenta, são a grande dificuldade de oferecer solução para o conflito sírio e a paralisia no tratamento da questão israelo-palestina. Em importantes temas, a recorrente polarização entre os membros permanentes gera imobilismo e perigo.
A nossa Presidente afirmou, a respeito do Conselho de Segurança da ONU, com grande acerto:
Urge dotar o Conselho de vozes ao mesmo tempo independentes e construtivas. Somente a ampliação do número de membros permanentes e não permanentes, e a inclusão de países em desenvolvimento em ambas as categorias, permitirá sanar o atual déficit de representatividade e legitimidade do Conselho.
Sr. Presidente, reafirmo o que disse no início: tratou-se de um discurso histórico, altivo, lúcido e sereno, que abrangeu temas espinhosos e difíceis.
Tratou-se, sobretudo, de um discurso à altura desse novo Brasil que todos estamos construindo: forte e soberano, de um lado, mas também, de outro lado, cooperativo, transparente, negociador e absolutamente comprometido com o multilateralismo, a cooperação internacional e o direito internacional público.
Esse novo Brasil se impõe e se faz respeitar no plano externo pelo exemplo, não pela força; pela negociação multilateral, não pela intervenção unilateral; pela capacidade de incluir, de integrar; pela transparência, não pelos segredos e pela bisbilhotagem.
E é também um país que faz respeitar porque se respeita; porque não se apequena mais; porque assume sua grandeza e sua responsabilidade internacional.
Porque, com Lula e com Dilma, assumiu um lugar destaque no cenário mundial, um lugar que ninguém mais tira.
O grande sociólogo Domenico De Masi afirmou recentemente:
O Brasil ainda hoje é menos conhecido e valorizado do que merece. O Brasil é quase tão grande como a China, mas é uma democracia. O Brasil é quase três vezes maior que a índia, tem quase o mesmo número de etnias e de religiões, mas vive em paz interna e em paz com os países limítrofes. O Brasil é quatro vezes maior que a zona do euro, mas tem um único governo e fala uma única língua. O Brasil é o país onde há mais católicos, mas onde a população vive da forma mais pagã. O Brasil é o único país no mundo onde a cultura ainda mantém características de solidariedade, sensualidade, alegria e receptividade.
Pois bem, Sr. Presidente, Dilma Rousseff fez hoje, na ONU, um discurso desse grande e novo Brasil.
Muito obrigado, Presidente Paim, pelo tempo que me concedeu V. Exª, que está desde cedo aqui no Senado Federal. Tivemos um dia muito proveitoso, em especial pela aprovação da PEC da Música, que eu acho que é uma conquista da música brasileira, uma conquista dos artistas, uma conquista do povo brasileiro. V. Exª sabe que um artista estrangeiro, como a Madonna, pagava aqui menos imposto do que um artista brasileiro na hora de produzir seu CD e seu DVD. E acho que é uma conquista do povo e dos consumidores também. Pode haver redução de até 25%, segundo falam alguns, do preço dos CDs e DVDs. E mais ainda: hoje, quando se baixa, por exemplo, uma música de Ivete Sangalo na internet ou no celular pela Oi, sabe quanto se paga de ICMS lá no Rio de Janeiro? São 35% de imposto.
A partir de agora, nós não vamos pagar mais impostos nem da União, nem estaduais, nem municipais, o que vai ser um grande sopro de desenvolvimento para a música popular brasileira.
Então, parabéns aos artistas que vieram aqui. Eu acho que hoje tivemos uma tarde noite memorável no Senado Federal.
E muito obrigado a V. Exª por ser este trabalhador de sempre, por estar aqui. Chegou tão cedo, e estamos ainda, às 21h36, num debate no plenário do Senado Federal.
Muito obrigado, Senador Paulo Paim.