Pronunciamento de Ângela Portela em 24/09/2013
Discurso durante a 164ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Considerações acerca do financiamento da saúde pública no Brasil.
- Autor
- Ângela Portela (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
- Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
SAUDE.:
- Considerações acerca do financiamento da saúde pública no Brasil.
- Publicação
- Publicação no DSF de 25/09/2013 - Página 66002
- Assunto
- Outros > SAUDE.
- Indexação
-
- REGISTRO, IMPORTANCIA, PROGRAMA DE GOVERNO, AMPLIAÇÃO, MEDICO, INTERIOR, NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO, GOVERNO FEDERAL, SAUDE, BRASIL, MELHORIA, QUALIDADE, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS).
A SRª ANGELA PORTELA (Bloco Apoio Governo/PT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores,
A sociedade brasileira vive momento histórico na busca de um sistema de saúde público, universal e de qualidade para todos. Registramos iniciativas extremamente importantes nesse sentido, como a adoção de programas promissores, caso do Mais Médicos, que conta com todo o nosso apoio.
O Senado está especialmente atento para esse problema, tanto assim que, na semana passada, promoveu sessão temática sobre o financiamento à saúde com presença dos ministros da Saúde, Alexandre Padilha, e do Planejamento, Miriam Belchior, além de outras autoridades e representantes de autoridades do setor. Nosso presidente Renan Calheiros fez uma avaliação sensata do quadro atual. O ministro Padilha apontou a necessidade de o financiamento contar com fluxo confiável e contínuo de recursos. Ele lamentou a extinção da CPMF, que representou decréscimo de R$ 200 milhões no orçamento da pasta em cinco anos.
Nesse sentido, a garantia de fontes estáveis para o financiamento da saúde tem sido um dos grandes desafios. Mesmo após a promulgação da Constituição de 1988 encontramos fortes resistências à vinculação específica e permanente de fontes de financiamento para o setor.
Foi o que ocorreu em 1993, em meio à primeira revisão constitucional, quando se desvinculou a saúde das despesas cobertas pelas contribuições sobre a folha de salários, que é a mais importante fonte de financiamento da seguridade social.
A partir daí, estabeleceu-se um sério desafio para a sociedade brasileira: a definição de pisos mínimos e permanentes de recursos financeiros a serem aplicados no Sistema Único de Saúde nos três níveis de gestão. Ainda temos um caminho a percorrer nesse sentido.
Sabemos que não se trata de uma causa pacífica. De um lado, existe plena consciência de que o Brasil investe pouco em saúde, o que se reflete na precariedade de sua rede de assistência médica, com efeitos visíveis, como as filas, o desabastecimento dos hospitais, a falta de profissionais, o desequilíbrio entre o setor público e o setor privado.
De outros, existe natural resistência ao engessamento de verbas públicas. Em um país de dimensões continentais, com população já superior a 200 milhões de habitantes, a necessidade de investimentos não se limita a um setor, mas precisa atender a vários, até para se garantir desenvolvimento equilibrado.
Foi assim que em 2012, ao se votar a Lei Complementar nº 141 para regulamentar a Emenda Constitucional nº 29, ficamos aquém do desejável para o financiamento da saúde.
De um lado, obtivemos uma definição de despesas em saúde, assim como fixamos responsabilidades para o financiamento por parte de estados e municípios. De outro, porém, preservou-se na esfera federal um nível de gastos incapaz de reverter o quadro de subfinanciamento que tem caracterizado a saúde pública nos últimos 25 anos.
A verdade é que, hoje, o setor público - aí incluídos os governos federal, estaduais e municipais - é responsável por apenas 42% dos gastos com saúde no País. O setor privado, composto pelas famílias e instituições sem fins lucrativos, respondem pelos 58% restantes. São os dados os mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com eles os gastos públicos em saúde representaram 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto os gastos privados alcançaram 4,9%.
Fica evidente, com esses números que não alcançamos uma universalidade completa com o Sistema Único de Saúde, nem conseguimos ganhos tão significativos na qualidade. A criação do SUS possibilitou a melhoria do acesso da população, mas essa melhoria do acesso ainda não é suficiente para cobrir as necessidades de saúde.
Houve avanços, sim, e avanços significativos. De acordo com dados do Ministério da Saúde, relativos a 2010, os gastos federais com saúde representaram R$ 63 bilhões. O próprio ministério informa que o governo quase triplicou os investimentos no setor entre 2002 e 2012.
Podemos conferir esses números. O valor investido na saúde passou de R$ 28,3 bilhões em 2002 para R$ 95,9 bilhões em 2012. Para 2013, há previsão de aumento desse total para R$ 99,3 bilhões.
O ministério cumpre a Emenda Constitucional 29, a que já nos referimos, estabelecendo que o investimento na saúde deve ser do mesmo valor do ano anterior, acrescido da variação nominal do PIB. De 2008 a 2012, informa o Ministério da Saúde, foram inclusive executados R$ 4,9 bilhões acima do exigido.
Mesmo assim, o governo brasileiro gasta menos que a média mundial com a saúde de seus cidadãos. Dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde, a OMS, confirmam que o País avançou na última década em relação aos investimentos na área. O resultado, porém, ainda o coloca em uma posição inferior à média global.
Segundo os dados da OMS, os gastos públicos mundiais com a saúde de cada cidadão chegaram a US$ 571 por ano em 2010. Essa é a última cifra disponível em escala mundial. No Brasil, esse gasto per capita somou US$ 466 por ano.
A OMS reconhece que, em uma década, o orçamento do setor no País cresceu quatro vezes. Em 2000, o governo destinava US$ 107 à saúde de cada cidadão.
Em resumo, o governo brasileiro efetivamente aumentou os investimentos em saúde. Mesmo assim, eles estão muito abaixo da média mundial - que inclui dezenas de países muito mais pobres que o nosso. Além disso, o sistema público responde ainda por parcela bem inferior aos gastos privados.
Esse quadro ilustra o que a OMS chama de subfinanciamento do sistema de saúde. Implica o afastamento do sistema de saúde do padrão de modelos universais de direitos sociais.
Uma vez mais, a própria Organização Mundial de Saúde indica que, em países que implementam sistemas públicos universais e de qualidade, os gastos em saúde alcançam a média de 7 % do PIB. E pelo menos 75% desses gastos são de responsabilidade pública.
Conhecemos o discurso que debita a “problemas de gestão” a incapacidade do sistema público de realizar despesas de forma crescente e com eficácia. No entanto, é a precarização da cobertura pública que determina espaços de ampliação do setor prestador privado. A seguir esse caminho, estaremos seguindo uma lógica contraditória de acumulação privada assentada no padrão de financiamento público.
Abre-se assim espaço para formas privatizantes de gestão dos estabelecimentos públicos de saúde, assim como sem estabelecem para os investimentos privados em saúde linhas especiais de financiamento de agências estatais e incentivos vários para a ampliação da capacidade instalada.
Precisamos, na verdade, aumentar o investimento público em saúde, invertendo a equação perversa que deixa ao setor privado a maior parcela desse financiamento. Precisamos ainda, por essa via, elevar a qualidade do setor público, tanto no que se refere à assistência médica propriamente dita quanto à gestão do sistema.
Precisamos, enfim, garantir justa remuneração aos profissionais do setor - aos médicos, aos enfermeiros e a todos os demais - de forma a garantir o imprescindível papel que desempenham na assistência aos brasileiros.
Só assim estaremos nos aproximando do que fazem os países mais desenvolvidos que contam com sistemas públicos de qualidade e atendendo às necessidades da população brasileira.